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RACISMO EM TRÊS DIMENSÕES

Uma abordagem realista-crítica


Luiz Augusto Campos
Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ), Rio de Janeiro – RJ, Brasil. E-mail:
lascampos@iesp.uerj.br

DOI: 10.17666/329507/2017

Introdução são capazes de identiicar claramente suas dinâmi-


cas (Taguief, 2001).
Embora o racismo seja encarado como um A despeito disso, a literatura especializada per-
dos principais males da modernidade, o estudo manece buscando uma deinição de racismo capaz
de suas causas, dinâmicas e consequências ainda de transformar os signiicados toscamente articula-
esbarra em obstáculos metodológicos e teóricos. dos no senso comum em uma categoria analítica
Isso relete não apenas a natureza do fenômeno, que permita investiga-lo empiricamente. Quando
cuja expressão pública costuma ser interditada na analisamos as teorias sociológicas dedicadas a expli-
maior parte do globo, mas também a pluralidade car como ele opera, três abordagens se destacam.
de deinições analíticas para o termo. A carga polí- A primeira delas entende o racismo como um fe-
tica embutida no conceito e a sua dependência em nômeno enraizado em ideologias, doutrinas ou
relação a acepções contextuais do que é entendido conjuntos de ideias que atribuem uma inferiorida-
por “raça” são dois fatores que também diicultam de natural a determinados grupos com origens ou
o seu emprego como uma categoria analítica. marcas adstritas especíicas. Por essa perspectiva, o
Como resultado, vivemos um momento em que adjetivo “racista” só pode ser atrelado a práticas que
quase todos reconhecem que o racismo permanece decorrem de concepções ideológicas do que é raça.
operando de forma efetiva no mundo, mas poucos A segunda abordagem, por seu turno, concede uma
precedência causal e semântica às ações, atitudes,
Artigo recebido em 29/02/2016 práticas ou comportamentos preconceituosos e/ou
Artigo aprovado em 30/04/2017 discriminatórios na reprodução do racismo. Para
RBCS Vol. 32 n° 95/2017: e329507
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essa postura analítica, as práticas racistas prescin- tros termos, mais do que caracterizar o fenômeno
dem de ideologias articuladas e, portanto, as ideias descrevendo-o de formas diametralmente opostas,
deixam de ser o elemento deinidor do racismo. Por essas abordagens teóricas se distinguem ao atribuí-
im, a terceira abordagem crê que o racismo teria rem a um desses três elementos (ideologias, atitudes
assumido características mais sistêmicas, institucio- e estruturas) poderes causais superiores.
nais ou estruturais nos dias atuais. Embora práti- Baseado nessa constatação, este artigo revisa
cas e ideologias sejam dimensões importantes do e analisa essas três abordagens para sugerir que as
fenômeno, são as estruturas racistas os princípios divergências entre elas nascem de perspectivas par-
causais fundamentais que devem ser investigados. ciais de um mesmo fenômeno e que uma visão mais
Os defensores de cada um desses enquadra- completa dele depende de uma integração analítica
mentos costumam apresentar críticas pertinentes das dimensões ideológica, prática e estrutural. Re-
aos outros dois, diicultando a conciliação dos três. corremos às contribuições do realismo crítico para
Aqueles que grifam a dimensão ideológica do ra- propor uma teoria tridimensional do racismo, que
cismo, por exemplo, argumentam que nenhuma o enxerga como um fenômeno complexo, ligado
prática discriminatória pode ser rotulada como “ra- àquilo que Roy Bhaskar (1998b) chama de “uma
cista” sem referência ao conteúdo das ideias que a realidade social ontologicamente estratiicada”.1
motiva (Miles e Brown, 2004, p. 84). Isso valeria Nada obstante, antes de desenvolver o argu-
igualmente para as abordagens sistêmicas, porque mento é importante fazer três esclarecimentos. Em
só seria possível discernir estruturas racistas de ou- primeiro lugar, o interesse deste trabalho repousa
tros tipos de estrutura fazendo alusão às ideologias em apenas uma das “faces” do conceito sociológico
que as engendraram (Fredrickson, 1999, p. 70). Já de racismo. Usualmente, as deinições para o ter-
aqueles que compreendem o racismo mais como mo costumam classiicar o racismo como um tipo
um conjunto de atitudes ou ações destacam o ca- de fenômeno ligado a uma determinada dimensão
ráter irreletido de grande parte das práticas dis- do social (doutrinas, ideias, ideologias, atitudes,
criminatórias contemporâneas (Pager e Shepherd, ações, práticas, sistemas, estruturas, instituições
2008, p. 182) e o fato de que, em última análise, etc.), caracterizado por produzir ou se basear em
o racismo se reproduziria por causa das reações de uma determinada assimetria, vista como natural ou
indivíduos cujos comportamentos discriminatórios essencializada e, de algum modo, relacionada com
dispensam formulações cognitivas claras (Blank, alguma noção histórica do que vem a ser “raça”.
Dabady e Citro, 2004, p. 55). Por sua vez, os auto- Em total acordo com Guimarães, acredito que o
res que enfatizam as formas institucionais, sistêmi- racismo é uma forma “bastante especíica de natu-
cas ou estruturais chamam a atenção para o papel ralizar a vida social, isto é, de explicar diferenças
que a posição subalterna dos grupos racializados pessoais, sociais e culturais a partir de diferenças
nas sociedades tem na reprodução do racismo (Bo- tomadas como naturais”, e que, portanto, “cada
nilla-Silva, 1997). Assim, seria difícil rotular como racismo só pode ser compreendido a partir de sua
“racistas” práticas ou ideologias sem efeitos ou cau- própria história” (Guimarães, 1999, pp. 11-12).
sas estruturais concretas (Feagin, 2006, p. xii). Daí ser impossível deinir a segunda face do con-
Note-se, contudo, que essas três abordagens ceito de racismo sem fazer referência a contextos
não são propriamente escolas de pensamento ou históricos especíicos, em que a noção de raça ou
correntes teóricas. Os autores e autoras que se dedi- correlatas assumem signiicados igualmente parti-
cam ao tema raramente conseguem se manter iéis culares. Isso não implica, porém, que não possamos
a uma dessas qualiicações do racismo, mesclando estabelecer um quadro socioteórico que oriente as
princípios de duas ou mais dessas abordagens. Suas investigações sobre a questão, isto é, que tente cap-
divergências são mais de ênfase do que ontológicas, turar as dimensões sociais fundamentais envolvidas
expressando mais formas diferentes de “enquadrar” no fenômeno. Sem um quadro como esse, a con-
(Entman, 1993, p. 52) os elementos que compõem clusões a que chegam as investigações sociológicas
o fenômeno do que realidades distintas. Em ou- sobre o racismo permanecerão contraditórias e in-
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conciliáveis, replicando mais as discordâncias sobre aqui (Guimarães, 2004, pp. 24-26). Isso relete não
a ontologia do social do que sobre as dinâmicas apenas a predominância no início do século XX da
empíricas detectadas. Dado o foco na primeira face visão freyreana das relações raciais, segundo a qual
do conceito, ou seja, nas dimensões sociais poten- o racismo seria exógeno à formação nacional, mas
cialmente envolvidas pelo racismo, não explorare- também as articulações conceituais de sociólogos re-
mos aqui questões relacionadas com a delimitação conhecidos por denunciarem a existência de precon-
histórica ou contextual do conceito de raça. Como ceito no Brasil. Florestan Fernandes, por exemplo,
destaca Andreas Hofbauer (2006, p. 43), essas con- hesitou em chamar de racismo os preconceitos de
trovérsias envolvem desde perspectivas restritivas, cor ou raciais que identiicava no país. Ele via o pre-
que condenam a aplicação do conceito de raça a conceito no Brasil como expressão da subalternidade
qualquer contexto exterior à modernidade ociden- moral dos ex-escravos, sobrevivência anacrônica, po-
tal, até deinições dilatadas, que não reduzem a raça rém operante, ainda na sociedade competitiva (Fer-
a deinições biologizadas e estendem o conceito para nandes, 2007). Foi somente na década de 1970 que
muito antes da modernidade ou mesmo para ou- “racismo” assumiu o estatuto de categoria analítica,
tras culturas ditas “pré-modernas”. Tal debate ecoa, na sociologia de Carlos Hasenbalg e Nelson do Valle
em grande medida, redeinições da segunda face do Silva, mas, ainda assim, sem grandes explorações te-
conceito de raça, haja vista que quanto mais geral óricas. Como corrobora Antonio Sérgio Guimarães,
for a deinição para sua segunda face, mais fenôme- talvez o primeiro sociólogo brasileiro a reletir crite-
nos pretéritos podem ser denotados pelo termo. riosamente sobre o conceito, “se os estudos sobre o
Em segundo lugar, ao propor uma leitura realis- racismo no Brasil avançaram em termos empíricos,
ta crítica do racismo, este texto relega a um segundo seu crescimento deu-se sobre bases teóricas que, até
plano orientações teóricas sobre o tema que conde- os dias de hoje, não estão bem assentes na sociologia”
nam de antemão ao fracasso qualquer tentativa de se (Guimarães, 2004, p. 28).
atribuir aos fenômenos sociais uma ontologia deini- O argumento deste artigo está estruturado em
da. Grande parte da bibliograia dedicada à temática cinco partes, à exceção desta. As três primeiras dis-
insinua que ela é própria da “pulsão” realista, própria cutem com mais detalhe os três enquadramentos
da modernidade, uma das fontes fundamentais do do racismo contemporâneo: a primeira se debruça
racismo (Foucault, 2005; Bauman, 1989). De fato, sobre os potenciais e limites das abordagens que en-
o naturalismo realista, hegemônico no cientiicismo fatizam a dimensão ideológica, a segunda analisa as
do im século XIX e início do século XX, parece ser teorias que focam na dimensão prática, e a terceira
a fonte primordial das ideologias racistas com efei- resenha algumas teorias que realçam a dimensão
tos políticos e sociais desastrosos. Contudo, isso não estrutural. A quarta seção resume as contribuições
quer dizer que todo tipo de realismo dependa ou sociológicas do realismo crítico, proposto por no-
leve a juízos essencializantes do social. Voltaremos a mes como Roy Bhaskar e Margaret Archer, que nos
esse ponto na penúltima seção. Mas é importante es- ajudam a integrar os potenciais de cada um desses
clarecer, desde já, que uma das principais vantagens enquadramentos em uma teoria tridimensional do
heurísticas do realismo crítico é a premissa de que é racismo. A última seção discute algumas decorrên-
possível e – em alguma medida, necessário – tratar cias dessa abordagem tridimensional para a com-
os fenômenos sociais como reais para que suas de- preensão do racismo.
terminações indesejadas possam ser substituídas ou
modiicadas (Bhaskar, 2009).
Em terceiro lugar, o foco deste artigo recai so- A precedência das ideologias
bre uma bibliograia estadunidense e europeia, mor-
mente anglo-saxônica. Embora o campo de estudos O próprio suixo “ismo”, tradicionalmente
sobre a questão racial no Brasil seja um dos mais utilizado para indicar doutrinas e crenças, já suge-
produtivos e plurais das ciências sociais, as discus- re que o termo “racismo” surgiu para denotar uma
sões sobre o conceito de racismo são mais recentes ideologia (Bonilla-Silva, 1997). É nesse sentido que
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a expressão começa a ser utilizada a partir da década todavia, que o conceito de “ideologia” utilizado por
de 1920 e conceituada em termos acadêmicos na Miles e por grande parte dos teóricos desse enqua-
década de 1940. Em um trabalho pioneiro no uso dramento se distingue de correlatos como “doutri-
do neologismo, Ruth Benedict deiniu racismo na”, “conjunto de crenças” etc. Tomando a palavra
como “o dogma segundo o qual um grupo étnico de empréstimo do marxismo, especiicamente de
está condenado pela natureza à inferioridade con- Gramsci, Miles entende “ideologia” mais como um
gênita e outro grupo está destinado à superioridade conjunto vulgar de signiicados do senso comum,
congênita” (Benedict, 1945, p. 87). Já na década de algo sem uma estrutura lógica que incluiria em
1960, Pierre van den Berghe o conceituou como seu interior elementos como estereótipos raciais e
“um conjunto de crenças de que diferenças orgâ- representações relativamente desestruturadas e in-
nicas, genéticas transmitidas (reais ou imaginadas) coerentes (Miles, 2004). Há um claro eco aqui da
entre grupos humanos estão intrinsecamente asso- teoria da socióloga francesa Colette Guillaumin,
ciadas com a presença ou a ausência de certas ha- para quem “racismo não pode ser reduzido nem a
bilidades ou características socialmente relevantes” uma teoria racista, nem a uma prática racista. [...]
(Van den Berghe, 1967, p. 11) . Como uma ideologia, o racismo é opaco, incons-
No entanto, essas primeiras deinições não re- ciente do seu próprio signiicado” (Guillaumin,
duziam a sociologia da questão racial a uma análise 1972, p. 71). Essas duas deinições extraem de um
do racismo enquanto crença. É comum encontrar certo marxismo não apenas a noção de ideologia
nos autores desse período uma diferenciação termi- como “conhecimento vulgar e assistemático”, mas
nológica que reservava o termo “racismo” às ideo- também o sentido fundamental de “falsa consciên-
logias raciais e lidava com as práticas racistas a par- cia”. Nos termos de Miles e Brown, “a noção de que
tir das noções de “preconceito” e “discriminação”. a humanidade é dividida entre ‘raças’ biológica ou
Nesse bojo, Michael Banton deiniu racismo como somaticamente determinadas é falsa? O racismo re-
“uma doutrina na qual o comportamento humano presenta os seres humanos de modo distorcido? [...]
é determinado por características herdadas estáveis A resposta a todas essas questões é airmativa. O
derivadas de estoques raciais separados e que possuem racismo é uma ideologia em todos esses sentidos”
atributos distintivos e são considerados usualmente (Miles e Brown, 2004, p. 8).
como mantendo uma relação de superioridade e Mesmo autores mais atentos ao papel das práti-
inferioridade uma com a outra” (Banton, 1970, p. cas e estruturas racistas esposam um enquadramento
18) , algo que seria diverso dos preconceitos, como semelhante quando airmam essa primazia das ideo-
“generalizações emotivas de percepções prévias”, e logias. George Fredrickson, por exemplo, é sensível
da discriminação no sentido de “tratamento dife- à necessidade de “examinar a relação entre aspectos
rencial” (Banton, 1967, pp. 8-9). culturais – atitudes racistas, crenças e ideias – e es-
Robert Miles talvez seja o autor com críticas truturas e políticas de dominação racial” (Fredrick-
mais incisivas a essa luidez conceitual, defendendo son, 2002, p. 153). Mas ainda assim, ele assevera
uma deinição de racismo como ideologia de um que sem a presença de “ideias e crenças”, em alguma
modo mais explícito. Em um texto assinado com medida conscientes, “nós não teríamos como dis-
Malcom Brown, Miles propõe que o racismo deve tinguir o racismo do classismo, etnocentrismo, se-
ser entendido como “uma ideologia que é caracte- xismo, intolerância religiosa, etarismo ou qualquer
rizada pelo seu conteúdo [...] que assevera ou pre- outra maneira de alocar vantagens diferenciais ou
sume a existência de ‘raças’ separadas e discretas, e prestígio a categorias de pessoas que variam, ou pa-
atribui uma avaliação negativa de uma ou algumas recem variar, em algum aspecto importante” (Idem,
dessas ‘raças’ putativas” (Miles e Brown, 2004, p. p. 153). Justamente por isso, nenhuma sociedade
84). Logo, ambos não enxergam o racismo como poderia ser taxada de racista no “sentido completo
uma ideologia, mas também conferem a esta di- do termo [...] se as diferenças de status resultantes
mensão uma precedência causal sobre os precon- forem justiicadas em bases não raciais – como par-
ceitos e discriminações (Idem, p. 9). Vale destacar, te de uma crença generalizada na hierarquia social,
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por exemplo” (Fredrickson, 1999, p. 70). Isso não que ideologias racistas inspiraram a criação de insti-
quer dizer que fatores psicológicos mais assistemáti- tuições (leis, políticas públicas, práticas padroniza-
cos não tenham tido um papel importante em, por das etc.) que podem continuar discriminando sem
exemplo, disseminar o racismo nos Estados Unidos, que permaneçam sendo justiicadas por discursos
mas apenas que eles não seriam suicientes para uma explicitamente racistas. Eles admitem que a noção
teoria do racismo que queira explicar sua variabili- de racismo institucional seja aplicada a essas cir-
dade situacional (Fredrickson, 1988, p. 205). cunstâncias “onde o racismo está entronizado em
Mas talvez seja exatamente essa primazia da práticas excludentes ou em discursos formalmente
ideologia, mais ou menos consciente e intencional, não racializados” (Idem, p. 112), mas alertam que,
que constitua a principal fraqueza desse enquadra- ainda assim, “nos dois casos, é necessário demons-
mento. A própria ênfase em uma acepção de ide- trar a inluência determinante do racismo [como
