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LÉLIA GONZÁLEZ: UM LEGADO PARA O FEMINISMO E O MOVIMENTO NEGRO


BRASILEIRO

Liliane Rodrigues de Azevedo 1

Resumo:
O presente artigo tem a finalidade de realizar um breve histórico sobre o início do
feminismo no Brasil e suas conquistas, trazendo a mudança para a realidade das
mulheres de diferentes épocas, relatando sobre a resistência do movimento negro
contra o racismo e o mito da democracia racial. Uma dessas mudanças é a
participação ativa da professora, intelectual, feminista, antropóloga e militante Lélia
González. Tentaremos divulgar sua importante trajetória nessa luta e seu legado para
os dias atuais. Somado a essas questões, o artigo trará como foco principal a ligação
das disciplinas ministradas no curso da turma 2017 da Licenciatura em Estudos
Africanos e Afro-Brasileiros da Universidade Federal do Maranhão com a participação
do feminismo de Lélia González.
Palavras-chave: Feminismo; mulher negra; resistência; movimento

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Acadêmico Licenciatura em Estudos Africanos e Afro-Brasileiros/UFMA
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1. Breve histórico do início do Feminismo no Brasil


Feminismo, no dicionário: ideologia que defende a igualdade, em todos os
aspectos (social, político, econômico), entre homens e mulheres; na sua etimologia:
Feminino: é a distinção natural, biológica e, no caso, de nós seres humanos, uma
mulher (do latim muliere) é um ser humano adulto do sexo feminino. -ismo: de origem
grega que exprime a ideia de fenômeno; geralmente está relacionada a uma atitude,
a uma participação ativa. E para as mulheres, o que representa esta palavra e seu
significado?
Os arquivos e a cultura material deixados pela História afirmam que o feminismo
no Brasil surgiu no século XIX, sendo manifestações que desafiaram tal século, uma
vez que a mulher era vista de maneira única, SERVIR, seja, para o lar com seus
cuidados, para o homem como objeto e para a sociedade como aquela que sempre
deveria “andar nos trilhos” e não tinha o direito de sua voz ser ouvida ou seus desejos
serem respeitados. Na Constituição Republicana de 1821 havia uma medida que dava
direito de voto para as mulheres, mas, em seguida, foi abolida pelo fato de acharem
que a política era uma atividade desonrosa para as mulheres.
O primeiro passo dado para que o rumo da história fosse outro, foi a da mineira e
feminista Mietta Santiago, nasceu em 1903 e faleceu em 195, foi escritora e advogada
onde notou que a proibição ao voto feminino contrariava o Artigo 70 da Constituição
da República Federativa dos Estados Unidos do Brasil, então em vigor. Dessa forma,
Mietta Santiago deu seguimento ao processo e assim lhe permitiu que votasse em si
mesma para um mandato de deputada federal. Apesar de não se eleger, foi uma
grande conquista e o pontapé inicial para todas as mulheres. Foi a partir desse fato
que o Partido Republicano do Rio Grande do Nortepôde candidatar Luiza Alzira
Soriano Teixeira, sendo então, o registro da 1ª mulher eleita no Brasil
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1.2 História e legado de Lélia González

Lélia de Almeida nasceu 01.02.1935 em Belo Horizonte – MG. Filha de operário


negro e doméstica indígena, Lélia foi a penúltima de dezoito irmãos. Quando ainda
era criança, sua família se mudou para o Rio de Janeiro. Seria ali o começo de uma
grande história. Já adulta, formou-se primeiramente em Ciências e Letras, nesse
período discurso pedagógico brasileiro e o sistema embranquecido fez com que ela
negasse suas raízes e ancestralidade; em seguida formou-se em História e Filosofia.
Ao cursar História, percebeu as contradições sociais e raciais e que suas verdadeiras
raízes eram diferentes e traziam realidades desastrosas e foi então que sua vida e
militância no feminismo iniciariam. Casou-se com o espanhol Luís Carlos, e foi aqui
que Lélia teve a certeza para que veio. Enquanto namoravam, a família do seu
namorado não fez pressão nenhuma, mas, foi a partir do casamento que as coisas
começariam a mudar. Não aceitavam a ideia de ter como membro da família uma
negra, devido a toda essa discriminação e situação em que ela e seu marido viviam,
ele não suportou e veio a suicidar-se. A partir desse triste episódio, Lélia passou a
usar o sobrenome González do seu marido como uma forma de homenagem e luta
contra a discriminação ao negro e em especial à mulher negra.

