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08/03/2021
A emocionante história apresentada por Honwana nos traz diversas explicações que
poderíamos chamar de “mitológicas” acerca do porquê das mãos das pessoas
negras serem brancas. Mitológicas sim, pois à moda dos mitos antigos são
perspectivas populares que buscam explicar um fato do cotidiano a partir de crenças
enraizadas na sociedade e que em muitos aspectos refletem os contextos em que
foram produzidas.
Dos quatro “mitos” apresentados em dois deles podemos perceber claras alusões a
perspectivas racistas. No primeiro, se justifica as mãos brancas dizendo que os
negros porque andavam com elas apoiadas no chão o que as protegia do sol, em
um tipo de explicação que relembra as típicas visões racistas que tratavam (e ainda
tratam) os negros como seres inferiores, animalescos por seu andar e sua
incapacidade de pensar em uma proteção contra o sol, em oposição a “humanidade
plena e inata” do homem branco.
Da mesma forma, a segunda explicação ao dizer que as mãos dos negros são
brancas para não sujarem a comida que fazem para os seus patrões, reflete a visão
de que os negros existem para servirem aos brancos e que a cor de sua pele está
ligada a algum tipo de contaminação.
A terceira explicação já não é tão explícita, mas guarda em si elementos racistas. Os
negros teriam sido criados após os brancos, numa espécie de secundaridade
cosmológica, por figuras cristãs e têm as mãos brancas porque se seguravam em
barras enquanto eram fumegados o que lembra torturas escravistas e foram feito às
pressas, como se faltasse esmero em sua criação tornando-os inferiores.
A quarta explicação diz que as mãos dos negros são brancas porque foram as
partes que lavaram em um lago frio antes de virem ao mundo, o que novamente
explicita uma associação da negrura da pele com a sujeira.
Por fim, a quinta explicação justifica a brancura das mãos dos negros como uma
forma de lembrar a humanidade de que suas atitudes são obras suas, obras de
mãos que são iguais independentes da cor do resto do corpo. Podemos depreender
dessa explicação uma defesa da igualdade entre brancos negros e também uma
crítica ao racismo e outras formas de discriminação, pois nos lembra que as
diferenciações sociais não são obra do divino, mas dos próprios seres humanas,
construções que perpassam a religião, a política e a cultura muitas vezes
naturalizadas ao ponto de nos cegar.
JESUS, Jaqueline Gomes de. Mitos sobre Gênero em uma Matéria da Revista
Veja [online]. 19/12/2012.
Neste trabalho a autora busca desmistificar certas visões acerca dos indígenas
muito comuns no Brasil e que fazem parte de um sistema de preconceitos que
colocam esse conjunto de povos como um “outro exótico”, um alguém não somos
“nós, os brasileiros comuns”.
O primeiro erro que ela coloca em xeque é a ideia de que os indígenas estão
desaparecendo, demonstrando que a população indígena aumentou e que eles
estão presentes em todos os estados. Ela traz também o dado de que uma suposta
diminuição constante da população indígena tem muito a ver com questões que
levam os indígenas a não se autodeclararem como tais.
Outro preconceito que ela trata é o fato das pessoas generalizarem os indígenas,
ignorando que no Brasil existem centenas de povos indígenas diferentes cada um
com sua própria cultura e que eles próprios nunca se viram como um grupo
homogêneo.Parecido com ele, é a ideia de que os indígenas têm que viver como
seus ancestrais para serem considerados indígenas, o que é corrigido pelo conceito
de interculturalidade que ocorre quando um povo absorve elementos de outra cultura
que considera úteis para ele.Os indígenas não são obrigados a viver congelados no
tempo para serem considerados indígenas.
Ela também descreve preconceitos relacionados aos hábitos dos indígenas: de que
eles são atrasados, de que eles são preguiçosos e de que “o índio só fez a extração
do pau-brasil”. Conforme ela argumenta, estes preconceitos nascem da ignorância
sobre o modo de vida dos indígenas que inclui trabalhar todos os dias para se
sustentar e também da ignorância de que eles contribuíram em muito com a
formação do país auxiliando os colonizadores a sobreviverem em um território
desconhecido, além de possuírem culturas organizadas com sistemas religiosos e
judiciais complexos e bem organizados.
Na parte 8, ela comenta a falsa percepção de que o indígena é sustentado pelo
governo, uma suposição que como ela demonstra não faz sentido: os serviços do
governo especiais para os indígenas são em sua maioria adaptações de serviços
disponíveis ao “homem branco” e que são adaptados para conseguirem atender às
especificidades dos povos indígenas e propiciar a continuidade das suas tradições e
modo de vida.
Como 9º erro ela discute a ideia de que “lugar de índio é no mato” argumentando
que os indígenas não deixam de ser indígenas por viver na cidade e que muitos
deles inclusive, buscam no ambiente urbano melhores condições de vida muito
embora costumem enfrentar condições muito difíceis tendo que viver na periferia,
por exemplo. Ela também destaca que esse encontro do indígena com a vida urbana
é importante para, por exemplo, lhes dar acesso às universidades e permitir que eles
ingressem em uma carreira política.
