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Aula II - O racismo como política de estado:

antecedentes dos conceitos de raça, etnia e cor


Prof. Marcello Felisberto Morais de Assunção

Disciplina: Educação e Relações Étnico-raciais (ERER)


1. Objetivos
1. Explorar as múltiplas relações entre os
processos de racialização na modernidade e
a formação da identidade nacional no Brasil;
2. Evidenciar como a combinação entre
escravização, imigrantismo, racialismo e
eugenia formataram verdadeiras tecnologias
do poder que criaram e recriaram a
subalternidade das populações racializadas
(negros, indígenas e mestiços). Flávio Cerqueira, Amnesia, 2015
2. Textos base

HOFBAUER, Andreas. “Segregar ou extinguir: o dilema da elite


brasileira”; “A força homogeneizadora da nação”. In:
__________________. Uma história de branqueamento ou o negro
em questão. São Paulo: Editora UNESP, 2006, p. 197-214; 237-261.
Bibliografia complementar: AZEVEDO, Celia Maria Marinho. Onda
negra, medo branco: o negro no imaginário das elites (Século XIX). São
Paulo: Annablume, 2004.
3. O racismo como política de estado:
antecedentes dos conceitos de raça, etnia e cor
(…) nós lhe concedemos, por estes presentes documentos, com nossa
Autoridade Apostólica, plena e livre permissão de invadir, buscar,
capturar e subjugar os sarracenos e pagãos e quaisquer outros
incrédulos e inimigos de Cristo, onde quer que estejam, como
também seus reinos, ducados, condados, principados e outras
propriedades (…) e reduzir suas pessoas à perpétua escravidão, e
apropriar e converter em seu uso e proveito e de seus sucessores, os
reis de Portugal, em perpétuo, os supramencionados reinos, ducados,
condados, principados e outras propriedades, possessões e bens
semelhantes (…).(Bula Dum Diversas, 1452)
3. O racismo como política de estado:
antecedentes dos conceitos de raça, etnia e cor
“Guinéus e negros tomados pela força, outros legitimamente
adquiridos foram trazidos ao reino, o que esperamos progrida até a
conversão do povo ou ao menos de muitos mais. Por isso nós, tudo
pensando com devida ponderação concedemos ao dito rei Afonso a
plena e livre faculdade, entre outras, de invadir, conquistar, subjugar a
quaisquer sarracenos e pagãos, inimigos de Cristo, suas terras e
bens, a todos reduzir à servidão e tudo praticar em utilidade própria
e dos seus aos mesmos D. Afonso e seus sucessores, e ao infante. Se
alguém, indivíduo ou colectividade, infringir essas determinações, seja
excomungado” (Romanus Pontifex, 1455).
3. O racismo como política de estado:
antecedentes dos conceitos de raça, etnia e cor
“Ilustríssimo Senhor Governador, Segundo o capítulo 14 dos institutos desta Venerável
Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, não pode ser admitido nela por irmão,
menos professor na mesma aquela pessoa, a quem faltar a pureza de sangue com raça
de judeu, mouro, e de mulato, por igual modo que qualquer outra infame de fato e de
direito. O pretendente Manoel Alvares Thomé está nestas circunstâncias, por ser filho
de uma mãe, que tem sangue de índio misturado com o de negro, a qual viveu muitos
anos prostituta, e nasceu de uma mulher quase em tudo semelhante, que afinal teve
um preto cativo por consorte. Por estes princípios é que o pretendente Manoel Alvares
Thomé já foi por muitas vezes repelido pelas nossas Mesas dos anos passados, e se ele
não calasse estes fatos, e motivos de repulsas à muito venerável Ordem da Corte do Rio
de Janeiro persuadimo-nos que não tivera obtido a profissão que alega (...) (Negação
do requerimento de Manoel Alvares Thomé, 17 de Fevereiro 1819)
3. O racismo como política de estado:
antecedentes dos conceitos de raça, etnia e cor
“Cumpre não confundir o problema da imigração com o da substituição dos
braços necessários à grande lavoura. Esta quer salariados e chega a preferir
até os de raça inferior. O escopo da imigração, porém, é de ordem
muitíssimo mais elevada, busca organizar os elementos que devem formar
a grande nacionalidade brasileira, senhora da maior e melhor parte do
continente sul-americano. Exige, por isso mesmo, maior seleção nestes
elementos. Ora, para que o imigrante ativo, laborioso, inteligente,
progressivo, venha para o Brasil é preciso que este país ofereça condições
de bem-estar para si e para sua família, impossíveis de encontrar na
Europa” (Visconde de Taunay, 1884 apud AZEVEDO, 2004 p. 73).
3. O racismo como política de estado:
antecedentes dos conceitos de raça, etnia e cor
“(...) (O escravo) É parte da família brasileira, é o nosso companheiro e
amigo. Tem o riso nos lábios juto ao berço de nosso filhos, como
lágrimas no túmulo de nossos pais! Participa das nossas alegrias
como das nossas tristezas! (...) O escravo já não é o ente destituído de
sentimentos nobres, considerado incapaz de aperfeiçoamento, uma
raça morta para a civilização (...) O escravo no Brasil tem
concretizados todos os sentimentos de amizade e abnegação que o
fazem e o tornam parte de nossas famílias” (Martinho Prado, ALPSP,
1882, apud Azevedo, 2004, p. 138).
3. O racismo como política de estado:
antecedentes dos conceitos de raça, etnia e
cor
1.dsadas

