Você está na página 1de 8

Mestrado Profissional em Rede Nacional

FFC Marília

Juliana Mirele Messias¹

Angélica Lovatto ²

TEORIAS DAS CIÊNCIAS SOCIAIS II

Carolina Maria de Jesus: A vida diária de uma favelada mãe solteira e preta no
Brasil de ontem e hoje.

Marília, SP

2021

¹ Mestranda do ProfSócio em Rede Nacional, Unesp – FFC/ Marília


² Professora Doutora no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Unesp-Marília e
do Departamento de Ciências Políticas e Econômicas.
RESUMO

A Literatura têm sido material fértil para as ciências sociais tanto para a pesquisa como
para o ensino de sociologia, filosofia, política e outros campos do conhecimento
humano além da linguagem e da cultura. A obra Quarto de despejo da escritora Carolina
Maria de Jesus, mulher preta, favelada, mãe solteira é o retrato de uma questão social
que deve ser reflexionada e debatida em todos os ambientes de conhecimento – a
posição da mulher preta, pobre e solteira na sociedade- e quais são suas origens e
implicações, baseando-se na obra de Gilson Étiene: O ser e a essência avaliou-se qual a
natureza e a cultura dessa mulher que representou tanto na década de cinquenta, quando
escreveu seu diário, bem como agora, tantas outras Carolinas que também são arrimo de
família e lutam diariamente para existir ou subsistir. Os relatos da escritora podem ser
interpretados e compreendidos a fim de traçar um perfil dessa mulher e compará-las aos
dados atuais referentes ao acesso à educação, cultura e ao mercado de trabalho e o que
permanece estruturalmente contra as mulheres mães solteiras, pretas e pobres e como a
escritora Carolina Maria de Jesus conseguiu quebrar um tipo de existência padrão na
sociedade brasileira.

Palavras-chave: Natureza, Cultura, Gênero, Subsistência e Classe sociais.

ABSTRACT

Literature has been fertile material for the social sciences, both for research and for
teaching sociology, philosophy, politics, and other fields of human knowledge besides
language and culture. The work Quarto de eviction by writer Carolina Maria de Jesus,
black woman, slum dweller, single mother is a portrait of a social issue that must be
reflected and debated in all knowledge environments – the position of black, poor and
single women in society - and what are its origins and implications, based on the work
of Gilson Étiene: The Being and the Essence, what is the nature and culture of this
woman that she represented so much in the fifties, when she wrote her diary, as well as
now , so many other Carolinas who are also breadwinners for the family and struggle
daily to exist or survive. The writer's accounts can be interpreted and understood to
draw a profile of this woman and compare them to current data regarding access to
education, culture, and the labor market and what remains structurally against single,
black and poor women mothers and how writer Carolina Maria de Jesus managed to
break a kind of standard existence in Brazilian society.

Keywords: Nature, Culture, Gender, Subsistence and Social Class.