ologia mais frouxa, capaz de abarcar crenças e es- ideologia]” (Idem, ibidem).
tereótipos relativamente desestruturados, já insinua Ora, ao admitir que condutas discriminatórias
duas complicações: primeiro, o caráter eminen- nem sempre expressam suas bases ideológicas – o que
temente prático do racismo e, segundo, a impor- sempre deixa alguma margem para que se pense
tância dos efeitos estruturais em sua deinição. Em que elas são motivadas por ideias não racistas
relação ao primeiro ponto, o próprio Fredrickson (Bonilla-Silva, 2006) – Miles e seus parceiros põem
reconhece que, na contemporaneidade, “o racismo em perigo o princípio basilar de sua teoria, qual seja,
tende a perder o signiicado original [de doutrina] o de que o racismo é primordialmente uma ideolo-
e se tornar um sinônimo de padrões de ação que gia. Ademais, tratar o racismo como um fenômeno
servem para criar ou preservar relações desiguais eminentemente ideológico, ou conceder uma proe-
entre grupos raciais” (Fredrickson, 1999, p. 71) . minência causal às crenças, também possui algumas
Como veremos na próxima seção, o fato de tais pa- consequências para a política e para a militância an-
drões de ação serem habitualmente inconscientes, tirracistas. Vale lembrar que a busca por uma acep-
automáticos, reativos e irreletidos torna temerário ção delimitada e rigorosa de racismo é motivada
considerá-los fenômenos meramente ideológicos. basicamente por uma agenda política, preocupada
Em relação ao segundo ponto, alguns críticos com a punição legal: “enquanto deinir racismo pos-
destacam que estruturas sociais podem continuar ten- sa parecer pedante e fora de moda, é algo concre-
do consequências racistas mesmo quando as ideolo- tamente conectado com o debate político e moral”
gias que as engendraram já estão descreditadas. A (Miles e Brown, 2004, pp. 3-4). Porém, não são
diiculdade em lidar com essa “inércia sistêmica do propriamente as ideologias que se busca punir, mas
racismo” (Feagin, 2006) ica particularmente evi- as condutas delas derivadas ou por ela motivadas.
dente nos próprios comentários de Miles e Brown Novamente, as práticas individuais e institucionais
sobre o conceito de “racismo institucional”. Essa parecem ter maior relevância na realidade concreta
expressão foi cunhada para reivindicar que qual- do que ideias propriamente ditas.
quer ação, sistematicamente prejudicial a um gru- Além disso, ao considerar as ideologias racistas
po racial, seria racista “independentemente se tal expressões da ideia de raça, cria-se uma equivalên-
reivindicação é ou não justiicada por uma moti- cia entre racismo e racialismo, isto é, entre práticas
vação reletida ou ideológica para a ação (ou ina- que subordinam grupos racializados (racismo) e a
ção)” (Miles e Brown, 2004, p. 71). Discutiremos o mera mobilização discursiva do termo “raça” (Gui-
conceito de racismo institucional mais à frente. Por marães, 1999, p. 27). Por conseguinte, qualquer
ora, basta apenas antecipar que, para esses autores, mobilização do termo é tachável de racista (Miles e
essa acepção seria inlacionada na medida em que Brown, 2004, p. 91), seja feita por sociólogos que
permitisse categorizar como racista qualquer lesão reconhecem sua “existência” como constructo so-
impelida a um grupo racializado sem levar em con- cial, seja feita por atores políticos que utilizam a ca-
ta o viés racial de suas motivações (Idem, p. 75). tegoria para organizar um dado movimento social
Por outro lado, porém, Miles e Brown reconhecem (movimento negro, por exemplo).
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Por outro lado, a própria Colette Guillaumin se pretende compreender ou mensurar o racismo
já notava, no início da década de 1980, que sim- existente em nossas sociedades. Não se ignora o
plesmente parar de falar em raça não representaria papel das crenças na produção ou reprodução da
uma superação de todos os séculos nos quais a ca- discriminação racial, somente que as primeiras não
tegoria estruturou as relações sociais. Apesar de ela possuem consequências sociológicas relevantes se
ter sido uma crítica voraz a qualquer uso do termo, não se traduzirem em práticas discriminatórias. Por
reconhecia: “reivindicar que uma noção tão presen- esse prisma, por mais completo que um estudo de
te no vocabulário da sociedade, tanto no seu modo ideologias racistas seja, ele nunca seria capaz de elu-
de organizar o mundo quando na sua história polí- cidar os mecanismos interacionais que constituem
tica e humana, pode ser negada desse modo é uma a discriminação em si.
posição paradoxal porque o que é negado tem uma Em segundo lugar, entende-se que tais atitu-
existência de facto” (Guillaumin, 2003, p. 106). des são muito mais emotivas, irracionais e reativas
Tais teóricos aparentemente enfrentam uma grande e, por isso, nem sempre possuem uma ideologia
diiculdade em entender a possibilidade de se lidar identiicável como causa. Novamente, isso não im-
com uma acepção sociológica e não biológica de plica que ações discriminatórias, intencionalmente
raça, com a ideia de que existem instituições racis- racistas, tenham deixado de existir, mas apenas que
tas capazes de estruturar a existência de determina- os motores da discriminação racial vão além delas.
dos agentes ao ponto de eles se tornarem categorias Como destacam Pager e Shepherd (2008, p. 182),
sociais tão “reais” quanto as classes, por exemplo. “a discriminação pode ser motivada por preconcei-
tos, estereótipos ou racismo [enquanto ideologia],
mas a deinição de discriminação não presume ne-
A precedência das práticas nhuma causa subjacente”. De modo semelhante,
Blank, Dabady e Citro entendem a discriminação
O que distingue o enquadramento centrado racial não somente como todo “tratamento diferen-
nas ações, atitudes e práticas é o peso conferido à cial com base na raça que cria desvantagens para
discriminação e aos preconceitos raciais como me- um grupo racial”, mas, sobretudo, “o tratamento
canismos causais de reprodução do racismo vis-à-vis com base em fatores outros inadequadamente justii-
o papel desempenhado pelas ideologias, crenças ou cados para além da raça que cria desvantagens para
desvantagens estruturais. Nessa abordagem, o termo um grupo racial (efeito diferencial)” (Blank, Daba-
“preconceito” não assume apenas um signiicado dy e Citro, 2004, p. 55). Presume-se, assim, que
cognitivista, próximo do que temos chamado até a preexistência de crenças racistas não é sequer o
aqui de “crença” ou “ideologia”. Ao contrário, “pre- critério deinidor das discriminações raciais, já que
conceito” é quase sempre deinido como “uma atitu- elas podem “incluir decisões e processos que podem
de que, como outras atitudes, tem [...] um compo- não ter em si nenhum conteúdo explicitamente ra-
nente conotativo (por exemplo, uma predisposição cial, mas que têm consequências ao produzirem ou
comportamental a agir negativamente em relação reforçarem desvantagens raciais” (Pager e Shepherd,
ao grupo alvo)” (Dovidio et al., 2010, p. 5). O foco 2008, p. 182).
nessa concepção mais atitudinal de racismo tem suas Essa concepção de racismo “sutil” ou “implí-
origens ainda nos anos de 1930, quando uma série cito” destaca o papel de inúmeras condutas rea-
de autores começa a destacar o papel que processos tivas e irreletidas para a reprodução das atitudes
psicológicos inconscientes têm na formação dos pre- discriminatórias. Blank, Dabady e Citro (2004, p.
conceitos e nas consequentes ações discriminatórias 60) tipiicam quatro exemplos de racismo que de-
(Wieviorka, 1995, p. 22). Revisar toda essa biblio- monstrariam a autonomia entre crenças/ideologias
graia transcenderia o objetivo deste texto.2 Entretan- raciais dos preconceitos/discriminações raciais. Eles
to, é possível destacar dela dois elementos marcantes. chamam de preconceito indireto, por exemplo, os
Em primeiro lugar, considera-se que as ações e comportamentos discriminatórios que são justii-
práticas discriminatórias têm precedência quando cados apelando para as características secundárias
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pelo grupo-alvo, como quando indivíduos evitam ger, 2006, p. 72). Entretanto, padecem da mesma
negros por considerarem que eles costumam ser po- limitação dos dois primeiros métodos: não eluci-
bres. Nesse caso, uma discriminação aparentemente dam como a discriminação funciona de fato. Se-
classista é, a rigor, um preconceito racial indireto. gundo Pager, somente os estudos experimentais e
Outro exemplo são as chamadas respostas automáti- semiexperimentais (laboratoriais e de campo) se-
cas, atitudes racistas que reletem uma reação emo- riam capazes de observar in loco as dinâmicas dis-
tiva, impelida por ansiedades e afecções inconscien- criminatórias, mas a artiicialidade e diiculdades
tes e ligadas a imagens negativas da negritude bem de replicação dessas técnicas limitam sobremaneira
rudimentares. Um terceiro tipo de atitude racista, suas inferências (Idem, p. 76).
mais ou menos descolada das ideologias, é a orien- O curioso desses estudos de discriminação é
tação ambígua, quando o foco da reação racista que eles parecem enfrentar uma grande diiculdade
recai mais na autopreservação do agente discrimi- em “puriicar” as ações e práticas discriminatórias a
nador do que na aversão ao grupo do discrimina- serem observadas dos fatores propriamente ideoló-
do. Um exemplo disso é o fato de determinados gicos. Por serem baseadas na opinião das pessoas,
transeuntes modiicarem seus trajetos para evitar as sondagens de atitudes e os estudos de percep-
interações com grupos “potencialmente perigosos”, ção sofrem uma enorme inluência das ideologias
categorizados com base no fenótipo. Já a orientação ou crenças correntes e, portanto, seus resultados
ambivalente se refere ao tratamento diferenciado podem manifestar mais o caráter racista ou antir-
conferido aos membros de um mesmo grupo ra- racista da ideologia dominante de um dado grupo
cial. Tal orientação seria uma forma de escamotear do que um preditivo de práticas discriminatórias
a aversão a determinados membros de um grupo (LaPierre, 1934). Como estudar as práticas racis-
pela empatia por outros membros. Em todos esses tas pelas declarações dos indivíduos se muitos de-
casos, o papel das ideias e crenças racistas é mínimo les têm “preconceito de ter preconceito”, para usar
se comparado com afeições quase irracionais ou re- a expressão colhida em campo por Florestan Fer-
ações irreletidas. nandes (2007, p. 29)? Apesar de esse tipo de em-
Note-se que a deinição da discriminação co- pecilho não se apresentar de maneira tão lagrante
mo prática faz com que essa literatura dê uma enor- nas outras técnicas mencionadas por Pager, vale
me importância a discussões metodológicas preo- frisar que a busca por uma deinição “objetiva” e
cupadas com a formulação e aplicação de técnicas “pura” de discriminação racial diiculta metodolo-
de pesquisa capazes de capturar tais atitudes. Em gicamente tais estudos em vez de viabilizá-los. Se a
uma revisão das técnicas mais utilizadas por essa discriminação racial, na sua conceituação clássica, é
bibliograia, a socióloga Devah Pager (2006) iden- reduzida a ações individuais relativamente indepen-
tiica cinco métodos dominantes empregados para dentes das crenças (Allport, 1979), as técnicas que
“mensurar” a discriminação: estudos de percepção, conseguem observar tais ações enfrentam obstácu-
sondagem de atitudes, análises estatísticas, experimen- los consideráveis em realizar a conexão de sentido
tos de laboratório e experimentos de campo. Cada um que permitiria categorizá-las como “discriminações
deles se “aproxima” do objeto estudado em graus raciais”. Analogamente, as técnicas para mensurar
variados e, sobretudo, possui potenciais particulares as desigualdades de oportunidades entre grupos ra-
de generalização e inferência. Estudos de percepção ciais diicilmente elucidam a lógica das ações que as
e sondagem de atitudes costumam ser extensivos e, engendram, mas justamente seus efeitos estruturais.
por isso, permitem inferências mais amplas. Por Carlos Hasenbalg e Nelson do Valle Silva, investiga-
outro lado, eles não acessam as práticas discrimina- dores pioneiros no emprego de técnicas estatísticas
tórias “de fato”, apenas as supostas predisposições de mensuração das desigualdades de oportunidades
que as engendram. Análises estatísticas, por seu entre brancos e não brancos no Brasil, sempre des-
turno, seriam pródigas em demonstrar existência tacaram os limites dessas técnicas, que permitem
de discriminação ao documentarem desigualdades apenas inferir a existência de racismo e não o obser-
raciais controlando variáveis socioeconômicas (Pa- var (Guimarães e Hasenbalg, 2006, p. 260).
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Aqueles que englobam na ideia de racismo até abordagem foram traduzidas em leis que equaliza-
mesmo práticas descoladas de crenças ou ideologias ram o racismo a atos de discriminação racial (Solo-
também são frequentemente acusados de essencia- mos, 1993, p. 76). Ainda que tais leis tenham uma
lizarem a ideia de “grupos raciais”. Se o racismo importância inegável, elas acabaram por reduzir as
existe mesmo quando ele é motivado por “fatores legislações antirracistas a atos localizados, de difícil
outros inadequadamente justiicados para além da observação e punição. Ao analisar a legislação na
raça” (Blank, Dabady e Citro, 2004, p. 55), o pre- Grã-Bretanha prévia aos anos de 1990, Solomos
juízo aos grupos ditos “raciais” torna-se o critério corrobora esse diagnóstico quando airma que:
deinidor do racismo. Contudo, tal critério seria
tautológico na medida em que esses “grupos raciais” Evidências de pesquisa sobre o tratamento
não são nada mais do que categorias sociais ra- conferido aos imigrantes negros e seus des-
cializadas por ideologias e práticas racistas. Ignora- cendentes mostram que nós deveríamos es-
-se, assim, que as ações discriminatórias não só pre- tar preocupados não somente com atos de
judicam determinados grupos, mas contribuem, discriminação, mas também com processos
em seu conjunto, para a sua produção na qualidade de discriminação. Processos são estabelecidos,
de grupos raciais (Omi e Winant, 2015, p. 23). de forma rotineira e sutil; só ocasionalmente um
Outro problema desse enquadramento é que ato de discriminação individual se torna visível
ele promove uma invisibilização do papel que es- dentro desses processos e só intermitentemente
truturas sociais desiguais têm na extrapolação per- pode um ator individual ser identiicado como
ceptiva que caracteriza todo preconceito. Quase responsável pela exclusão de outras oportunida-
todas as quatro formas de racismo sutil citadas por des legítimas (Solomos, 1993, p. 77).
Dovidio et al. (2010) extrapolam percepções indi-
ciais e rudimentares. Nesse processo de categoriza- Algo semelhante é notado por Antônio Sérgio
ção, os estereótipos raciais têm a função de anteci- Guimarães em relação à legislação antidiscrimina-
par rapidamente comportamentos e administrar as tória brasileira, airmando que a ênfase da nossa
expectativas em relação aos outros. Como essa an- legislação em separar atos discriminatórios de dis-
tecipação e administração de expectativas se serve cursos racistas criou um paradoxo legal.
de algum conhecimento desses “outros“ – difícil de
ser reavaliado a cada relação social –, os estereótipos [...] o que chama a atenção na Lei 7.716 [que
assumem uma função eminentemente prática ao criminaliza o racismo] e na sua interpretação,
radicalizarem ou exagerarem percepções toscas da tal como feita pelos Juízes de Direito em suas
realidade. Daí o papel que a preexistência de desi- sentenças, é que o ato de racismo era concei-
gualdades estruturais tem nas construções desses es- tuado como limitando-se a um ato de segre-
tereótipos. Como os próprios autores notam, “tra- gação e de exclusão. [...] Ora, o problema
balhos recentes também exploram como a estrutura consiste exatamente no fato de que tais formas
social afeta o conteúdo especíico dos estereótipos. de discriminação segregacionista são residuais
[...] Em particular, as pessoas inferem as caracterís- no mundo atual e, quando exercidas, o são de
ticas de grupos baseadas nos papeis sociais que eles modo sutil, disfarçando-se o motivo racial sob
ocupam” (Dovidio et al., 2010, p. 7). Mas, embora alguma transnominação ou tropo (Guimarães,
se reconheça o papel de uma estrutura social racista 1998, p. 36).
na produção ou reprodução dos preconceitos e dis-
criminações, continua-se insistindo no ponto que o Enfatizar o papel dos atos discriminatórios na
racismo é essencialmente um tipo de disposição ou reprodução do racismo leva a estratégias legais fo-
conduta prática. cadas na tipiicação desses atos e na prescrição de
Por im, as teorias atitudinais do racismo susci- punições para eles. Mas se tais atos são costumei-
tam alguns dilemas políticos. Em muitas democra- ramente intangíveis, sutis, indiretos, automáticos,
cias modernas, as recomendações antirracistas dessa ambíguos e ambivalentes, como então identiicá-
RACISMO EM TRÊS DIMENSÕES 9