Modesto Brocos “A redenção de cam” (1895)


3. O racismo como política de estado:
antecedentes dos conceitos de raça, etnia e cor

Marc Ferrez. Escravos em terreiro de uma fazenda Marc Ferrez Partida para a colheita do café com carro de boi,
De café, 1882, Vale do Paraíba 1885, Vale do Paraíba
3. O racismo como política de estado:
antecedentes dos conceitos de raça, etnia e cor

Pedro Peres. A primeira libertação, 1885 (Detalhe da obra) Miguel Navarro Cañizares. Lei Áurea, 1888
3. O racismo como política de estado:
antecedentes dos conceitos de raça, etnia e cor

Pedro Américo. Libertação dos escravos (1889) Victor Meireles, A Abolição da Escravatura, (1888-1903)
3. O racismo como política de estado:
antecedentes dos conceitos de raça, etnia e cor

Imagem 1: “Minha redentora” (Fala de José do


François-Auguste Biard Josiah Wedgewood (1787) Patrocínio a Princesa Isabel na ocasião da
Abolition de l'esclavage (1849) Am i not a friend and a brother? assinatura da Lei Aurea – Chiquinha Gonzaga,
1999, Minissérie)
3. O racismo como política de estado:
antecedentes dos conceitos de raça, etnia e cor
“(...) a julgar por certos fatos, a mistura entre as raças de homens
muito dessemelhantes parece produzir um tipo sem valor, que não
serve nem para o modo de viver da raça superior nem para o da raça
inferior, que não presta enfim para gênero de vida algum (...) A
influência do negro disse, há de construir sempre um dos fatores da
nossa inferioridade como povo; nada poderá deter a eliminação do
sangue branco” (Nina Rodrigues, As raças humanas e a
responsabilidade penal no Brasil, 1894 apud MUNANGA, 1999, p. 55;
56)
3. Imigrantismo, racialismo e eugenia
3. O racismo como política de estado:
antecedentes dos conceitos de raça, etnia e cor
“Os estudos modernos sobre
hereditariedade, constituição e
temperamento demonstram a evidência de
que todos nós estamos presos a uma
fatalidade orgânica e psíquica, à qual não
podemos fugir, e que os nossos atos
dependem, essencialmente, da nossa
constituição, de nosso temperamento e não
da simples influência do meio e de
circunstâncias mais ou menos imprevistas”
(Kehl, 29 ago 1930, s.p. apud HOFBAUER,
2006).
3. Imigrantismo, racialismo e eugenia
“Os estudos modernos sobre
hereditariedade, constituição e
temperamento demonstram a evidência
de que todos nós estamos presos a uma
fatalidade orgânica e psíquica, à qual não
podemos fugir, e que os nossos atos
dependem, essencialmente, da nossa
constituição, de nosso temperamento e
não da simples influência do meio e de
circunstâncias mais ou menos
imprevistas” (Kehl, 29 ago 1930, s.p.).
3. Imigrantismo, racialismo e eugenia
“A interseccionalidade remete a uma teoria transdisciplinar que visa
apreender a complexidade das identidades e das desigualdades sociais
por intermédio de um enfoque integrado. Ela refuta enclaurusamento
e a hierarquização dos grandes eixos da diferenciação social que são
categorias de sexo/gênero, classe, raça, etnicidade, idade, deficiência e
orientação sexual. O enfoque interseccional vai além do simples
reconhecimento da multiplicidade dos sistemas de opressão que opera
a partir dessas categorias e postura sua interação na produção e
reprodução das desigualdades sociais (Sirma Bilge, 2009 apud HIRATA,
2014 , p. 62
3. O racismo como política de estado:
antecedentes dos conceitos de raça, etnia e cor
“O mito da democracia racial, baseado na dupla mestiçagem biológica e cultural
entre as três raça originárias, tem uma penetração muito profunda na sociedade
brasileira: exalta a ideia de convivência harmoniosa entre os indivíduos de todas as
camadas sociais e grupos étnicos, permitindo às elites dominantes dissimular as
desigualdades impedindo os membros das comunidades não-brancas de terem
consciência dos sutis mecanismos de exclusão da qual são vitimas na sociedade. Ou
seja, encobre os conflitos raciais, possibilitando a todos se reconhecerem como
brasileiros e afastando das comunidades subalternas a tomada de consciência de
suas características culturais que teriam contribuído para a construção e expressão
de uma identidade própria. Essas características são “expropriadas”, “dominadas” e
“convertidas” em símbolos nacionais pelas elites dirigentes” (MUNANGA, Kabengele,
1999, p. 80)
3. O racismo como política de estado:
antecedentes dos conceitos de raça, etnia e cor
“A ideia de uma nova etnia nacional traduz uma unidade que restou de
um processo continuado e violento de unificação política por meio da
supressão das identidades étnicas discrepantes e de opressão e
repressão das tendências virtualmente separatistas inclusive dos
movimentos sociais que lutaram para edificar uma sociedade mais
aberta e solidárias (...) O surgimento de uma etnia brasileira capaz de
envolver e acolher a gente variadas que no país se juntou, passa tanto
pela anulação das identificações étnicas de índios, africanos e
europeus, quanto pela indiferenciação entre as várias formas de
mestiçagem” (MUNANGA, Kabengele, 1999, p. p. 100)
3. A violência anti-negra no pós-
abolição: Favelização e
encarceramento em massa