Lélia González “bateu de frente” com a discriminação e quebrou paradigmas, onde


diziam que no Brasil não existia racismo, uma vez em que as mulheres no período da
escravidão ou em épocas seguintes e até atuais foram vítimas e traduziram isso como
uma parte da miscigenação brasileira. Lélia foi fundadora do Movimento Negro
Unificado – MNU; do Instituto de Pesquisa das Culturas Negras do Rio de Janeiro –
IPCN-RJ; do Nzinga Coletivo de Mulheres Negras; do Olodum (Salvador). Participou
da 1ª composição do Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres – CNDM (1985-
1989), no governo do presidente José Sarney. Também se dedicou como escritora,
produzindo dois livros: “Festas Populares no Brasil” e “Lugar de Negro”, além de
outros escritos e palestras atuando contra o racismo e outras formas de discriminação.
Teve também importância nas universidades onde lecionou até seu falecimento aos
59 anos, em 1994, contribuindo assim para a formação acadêmica de muitos que
conviveram com ela e futuros estudantes.
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A partir deste ponto, o artigo irá fazer a ligação do legado que Lélia deixou para
o feminismo brasileiro com as disciplinas que foram ministradas na turma de 2017 do
curso de Licenciatura em Estudos Africanos e Afro-brasileiros da Universidade
Federal do Maranhão.

2. O lugar da mulher negra: da colônia a sociedade moderna


O negro era visto como um objeto, que não tinha sentimentos, sonhos, desejos.
Colocados a força nas situações mais humilhantes, nas tarefas mais cansativas e
degradantes, tinham a sua fé esmagada em todo o período colonial do Brasil e em
grande parte de sua independência, mesmo depois da abolição ter sido finalmente
ratificada. Classificados desde o primeiro instante que foram tirados de forma brutal
de sua terra, eram tidos de acordo com Freitas (1977) como produtivos (trabalhavam
diretamente para a sustentação da economia) e os não produtivos (dirigidos à
prestação de serviço) onde é fácil de compreender esse pensamento, onde o lucro a
custas dos escravizados era primordial para a manutenção dos prazeres da elite
branca.
Mas se formos mais a fundo deixando de lado aquela visão superficial sobre a
população negra escravizada, tirando o véu que nos foi colocado desde os primeiros
anos na escola, podemos fazer uma pergunta sem medo da resposta: E a mulher
negra, qual seu papel enquanto escravizada? Antes de mergulharmos nesse assunto,
devemos levar em conta que nossa historiografia por muitas décadas sofreu uma
grande influência marxista. Uma visão cristalizada que nunca observou os sujeitos
menores, sempre olhando os acontecimentos históricos “de cima para baixo” e nunca
o contrário, muito menos era levado em consideração nessas analises os escravos
que nem eram considerados seres humanos. Porém com maiores estudos e novas
pesquisas sugiram uma historiografia mais complexa e critica analisando de maneira
mais detalhista e dinâmica percebeu-se a necessidade de expor todas as visões
existentes que inclusive contribuí-o para a formação critica na década de 1970 e 1980
de Lélia Gonzalez que questionou e refletiu sobre o que hoje conhecemos como
FEMINISMO NEGRO, ela foi chamada de uma mulher á frente o seu tempo, pois foi
capaz de ver que dentro do próprio movimento que defende a igualdade entre
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gêneros, as dificuldades eram colocadas de maneira muito similar, como se a mulher