Por fim, ela demonstra como não faz sentido a visão de que os indígenas não
fizeram nada de admirável, uma vez que vários povos indígenas produziam
cerâmicas complexas, criaram formas de cultivo que respeitam a floresta, etc.
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação &
Realidade, v. 20, n. 2, jul./dez. 1995, pp. 71-99.
Neste surpreendente trabalho, Teresa Lauretis traz à tona uma perspectiva muito
importante para se pensar o gênero, que é a dos meios pelos quais ele é construído
ou a tecnologia de gênero. Utilizando-se de autores como Foucault e Althusser ela
analisa como a construção de gênero se dá através de representações que
perpassam coisas tão triviais quanto o cinema criando a mulher a partir do homem,
representações que são internalizadas pelas pessoas e tomadas como verdades
inexoráveis quando na verdade são uma das várias formas de exercer poder sobre
os indivíduos.
A autora inicia seu artigo discutindo como a partir dos anos 60 e 70 o conceito de
gênero como diferença sexual passou a ser utilizado pelas feministas como uma
ferramenta para pensar o mundo em seus mais diferentes âmbitos, mas acabou por
se tornar uma limitação ao sempre se pensar a mulher a partir de sua oposição e
especificidade frente ao homem.Essa limitação avança com a invisibilização das
diferenças, inclusive entre as próprias mulheres, que não sejam sexuais produzindo
uma limitação discursiva que desconsidera a constituição dos sujeitos no gênero, na
raça, na classe e nas mais diversas relações.
Partindo da ideia foucaultiana de tecnologia sexual, Lauretis nos chama atenção
para a necessidade para pensar o gênero como algo que surge das diferenças
sexuais, mas que vai para muito além disso, ganhando contornos imaginários de
representação e autorrepresentação surgidas a partir do cinema, da política, do
cotidiano, etc. como uma construção social.
Ela inicia a parte 1 fazendo uma análise da palavra gênero nos dicionários na qual
verifica que ela está associada principalmente à ideia de classificação, o que em sua
visão já alude à ideia de relação e pertencimento: determinar a qual gênero algo
pertence é construir uma relação de igualdade e diferença deste algo em relação a
outros. A generificação de algo, inclusive a sexual, produz então representações
socioculturais do que esse algo é e do que ele não é, e no caso do sistema
sexo-gênero, também determina o status do indivíduo dentro de um sistema que
produ igualdades e desigualdades.
Na parte 2, a partir das ideias de Althusser sobre a relação entre ideologia e
realidade, a autora constrói a argumentação de que a ideologia constrói homens e
mulheres transformando-se em ideologia de gênero. Mas esta construção que se
manifesta na vida cotidiana, desaparece dos discursos político-filosóficos daí, por
exemplo, que o marxismo limite o pensar sobre o gênero ao âmbito da mulher e do
particular.Da mesma forma, citando Parveen Adams ela traz a questão de que
determinadas diferenças sexuais não são dados naturais, mas sim construções
históricas daí a falha de se pensar o patriarcado como uma constante na História
como faz as feministas marxistas e a possibilidade de se eliminar o antagonismo
entre os sexos por este não ser algo natural, mas uma elaboração através de
sistemas de representação.Ela também ressalta que a construção da ideologia de
gênero é algo tanto particular quanto público, porque estas esferas não estão
separadas e que as mulheres feministas se situam tanto dentro do gênero quanto
fora dele em sua discussão acerca da construção de representações promovidas
pela ideologia de gênero.
Na parte 3, a autora introduz o conceito de tecnologia sexual de Foucault, a partir da
qual reflete o fato de que mesmo a sexualidade é uma construção social, na medida
em que o detentores do poder buscam determinar o que é aceitável ou não e
mesmo as interdições sexuais produzem sexualidades. Ela traz ainda uma reflexão
acerca de como a sexualidade feminina tem sido construída no ocidente como
responsiva à sexualidade masculina, complementar e oposta a ela. Como os
indivíduos estão imersos na ideologia, homens e mulheres internalizam e absorvem
as representações de gênero e as visões sobre sexualidade tomando-as como
aquilo que eles são e isso determina como eles recepcionarão as representações
criadas por outras tecnologias como o cinema, em um verdadeiro ciclo vicioso.
Na parte 4, a autora discute as relações entre subjetividade e gênero, apontando
para a problemática de que a subjetividade feminina muitas vezes é tomada como
algo típico das mulheres e restrito a elas.Ao mesmo tempo em que muitos homens
consideram que a igualdade de gênero se faria a partir do momento em que as
mulheres negassem a si mesmas e, para a autora, é no enfrentamento desse tipo de
contradição que o feminismo deve trabalhar hoje.
DEBONA, Jackson James; RIBEIRO, Renilson Rosa. Relações de gênero e livro
didático de história: uma abordagem possível?. Educação e Fronteiras, v. 4, n.
11, pp. 126-143, set. 2015.