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Universidade de Brasília

Departamento de Serviço Social


Coordenação de Graduação em Serviço Social - noturno
Professora: Valdenizia Bento Peixoto
Discente: Eduardo de Sousa Mota Vieira Teixeira nº190049511

Relatório Final do Programa de Iniciação Científica


2022/2023
A história da violência contra LGBTI+ no Brasil e suas nuances na
contemporaneidade

Introdução

O Brasil é o país que mais mata pessoas LGBTI+ no mundo. Essa realidade
afeta a vida política, econômica, cultural, relações interpessoais e até o acesso à
direitos por esse público. Por isso é importante que pesquisas sejam feitas para que
seja identificada a verdadeira natureza da violência a fim de reconhecer que elas
existem e têm uma origem histórica que ainda está apresente no inconsciente
coletivo reproduzindo o preconceito, a discriminação e a violência com base em
ideias que foram disseminadas ao longo do tempo pela igreja, estado e o discurso
médico cientifico. Explicitar a construção histórica da violência é uma forma de
perceber as ações homofóbicas e transfóbicas dentro da realidade atual e
estabelecer formas de enfrentamento por meio da desconstrução dessa mesma
história. Esse artigo busca desconstruir conceitos já engessados por meio de
pesquisas bibliográficas e análise de dados baseados na teoria crítica sobre as
violências contra pessoas homossexuais, transexuais e transgêneros. O objetivo é
trazer a reflexão sobre a origem dos preconceitos, estigmas e discriminações e seus
efeitos na contemporaneidade para que seja percebida e combatida no campo do
discurso e consequentemente reverbere nos direitos e no bem-viver dessa
população.
Atualmente o Estado brasileiro não faz levantamento de dados sobre a
situação da população LGBTI+, logo, o acesso a direitos e o bem viver é uma luta
constante das redes de movimentos sociais que vêm fazendo esse trabalho e
movimentando o governo para o reconhecimento da desigualdade histórica
existente entre as sexualidades e identidades de gênero. Mesmo assim as ações
são poucas e os resultados insatisfatórios, tendo em vista que em 2023 o Brasil
ainda está na posição de maior violador do direito à vida dessas pessoas.
O governo brasileiro tem equipamentos que alcançam a vida das famílias e
indivíduos. As unidades públicas de atendimento à população, onde os direitos se
materializam, recebem recorrentemente demandas que partem da violência devido
a sexualidade ou identidade de gênero, que muitas vezes se mesclam e perdem a
característica própria de cada tipo de agressão e logo não alcança as
especificidades de cada tipo de violência. E apesar dos movimentos sociais anti
LGBTIfobia, Organizações da Sociedade Civil e as Organizações não
Governamentais estarem atuando com a produção de conhecimentos específicos
sobre o tema, é necessário que o Estado tenha posicionamento, pois a superação
da violência contra pessoas LGBTI+ requer leis que garantam a proteção física e
moral e promovam o conhecimento sobre as especificidades de cada grupo e o
bem-viver dessa população. E de forma geral, essa pesquisa pretende contribuir
com o combate às discriminações por meio da explicitação histórica e
desconstrução do discurso.

O Terror secular - controle sob os corpos no Brasil:

