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VIDAS NEGRAS
IMPORTAM.
EM CAMPINAS,
TAMBÉM.
Texto piloto da cartilha: Professora Mestra Tayná Victória de Lima Mesquita
Socióloga (IFCH/UNICAMP), Mestre em Educação (FE/UNICAMP), Doutoranda em Ciências Sociais
(PAGU/UNICAMP)
APRESENTAÇÃO
O dia 21 de Março é considerado dia internacional de luta pela eliminação da
discriminação racial. A data, proposta pela Organização das Nações Unidas
(ONU), faz referencia ao “massacre de Shaperville”, ocorrido em 1960, na África
do Sul, onde durante o regime do apartheid, um protesto pacífico de negros, que
reuniu cerca de 20.000 pessoas, foi reprimido pelas forças policiais, culminando
na morte de 69 pessoas desarmadas. Para além desse triste episódio, o dia 21 de
março marca o reconhecimento da necessidade de enfrentamento ao racismo em
nível mundial, compromisso do qual o Brasil como um todo também não deve se
esquivar.
É sabido que o Brasil foi o país que recebeu o maior contingente de africanos
traficados, e que escravizou por mais tempo, sendo o último país do mundo a
abolir a escravidão negra, em 13 de Maio de 1888. A proporcionalidade, duração e
distribuição geográfica da escravidão negra diferencia a sociedade brasileira de
todas as outras da América Latina. Diferentemente de outros países latino-
americanos e até mesmo os Estados Unidos da América, onde a presença do
escravizado negro era geograficamente concentrada, regionalizada, e nunca
superou numericamente a população branca, no Brasil, a distribuição da
população escravizada percorreu todo o território. Nesse sentido, conforme
afirmou o sociólogo negro Clóvis Moura (1993), o trabalho dos escravizados
estabeleceu as relações de produção de riqueza fundamentais da sociedade
brasileira.
Mulheres Negras
“Quando a mulher negra se movimenta, toda estrutura da
sociedade se movimenta com ela”, afirmou a filósofa afro-
americana Angela Davis, em uma de suas recentes visitas ao
Brasil. Davis faz esse comentário em referência a uma realidade
que se faz presente no mundo todo: o posicionamento das
mulheres negras na base da pirâmide social. Em nosso contexto,
essa condição se revela, por exemplo, nas estatísticas relativas
ao feminicídio, ocupações profissionais e renda, indicadores
educacionais, bem como o acesso à saúde.
No que se refere ao feminicídio, (tipificado criminalmente pela
Lei no 13.104/2015 como o homicídio contra mulheres em
decorrência do menosprezo à condição de mulher, ocorrido
muitas vezes em ambiente doméstico ou familiar) conforme
relatado pelo Atlas da Violência, desenvolvido pelo IPEA (2020),
mulheres negras “representaram 68% do total das mulheres
assassinadas no Brasil, com uma taxa de mortalidade por 100
mil habitantes de 5,2, quase o dobro quando comparada à das
mulheres não negras.” (IPEA, 2020, p. 47). No que se refere as
estimativas de renda e ocupação, segundo dados coletados pelo
IBGE (2019) e divulgados na pesquisa “Desigualdades sociais por
cor ou raça”, mulheres negras recebem, em média, metade do
salário dos homens brancos, possuindo rendimentos inferiores
também aos das mulheres brancas e homens negros. Além disso,
segundo a pesquisa do IPEA, “Os Desafios do Passado no
Trabalho Doméstico do Século XXI” divulgada em 2018, mulheres
negras são sobrerepresentadas no campo do trabalho
doméstico, (63% da categoria), recebendo os mais baixos
rendimentos.