-los? Em suma, ao enfocar sobretudo atos e práti- um papel subsidiário ou secundário. Quando Joe
cas de exclusão ou segregação, a legislação brasileira Feagin, por exemplo, interpreta a história dos Es-
também possui um problema semelhante àquele tados Unidos à luz da ideia de “racismo sistêmico”,
destacado por Solomos. ele não ignora o papel das ideologias raciais na sua
conformação, mas não as encara como os motores
principais do racismo naquele país. Para ele, tais
A precedência das estruturas ideologias funcionariam como discursos criados
para justiicar e legitimar o sistema racista e não
Da mesma maneira que o enquadramento do propriamente como suas causas primordiais (Fea-
racismo como prática emerge quando as principais gin, 2006, p. 90).
ideologias racistas caem em descrédito após a Segun- Stokeley Carmichael e Charles Hamilton,
da Guerra Mundial, os conceitos estruturalistas, ins- cunhadores da noção de “racismo institucional”,
titucionais ou sistêmicos de racismo surgem quando argumentam de modo semelhante quando cha-
as práticas cotidianas racistas tornam-se intangíveis. mam a atenção para o fato de que existe um tipo de
O paradoxo desse terceiro momento das teorias do racismo, relativamente independente das ideologias
racismo está no contexto atual, em que uma ampla e atitudes individuais, que possui uma relevância
condenação das ideologias e práticas racistas convi- primária nas relações sociais.
ve com a reprodução das desigualdades econômicas,
políticas e culturais entre diferentes grupos raciali- Quando terroristas brancos bombardeiam uma
zados. É nesse contexto enigmático que sociólogos igreja negra e matam crianças negras, esse é um
como Eduardo Bonilla-Silva questionam “como é ato de racismo individual, amplamente deplo-
possível ter esse tremendo grau de desigualdade ra- rado pela maioria dos segmentos da sociedade.
cial em uma nação [como os Estados Unidos] onde Mas quando na mesma cidade – Birmingham,
a maioria dos brancos airma que a raça não é mais Alabama – 500 bebês negros morrem cada ano
relevante?” (Bonilla-Silva, 2006, p. 2). por falta de uma alimentação adequada, vesti-
Antes de comentarmos esse enquadramento, é menta, dormitório e facilidades médicas ade-
preciso ter em mente que muitos autores falam em quadas, e milhares além desses são destruídos
“sistemas raciais”, “racismo estrutural” ou “racismo ou isicamente, emocionalmente ou intelectu-
institucional” sem, entretanto, esposarem uma vi- almente mutilados por causa das condições de
são sistêmica do racismo. Michael Banton e John pobreza e discriminação na comunidade negra,
Rex, por exemplo, dizem-se interessados no papel isso se dá em função do racismo institucional
do racismo nos distintos “sistemas sociais” (Ban- (Carmichael e Hamilton, 1969, p. 6).
ton, 1967, pp. 4-5, 63-69 e 117-119) ou em como
um tipo de “relação racial” relete condições ditas Foi inspirado nesses dois militantes estaduni-
“estruturais” (Rex, 1986), mas raramente isso quer denses que o juiz inglês William Macpherson reco-
dizer que o racismo seria em si uma realidade sistê- mendou a adoção de uma acepção institucional de
mica ou estrutural. Suas teorias estão centradas nos racismo por parte do Estado britânico. Em um re-
modos como o racismo se torna uma função dos latório sobre as falhas da ação policial que levaram
contatos entre sistemas sociais diversos e não uma ao assassinato do jovem negro Stephen Lawrence,
propriedade intrínseca a eles. Macpherson recomendou a culpabilização da po-
Ao contrário dessas concepções, as teorias do lícia como instituição e uma redeinição legal do
racismo que enfocam estruturas, sistemas e institui- racismo para abarcar toda “falha coletiva de uma
ções enxergam tais mecanismos, não apenas como organização em prover um serviço apropriado e
incentivos potenciais de conlitos entre grupos proissional às pessoas por causa de suas cores, cul-
raciais, mas como os princípios causais que engen- tura ou origem étnica” (Macpherson, 1999).
dram o racismo em si. Isso não signiica que ideolo- Não obstante as nuances, todas essas deinições
gias e práticas não importem, somente que elas têm conferem alguma precedência e autonomia relativas
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aos sistemas/estruturas/instituições racistas. Como elementos – “enquadramento racista, ideologia