A história da violência contra os corpos LGBTI+ a partir do “terror secular”,


assim nomeado pelo jornalista João Silvério Trevisan, que se refere ao período cujo
conjunto de valores e regras da igreja, do discurso médico e do estado foram
instrumentos de imposição sob o comportamento de pessoas LGBTI+ os
estigmatizando, criminalizando e insinuando tratamento degradante por parte da
população ao longo dos séculos, principalmente, XVI, XVII e meados do século
XVIII. Ao longo do século XVIII e XIX novas formas de pensar as punições contra
indivíduos LGBTI+ foram desenvolvidas. No século XX por volta dos anos 60 e 70
grupos LGBTI+ começaram a se destacar pela arte crítica e manifestação das lutas
por cidadania e, ainda que no século XXI a visibilidade sobre o tema seja maior, o
terror secular deixou as marcas do estigma que gera violências graves a esse
público.
O Brasil dos anos de 1500, era um local de cumprimento de pena onde vários
criminosos foram degradados. Ao ser vislumbrado suas riquezas se torna uma
colônia portuguesa e logo é legitimada a intervenção do governo português que
chega com ideais estruturados pelo discurso canônico. Os primeiros oficiais
portugueses, como Pero Vaz de Caminha, Pero Correia e outros, ao chegarem no
Brasil coletaram informações sobre as condições e performance dos corpos dos
povos originários, chamando-os de índio por acharem que estavam na Índia. Eles
observavam em detalhes e faziam comparações com a Europa como parâmetros
que pudessem ser utilizados posteriormente para colonização.
Pero Vaz de Caminha foi um dos homens responsáveis pela tarefa de
investigar o novo mundo. As análises feitas por Caminha, partiam do pressuposto
de que há na natureza, criada por um Deus, um papel para cada gênero que deveria
seguir determinada sexualidade e isso precisava ser imposto aos indígenas para
que pudessem continuar a colonização. Logo fizeram questão inserir tal cultura nos
moldes ocidentais os hierarquizando e inferiorizando como mostra a carta escrita
pelo padre Pero Correia em 1551, tratando do gênero e da sexualidade dos nativos:

ambos terem o hábito de possuir muitas mulheres, pregar suas crenças de


madrugada e gostar do “pecado contra a natureza”, ou seja, a sodomia.
Concluía a carta afirmando que havia entre as índias algumas que não só
pegavam em armas, mas também realizavam outras funções de homens e
eram casadas com outras mulheres. Chamá-las de mulheres era, segundo
ele, a maior injúria que se lhes poderia fazer (AMANTINO, 2011; p.18).

Os europeus possuíam uma moralidade pré-concebida e tanta certeza da


verdade absoluta que eram capazes de qualquer coisa para alcançar seus
interesses e estabelecer a superioridade de seus discursos por meio de normas e
punições que eram absolutamente violentas e injustas. As punições iam desde
multas, confisco de bens e prisões até o degredo do país de origem, açoite público e
trabalho forçado. Elas ocorreram ao longo dos “séculos XVI, XVII e XVIII, não
apenas a Espanha, Portugal, França e Itália católicas mas também a lnglaterra,
Suíça e Holanda protestantes puniam severamente a sodomia.” (TREVISAN, 2000;
p.127). Assim, demonstravam o poder de seus ideais de forma onisciente e
onipresente pois estavam fundamentados nos princípios daquele que tudo vê, ou
seja o Deus que sabe de todas as coisas e que punirá caso não siga as regras,
mesmo se fosse aristocrata, religioso ou mesmo da realeza. Com esse mecanismo
de alienação foi possível o acirramento do processo de exclusão social e
desigualdade entre os corpos.
Mas ainda que fosse assim, parecia haver uma hierarquia no reconhecimento
do delito sexual já que quando praticados contra e por escravos, geralmente negros,
não parecem ter tido grande importância, provavelmente devido a objetificação dos
seus corpos, afinal eram utilizados como cobaias para exploração da sexualidade
dos filhos dos senhores engenho, como mostra Trevisan era com as escravas e os :

as escravas que os filhos dos senhores de engenho iniciavam sua


vida erótica, da qual não excluíram os negrinhos da mesma idade
como seus joguetes sexuais: na verdade, era frequente que o
menino branco se iniciasse no amor físico mediante a submissão do
negrinho seu companheiro de folguedos, significativamente
conhecido com o apelido de leva-pancadas (TREVISAN, 2000;
p.116).

O controle do discurso no século XVIII estava tomado pelas ideias iluministas


que estavam sendo perpassadas pelas elites brancas no final do período colonial e
logo que o Brasil se tornou independente em 1822 adotaram tal filosofia cuja
inspiração vinha do Código Napoleônico que considerava a pena de morte para os
sodomitas uma atrocidade, porém mantinham a “decência pública” como
fundamento que permitia a violência como punição. Por isso o crime por ofensa à
moral e bons costumes ou ultraje a rigor cuja subjetividade abriu entendimentos,
como, por exemplo, a indecência pública da manifestação de afetos homossexuais
e da expressão de imagem oposta ao gênero designado.
A nova perspectiva faz com que as violências contra pessoas LGBTI+
mudem a roupagem pois com a independência do Brasil em 1822 a ciência e a
moral passa a atuar conjuntamente na lógica de subordinação dessas identidades
baseadas em discriminações históricas que mantinha consigo o privilégio dado ao
homem, branco, heterossexual e cisgênero de ser o detentor da evolução e do
desenvolvimento de uma nação civilizada, víril e superior a todas as outras e assim
estebelecendo o domínio do desejo masculino pautado na heterossexualidade.
o desejo da nação como um projeto político embranquecedor assentado no
que hoje chamaríamos de domínio do desejo heterossexual masculino. O
desejo “desejável”, portanto, devia ser hierarquizado alçando ao topo o
masculino, branco e heterossexual. (MISKOLCI, 2013, p.67).