negra tivesse as mesmas condições de uma branca. Depois de décadas de a
escravidão ter sido abolida de nosso país, não tínhamos a sensibilidade em vê o
quanto a mulher negra em especifico, sofreu e ainda sofre com as grandes mazelas
sociais, culturais e educacionais mesmo atualmente tendo atualmente todos os diretos
básicos a vida garantida por lei, vivendo em sua maioria em regiões pobres, expostas
a todos os tipos de violência, ainda sendo responsáveis em cuidar do seu lá, que
inúmeras vezes não tem nenhuma condição de abriga-la de forma digna, o que deixa
claro que as mulheres afro-descendentes são maiores vítimas desse nosso passado
perturbador.
Mas para entendermos as questões atuais, de como chegamos a essa realidade
precisamos analisar de perto a nossa historiografia, não da visão dos grandes
“personagens“, como mencionado anteriormente, uma visão fortemente influenciada
principalmente por Caio Prado que em suas análises e teorias dominou durante
décadas a maneira de estuda a história do nosso país, mas do ponto de vista de quem
mais sofreu, os personagens a que muitos consideram menores ou sem importância,
sendo que foram estes que realmente acabaram moldando a nossa história.
Na colônia, cabiam as mulheres escravizadas dois tipos de obrigações que muitas
vezes constatamos serem retratas em novelas, series, filmes. A trabalhadora de eito
e as mucamas, esta última talvez fosse umas das mais dolorosas, pois eram
responsáveis diretamente em cuidar dos seus senhores, era delas o papel de zelar
pela casa grande: lavar, passar, cozinhar, fiar, tecer etc. Era das mãos delas, que
eram preparados à comida para aqueles que comandavam a sua vida, muitas vezes
estes mesmos que castigavam os seus filhos, irmãos, amigos, e o que podia esta
mulher fazer? Sendo que muitas vezes as mucamas mais atraentes ainda eram
obrigadas a força a satisfazer os desejos sexuais do seu dono, ou acabavam sendo
“responsáveis” pela iniciação sexual dos filhos dos seus donos, ainda tendo que
conviver com o rancor de suas senhoras por ter tido algum contato com seu esposo,
porém não podemos imaginar que essa “mãe preta” era acomodada com essa
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Situação, como inúmeras vezes são retratadas, Como se fosse possível conviver com
todas as formas de dor e humilhação, infelizmente muitas chegavam a tirar sua própria
vida, principalmente quando estavam grávidas, pois não queriam que seus filhos
passassem pelas péssimas condições em que viviam incapazes darem um mínimo de
conforto possível.
2.1Lélia Gonzalez: resistência contra o racismo
No século XVI, os negros foram trazidos do continente africano para serem
escravizados pelo português no território brasileiro. Ao longo do tempo, o Brasil foi se
modernizando, e o racismo institucional foi se criando. O negro não era reconhecido
como ser humano. A história africana foi abafada pelos europeus, pois se acreditava
que os negros eram um povo inferior.
Com a oficialização do fim do período da escravidão, o Brasil iniciou uma nova
fase que estabelecia padrões brancos, ou seja, mesmo os negros conquistando sua
liberdade no parâmetro jurídico, no social, contudo, viviam em uma falsa liberdade,
pois a abolição foi declarada sem a devida preocupação de como seria a
sobrevivência destes. Eram homens livres, porém desempregados e sem
propriedade, mesmo depois de anos de serviços prestados.
Aproveitando o fluxo de imigrações, no período pós-escravidão, a elite republicana
introduziu no seio da sociedade brasileira um novo processo que ficou conhecido
como branqueamento da população, que tinha como objetivo arrancar toda marca que
os negros deixaram no país. Essa tese foi sustentada com os argumentos de que
trazia avanço para o Brasil.
Com a adesão a essa política, a população brasileira, foi crescendo negando suas
raízes africanas, foi implantado que tudo que se remete ao indivíduo negro é negativo,
não possui valor ou não merece prestígio pela sociedade. A cultura negra foi ocultada
por diversas formas, criou-se um aparelho ideológico, que marginalizava as diversas
expressões culturais, tal como aconteceu com a proibição das rodas de capoeira, a
liberdade de professar sua fé etc.
Em 1890 a capoeira foi colocada fora da lei pelo Código Penal da República, que
dizia:
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Art. 402. Fazer nas ruas e praças públicas exercícios de agilidade e


destreza corporal, conhecidos pela denominação capoeiragem; andar
em carreiras, com armas ou instrumentos capazes de produzir uma
lesão corporal, promovendo tumulto ou desordens, ameaçando
pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor de algum mal: Pena: De
prisão cellular de dous meses a seis mezes[..[. (BARBIERI, 1993,
p.118).