INTRODUÇÃO

A literatura brasileira em específico tem retratado a mulher negra sob um


aspecto que não favoreceu e ainda em nada favorecem as imagens e representações que
foram criadas em torno delas, certamente por não se tratarem de vozes e contornos
prórpios de suas origens culturais. A mulher trazida por Aluísio de Azevedo em O
Cortiço parte do ponto de vista masculino, cheio de fantasias e desejos por essa mulata
seduzente, cheia de encantos, aromas e sabores que desnorteiam, ainda é claro em nosso
imaginário esta mesma visão da mulher preta estampados em catálogos de produtos
associando – as à frutas, óleos, néctares e sabores.
Os gregos inauguraram as especulações sobre o ser e declararam que a tessitura
primitiva na qual todas as coisas são, por assim dizer, talhadas é o ser ( GILSON, 2016 )
se partíssemos apenas dessa ideia poderíamos compreender como a imagem da mulher
preta foi construída no decorrer da história brasileira e como esses sentidos dados por
não mulheres e não pretas destruíram as existências “reais” segundo o foco de cada uma
delas de forma qualitativa, que mesmo esta pode distorcer e/ou comprometer as leituras
que são realizadas e como foram qualificadas.
Outra situação questionável para considerarmos qualificadores válidos é a
transformação dos sentidos ao longo do tempo, quando Kant discorre que há
possibilidades de conceitos e que a existência dos objetos e seres não está representado
por um conceito e nem no conceito, pois de acordo com essa premissa podemos
entender que a existência dos seres esta´ relacionada com as suas condições
qualificadoras, atualmente sabemos que existir e ser possui uma dimensão do ter
também, embora saibamos que ter alguns atributos, competências, características,
classifica o ser em certos tipos de existências que podem ou não modificar-se no tempo
e no espaço.
Os relatos diários da escritora mineira Carolina Maria de Jesus sobre sua vida
como mãe, mulher e trabalhadora pode não nos dar pistas de quem ela era realmente,
pois para Platão em sua doutrina diz que a identidade consigo mesmo é a condição e a
marca da realidade, o ser aparece necessariamente como uno, o mesmo,simples e isento
de toda mudança ( GILSON, 2016), mas como ela existia pode nos oferecer elementos
qualificadores, no qual possamos traçar um perfil da mulher preta da década de 50 e
comparar com o estudo que avalia a renda dos brasileiros sob um recorte racial e de
gênero, realizado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) que
identificaram mais uma estatística entre aquelas que expõem o quadro da
desigualdade no país, onde 705 ( setecentos e cinco ) mil homens brancos que integram
o grupo do 1% mais rico da população detêm 15,3% da renda nacional. Os dados estão
expostos no levantamento intitulado Quanto fica com as mulheres negras? Uma análise
da distribuição de renda no Brasil, realizado pelo Centro de Pesquisa em
Macroeconomia das Desigualdades (Made), ligado à Faculdade de Economia,
Administração, Contabilidade e Atuária da USP (Universidade do Estado de São Paulo)
e do Dossiê Mulheres Negras realizado em 2013 pelo Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA).
O feminismo negro também salienta a diversidade de experiências tanto de
mulheres quanto de homens e os diferentes pontos de vista possíveis de análise de um
fenômeno, bem como marcar o lugar de fala de quem a propõe (COLLINS, 1990)
Patricia Hill Collins é uma das principais autoras do que é denominado de feminist
standpoint (ponto de vista feminista) ela é professora emérita do Departamento de
Sociologia da Universidade de Maryland. Foi a primeira mulher negra a presidir a
Associação Americana de Sociologia. É considerada, ao lado de Angela Davis e Bell
Hooks, uma das mais influentes pesquisadoras do feminismo negro nos Estados Unidos.
A autora lança mão do conceito de matriz de dominação para pensar a confluência das
desigualdades, na qual a mesma pessoa pode se encontrar em diferentes posições, a
depender de suas características.
No caso da catadora de recicláveis, moradora da favela do Canindé retirante
mineira, sozinha, negra que tinha como norte a literatura, seus filhos, alguns amores e o
dia a dia que poderia ser tipificado e generalizado como miserável, no entanto o que fez
dela alguém foi fazer de sua vida literatura também, indo mais além, talvez menos
devido a suas características, porém rompeu a barreira através de sua própria
representação no mundo e sobre o mundo.
A escritora não narra seu cotidiano apenas, ela faz considerações e tem seu lugar
de fala sobre as noções de casamento, já que nunca se casou e em alguns trechos de seu
diário diz que cuidar dos filhos e apanhar de um homem bêbado o fardo ficaria bem
maior para carregar. E alguns momentos faz reflexões sobre o governo, a igreja, o
preço do pão, da linguiça, narra seus encontros amorosos.
18 de Julho Trechos:
(...) Não me casei e não estou descontente. Os que preferi
me eram soezes e as condições que me impunham eram
horríveis. (...) Zefa me odeia, porque meus filhos vingam e
tenho rádio. (...) É sabido que as pessoas que se dão ao
vício da embriaguez não compram nada. Nem roupas. Os
ébrios não prosperam. Sai e fui catar papel, encontrei uma
senhora maldizendo sua condição conjugal. (...).

A noção de feminismo inspirada em Judith Grant é usada na compreensão de


que o instrumento de análise, aqui utilizado, procura dar conta da percepção das
relações de gênero como dotadas de poder e hierarquia, cujo impacto diferenciado e
negativo recai nas mulheres em suas diferentes experiências em relação aos homens.
(SOTERO, 2013).
Apesar do livro Quarto de Despejo da escritora Carolina Maria de Jesus ter sido
considerado um Best Seller e vendido em muitos países, a escritora não se tornou uma
celebridade em termos de bens materiais, porém seu legado como mulher negra,
favelada e mãe solteira de três filhos que superou a miséria cotidiana para ter o mínimo
de dignidade humana, - doutrina filosófica que envolve os aspectos do desenvolvimento
pleno do ser ( ARENDT, 2007 )- não ganhou grandes fortunas, saiu da favela para
morar em um bairro mais calmo com área verde, criou seus três filhos, puderam ir ao
cinema, comprar doces, livros e revistas.