Nessa lógica estava, também, a interpretação jurídica limitada a medir as


punições do Brasil por concepções que foram estruturadas com violência em prol da
preservação de uma raça e destruição do outro, não reconhecido dentro da
preocupação com a preservação do bem estar da humanidade. A chegada dos
movimentos higienistas no final do século XIX e início do século XX protestando
pela reforma sanitária demonstrou claramente isso.
A Reforma sanitária foi um movimento burguês que utilizou da higiene como
estratégia para entrar no núcleo familiar, de forma que o estado toma como
responsabilidade os corpos, as emoções e a sexualidade dos indivíduos com o
objetivo de melhorar a raça e engrandecer a pátria por meio do discurso do corpo
saudável, que expressa fielmente o ideal de superioridade racial, construindo
modelos rigorosos de boa conduta e impondo uma sexualidade considerada
higienizada dentro da família patriarcal. Essa forma de pensar era disseminada por
vários juristas como o Dr. Viveiro de Castro que acreditava na cadeia
“perversão-hereditariedade-degenerescência” consistituída na ideia de que a
homossexualidade seria uma anomalia sexual, herdada da mãe, que necessitava de
intervenção normalizadora.

“Influenciados pela cadeia perversão-hereditariedade-degenerescência


criada pela Medicina, para os juristas brasileiros do Final do século XIX e
início do XX que partilhavam das teses da chamada nova escola penal de
caráter positivista a desordem social verificada no país teria origem na
constituição anômala do homem, que necessitaria de intervenção
normalizadora.” (MARTINS, 1996, p.63)