Já no que se refere à escolaridade, apesar das mulheres de
forma geral estudarem por mais tempo que os homens de
mesma cor ou raça, com relação as mulheres negras, a taxa de
conclusão do ensino médio entre homens brancos é mais
elevada em quase 5% (IBGE, 2019). Além disso, apenas 10% das
mulheres negras completam o ensino superior (IBGE, 2018). O
campo da saúde também é revelador de desigualdades. Com
relação a violência obstetrícia, segundo dados da pesquisa
“Nascer no Brasil: Pesquisa Nacional sobre o Parto e o
Nascimento”, coordenado pela pesquisadora da Fundação
Oswaldo Cruz, Maria do Carmo Leal, mulheres negras são mais
submetidas a pré-natais inadequados, recebem menos anestesia
local para episiotomia, migram com maior frequência entre
maternidades durante o parto e mais frequentemente
encontram-se sem acompanhantes no momento do parto.
Interseccionalidade
A reflexão sobre a experiência das mulheres negras serviu para
cunhar um conceito sociológico importante para analisar as
desigualdades sociais e propor políticas públicas: o conceito de
interseccionalidade, que segundo Tayná Mesquita, na obra
“Exclusão Escolar Racializada” (2019), serve para compreender
os modos como diferentes dimensões que constituem as
identidades e experiências sociais dos sujeitos, como gênero,
raça, classe, origem territorial, religião, entre outras, se
articulam entre si, produzindo situações de vulnerabilidade
específicas. Ainda, em reconhecimento da realidade de violação
de direitos vivenciada por mulheres negras, o dia 25 de Julho
marca em toda América Latina e Caribe o Dia Internacional da
Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. No Brasil, a data
homenageia a referência quilombola Tereza de Benguela, que
chefiou ao longo do século XVIII o Quilombo do Quariterê, em
Mato Grosso.
Infâncias Negras
Crianças negras também ocupam as principais estimativas de
vulnerabilidade social. Seja pelas já mencionadas estatísticas
relacionadas à violência obstetrícia, seja pelas mais altas taxas
de mortalidade no primeiro ano de vida, a experiência do
racismo impacta a vida de crianças negras desde o parto e
percorre toda a infância. Segundo levantamento da fundação
Abrinq, entre os homicídios de crianças e adolescentes em 2017,
aproximadamente 80% das vítimas eram negras.
Ainda, conforme revela o Mapa do Trabalho Infantil, produzido
pela Rede Peteca (2020), crianças negras representam 62,7% das
vítimas de trabalho precoce no país. Esses índices aumentam
com relação ao trabalho doméstico (73,5%) e em especial entre
as meninas negras, que representam mais de 94% dos casos
entre vítimas do trabalho doméstico infantil no país. Para além
desses e outros indicadores importantes, destacamos os efeitos
negativos da experiência do racismo para a construção da
estrutura emocional e subjetividade das crianças negras. Nesse
sentido, um marco legislativo importante é a Lei 10.639/2003 e a
Lei 11.645/2008, que tornam obrigatório o ensino da história e
cultura afro-brasileiras e indígenas na educação nacional.
Essas leis representam políticas indutoras de uma mudança
estrutural em termos ideológicos e curriculares no que diz
respeito a promoção de pedagogias antirracistas e pautadas na
valorização da diversidade que nos produz como o povo com
maior população negra fora da África. Conforme afirmou Nilma
Lino Gomes (2018), trata-se, portanto, de política que se vincula
“à garantia do direito à educação”, requalificando-a, "incluindo
nesse o direito à diferença”.
Além dos dados acima mencionados, com relação a epidemia da
COVID-19, no Brasil e no mundo a taxa de mortalidade por
contaminação do vírus entre pessoas negras supera o de
pessoas brancas, conforme exemplificam estudos desenvolvidos
pela Boston Consulting Group, que revelou um número de
mortes até seis vezes maior entre negros nos EUA, e dados do
boletim epidemiológico de abril de 2020, divulgado pela
Prefeitura de São Paulo, que revelou um risco de morte por
coronavírus 62% maior entre negros. Esses dados e muitos
outros são elucidativos da contemporaneidade do racismo no
Brasil e do funcionamento da ideia de raça no país, enquanto
um marcador de diferença e relações de desigualdade.
RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
A expressão relações étnico-raciais (RER) tem sido
comumente usada para denotar um campo de estudos e
promoção de políticas públicas relacionados à população
afro-brasileira e a promoção do antirracismo. Contudo, ao
compreendemos que todas as pessoas são racializadas,
percebemos também que ao contrário do que
frequentemente se pensa, as RER não são “um problema de
negro”. Trata-se de um debate de interesse de toda a
sociedade. A ideia de relação significa que existem vários
lados implicados.
Assim, quem é o outro nas RER? Essa reflexão é um convite para
desnaturalizarmos o negro como o único corpo racializado da
sociedade. Ser branco também é ser racializado, o que implica
na tomada de uma posição diante do fenômeno do racismo.
Discutir RER passa então não apenas sobre discutir os sentidos
de ser uma pessoa negra no Brasil e os diferentes desafios
impostos a esta população no país, mas também diz respeito a
visibilizar os sentidos e privilégios históricos envolvidos em ser
racializado como branco. A reflexão sobre o lugar particular
ocupado pelas pessoas brancas em sociedades de origem
colonial, como a brasileira, serviu para criação de um conceito
e campo de estudos ainda emergente no contexto brasileiro: os
estudos críticos da branquitude.
BRANQUITUDE
Segundo a especialista Lia Vainer Schucman (2012, p. 23), o
conceito de branquitude serve para descrever uma condição
estrutural de privilégios e acesso a recursos materiais e
simbólicos usufruídos por pessoas racializadas como brancas,
privilégios esses que foram gerados no colonialismo, no
imperialismo e que permanecem na contemporaneidade.
Realçar a dimensão da branquitude não significa dizer que
pessoas brancas são necessariamente felizes ou favoráveis a
sua condição de privilégio. Significa compreender que todas as
pessoas racializadas como brancas, ainda que não queiram e
não gostem, acabam por serem beneficiadas pelas dinâmicas
sociais do racismo, ao passo que pessoas negras são levadas a
ocuparem uma posição de desvantagem.
RACISMO
O racismo é um sistema de poder que produz relações sociais
de desigualdade, onde indivíduos sofrem desvantagens ou
privilégios com base em seus pertencimentos raciais. No caso
brasileiro, e em outros países de raiz escravocrata, a
população negra e as populações indígenas são as grandes
vítimas das desvantagens do racismo.
RACISMO, PRECONCEITO,
DISCRIMINAÇÃO: QUAL A DIFERENÇA?
Embora os três termos sejam frequentemente associados a ideia
de raça, seus significados são diferentes. Racismo, conforme
afirmamos anteriormente, diz respeito a um sistema de poder que
distribui desvantagens e privilégios sociais com base na ideia de
raça. Já o preconceito, diz respeito a opiniões generalizadas,
infundamentadas com relação a um determinado grupo racial,
podendo gerar estereótipos positivos ou negativos. A afirmação
difundida no senso comum, de que nordestinos são
“naturalmente” preguiçosos e asiáticos são “naturalmente”
trabalhadores, são exemplos de preconceitos presentes no
imaginário popular. No caso dos nordestinos, um preconceito
negativo. No dos asiáticos, um preconceito positivo. A
discriminação, por sua vez, diz respeito ao ato de discriminar, de
atribuir tratamento desigual a sujeitos com base em seu
pertencimento racial.
RACISMO ESTRUTURAL
Conforme salientou o jurista Silvio de Almeida (2019), o racismo,
enquanto um sistema de poder, é sempre estrutural, na medida em
que fundamenta a organização política e econômica da sociedade.
Nesse sentido, conforme já foi declarado pela Organização das
Nações Unidas – ONU, o racismo é um elemento estrutural e
também estruturante da sociedade brasileira, e as expressões
cotidianas do racismo (em nível individual, simbólico, religioso,
institucional) são manifestações de um mecanismo de poder mais
profundo, que está na base da organização da sociedade como um
todo. Em termos de metáfora, imagine a construção de um muro:
cada tijolo, representa para nós uma dimensão da vida social: a
economia, a política, a educação, a mídia, o mundo do trabalho, etc.