Com diversas imposições eurocêntricas, às afro-descendência, foram negativando


a origem dos negros, assim como à sua aparência, tal como: cor, cabelos, roupas, em
razão de que seus estereótipos eram sempre associados em rótulos pejorativos. A
discriminação e a negação eram mais alarmantes no gênero feminino, pois além da
discriminação feita pelos brancos, os homens negros, estimulados pelo espírito
patriarcal, discriminavam também. A mulher negra foi por muito tempo estigmatizada
como objeto sexual e prestadora de serviços domésticos.
Lélia Gonzalez nasceu nessa sociedade em que os valores da cultura ocidental
branca são os considerados únicos verdadeiros e universais, entretanto ela se
recusou a viver essa denegação imposta aos negros. Sua vida foi marcada pela
militância contra a discriminação racial e de gênero, o seu posicionamento foi de suma
importância para o movimento negro e feminista do Brasil.
Gonzalez estimulava a população negra a denunciar o mito da democracia racial,
por meio da afirmação da identidade cultural, ou seja, da aceitação das suas origens;
orientava os negros a se organizarem e terem voz ativa na sociedade, reivindicarem
acesso a uma boa educação, a ocuparem bons cargos, a receberem um salário que
supra todas as suas necessidades e as de suas famílias; os homens e mulheres
deveriam reconhecer o seu valor e lutarem para que seja alcançado a igualdade racial
em todas os âmbitos da sociedade. Que o silêncio fosse rompido, que a voz fosse
usada como um instrumento de denúncia, sobretudo nos locais em que exista o
racismo velado ou institucionalizado.
Não podemos mais calar. A discriminação racial é um juízo marcante
na sociedade brasileira, que barra o desenvolvimento da comunidade
afro-Brasileira, destrói alma do homem negro e sua capacidade de
realização como ser humano[...]. (GONZALEZ,1982, p. 43).

O racismo velado ainda é uma das maiores barreiras, pois impossibilita a abertura
de debates sobre o tema, ou seja, inviabiliza sua extinção, por não ter culpados.
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Muitos foram e são os argumentos usados na tentativa de ocultar fatos, tal como essas
expressões que está sendo difundida, a saber: que o preconceito e o racismo estão
na cabeça de quem os vê; que e o racismo é uma invenção do próprio negro.
Pensamentos como esses ajudam no processo de esquecimento da história dos afro-
descendentes, que durante anos tiveram a sua humanidade negada pelo homem
branco. A negação da humanidade dos homens negros foi a justificativa para os anos
de escravidão.
Da notoriedade aos fatos é mecanismo de resistência. O negro não pode se calar
nunca, pois ainda vivemos sobre as repercussões do período da escravidão. Ainda é
muito comum na sociedade, de modo especial no âmbito escolar, o menosprezo pelo
negro e sua história. Um dos ensinamentos que a Lélia Gonzalez nos deixou foi à
resistência, a militância, que não deve se limitar apenas em passeata e cartazes, deve
se fazer resistência com a própria vida, ultrapassar os limites que o sistema social
impõe. É preciso dominar o campo acadêmico, a política, é preciso trabalhar para se
alcançar a liberdade real. Fazer memória à nossa origem é uma forma de resistência.
[..]Destacamos que se toda experiência social produz conhecimento
uma das funções do tempo de escola será educar a sensibilidade
dos(das) educadores(as) e dos(das) educando ao longo do percurso
de formação para captar e conhecer a rica pluralidade de experiências
sociais que tornam dinâmica e tensa a sociedade. Mostrar as relações
sociais, políticas, culturais em que essa riqueza de experiência vão
conformando nossa história[...]. (ARROYO.2013. p.124)

