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Políticas sexuais das ditaduras civil-militares: autoritarismo, gênero e

lesbianidade no Brasil e na Argentina

Proponente: Julia Aleksandra Martucci Kumpera

Resumo da proposta

Entre as décadas de 1960 e 1980, as ditaduras civil-militares na América Latina


exerceram um controle político, social e moral cujo propósito era respaldar o projeto de
nação autoritário que se buscava implementar. Os agentes da repressão prenderam,
torturaram, desapareceram forçadamente e mandaram ao exílio milhares de pessoas
que questionaram a ordem vigente.
Nesse contexto, as mulheres foram tanto alvo da repressão quanto fonte de
resistência e contestação das ditaduras. As militantes, por exemplo, foram vistas pelos
militares como “mulheres masculinas” e/ou lésbicas/putas (Colling, 2015). Em situação
de encarceramento, elas foram submetidas a torturas sexuais que visavam aniquilar sua
subjetividade (Álvarez, 2015; Jelin, 2011; D’Antonio, 2016). Mulheres também foram
fundamentais para expandir o clima antiditatorial no início dos anos 1980, contribuindo
com os processos de redemocratização. As Mães e Avós da Praça de Maio, na
Argentina, denunciaram internacionalmente as violações aos direitos humanos no país,
enquanto reivindicavam que fossem encontradas as vítimas de desaparição forçada.
A historiografia das ditaduras vem mostrando que os projetos políticos de nação
dos militares foram informados por concepções de gênero e sexualidade (D’Antonio,
2015; Cowan, 2016; Brito, 2020). O autoritarismo, anticomunismo e moralismo dos
militares foram mobilizados por pânicos morais diversos, relacionados com a juventude,
o uso de drogas, o sexo, etc. As mulheres e os papeis sexuais desempenhados por elas
estiveram no cerne dessas preocupações.
Este minicurso examina as políticas sexuais das ditaduras no Brasil e na
Argentina, com enfoque particular nas lesbianidades. As políticas sexuais são
compreendidas como o conjunto de discursos institucionais e a atuação de órgãos
repressivos em torno de questões comportamentais, morais e sexuais. A análise de
representações sobre a lesbianidade e das suas medidas de controle e perseguição
permite compreender as articulações entre regimes políticos autoritários e formas de
regulação do gênero e da sexualidade, evidenciando uma dimensão muitas vezes
negligenciada das reflexões acadêmicas e do trabalho de memória sobre o período.

Ementa do minicurso
1ª aula (duração: 3 horas)
O que lésbicas tem a dizer sobre ditadura?
A primeira parte da aula será de introdução à temática geral do minicurso, com o objetivo
oferecer um panorama histórico geral das ditaduras civil-militares no Brasil e na
Argentina. Também serão abordadas as relações entre anticomunismo e moral sexual,
evidenciando como as ditaduras atualizaram a figura do inimigo comunista atrelando-o
ao comportamento e à sexualidade. Na segunda parte da aula, serão analisadas fontes
da imprensa lésbica e homossexual do período que trazem à tona as questões como o
anticomunismo, a patologização da lesbianidade e o discurso de defesa da moral e dos
bons costumes.

2ª aula (duração: 2 horas)


Indagando o controle estatal: reflexões a partir de fontes da repressão
Nesta aula serão analisadas as representações sobre a lesbianidade presentes em
fontes institucionais, como discursos de militares e documentos de órgãos da repressão.
Pretende-se evidenciar que as ditaduras buscaram implementar um ideal de “nação
heterossexual” (Curiel, 2013) e para isso mobilizaram questões sobre a juventude, a
família, o sexo, o uso de drogas, entre outras.

3ª aula (duração: 2 horas)


Direitos humanos e memória em perspectiva lésbica
Na última aula será debatida a memória social em torno às violações de direitos
humanos de lésbicas durante as ditaduras civil-militares. Para isso, será analisado o
Relatório da Comissão Nacional da Verdade (Brasil, 2014), especificamente o capítulo
“Ditadura e homossexualidades”, que apresenta recomendações de memória e
reparação simbólica para a população LGBT+. Também será analisado o debate
acadêmico e ativista sobre a denúncia dos “400 homossexuais desaparecidos” da
ditadura argentina. Com isso, pretende-se evidenciar que a temática do minicurso se
relaciona com questões atuais sobre direitos humanos e memória.

Bibliografia
BRITTO, Maurício. “A subversão pelo sexo: representações anticomunistas durante a
ditadura no Brasil”. Varia Historia, Belo Horizonte, v. 36, n. 72, p. 859-888, set.-dez.
2020. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/vh/a/5sYvKBJ35jH3JGGFyQyBNFx/abstract/?lang=pt. Acesso
em: 07 jul. 2023.
COWAN, Benjamin. Securing sex: morality and repression in the making of Cold War
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CURIEL, Ochy. La nación heterosexual: análisis del discurso jurídico y el régimen
heterosexual desde la antropología de la dominación. Bogotá: Brecha lésbica y en la
frontera, 2013.
D’ANTONIO, Débora. Deseo y represión: sexualidad, género y Estado en la historia
argentina reciente. Buenos Aires: Imago Mundi, 2015.
D’ANTONIO, Débora; SEMPOL, Diego. “Cono Sur, autoritarismos y disidencias sexo-
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FONTELES DUARTE, Ana Rita. “Gênero e comportamento a serviço da ditadura militar:
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HINNER, Hillary. “¿El ‘nunca más’ tiene género? Un análisis comparativo de las
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HTUN, Mala. Sex and the State. Abortion, Divorce, and the Family Under Latin
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2003.

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