corrobora Bonilla-Silva, “ainda que processos de racista, atitudes estereotipantes, emoções racistas,
racialização estejam sempre incrustrados em outras hábitos e ações discriminatórios e instituições racis-
estruturações, eles adquirem autonomia e têm ‘efei- tas extensivas, desenvolvidas durante séculos pelos
tos pertinentes’ no sistema social. Isso signiica que o brancos” (Idem, p. xii) – que se aproxima mais de
fenômeno que é codiicado como racismo e é visto um aglomerado de fenômenos do que de um con-
como uma ideologia que paira sobre nós tem, a ri- junto orgânico e ordenado deles. A airmação vale
gor, uma fundação estrutural” (Bonilla-Silva, 1997, também para Bonilla-Silva, que ora trata a ideolo-
p. 469). O autor não descarta os efeitos das ideolo- gia como parte das estruturas racistas, ora fala em
gias e práticas racistas, mas defende que elas são uma “estrutura ideológica” (Bonilla-Silva, 1997, p. 474),
das partes de sistema social racializado, “termo que como se a ideologia fosse, ela própria, uma estru-
faz referência à sociedade nas quais os níveis econô- tura. Não por acaso, suas obras mais recentes dão
mico, político, social e ideológico são parcialmente mais espaço ao conceito de uma “nova ideologia
estruturados pelo posicionamento dos atores em racista que se diz cega às diferenças de cor [color-
categorias raciais ou raças” (Idem, ibidem). -blind]” (Bonilla-Silva, 2006, p. 4) do que à noção
A precedência dos sistemas sobre as ideias ou de estruturas racistas.
mesmo atitudes se justiica, para esses autores, na A principal diiculdade dessas concepções ho-
medida em que discursos racistas sem efeitos es- lísticas de racismo está no fato de elas serem anali-
truturais não podem ser considerados plenamen- ticamente limitantes e ajudarem pouco a identiicar
te racistas. Citando novamente Bonilla-Silva: “do as relações causais que conformam uma estrutura
meu ponto de vista, podemos falar em ordens ra- racista. A rigor, não é possível qualiicar automati-
cializadas somente quando um discurso racial é camente como racista uma estrutura social simples-
acompanhado por relações sociais de subordinação mente por que ela estabelece posições desiguais para
e predomínio entre raças” (Idem, p. 473). Outra determinados grupos racializados. Imaginemos,
discordância desses aportes sistêmicos em relação às por exemplo, uma estrutura social perfeitamente
perspectivas mais próximas da noção de ideologia desigual em termos raciais, na qual todos os privi-
tem a ver com os efeitos inerciais de instituições légios estão concentrados por um grupo claramen-
racistas. Como vimos, autores como Robert Miles e te identiicável (brancos, por exemplo), enquanto
Malcom Brown vislumbram a possibilidade de que todos os membros de outro grupo (negros, por
instituições formadas no passado a partir de ideo- exemplo) ocupam claramente posições subalternas,
logias raciais continuem tendo efeitos no presente algo próximo de contextos escravocratas pretéritos.
mesmo quando essas ideologias de origem desapa- Mesmo nessa hipótese, a divisão racial pode ser re-
recem. No entanto, eles asseveram que elas só po- produzida por motivações não racistas, baseadas em
dem ser classiicadas como racistas caso se consiga ideologias elitistas ou classistas, por exemplo. Aliás,
conectar seus efeitos presentes com suas motivações é justamente por isso que a maior parte das pesqui-
ideológicas pretéritas (Miles e Brown, 2004, p. 71). sas sobre as desigualdades de oportunidades entre
Para autores como Feagin, contudo, essa “amnésia brancos e não brancos no Brasil busca separar os
ideológica” de uma instituição não é um caráter re- efeitos atribuíveis à origem de classe daqueles atri-
sidual do racismo moderno, mas o contrário: ela buíveis à pertença racial (Osório, 2008).
é uma das condições que faz com que sistemas ra- Ao inlacionar o conceito de racismo, transfor-
cistas reproduzam seus princípios básicos mesmo mando-o em um “sistema-mundo-global”, Balibar
quando grandes avanços antirracistas parecem ter e Wallerstein (1991) também incorrem nesse tipo
ocorrido (Feagin, 2006, pp. 34-36). de conlação sistêmica. Por consequência, a trans-
Mas se as visões estruturalistas/sistêmicas do formação do racismo, ou mesmo sua superação,
racismo têm esse e outros méritos, elas quase sem- passam a ser atreladas a uma enorme luta antissis-
pre pecam em clareza. A noção de “sistema racista” têmica, cujos alvos ou dinâmicas estão longe de ser
proposta por Faegin, por exemplo, abarca tantos claros. Destarte, a luta antirracista ganha pouco
RACISMO EM TRÊS DIMENSÕES 11