No atual cenário Brasileiro, a educação escolar tornou-se uma função de grande


relevância para melhorar a situação social econômica especialmente, o acesso da
comunidade negra no campo educacional, em 2008 foi aprovado o plano nacional das
diretrizes curriculares nacionais para educação das relações étnicas raciais e para o
ensino de história e cultura afro-Brasileira e africana.
A lei 10.639/03, foi alterada pela lei 11.645/08, que torna obrigatório o ensino da
história e cultura afro-brasileira e africana e indígena em todas as escolas, públicas e
particulares, do ensino fundamental até o ensino médio. Com o novo direcionamento
curricular, é notório que a comunidade escolar está percebendo que não se pode mas
aceitar que somente algumas culturas sejam contempladas nos currículos.
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É importante compreender que lei 10.639/03 representa uma importante alteração


na lei de diretrizes nacionais, pois já não se pode falar em uma lei especifica, mas sim
de uma legislação que rege toda a educação nacional, por isso o seu cumprimento é
obrigatório, ela se insere em um processo de luta pela superação do racismo na
sociedade brasileira e tem como protagonista o movimento negro e os demais grupos
e organizações participes da luta antirracista. Práticas de ações afirmativas na
educação básica brasileira entra como uma forma de correção da desigualdade
histórica que incidem sobre a população negra em nosso pais. A execução dessa lei
propicia um imaginário pedagógico, romper com o silenciamento sobre a realidade
africana e afro-brasileira nos currículos e práticas escolares e afirmar a história, a
Memória e a identidade de crianças e adolescentes negros. “Na educação, a teoria é
uma dimensão indispensável da prática (Carr,1996, p.68)
O currículo prescrito, quanto a seus conteúdos e a seus códigos, em suas diferentes
especialidades, expressa o conteúdo base da ordenação do sistema, estabelecendo
a sequência do progresso pela escolaridade e pelas especialidades que o compõem
(Sacristán, 2000, p.113).
As teorias do curriculum costumam ressaltar concepções políticas e técnicas
que, historicamente, têm sido ordenadas para administrá-lo, expressando fórmulas
para sua elaboração e desenvolvimento. Segundo Sacristán (1995), estas teorias
desempenham funções fundamentais para a seleção de temas e perspectivas, e dos
formatos a serem consumidos pelos professores; ressaltam certas funções dos
profissionais da educação e dão racionalidade às práticas escolares. Destacando a
resistência de Gonzalez e de outros líderes do movimento negro em fazer memória a
origem dos afro-descendentes, verificamos que o cumprimento da lei 11.645/08 ainda
encontra dificuldades em seu processo de execução. Essa
lentidão na execução nos faz analisar o papel do currículo e sua didática, como
instrumento de domínio
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Na escola pública estão alguns dos exemplos mais emblemáticos


deste racismo institucional: as enormes dificuldades de
implementação da lei 11645/08 – que modificou a lei 10639/03 –, que
determina o ensino da história da África no ensino fundamental, e o
debate sobre as cotas nas universidades públicas brasileiras. “Por que
tanta má vontade em implementar a lei 10639? Porque esta lei nos
humaniza. Eles nos coisificaram e nos transformaram em mercadoria
e máquina de trabalho. E a lei muda tudo isso, nos tira do submundo
da história, e nossa história nos humaniza”, afirma Olivia Santana,
vereadora de Salvador pelo PCdoB e militante da União de Negros
pela Igualdade na Bahia.(SANTANA,2017, Fórum Social Mundial
Temático da Bahia).

3.A ESCOLA COMO UM ÂMBITO DE REFERÊNCIA, MAS NÃO O ÚNICO


É importante notar que toda educação formal precisa colocar o educando em
contato direto com a esfera ‘’não cotidiana’’ isto é, com habilidades e conhecimentos
que não podem ser adquiridos natural e espontaneamente pelo aprendiz.

Dispensar a ação educativa é fundamentado nessa esfera, porém é um recurso no


qual a educação informal levada a cabo pela família, poderia contar o que foi feito,
historicamente falando, na época em que os saberes necessários à vida adulta
emanavam diretamente das relações sociais das crianças com os mais velhos.
Atualmente, dada a complexidade do cenário social, profissional e ideológico, a
pedagogia estaria fora do seu tempo ao insistir na possibilidade de educar crianças e
jovens partindo apenas da espontaneidade de seus espíritos, pois a esfera não
cotidiana não emerge naturalmente da vivência cotidiana.