A crença nos valores patriarcais e o discurso médico-legal deixaram a


burguesia mais vulnerável ao desejo desviante e ao pânico da homofobia. Vários
juristas escreveram artigos e deram entrevistas com recomendações aos pais e as
escolas que tinham crianças para evitar que eles se tornassem homossexuais,
patologizaram essa expressão da sexualidade, criaram um perfil de identificação e
tratamentos que diziam curar a homossexualidade. Mesmo que tudo isso fosse
inconclusivo, pois cada LGBTI+ vai ter características próprias, havia a necessidade
de legitimar o discurso das elites para que pudessem continuar com seu projeto de
nação. Assim multiplicaram de forma muito insistente as ideias de sexos normais e
anormais dentro das instituições com vários detalhes (FOUCAULT,1988) com a
finalidade de marginalizar as pessoas LGBTI+.
As elites brancas tinham, e até hoje têm, muito poder sob a política,
economia, religião, cultura e das ciências, utilizando desse poder prepararam
caminhos ideológicos de dominação da população, utilizam da censura de tudo o
que eles consideram impróprio para as famílias brasileiras e boicotam aqueles que
expõe a diversidade de gênero e sexualidade, atrapalhando o desenvolvimento da
pluralidade de seres de forma totalmente legalizada.
O Código Penal de 1940 mantém o que está previsto no código das Filipinas
quanto à moral e aos bons costumes. Esse dispositivo subjetiva o entendimento da
prática da homoafetividade pois um abraço entre homens em público, um beijo na
testa ou um toque nas mãos pode ser mal interpretando e logo há a inferiorização
da família pela sociedade e a criminalização das trocas afeto de carinho e amor
entre pessoas do mesmo sexo para manter o controle sobre a reprodução dos
corpos humanos. Inclusive durante a ditadura militar em 1967, foi sancionada a Lei
nº 5.250 que regula a liberdade de manifestação do pensamento e de informação,
foi essa lei que legitimou prisões injustas e censura a veiculação de assuntos
relacionados à LGBTI+ . Em seguida, nos anos 70, o desemprego e a deterioração
dos salários e condições de vida (Targina; 2019), isso trouxe a urgência na
atualização do aparelho estatal pelos jovens que passaram a perceber e manifestar
pela democracia. Os manifestantes foram duramente estigmatizados de drogados e
homossexuais, chamados de androginistas na época.
Ao longo dos anos 1970 e 1990 vários movimentos sociais se reuniram para
lutar por direito à cidadania tendo a democracia como forma de acesso ao poder
estatal pela população. Esse processo provocou várias manifestações sociais
durante a construção da Constituição Federal de 1988, em que houve a polêmica
votação de um dispositivo que criminalizava a discriminação por orientação sexual,
sendo rejeitado pela a maioria do congresso. A bancada evangélica aplaudiu a
votação e comemorou com seus discursos opressores. Logo, a CF/88 que deveria
garantir o acesso a direitos por todos os cidadãos ao não reconhecer a
desigualdade histórica existente entre as sexualidades incluiu subalternamente a
população LGBTI+, pois violação e a omissão estatal dos direitos de liberdade e
igualdade os manteve inferiorizados e desprotegidos (PRADO; 2008), como é
possível abstrair do caso Renildo José dos Santos em 1993 o vereador foi
torturado, assassinado e mutilado após assumir a bissexualidade em uma rádio
brasileira (TREVISAN, 2000, p.158), o assassino foi preso em 2015 (TVGazeta
Alagoas, 2015, in: https://g1.globo.com) A brutalidade dos assassinatos e a
violência institucional advindas de preconceitos é o que mais marca a violência por
LGBTfobia no século XXI.
Durante os anos 1990 as redes de movimentos sociais (Scherer-Warren;
2011) foram institucionalizadas devido às novas formas de expressão da política
neoliberal com aumento da prestação de serviços e relativização dos direitos
trabalhistas. Isso resulta na necessidade de atuação dos movimentos sociais no
atendimento primário das demandas do público LGBTI+. Esse fenômeno é chamado
de Pluralismo do Bem-Estar atribui ao indivíduo e a família a responsabilidade por
suas demandas que eventualmente podem ser compartilhadas pelo Estado e pela
sociedade (Targina, 2019). Esse posicionamento resultou na falta de vários dados
estatísticos sobre pessoas LGBT+ e os adquiridos são subnotificados já que são
coletados em jornais, revistas e reportagens que geralmente contém a ocultação de
várias informações sobre as vítimas e fortalecer o discurso dominante burguês.
Por fim, abstrai-se que ao longo de todos os momentos históricos
apresentados, houveram mudanças na forma de legitimar o discurso opressor, mas
a sua essência repressiva foi mantida pela sociedade burguesa. Os capitalistas
reproduzem a ideia do fim da sociedade pela existência de pessoas LGBTI+ pois
não podem se reproduzir da forma cisheterossexual. Mas isso é devido a
necessidade de que se tenha pessoas para montar o exército de reservas e assim
tratá-las como parte dos seus meios de produção de lucro e extrair a “mais-valia”
desses trabalhadores em troca de meios de subsistência, no caso o capital. E é por
meio da obstinação do discurso da meritocracia e do capital que as pessoas são
obrigadas a seguir seus valores em troca de sobrevivência e inclusão na sociedade
contemporânea.
Impacto no século XXI