em termos de orientação política desses arcabouços quanto mais se reduz o racismo a um conjunto de
analíticos. É curioso notar que os autores mencio- ideias, menos se enxerga o papel atual de práticas
nados nesta seção se aproximam analiticamente, irreletidas na sua reprodução. Por conta disso, a
mas se distanciam quando observamos suas postu- concepção atitudinal de racismo foi profícua ao
ras políticas. Stokeley Carmichael foi um dos maio- jogar luz sobre condutas discriminatórias cada vez
res militantes do movimento Black Panter e Bla- mais sutis e implícitas. Por outro lado, ao tentar
ck Power, tendo defendido táticas revolucionárias localizar nas práticas um referente objetivo para as
durante a maior parte de sua vida. Já Bonilla-Silva teorias do racismo, a abordagem centrada nas ati-
sempre se colocou na posição de sociólogo e analis- tudes termina por adotar uma concepção estrita
ta, furtando-se, até bem recentemente, a manifestar demais do que é racismo. É justamente aqui que as
suas opiniões pessoais sobre políticas antirracistas. noções sistêmicas de racismo ganham relevo, pois
Em um dos raros momentos em que ele lida com apontam para a objetividade dos efeitos racistas das
a questão, suas recomendações para a luta antirra- instituições e estruturas, mesmo que eles não sejam
cista são surpreendentemente voluntaristas, como imediatamente visíveis.
“cultivar uma grande parte dos brancos antirracis- O que se segue pretende demonstrar que os
tas a desaiarem os sentidos color-blind dos brancos potenciais de cada uma das três abordagens rese-
a partir de dentro” (Bonilla-Silva, 2006, p. 229). nhadas podem ser coadunados caso as integremos
Problema semelhante acomete Feagin, que encerra em uma teoria tridimensional do racismo. Tal inte-
um de seus livros reconhecendo que a mudança do gração, entretanto, não deve diluir a especiicidade
sistema racista estadunidense “é de fato apenas um ontológica de cada uma dessas dimensões. Assim,
sonho, mas mesmo um sonho parcialmente reali- não se deve confundir a proposta aqui delineada
zado procurado agressivamente por todos aqueles com outras três estratégias integradoras, presentes
comprometidos com a democracia real seria mui- na bibliograia especializadas. Em primeiro lugar,
to melhor do que o presente fundamentalmente não se está propondo uma articulação hierárquica
opressivo” (Feagin, 2006, p. 324). das três dimensões, em que uma dimensão possui
O antirracismo nutrido pelas visões sistêmicas precedência causal e teórica sobre as outras, como
ou estruturalistas do racismo pode adquirir qual- se dá nos três enquadramentos mencionados. Em
quer forma (revolucionária, reformista, volunta- segundo lugar, não se trata de apontar que o racis-
rista) porque é difícil deduzir dessas teorias uma mo pode se “expressar” nos três níveis de formas
orientação prática para a luta contra o racismo. Isso autônomas, isto é, não se propõe uma divisão do
se dá não somente porque o racismo é empacota- conceito de racismo em três reinos distintos (Garner,
do em uma unidade sistêmica totalizante, dentro 2010). Em terceiro lugar, não se sugere uma fusão
da qual há pouco espaço para contradições que es- das categorias em um quarto conceito externo, como
tratégias antirracistas podem explorar, mas também fazem Michael Omi e Howard Winant (2015) com
porque há uma constante redução das práticas às a ideia de “formação racial”.
estruturas. Ao criticarem a redução do racismo às A articulação analítica proposta por Omi e Wi-
práticas e ações discriminatórias em prol de uma vi- nant merece alguns esclarecimentos adicionais. Na
são sistêmica, esses teóricos minam as próprias ba- tentativa de produzir uma teoria multidimensional
ses das ações antirracistas individuais ou coletivas. do racismo, os dois sociólogos propõem a noção
Os três enquadramentos resenhados apresen- integradora de “formação racial” para “explicar
tam distintos potenciais e limitações , tanto no pla- como conceitos de raça são criados e transforma-
no analítico quanto político. É digna de nota, po- dos, como a raça modela a sociedade e como ela
rém, a existência de uma certa complementaridade permeia identidades e instituições” (Omi e Winant,
entre eles. Conferir precedência causal às ideologias 2015, p. 2) e capturar “como processos de formação
é uma forma de diferenciar o racismo de práticas racial ocorrem através da conexão entre estrutura e
discriminatórias igualmente hierarquizantes e natu- representação” (Idem, p. 23). Mas, a despeito de es-
ralizantes como sexismo, etarismo etc. No entanto, ses autores compartilharem uma preocupação com
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a multidimensionalidade do racismo, a teoria das teorias e impossibilita a identiicação de como mu-