Porém, seja qual for a conexão entre fazer e aprender, qualquer que seja a validez
da fórmula pragmática, sua aplicação à educação, ou seja, o modo de aprendizagem
da educação tende a tomar absoluto o mundo da infância, exatamente da maneira
como observamos, no caso do primeiro pressuposto básico, também sendo o pretexto
de respeitar a independência da criança, ela é excluída do mundo dos adultos e
mantida artificialmente no seu próprio mundo, essa retenção é artificial, porque
extingue o relacionamento natural, entre adultos e crianças, no qual outras coisa
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Consistem do ensino à aprendizagem, tanto é que oculta o tempo e o fato de que a


criança é um ser humano em desenvolvimento, de que a infância é uma etapa
temporária numa preparação para a condição adulta.

Paulo Freire afirmava que o educador ensina o educando, porém é uma


diversidade de educação, pois são trocas de conhecimentos vividos e compartilhados,
onde ambos tendem aprender um com o outro, a importância de todos dentro da
educação baseia-se em todos os profissionais que vivem direto e indiretamente com
os educandos, os auxiliares de limpeza ao professor, também devem ser capacitados,
uma vez que todos estão ligados ao processo educativo em uma escola.
Lélia Gonzalez foi educadora, ativista e intelectual de destaque, porém seu
pensamento contribuiu para a formação de uma consciência crítica em relação aos
preceitos que mantêm mulheres negras em desvantagem na sociedade. Historiadora,
antropóloga, filosofa, visto que ela é autora de diversos livros e artigos, além de
militante em movimentos sociais pela igualdade racial. Foi, ainda, uma das fundadoras
do Movimento Negro Unificado (MNU), principal canal de ressurgimento da luta pela
igualdade racial nos anos 1970.
A partir da experiência pessoal, buscou nos estudos da Psicanálise e na
Umbanda as reflexões sobre o impacto e a discriminação, trazendo-as para as
condições de vida da população negra no Brasil, principalmente as mulheres. A
antropologia inspirou a formação de uma consciência crítica, sua intensa militância
desconstruiu o mito da democracia racial, propôs modelos de identidade nacional e
provocou a visibilidade positiva da mulher negra, entretanto, o movimento social
problematizou a discriminação sofrida pelas mulheres, em razão do machismo.
Tendo em vista que no âmbito dos movimentos feministas, apontou para a
discriminação sofrida pelas mulheres devido a cor da pele. Lélia ressaltava o problema
racial que devem ser discutidos, dentro e fora das salas de aulas, mostrando o
semblante e a bandeira de luta, pois não adiantaria ficar calado em sala e fora dela
levantar bandeira.
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4. A ligua(gem) como processo de desconstrução: aspectos políticos,


econômicos e sociais.

A linguagem no Brasil, torna-se mais uma forma de exclusão de classes, mais


uma maneira de deixar visível a hierarquização racial e a estigmatizaram a partir do
ponto em que é colocada uma forma “correta” e privilegiada a uma classe social por e
para uma minoritária e privilegiada classe social, elitista, branca e heteronormativa em
que visa e conserva apenas influências europeias, como por exemplo, o português de
Portugal, por anos sendo imposta aos colonizados ,até por entenderem que
“enriquece” ou é mais “culto” e correto o uso destas linguagens. A partir desta
valorização da cultura branca surge o preconceito e a desvalorização da língua afro-
brasileira, da linguagem do nordestino, da própria mulher, assim como a negação das
influências culturais de origem africanas e indígenas em nosso país, que se constitui
da miscigenação de várias etnias.

[...] Talvez exista uma contradição de base entre ideologia


democrática e a ideologia que é implícita na existência de uma norma
linguística. Se segundo os princípios democráticos nenhuma
discriminação dos indivíduos tem razão de ser, com base em critérios
de raça, religião, credo político. A única brecha deixada aberta para a
discriminação é aquela que se baseia nos critérios da linguagem e da
educação. (GNERRE, Maurizzio, 1985 p.25)

Lélia escolheu romper com o vocabulário formal, tendo assim oportunidades de


diálogos com diferentes extratos sociais e movimentos de rua da periferia. González
participou ativamente de movimentos, militando pela criação de creches nas zonas
periféricas do Rio de Janeiro, reconhecia na militância, mais uma forma de diálogo
entre os seus.