DESENVOLVIMENTO

O estudo foi realizado cruzando dados de realidades existenciais, como exemplo


a literária de Carolina Maria de Jesus num recorte de três episódios diários de sua vida,
como também um pouco de sua trajetória como mãe e escritora com os resultados da
pesquisa do Made/USP e com o Dossiê Mulheres Negras de 2013 realizado pelo IPEA (
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) no intuito de a partir da voz de Carolina
Maria de Jesus refletir a identidade da mulher preta hoje e quais são as origens e a
essência delas na sociedade brasileira.
O foco principal foi dado às condições de acesso ao mercado de trabalho e como
a qualificação da mulher preta pode influir no que de fato ela virá a ser. Que no caso da
escritora só houve melhora de suas condições existênciais por conta de sua
predisposição para as letras, como também pode ser constatado no Dossiê Mulheres
Negras em seu capítulo 1 quando trata do acesso ao ensino superior e consequentemente
no capítulo 2 ao mercado de trabalho.
Poderíamos entrevistar alguma mãe, solteira, preta e pobre para comparar aos
dados das duas pesquisas, contudo a trajetória da escritora Carolina Maria de Jesus e sua
narrativa e em outra época nos mantêm distantes do senso comum sobre as questões
atuais para assim podermos analisar e avaliar o objeto e compreendê-lo a luz de dados
tratados e organizados cientificamente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Cruzar os dados das duas pesquisas e refletir sobre conceitos e categorias que
traçam o perfil da mulher negra em nosso país, através da vivência relatada pela
escritora Carolina Maria nos propicia como professsores de educação básica, não apenas
nas disciplinas de filosofia e sociologia como nas áreas das linguagens é necessário para
aproximar o aluno de uma realidade que muitas das vezes ele se indetificará ou poderá
ter alguma noção real da questão e também não seria possível tratar de temas como
Natureza e Cultura esvaziados dos seres e das suas Condições existênciais, que
envolvem uma gama complexa de outros fatores, principalmente econômicos, políticos
e sociais.
No caso da escritora o seu letramento e acesso à cultura por meio dos livros,
jornais, revistas que achava em suas andanças por São Paulo durante à noite – quando
seus filhos dormiam- mudou a sua perspectiva e modo de enxergar-se e interpretar a
sua realidade a partir de suas próprias observações e reflexões.
Quando elencamos as quatro operações do espírito, que segundo Kant, os atos
do pensamento e faculdades psíquicas que garantem o desvelamento do ser a saber: 1)
Concepção, 2) Julgamento, 3) Racionalização e 4.) Ordenação podemos topificar e
compreender a posição da mulher negra na sociedade ontem e mais recentemente para
podermos superar o que aparenta ser e não é, ou seja, superar o imaginário idealizado
masculino da mulher mulata com gosto de fruta e néctar de mel, símbolos que distorcem
do quão amargo e muitas das vezes famigerada é a realidade dessas mulheres.
A literatura de Carolina Maria de Jesus fala dela e de outras como ela o que pode
sim confundir-se com o seu prórpio imaginário, por isso compará-los à dados centíficos
é o que possibilita o estudo e reflexões sobre a questão da mulher, negra, mãe,
trabalhadora dando a ela uma natureza: mulher, negra, mãe e sua cultura a partir do
desenvolvimento do seu trabalho que é a possibilidade de existir e mover-se no tempo e
no espaço, tanto em termos conceituais quanto existênciais.
As confusões linguísticas e filológicas a respeito das terminologias não são os
maiores problemas quando pensamos no ser, no ente e como podemos qualificá-los para
que possam existir, acontece que quando falamos de seres humanos, há dimensões além
da física que devemos considerar, sendo assim a essência das pessoas, principlamente a
das mulheres negras no Brasil, está circunferênciada pela noção semântica a que lhe é
dada, porém os sentidos devem vir a ser pelo ente que está vivenciando o mundo do
ponto de vista de sua condição material e metafísica, por isso os relatos de Carolina
Maria de Jesus são tão ricos em sentidos para termos noção de sua essência.
REFERÊNCIAS

ARENDT, Hannah. A condição humana. Forense universitária, 2007.


COLLINS, Patricia Hill. Black feminist thought: Knowledge, consciousness, and the
politics of empowerment. routledge, 2002.
DE JESUS, Carolina Maria; DANTAS, Audálio; TEIXEIRA, Alberto. Quarto de
despejo: diário de uma favelada. Livraria F. Alves, 1960.
EVARISTO, Conceição. Da representação à auto-apresentação da Mulher Negra na
Literatura Brasileira. Revista Palmares, v. 1, n. 1, 2005.
GILSON, Étienne. O ser e a essência. Pia Sociedade de São Paulo-Editora Paulus,
2016.
GRANT, Judith. Fundamental feminism: Contesting the core concepts of feminist
theory. Routledge, 2013.
KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. Editora Vozes Limitada, 2017.
MARCONDES, Mariana Mazzini Organizadora et al. Dossiê mulheres negras: retrato
das condições de vida das mulheres negras no Brasil. 2013.
SOARES, Sergei Suarez Dillon. Perfil da discriminação no mercado de trabalho:
homens negros, mulheres brancas e mulheres negras. 2000.

LINK`S

DE JESUS, Carolina Maria, Quarto de Despejo.


https://culturaemarxismo.files.wordpress.com/2019/02/edoc.site_1960-quarto-de-
despejo-carolina-maria-de-jesuspdf.pdf
COLLINS,Patricia Hill
https://www.boitempoeditorial.com.br/autor/patricia-hill-collins-1608
Quanto fica para as mulheres negras?
https://madeusp.com.br/wp-content/uploads/2021/12/npe018.pdf

Você também pode gostar