O racismo, não é apenas mais um tijolo. Na verdade é parte do
cimento que articula o muro, garantindo a reprodução das
condições de desigualdade e vulnerabilidade que desfavorecem
sistematicamente as populações não-brancas no país.
RACISMO INDIVIDUAL
Essa forma de racismo se manifesta nas relações interpessoais, por
meio de comportamentos individuais de discriminação direta. A
atitude individual do sujeito que atravessa a rua ao ver uma pessoa
negra, por considera-la naturalmente perigosa, do segurança que
persegue o cliente negro no supermercado, da atendente de loja do
shopping que ignora e destrata a cliente negra por pressupor que
ela não possui dinheiro para pagar por sua compra, ou do indivíduo
que violenta verbalmente uma pessoa negra chamando-a de
"macaco", são alguns exemplos de manifestações do racismo
individual no cotidiano. A educação e a conscientização são os
principais meios de enfrentamento dessa forma de racismo.
RACISMO INSTITUCIONAL
Uma das manifestações do racismo na sociedade se dá na
dimensão institucional. O racismo institucional diz respeito as
maneiras pelas quais as instituições acabam por funcionar de
modo a produzir condições de desvantagem no acesso a direitos
e recursos oferecidos pelo Estado e instituições públicas ou
privadas. Segundo o Programa de Combate ao Racismo
Institucional (PCRI), estabelecido em uma parceria entre a
Agência de Cooperação Técnica do Ministério Britânico para o
Desenvolvimento Internacional e Redução da Pobreza (DFID), o
Ministério da Saúde (MS), a Secretaria Especial de Políticas para
Promoção da Igualdade Racial (Seppir), o Ministério Público
Federal (MPF), a Organização Panamericana de Saúde (Opas) e o
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o
racismo institucional é definido como “o fracasso das
instituições e organizações em prover um serviço profissional e
adequado às pessoas em virtude de sua cor, cultura, origem
racial ou étnica. Ele se manifesta em normas, práticas e
comportamentos discriminatórios adotados no cotidiano do
trabalho, os quais são resultantes do preconceito racial, uma
atitude que combina estereótipos racistas, falta de atenção e
ignorância. Em qualquer caso, o racismo institucional sempre
coloca pessoas de grupos raciais ou étnicos discriminados em
situação de desvantagem no acesso a benefícios gerados pelo
Estado e por demais instituições e organizações”. (CRI, 2006,
p.22).
RACISMO RELIGIOSO
O racismo religioso diz respeito aos processos de preconceito e
discriminação que inferiorizam, demonizam e desqualificam as
religiosidades de matriz africana. O conceito de racismo
religioso passa a ser incorporado no começo do século XXI, a
partir do entendimento de que a expressão “intolerância
religiosa” é insuficiente para descrever a violência particular
que é direcionada as religiões afro-brasileiras (Candomblé,
Umbanda, Quimbanda, Batuque, Xangô, Tambor de Mina, entre
outras) e seus adeptos, já que se trata de uma forma de
preconceito que tem como base a aversão as pessoas negras, sua
cultura e especificamente, as formas de religiosidade negras
trazidas pelos africanos escravizados ao Brasil, e
reconfiguradas ao longo da diáspora no país.
Se o crime já aconteceu:
I. Reúna o maior número possível de provas do ocorrido
(fotografias, vídeos, gravações de áudio, nome, endereço,
telefone do agressor, testemunhas, informações sobre o
local, data, horário e a situação ocorrida).
Coordenadoria Setorial de
Promoção da Igualdade Racial
Coordena e desenvolve políticas públicas voltadas para a
promoção da igualdade racial na garantia de direitos da
população negra e outros grupos historicamente
discriminados.
Rua Visconde do Rio Branco, 468 - Centro (acesso pela
Avenida Campos Sales, 427) Tel: (19) 3232-0058
E-mail: cepir@campinas.sp.gov.br