Nos anos 70 e 80, Lélia produziu livros como: Festas populares no Brasil. Rio de
Janeiro,1987, e Lugar de negro (com Carlos Hasenbalg). Rio de Janeiro, 1982, e
ensaios e artigos como: Mulher negra, esse quilombola. ”( Folha de S.Paulo, Folhetim.
Domingo 22 de novembro de 1981). “A mulher negra na sociedade brasileira. ” In:
LUZ, Madel, T., org. O lugar da mulher; estudos sobre a condição feminina na
sociedade atual. Rio de Janeiro, Graal, 1982. 146p. p. 87-106. (Coleção Tendências,
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1.). “Racismo e sexismo na cultura brasileira. ” In: SILVA, Luiz Antônio Machado et
alii. Movimentos sociais urbanos, minorias étnicas e outros estudos. Brasília,
ANPOCS, 1983. 303p. p. 223-44. (Ciências Sociais Hoje, 2.
Ministrou palestras, e em todas as vias de comunicação, fazia questão de utilizar
uma linguagem informal, com algumas gírias, trazia consigo uma maneira
descontraída de dialogar, nas diversas entrevistas, rodas de conversas… em que fora
requisitada para palestras. A partir dessa sua atitude, fazia com que o “Pretuguês”,
expressão que utilizou para se contrapor as costumeiras falas elitizadas, mas do que
isso para que estes (as) indivíduos pudessem não fazer, ao menos sentir-se parte do
processo em alusão ao nosso português afro-brasileiro, para que assim fosse
respeitado e divulgado a aqueles que por não deterem uma educação privilegiada
pudessem ter acesso as suas obras, criando uma nova forma humana de linguagem.

[...]GONZALES, LÉLIA. Racismo e Sexismo na Cultura Brasileira, pg.


237. É engraçado como eles gozam a gente quando a gente diz que é
Framengo. Chamam a gente de ignorante dizendo que a gente fala
errado. E de repente ignoram que a presença desse r no lugar do l,
nada mais é que a marca linguística de um idioma africano, no qual o
l inexiste. Afinal, quem que é o ignorante? Ao mesmo tempo, acham o
maior barato a fala dita brasileira, que corta os erres dos infinitivos
verbais, que condensa você em cê, o está em tá e por aí afora. Não
sacam que tão falando pretuguês.

5. O MITO DA DEMOCRACIA RACIAL


Para entendermos a questão racial na América Latina, Lélia Gonzalez nos mostra
que devemos olhar para o começo da colonização nas Américas. Principalmente a
América Latina, em países que tiveram em sua história como principais colonizadores,
os países ibéricos, ou seja, Espanha e Portugal.
A formação histórica de ambos se fez a partir de intensas lutas pela reconquista
de seus territórios contra os mouros, tendo em vista todo este contexto histórico,
espanhóis e portugueses adquiriram de certa forma experiência em relação as
questões raciais, mas que fique claro, nessa época o termo “raça” não era levado
como um conceito de cor da pele, e sim às civilizações que se consideravam
superiores em relação aos outros, os civilizados sobre os bárbaros.
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As sociedades ibéricas se estruturaram de maneira altamente hierarquizada, com


muitas castas sociais diferenciadas e complementarias. A força da hierarquia era tal
que se explicitava até nas formas nominais de tratamento, transformados pelo rei de
Portugal e Espanha em 1597. Desnecessário dizer que neste tipo de estrutura, onde
Tudo e todos têm o seu lugar determinado, não há espaço para a igualdade,
principalmente para grupos étnicos diferentes como mouros e judeus, sujeito a um
violento controle social e político. (Roberto Da Matta).
Dessa forma, as colônias absorveram um sistema hierárquico contribuindo assim
para a segregação das raças, já que desse modo, uma sociedade hierárquica garante
a superioridade branca como uma classe dominante.
Esse tipo de segregação tem um poder muito grande sobre a sociedade, o caráter
físico, a questão da agressão é só um deles, mas o que de fato mais impacta sobre
um grupo é a dominação ideológica.
[...]O racismo latino-americano é suficientemente sofisticado para
manter negros e indígenas na condição de segmentos subordinados
no interior das classes mais exploradas, graças a sua forma
ideológica, mas eficaz: a ideologia do branqueamento. (Lélia
Gonzalez. p15.).