formações raciais funde as dimensões ideológicas, danças em uma dimensão podem ter impactos po-
práticas e estruturais em um conceito abarcante, sitivos ou negativos nas outras. Daí a importância
preestabelecendo suas relações no âmbito teórico e que uma teoria do racismo considere ontologica-
contribuindo pouco para a elucidação empírica das mente ideologias, práticas e estruturas racistas, mas
dinâmicas do racismo. Como notam alguns auto- mantenha no plano analítico as distinções entre es-
res, o conceito de “formação racial” não esclarece, sas três dimensões. Assim, tal teoria pode oferecer
por exemplo, o peso relativo de cada uma dessas às observações empíricas um esquema analítico que
três dimensões têm em contextos especíicos. As di- permita investigar, com base em casos concretos, de
tas formações raciais parecem emergir ora da noção que maneira as três dimensões se relacionam entre
(ideológica) de “projetos raciais”, ora do viés racial si em cada contexto ou situação especíicas.
das estruturas sociais (Feagin, 2006, p. 7; Bonilla- Esses princípios se inspiram nas premissas
-Silva, 1997, p. 466). epistemológicas, ontológicas e políticas do realis-
mo crítico, corrente da teoria social derivada das
explorações sobre a epistemologia das ciências na-
O realismo crítico turais, empreendidas pelo ilósofo britânico Roy
Bhaskar (2008).3 Em sua ilosoia das ciências na-
Quando se relete sobre uma teoria social do turais, Bhaskar argumenta que as observações e tes-
racismo, há que se questionar, antes, seus objetivos. tes empíricos das ciências naturais só são possíveis
O primeiro deles é eminentemente analítico, isto porque partem de premissas ontológicas realistas e
é, uma teoria pretende fornecer o vocabulário con- transcendentais ao mesmo tempo (Bhaskar, 2008,
ceitual e algumas relações ontológicas capazes de p. 25). A estrutura de uma determinada molécula
orientar as investigações empíricas e suas conexões ou átomo, por exemplo, só pode ser empiricamen-
de sentido. O segundo objetivo é eminentemente te veriicada porque os cientistas naturais partem
político, ou seja, uma teoria do racismo busca eluci- das premissas (transcendentais) de que: 1) tais
dar os seus mecanismos causais de reprodução para, entidades são ontologicamente reais – isto é, elas
assim, contribuir com a sua transformação ou supe- existem;2) tal realidade é ordenada e sua estrutura é
ração. Mesmo autores ciosos da distinção entre aná- passível de ser captada em um modelo; 3) tais obje-
lise cientíica e recomendação política reconhecem tos da realidade possuem alguma autonomia entre
que “os problemas políticos das relações raciais em si, o que justiica a existência de múltiplas discipli-
diferentes partes do mundo se tornaram tão urgen- nas cientíicas (Idem, p. xi). A “cientiicidade” das
tes na última metade do século [XX] que há uma ciências naturais não está calcada, portanto, em um
necessidade urgente no público de ter um entendi- suposto acesso imediato à realidade empírica, mas
mento melhor informado sobre o que está em jogo justamente na combinação entre essas premissas
e em quais circunstâncias” (Banton, 1967, p. 2). ontológicas transcendentais e uma conduta realista,
De um lado, para que uma teoria do racismo em suma, por uma postura “realista transcenden-
atinja seu objetivo analítico, ela deve indicar as po- tal” (Idem, p. 4).
tenciais dimensões ontológicas do fenômeno sem, Todavia, ao tentar trasladar para as ciências
contudo, fundi-las. Isso porque uma articulação sociais essa perspectiva realista, Bhaskar esbarra no
hierárquica das dimensões do racismo, ou uma fu- fato de que, ao contrário da realidade natural, a
são das categorias em um quarto conceito externo, realidade social não pode ser considerada ontolo-
impedem que se capte a variação empírica do racis- gicamente transcendental em relação às ações dos
mo em contextos e situações concretas e, no limite, cientistas e dos demais seres humanos (Bhaskar,
oferece uma visão tão ordenada e deinitiva do fenô- 1998a, pp. 21-22). Ele airma, então, que as ciên-
meno que diiculta a luta contra ele. De modo aná- cias sociais demandam uma ontologia estratiicada
logo, a divisão do conceito de racismo em três rei- do social, capaz de reconhecer que ele é, ao mesmo
nos distintos reduz a capacidade explicativa dessas tempo, estruturado e constituído pela agência hu-
RACISMO EM TRÊS DIMENSÕES 13