Os anos 2000 inicia-se com a explicitação da opressão, e a partir disto, os


indivíduos passam a exigir mais enfaticamente seus direitos constitucionalmente
garantidos, se enxergando enquanto sujeitos com uma identidade que está sendo
ameaçada (PRADO; 2008). Passam a lutar pela própria sobrevivência no campo
político por meio dos movimentos sociais de luta contra violência LGBTI+ , porém
isso não impede que ela deixe de acontecer. Apesar de não ser mais uma proibição
estatal, no âmbito moralista muitas pessoas e outros profissionais acreditam na
ideia da patologização da homossexualidade. Logo devido a construção histórica
cujo moralismo sobre as sexualidades e gêneros mantinham um caráter punitivo e
negativo, hoje a falta de dispositivos de proteção sobre elas gera a inclusão
subalternizada.
A maneira subalternizada de inclusão social faz jus à luta por acesso à
direitos constitucionais de liberdade e igualdade por meio de grupos de
pesquisadores, artistas e estudantes LGBTI+ e simpatizantes que se reúnem para
lutar contra o preconceito de diversas formas e chamar atenção do Estado por meio
de diversas expressões artísticas, manifestações, coleta de dados e produção de
conhecimento com reflexões que podem ser encontradas na internet, porém só
estam disponíveis a partir do Relatório de 2011 sobre “assassinato de
homossexuais (lgbt)” no Brasil feito pelo Grupo Gay da Bahia e pelo Homofobia
Mata, publicada também Observatório de Mortes e Violência LGBT no Brasil .ORG.
O Relatório de 2011 mostra que de 2007 até 2010 houve aumento de 138
assassinatos por LGBTIfóbia. Em 2011, dos 266 mortos registrados por meio de
jornais e notícias, pois o Estado não registra esses dados, 60% eram homens gays
e 37% de travestis. O Relatório de 2015 mostra que o número aumentou para 318
mortes, 52% homens gays e 37%travestis, um dado que chama atenção é que 7%
dos indivíduos mortos eram héteros que foram confundidos. No ano de 2019, 329
vidas LGBTI+ foram retiradas e novamente gays e travestis foram os mais violados
com 52,89% e 27,05% respectivamente, a maioria pessoas pardas e negras (211).
Já em 2020 durante a pandemia de COVID-19, 237 LGBTI+ foram assassinadas ou
se suicidaram, “ as travestis e mulheres trans ultrapassaram os gays em número de
mortes: 161 travestis e mulheres trans (70%), 51 gays (22%) 10 lésbicas (5%), 3
homens trans (1%), 3 bissexuais (1%) e 2 heterossexuais confundidos com gays
(0,4%).” (Observatório de Mortes e Violência LGBTI+; 2020). Três dos períodos
apresentados tinha como maioria das vítimas pessoas brancas, gays e mulheres
transsexuais que estão no polo passivo associado nas relações de gênero às
mulheres. Isso pode ser explicado porque “ nossa elite considerava que o futuro da
nação brasileira dependia de casais reprodutivos formados a partir do homem
branco” (MISKOLCI; 2013), nessa lógica, as vítimas que negam a “vocação natural
do homem” inferioriza a raça e a nação e por não se reproduzirem não são naturais
e logo são doentes ou degenerados necessitando serem apagadas da sociedade, o
que não significa que o racismo não esteja presente, na verdade ele pode estar
inserido na subnotificação dos casos, já que há a marginalização dos corpos negros
em todos os sentidos. Logo, as questões de raça, gênero e sexualidade estão
interseccionadas na lógica da punição presente no inconsciente coletivo que
reverbera negativamente na relação com corpos que renunciam ao
heteropatriarcado.
As punições expressam a necessidade de hierarquização e controle sobre a
reprodução daquelas identidades que só podem ser expressas no particular.
Quando ela extravassa o público vídeos de tortura e espancamento de pessoas
LGBTI+ são compartilhados e demonstram o desprezo e desumanização com esses
corpos e a suas imagens, pois uma das características desses crimes é a destruição
física com facadas no rosto, vários tiros mesmo quando já está visivelmente morta e
mutilação tanto dos orgãos genitais quanto de outras partes, conforme todos os
relatórios do GGB desde 2011. As duas organizações também apontam que a
maioria das violências ocorrem dentro da própria residência das vítimas, muitas
vezes dentro do próprio ciclo familiar onde deveriam estar protegidas e acabam
carregando o trauma da exclusão que é gerada pelo medo da família da marca da
desonra dada pela sociedade. Esse é o legado das punições que eram dadas pelo
Estado durante o terror secular e que vêm sendo impostas sobre suas famílias e a
elas por meio do risco de violência quando estão em público.
Essa violência ao ser tipificada como Lesão Corporal não recebe a punição
adequada ao caso, por isso em 2019 foi votada pelo STF a Ação Direta de
Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) que define a violência por orientação
sexual e identidade de gênero como equiparado ao crime de racismo.
Atualmente, devido a ADO 26/2019 votada favoravelmente pelo STF o crime
de discriminação por homofobia e transfobia está “como tipo penal definido na Lei
do Racismo (Lei 7.716/1989) até que o Congresso Nacional edite lei sobre a
matéria.” (STF; 2019). Isso significa que várias manifestações da discriminação
terão penas maiores e punições mais severas. Considerando os dados dos relatório
conjuntos publicados pelo Observatório de Mortes Violentas LGBTI+ no período
anterior a discussão o número de mortos por LGBTfobia já havia chegado em 420 e
se comparado o número de mortos em 2000 ao ano de 2017, que mais matou
pessoas LGBTI+, o aumento foi de 242,3%. Após a decisão ocorreu uma queda de
77,7% da taxa média de mortos, mas isso é insuficiente já que, em 2020, mesmo
com o isolamento social total, várias pessoas LGBTI+ foram assassinadas ou se
suicidaram dentro de suas próprias casas, em 2021 um aumento de 33% no número
de mortes e nos quatro primeiros meses de 2023 80 pessoas já foram mortas por
LGBTfobia . Isso significa que apesar das normas estatais vários jovens ao serem
expostos são expulsos de casa, podem sofrem violências físicas na rua e o
completo desprezo da sociedade, gerando ainda mais riscos sociais.