Para elencar aqui, a mídia é um propagador voraz desse segmento, certo que hoje
as coisas não são como antes, mas ainda há muito que se conquistar, o negro como
um agente da história, e não como um objeto como os marxistas propuseram, e nem
tão pouco um sujeito histórico mais recentemente com os neomarxistas.

[..] Ao longo dos séculos, o conhecimento produzido apareceu como neutro,


quando sabemos que isso era e é falso. A neutralidade assim como a
imparcialidade, e a autoridade são construções ideológicas. (Dos Santos,
2010, p18).

Uma questão muito forte também que a mídia perpetua é essa perspectiva
eurocêntrica da família ideal, muito disseminada nas novelas, onde as famílias
brancas ricas são o núcleo principal e as famílias negras são o núcleo pobre. “No
Brasil não existe racismo porque os negros reconhecem o seu lugar”. (Millor
15

Fernandes). Gonzalez em um de seus trabalhos derruba um mito de dominação


ideológica: o mito da democracia racial.
Mas o que seria essa democracia racial, essa perspectiva desenvolvida na década
de cinquenta pelo antropólogo norte americano Charles Wagley que teve como
alicerce a obra de Gilberto Freyre, Casa Grande e Senzala (1933), um ensaísta, que
pega como base o engenho de sua família para explicar a Brasil colônia, o fato do
senhor se deitar com a escrava não haveria racismo por parte do homem branco, ali
estaria estabelecido uma convivência harmoniosa, partindo-se desse pressuposto
Wagley desenvolve um estudo comparando as relações étnico-raciais ocorridas no
Brasil e Estados Unidos, afirmando que no Brasil havia uma democracia racial e nos
Estados Unidos uma hierarquia racial hegemônica das classes.
Diferentemente do que ocorreu nos Estados Unidos, não houve processo de
integração social dos negros libertos. Após a libertação dos escravos surgiram órgãos
de governo, destinados a promover a integração dos ex-escravos, universidade de
negros, ou seja, o processo foi muito diferente do que aconteceu no Brasil foi muito
diferente do que aconteceu no Brasil. (Marta Avancini, 2015).

6. Conclusões Provisórias

O desenvolvimento do presente artigo, possibilitou uma análise sobre o movimento


negro e sua resistência ao longo do tempo, fazendo referência da biografia da
professora, intelectual, feminista, antropóloga e militante Lélia González. Tratamos de
sua trajetória e seu legado na sociedade brasileiro, como militante do movimento
negro em especial o movimento feminista. Somado a essas questões, o artigo, trouxe
como foco principal a ligação das disciplinas ministradas no curso da turma 2017.1 de
Licenciatura em Estudos Africanos e Afro-brasileiros da Universidade Federal do
Maranhão.
O trabalho realizado sobre Lélia González: Um Legado para feminismo e o
movimento negro, foi de suma importância para os discentes da licenciatura em
Estudos Africanos e Afro-brasileiros, pois nos permitiu conhecermos a importância do
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movimento negro e feminista no cenário brasileiro. Nos levando a compreender a


necessidade da resistência contra o racismo.

Referências Bibliográficas

Caderno de Formação Política do Círculo Palmarino n.1. (2011 p.12 à 17)

AVANCINI, MARTA. REVISTA PRÉ- UNIVESP. (2015)

GONZALEZ, Lélia, Lugar de Negro n03, rio de janeiro; Marco zero limitado,1982
17

GONZALES, LÉLIA. Racismo e Sexismo na Cultura Brasileira, pg. 237

ZARUR, George de Cerqueira Leite, 1991- A contribuição de Charles Wagley para a


antropologia brasileira e para idéia de Brasil.

DOS SANTOS, Gislene Aparecida, 2010- Filosofia, Diversidade e a questão do


negro: Argumentos criados no seio da filosofia podem nos auxiliar a entender a
questão racial contemporânea? (p.18)

ARROYO,MIGUEL.Currículo:território em disputa.5.ed.Petrópolis,Rio de
Janeiro:Vozes.p.124

SACRISTÁN,J.Gimeno;PÉREZ GÓMEZ, A.I.Compreender e Transformar o


Ensino.4.ed. Porto Alegre:Artmed,200,Pag 124.
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