mana (Idem, pp. 44-47). Mas em vez das articu- exemplo, uma estrutura marital particular pré-
lações teóricas entre estrutura e agência, propostas -data nossa constituição contemporânea como
por diversas correntes da teoria social, o que distin- sujeitos sociais casados – o que é um ponto
gue o realismo crítico é a defesa da manutenção da totalmente diferente de airmações, perfeita-
diferenciação analítica entre essas duas instâncias mente compatíveis, de que atores do passado
ontológicas: constituíram, através de suas próprias práticas
sociais, uma dada instituição matrimonial his-
Um critério para diferenciar o social das cau- toricamente anterior (ainda que isso se reira
sas puramente naturais e materiais se dá por a agentes mortos há muito tempo), ou que
suas propriedades, embora previamente dadas nossas ações atuais como sujeitos casados es-
necessariamente a qualquer agente particular, tão contribuindo para a transformação dessa
e uma condição de todo ato intencional, elas instituição em algum momento futuro (ainda
existem e persistem apenas em virtude da agên- que isso se reira a uma reestruturação futura
cia humana. Nesse modelo, então, estrutura distante) (Archer, 1996, p. xiv).
social e agência humana são vistas como inter-
dependentes existencialmente, mas essencial- Vale notar, também, que a ontologia estratii-
mente distintas. Sociedade é ao mesmo tempo cada do social adquire uma terceira dimensão com
a onipresente condição e o resultado continua- a tese, proposta por Margaret Archer, de que o du-
mente reproduzido da agência humana: isto é a alismo entre “cultura e agência” possui as mesmas
dualidade da estrutura (Bhaskar, 2011, p. 92). propriedades do dualismo “estrutura e agência”
(Idem, ibidem). Por isso, o conjunto de códigos
Em vez de propor uma teoria que esquemati- ideacionais que fornece inteligibilidade ao mundo
za uma dada articulação ontológica entre estrutu- (cultura) não seria redutível ao conjunto de rela-
ra e agência, o realismo crítico recomenda que a ções mais ou menos padronizadas que condicio-
teoria social mantenha a distinção analítica entre nam e possibilitam as ações (estrutura) (Idem, p.
ambas, entendendo-as como dimensões emergen- xviii). Entretanto, a estratiicação da ontologia so-
tes de um mesmo fenômeno (Bhaskar, 2008, p. cial nesse terceiro elemento, a cultura, não implica
62). Dizer que fenômenos sociais têm proprieda- propriamente transformar o dualismo analítico em
des emergentes implica reconhecer que uma mes- uma tríade analítica, já que a relação entre cultu-
ma entidade ontológica pode ter poderes causais ra e estrutura é sempre mediada pela agência dos
e lógicas distintas assim como entidades naturais indivíduos e grupos sociais: “asseverar que as duas
(Idem, pp. 102-103). O corpo humano, por exem- [cultura e estrutura] são relativamente autônomas
plo, pode ser estudado pela química e pela biolo- não quer dizer nada sobre as suas importâncias rela-
gia ao mesmo tempo porque os fenômenos que lhe tivas para a estabilidade ou mudança social em um
são característicos possuem causalidades que ora se dado momento. [...] estrutura e cultura de fato têm
aproximam da lógica dos objetos próprios da física uma relativa autonomia em relação a outra, então,
e ora se aproximam da lógica dos fenômenos ditos é a relação entre elas que é preciso explorar teorica-
químicos. Do mesmo modo, a agência e as intera- mente” (Idem, p. xvii).
ções humanas têm como propriedade emergente a O realismo crítico fornece, destarte, o instru-
formação de estruturas sociais padronizadas: mental necessário para uma integração teórica entre
as três dimensões do racismo (ideológica, prática e
A razão básica para recusar isso [a fusão teórica estrutural) que permita escapar das diferentes con-
entre estrutura e agência] é que as ‘“partes’” e o lações e fusões supracitadas e capacitar as investi-
‘“povo’” não são coexistentes através do tempo gações sociológicas a inquirir empiricamente como
e, portanto, qualquer abordagem que amalga- elas se articulam em contextos históricos e geográ-
me-os renuncia à possibilidade de examinar a icos especíicos. Além disso, ele viabiliza a produ-
relação entre elas durante o tempo. Assim, por ção de um conhecimento sociológico do fenôme-
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no capaz de ser instrumentalizado politicamente. zia causal, sobretudo nos momentos e contextos em
Conquanto a emancipação humana não possa ser que ideias e crenças racistas explícitas se tornam se-
totalmente proporcionada pelo ato de conhecer, cundárias. Nesses casos, as chamadas doutrinas ra-
este é uma de suas condições na medida em que cistas assumem mais a forma de preconceitos atitu-
explicações cientíicas também são avaliadas pela dinais luidos e assistemáticos. Porém, isso não quer
sua capacidade “substituir fontes de determinação dizer que devamos considerar as práticas discrimi-
indesejáveis e desnecessárias por outras necessárias natórias como unidades ontológicas fundamentais.
e desejadas” (Bhaskar, 2008, p. ix). E isso não pode Elas foram construídas historicamente pela refe-
ser proporcionado nem por interpretações determi- rência às ideologias racistas, e sobretudo sua trans-
nistas do social, que concedem pouco espaço para formação é sensível a essas mudanças ideológicas.
a agência transformadora humana, nem pelas in- O fato de uma prática se distanciar de suas razões
terpretações voluntaristas do social, que ignoram as doutrinárias originais não signiica que estas sejam
condições de suas propriedades emergentes. inúteis para sua compreensão, nem que novas dou-
Dito isso, propomos aqui que o racismo deve trinas não a possam remodelar. A persistência desses
ser compreendido como um fenômeno social cons- preconceitos também não pode ser descolada do
tituído pelas relações ontológicas entre: discursos, modo como a reprodução de estruturas racistas têm
ideologias, doutrinas ou conjuntos de ideais (cul- impactos nas percepções individuais que reforçam
tura); ações, atitudes, práticas ou comportamentos tais práticas. Portanto, uma estrutura racista pode
(agência); estruturas, sistemas ou instituições (es- ser o motor causal da reprodução de práticas discri-
trutura). As relações empíricas entre essas três di- minatórias. Isso não quer dizer, entretanto, que tais
mensões só podem ser sociologicamente inquiridas estruturas sejam totalmente autônomas em relação
caso reconheçamos sua mútua dependência ontoló- às práticas e ideologias, ao contrário: sua transfor-
gica, mas as mantenhamos separadas em um nível mação depende de ações que atinjam essas duas di-
analítico. Mesmo imbricadas, essas três dimensões mensões.
possuem propriedades emergentes, lógicas distintas Uma deinição operacional e empiricamente
e poderes causais variáveis de acordo com o contex- orientada do racismo tem de ser capaz de indicar
to ou situação. o que confere unidade ao fenômeno, mas sem re-
duzir suas potenciais variações (Wieviorka, 1995).
De fato, temos uma deinição clara e de fácil apli-
Considerações inais cação quando consideramos o racismo como qual-
quer ideologia que “pressupõe a existência de ‘ra-
Entender que ideologias, práticas e estruturas ças’ separadas e discretas e atribui uma avaliação
se relacionam pode nos ajudar a lidar com algumas negativa a alguma dessas ‘raças’ putativas” (Miles e
das antinomias suscitadas por cada um dos três en- Brown, 2004, p. 84). Mas essa acepção exclui que
quadramentos especíicos. Brevemente, uma abor- essas ideologias importam apenas se são capazes de
dagem tridimensional pode ajudar a entender: 1) o produzir ou legitimar práticas que promovam um
formato contemporâneo que o racismo vem assu- tratamento diferencial de determinados grupos, in-
mindo; 2) alguns dos problemas relacionados com clusive atitudes “com base em fatores outros inade-
sua deinição conceitual; 3) o estatuto ontológico quadamente justiicados para além da raça” (Blank,
da noção de raça; 4) parte dos dilemas enfrentados Dabady e Citro, 2004, p. 55). Essa autonomia de
pela luta antirracista. uma razão prática racista em relação a uma razão
As teorias que enfocam a dimensão ideológica ideológica racista não signiica, como airmam Pa-
têm razão quando airmam alguma referência a elas ger e Shepherd, que “a deinição de discriminação
ainda é mandatória caso queiramos compreender o não presume nenhuma causa subjacente” (Pager e
que há de efetivamente racista nas estruturas e prá- Shepherd, 2008, p. 182). Ainda que as ideologias
ticas sociais hodiernas. Contudo, essa precedência raciais não sejam sua causa subjacente imediata,
semântica não implica necessariamente uma prima- elas podem ser sua causa subjacente histórica. Isto
RACISMO EM TRÊS DIMENSÕES 15

é, atitudes contra determinados grupos racializa- grupos. Por consequência, pessoas que são fre-
dos podem não reletir ideologias racistas de modo quentemente encaradas como negras, por exemplo,
imediato, mas foram historicamente orientadas por tendem a ter experiências sociais particulares por
elas. Simultaneamente, tais ideologias e práticas conta da orientação especíica que plasma suas in-
são capazes produzir posições estruturais e sistê- terações no decorrer da vida (Carter, 2000, pp. 82-
micas que, uma vez estabelecidas, adquirem uma 92). Na ausência de termo melhor, é possível dizer
lógica emergente. As noções de “inércia sistêmica” que “raça” também denota esses lugares estruturais
(Feagin, 2006, p. xii) e “efeitos estruturais perti- que são sociologicamente determinados e, por isso,
nentes” (Bonilla-Silva, 1997, p. 469) são usadas por objetivos, ainda que não sejam ixos ou essenciais.
Feagin e Bonilla-Silva, respectivamente, para indi- Isso não quer dizer, porém, que a utilização indis-
car a autonomia relativa dessas estruturas racistas. criminada da noção sociológica de raça não possa
O equívoco desses dois autores é apenas ignorar que reforçar a noção ideológica (e falsa) de raça, mas
essa autonomia é sempre relativa, ou seja, estruturas isso é uma potencialidade que só pode ser avalia-
e sistemas só produzem efeitos racistas na medida em da empiricamente. Novamente, a manutenção das
que reforçam percepções, que posteriormente se tra- distinções entre ideologias, práticas e estruturas é
duzem em condutas discriminatórias e reforçam ide- importante para entender que o conceito de raça
ologias de inferioridade racial que também podem assume sentidos distintos quando atrelado a cada
inluenciar percepções e práticas. Logo, nenhuma uma dessas dimensões.
deinição de racismo pode ignorar as mutuas rela- Vale destacar que essa formulação realista-críti-
ções causais entre ideologias, práticas e estruturas. ca sobre a raça guarda certa distância daquela pro-
A abordagem tridimensional do racismo tam- posta por Antônio Sérgio Guimarães. Assim como
bém pode esclarecer as controvérsias envolvendo ele, defendemos o uso do conceito de raça por par-
o estatuto ontológico da noção de raça. É preciso te da sociologia, mas não pelos mesmos motivos.
reconhecer aqui que existem bons argumentos de Guimarães elenca duas grandes razões para tal uso.
ambos os lados da contenda. Autores como Robert Primeiro, porque “raça” deve ser tomada como uma
Miles (1984) equiparam racismo e racialismo, con- categoria nominalista, ou seja, um conceito utili-
denando a utilização analítica e política da catego- zado para fazer referência a uma ideia e não a uma
ria “raça” sob a alegação de que ela não possui qual- realidade ontológica (Guimarães, 1999, p. 23). Se-
quer referencial empírico na genética humana. Do gundo, porque só a noção de raça permitiria revelar
outro lado, porém, sociólogos como Michael Ban- o caráter racista da sociedade brasileira na medida
ton (2001) argumentam que a compreensão das em que esta recusou tradicionalmente o termo em
dinâmicas racistas e a luta contra elas dependem da favor de eufemismos (“cor”) ou diversionismos
utilização do conceito de raça como categoria que (“classe”), sem, contudo, deixar de diferenciar ra-
denota uma realidade social e não biológica. Miles, cialmente os grupos na prática (Idem, p. 27). O
por sua vez, contra-argumenta que o uso estratégi- argumento aqui exposto é totalmente compatível
co da noção vem despolitizando ailiações sociais com a segunda razão (político-estratégica), mas se
luidas sob o pretexto de substituir estereótipos distancia da primeira (nominalista). É incoerente
negativos por positivos, mas igualmente aprisiona- atribuir à categoria “raça” efeitos sociais concre-
dores. Tais visões não são, todavia, incompatíveis. tos, portanto reais, e ao mesmo tempo negar a ela
Entendida como um artefato ideológico, “raça” foi qualquer existência ontológica. Talvez, o paradoxo
quase sempre deinida como uma categoria biológi- do argumento de Guimarães nasça do fato de ele
ca. Sabemos hoje que ela carece de qualquer objeti- equiparar “ontologia realista” a “realidade biológi-
vidade cientíica, ou seja, ela não denota nenhuma ca”. Ao equiparar realismo e naturalismo, ele não
diferença biológica ontológica. Porém, seus efeitos vislumbra que uma consequência do seu próprio
sociais foram tão amplos na produção de práticas so- argumento é que a raça é uma realidade social on-
ciais discriminadoras que construíram, de fato, tológica, isto é, ela existe socialmente porque possui
posições estruturais especíicas para determinados efeitos sociais concretos.
16 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 32 N° 95