Morro da Providencia, RJ
3. A violência anti-negra no pós-
abolição: Favelização e
encarceramento em massa

Inauguração da Av. Rio Branco, 1906


3. Mestiçagem e o mito da democracia
racial
3. Mestiçagem e o mito da democracia
racial
3. Mestiçagem e o mito da democracia
racial
3. Mestiçagem e o mito da democracia
racial
3. A escravidão Atlântica (3) a economia das
plantations na América Hispânica e Portuguesa
3. O racismo como política de estado:
antecedentes dos conceitos de raça, etnia e cor
“(...) especificamente desconstruir o mito
da democracia racial na sociedade
brasileira; mito este que difunde a crença
de que, se os negros não atingem os
mesmos patamares que os não negros, é
por falta de competência ou de interesse
desconsiderando as desigualdades
seculares que a estrutura social hierárquica
cria com os prejuízos para os negros”
(BRASIL, 2004: 12).
4.Bibliografia
ALMEIDA, Silvio. Racismo estrutural. São Paulo: Polén, 2019.
BONILLA-SILVA, Eduardo. Structural racism: Toward a
structural interpretation. American Sociological Review, v.
62, n. 3, 1997, p. 465-480.
MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem.
Petrópolis: Vozes, 1999.
SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: Tensões sociais
e criação cultural na primeira república. São Paulo:
Brasiliense, 1999, p. 25-67.
4.Bibliografia
Fotografia (Arquivo Instituto Moreira Salles)
FERREZ, Marc. Partida para a colheita de café (1885)
_____________. Escravos em terreiro de uma fazenda de café
(1882)
Pintura
AMERICO, Pedro. Libertação dos escravos (1889).
CANIZARES, Miguel Navarro. Alegoria do ventre livre (1871).
________________________. Lei Áurea (1888).
PERES, Pedro. A primeira libertação (1885).
MEIRELES, Victors. A abolição da escravatura (1888-1903).
4.Bibliografia
Afrodescendentes na América Latina: Rumo a um marco de inclusão.
Washington: Banco Mundial, 2018.
América Latina Indígena no Século XXI. Washington: Banco Mundial, 2015.
Relatório OXFAM, 2017-2019
https://d335luupugsy2.cloudfront.net/cms%2Ffiles%2F115321%2F1611531366b
p-the-inequality-virus-110122_PT_Final_ordenado.pdf

Atlas da Violência
https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/dados-series/142
Mulheres negras e violência doméstica
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