Conclusão

O que se conclui da pesquisa é que a sociedade passou por várias


transformações em vários níveis e dimensões da vida humana, mas pouca coisa
mudou nas relações de hierarquização das relações de raça, gênero, etnia e
sexualidade. As instituições, os espaços públicos, as relações sociais estão todas,
mesmo que implicitamente, carregadas de estigmas construídos ao longo da
história. Mesmo assim, pouca coisa tem sido feita pelos governos, os debates ficam
internalizados nas comissões, câmaras e frentes dos poderes legislativos, executivo
e judiciários mas não parecem ser disseminadas para o âmbito da sociedade
brasileira. Isso mostra que determinadas estruturas estão tão bem construídas em
bases morais que é difícil pensar inclusão, pois as normas eclesiásticas estão
engessadas nos parlamentos reproduzindo o discurso cisheteronormativo e
impedindo que a informação seja passada às crianças, adolescentes, jovens,
adultos e idosos, uma consciência de superioridade hetero que está impedindo o
bem viver de muitas pessoas LGBTI+.
O impedimento ao bem-viver das pessoas LGBTI+ está desde o discurso que
verbaliza a abjeção desses corpos gerando a violência psicológica que foi ensinada
pelos médicos e juristas no discurso médico, a ação própria da violência física que
foi ensinada pela igreja e pelo Estado ao estabelecer as mais bárbaras punições
físicas, a violência institucional dada pelo não reconhecimento da legitimidade
daquela identidade ou sexualidade, pela culpabilidade e pouca atenção dada às
demandas apresentadas por esse público e violência social pois o sistema
econômico não quer que essas pessoas existam e opta por marginaliza-las e não
inclui-las.
Logo é necessário que atitudes mais radicais sejam tomadas pelos
governantes para que se tenha o fim da exclusão social da população LGBTI+, o
debate precisa estar em todos os lugares. Isso significa que é necessário que o
Estado se proponha a reconhecer que esses indivíduos existem desde criança, que
eles precisam receber orientações e informações próprias sobre si mesmos, sobre
seus corpos, existência, sociabilidade e as pessoas ao redor também precisam
saber, conhecer e estarem mais próximas para que a verdadeira inclusão seja feita
e a construção social e moral histórica desconstruídas.

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (Distrito Federal). Celso de Mello . Ação


Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 26 de 13/06/2019. AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO – EXPOSIÇÃO E SUJEIÇÃO DOS
HOMOSSEXUAIS , TRANSGÊNEROS E DEMAIS INTEGRANTES DA
COMUNIDADE LGBTI+ A GRAVES OFENSAS AOS SEUS DIREITOS
FUNDAMENTAIS EM DECORRÊNCIA DE SUPERAÇÃO IRRAZOÁVEL DO LAPSO
TEMPORAL NECESSÁRIO À IMPLEMENTAÇÃO DOS MANDAMENTOS
CONSTITUCIONAIS DE CRIMINALIZAÇÃO INSTITUÍDOS PELO TEXTO
CONSTITUCIONAL (CF, art. 5º, incisos XLI e XLII). AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO 26 DISTRITO FEDERAL, Brasília, p.
2-566, 13 jun. 2019. Disponível em:
https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4515053. Acesso em: 24
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