A concepção tridimensional do racismo é im- O racismo permanece operando na contempo-


portante também para a luta antirracista. Mudan- raneidade, mas de maneira cada vez mais complexa.
ças estruturais em um contexto racista podem ter Captar suas dinâmicas depende não apenas de in-
impactos nas práticas ou ideologias que as justii- vestigações empíricas, mas também de orientações
cam e engendram, mas o sentido dessas mudanças teóricas sobre os elementos ontológicos que o ca-
tem de ser conjecturado ou investigado empirica- racterizam. As teorizações disponíveis nesse sentido
mente. Ao conceder precedência teórica a qualquer costumam adotar um dentre três enquadramentos
uma dessas dimensões, tendemos a reduzir a luta unilaterais, conferindo primazia ontológica a uma
antirracista a uma de suas modalidades e/ou con- determinada dimensão do social. Porém, apesar
denar as outras. Ademais, pode ser circunstancial- de inconciliáveis à primeira vista, cada um desses
mente estratégico lutar contra o racismo operando enquadramentos traduz teoricamente uma mirada
mudanças em um dos níveis mesmo que isso leve especíica sobre o mesmo fenômeno. Daí a necessi-
a um reforço do racismo em outros. O debate em dade de pensar como integrá-las analiticamente em
torno das ações airmativas raciais brasileiras pode uma teoria tridimensional do racismo sem, toda-
ajudar a elucidar esse ponto. via, conferir primazia a uma dessas dimensões ou
Grosso modo, as ações airmativas raciais em fundi-las em um conceito abarcante.
vigor no Brasil visam, por exemplo, modiicar o
viés racista de uma determinada estrutura social al-
terando as posições historicamente destinadas aos Notas
negros e reconduzindo-os a espaços de privilégio
e poder. Se amplas e bem-sucedidas, tais medidas 1 Uma proposta semelhante a essa foi levada a cabo por
podem contribuir para o aumento da dissociação Bob Carter em seu livro Realism and racism (2000).
entre negritude e pobreza, o que pode suscitar efei- Todavia, mais do que uma teoria realista crítica do
racismo, Carter constrói uma teoria realista crítica da
tos ideológicos e práticos diversos. Em alguma me-
“raça”, preocupado em demonstrar que o conceito
dida, é a relativa sobreposição estrutural entre ne-
pode ser usado de forma realista sem, contudo, en-
gritude e pobreza que reforça crenças (ideológicas) e dossar visões biologizantes.
atitudes (práticas) contra os negros, ainda que elas
2 Para uma ideia da magnitude de uma empreitada
sejam inconscientes ou apresentadas em um discur- como essa, ver Dovidio et al. (2010).
so classista. Se essa sobreposição é relativizada por
3 Resumos mais aprofundados do realismo crítico po-
mudanças na estrutura, a frustração da expectativa
dem ser encontrados em Hamlin (2000), Collier
básica de que “todo negro tende a ser pobre” pode (1994) e Vandenberghe (2013).
minar também condutas racistas. Mas o efeito des-
sas medidas pode ser reverso. Ao demandarem uma
diferenciação estrita dos beneiciários e subtraírem
Referências
dos brancos alguns privilégios históricos, as ações
airmativas podem fortalecer noções naturalizantes
ALLPORT, Gordon. (1979), he nature of prejudi-
de raça, levando a um reforço de crenças e estere-
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ótipos racistas. Assim, uma inlexão no viés estru-
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tural do racismo tornaria estereótipos raciais mais
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fortes. Não queremos colecionar conjecturas sobre
Cambridge University Press.
os efeitos das ações airmativas no Brasil, somente
BALIBAR, Etienne & WALLERSTEIN, Imma-
indicar que um olhar tridimensional para o racismo
nuel. (1991), Race, nation, class: ambiguous
ajuda, também, a delinear hipóteses e a orientar a
identities. Nova York, Verso.
pesquisa em relação aos efeitos potenciais das ações
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York, Basic Books.
líticas contra ele, sem enfatizar uma das dimensões
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RESUMOS / ABSTRACTS / RESUMÉS 19

RACISMO EM TRÊS DIMENSÕES: RACISM IN THREE DIMENSIONS: LE RACISME EN TROIS


UMA ABORDAGEM REALISTA- A CRITICAL-REALIST APROACH DIMENSIONS : UNE APPROCHE
CRÍTICA CRITIQUE-RÉALISTE

Luiz Augusto Campos Luiz Augusto Campos Luiz Augusto Campos

Palavras-chave: Racismo; Preconceito; Keywords: Racism; Prejudice; Discrimi- Mots-clés: Racisme; Prejugé; Discrimi-
Discriminação; Realismo crítico. nation; Critical realism. nation; Réalisme critique.

Diante da proliferação de pesquisas so- In the light of the proliferation of sociologi- Malgré le nombre important de travaux so-
ciológicas sobre o racismo, suas origens, cal researches about racism, its roots, dy- ciologiques sur le racisme, ses origines, ses
dinâmicas e consequências sociais, ainda namics and social consequences, it is possi- dynamiques et ses conséquences sociales,
carecem de uma deinição minimamente ble to perceive that they still lack at least an il n’existe pas une déinition de ce mot qui
operacional para o termo. Além da carga operational deinition to the term. here is soit un minimum opérationnelle. Outre
política marcante e dos conteúdos que a great disagreement about which social di- son fort poids politique et les contenus que
o termo assume histórica e contextual- mensions are related to racism, despite the l’expression recouvre d’un point de vue
mente, há uma grande discordância so- distinct political connotation and contexts historique et contextuel, il existe un grand
bre quais dimensões do social estão a ele that this term assumes historically and con- désaccord à propos de l’identiication des
relacionadas. Ora o racismo é deinido: textually. Some deinitions of racism are: dimensions sociales qui y sont liées. Et
1) como uma doutrina, ideologia ou con- 1) as a doctrine, ideology or set of ideas; 2) pourtant, le racisme est déini : 1) comme
junto de ideais; 2) como um conjunto de as a set of attitudes, practices, and more or une doctrine, une idéologie ou un en-
atitudes, práticas e comportamentos mais less unconsidered behaviors; 3) as a feature semble d’idéaux ; 2) comme un ensemble
ou menos irreletidos; 3) como uma pro- of social structures, systems or institutions. d’attitudes, de pratiques et de comporte-
priedade de estruturas sociais, sistemas his article suggests that such divergences ments plus ou moins irreléchis ; 3) en tant
ou instituições. Este artigo sugere que arise from partial perspectives about the que propriété de structures sociales, de sys-
tais divergências nascem de perspectivas social, and that empirical researches about tèmes ou d’institutions. Cet article suggère
parciais sobre o social, e que as pesquisas racism have much to gain with an analyti- que de telles divergences naissent à partir de
empíricas sobre o racismo têm muito a cal integration of the ideological, practical perspectives partielles sur le social, et que
ganhar com uma integração analítica da and structural dimensions. However, it is les recherches empiriques sur le racisme ont
dimensão ideológica, prática e estrutu- necessary to integrate these three dimen- beaucoup à gagner avec une intégration
ral. Contudo, para que não se perca de sions without modifying them analytically, analytique de dimension idéologique, pra-
vista a complexidade do fenômeno e, em that is, without ascribing the precedence tique et structurelle. Pour que l’on ne perde
especial, das políticas públicas existentes of one to the others, in order to perceive pas de vue la complexité du phénomène et,
para mitigá-lo, é necessário integrar essas the complexity of this phenomenon and en particulier, les politiques publiques exis-
três dimensões sem diluí-las analitica- especially of the public politics created to tantes en vue de l’atténuer, il est nécessaire
mente, isto é, sem conferir precedência mitigate it. From this comes the value of a d’intégrer ces trois dimensions sans toute-
de nenhuma delas em relação às outras. realistic and critical deinition of racism as a fois les diluer analytiquement ; autrement
Daí a utilidade de uma deinição realista tridimensional phenomenon. dit, sans prioriser aucune d’entre elles à
crítica do racismo como um fenômeno l’égard de l’autre. D’où l’utilité d’une déi-
tridimensional. nition réaliste critique du racisme comme
un phénomène tridimensionel.

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