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1. INTRODUÇÃO
juventude enquanto segmento social atingido por esse fenômeno, considerando o impacto da
educação para o trabalho na conquista do emprego e construção dos meios de sociabilidade
desse jovem. Neste âmbito buscamos ainda compreender as contradições que emergem de tal
proposta educativa, vez que, a educação não pode ser compreendida como mero apêndice
econômico, negligenciando a formação humana integral1, assim, por exemplo, como propõe
Gramsci (2010). É necessário um atento olhar ao discurso que vincula educação e
empregabilidade, o âmbito educativo isoladamente não dá conta de gerar emprego e renda,
neste sentido mudanças estruturais no sistema, no sentido de redistribuir renda precisariam
acontecer.
Partindo desses pressupostos, procuramos compreender as práticas de educação
profissional que estão em vigor no nosso país/Estado/cidade e suas relações com a
manutenção da estrutura socioeconômica vigente. Visando a dualidade existente no processo
de formação profissional, indagamos a respeito de como estas práticas têm sido direcionadas à
formação do jovem trabalhador e de que forma elas dialogam com o modelo de
desenvolvimento social e suas reais/diversas intenções. Ressaltamos ainda, como a educação
profissional e técnica tem se constituído como um espaço de mobilidade social para a
juventude.
Posto isto, esta pesquisa será realizada em uma instituição de educação técnica e
profissional, o Centro Estadual de Estudos Profissionalizantes – Ministro Petrônio Portella, na
cidade de Parnaíba – Piauí, que oferta essa modalidade de educação integrada ao ensino
médio, com duração de quatro anos cada curso. Ao realizar essa pesquisa, tomando como foco
uma instituição de ensino profissionalizante a nível estadual, pretendemos analisar o contexto
em que está inserida a temática em pauta, dialogamos com as especificidades e as
contradições que permeiam o processo de formação do jovem para o mercado de trabalho.
Para a discussão/reflexão da temática pesquisada organizamos em três capítulos o
desenvolvimento desse estudo. Na presente introdução dialogamos com os aspectos técnico-
metodológicos e apresentamos a estrutura que nos possibilitou expor as análises e
considerações acerca do fenômeno investigado. Optamos por uma pesquisa engajada e,
portanto, sob a perspectiva metodológica/ideológica do materialismo histórico e dialético, a
estruturação dos capítulos e as discussões que nos remetem a cada segmento do texto
estruturam-se frente à necessidade de confrontar, dialeticamente, teoria, empiria e nossas
1
Conforme Manacorda (1996) a formação humana integral deve possibilitar uma plena e total manifestação de si
mesmo, do desenvolvimento de todas as capacidades do sujeito completo, no aspecto intelectual, emocional,
cultural e social.
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Marx afirma que a ideia geral, o método, não dispensa de capturar cada
objeto em sua própria essência. O método é apenas um guia, um arcabouço
genérico, uma orientação para a razão no conhecimento de cada realidade.
De cada realidade é preciso capturar a suas contradições particulares, o seu
movimento individual (interno), a sua qualidade e as suas transformações
bruscas. A forma (lógica) do método deve, então subordinar-se ao conteúdo,
ao objeto, à matéria estudada, ela permite abordar de forma eficaz seu
conteúdo, captando os aspectos mais gerais dessa realidade, mas não
substitui jamais a pesquisa cientifica por uma construção abstrata.
2De acordo com Severino (2007) a entrevista é um instrumento de coleta de dados sobre a temática em estudo,
diretamente solicitada aos sujeitos pesquisados. No que se refere à entrevista semi-estruturada configura-se como
uma técnica em que as questões são direcionadas, mas o entrevistado pode ficar livre para discorrer sobre a
situação pesquisada, e o entrevistador pode intervir discretamente a fim de instigar e estimular o sujeito da
pesquisa.
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A observação roteirizada é um procedimento de análise organizado a partir das principais categorias (Trabalho,
Educação Profissional e Juventude) a serem investigadas no campo de pesquisa, planejamos roteiros de
observação frente à realidade em pauta e averiguamos as contradições, traçamos perfis, sociais, educacionais,
políticos e econômicos inerentes ao fenômeno pesquisado. Na observação roteirizada constam os elementos que
devemos observar durante a pesquisa, a partir dos quais elaboramos nossas hipóteses, análises e conclusões sobre
a instituição e os sujeitos pesquisados.
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Conforme Severino (2007, p. 125) “questionário é um conjunto de questões, sistematicamente articuladas, que
se destinam a levantar informações escritas por parte dos sujeitos pesquisados, com vistas a conhecer a opinião
dos mesmos sobre o assunto em estudo”. Utilizamos questionários com questões abertas, onde os sujeitos
elaboraram as respostas, com suas próprias palavras, a partir de sua elaboração pessoal (SEVERINO, 2007).
5A pesquisa documental é toda forma de registro e sistematização de dados, informações, colocando-os em
condições de análise por parte do pesquisador (SEVERINO, 2007, p. 124). No caso estudado, a pesquisa
documental se constitui como técnica de identificação, levantamento, exploração de fontes do objeto pesquisado.
6
Fontes primárias são documentos originais em forma oral, escrita e impressa que constituem parte da pesquisa
de campo.
15
verificamos o perfil da juventude que encontramos no CEEP e a relação desta com o mundo
do trabalho em Parnaíba. Procuramos compreender essa juventude enquanto segmento social
e histórico que constrói sua sociabilidade a partir de um repertório de experiências sociais e
históricas, analisando o perfil socioeconômico dos estudantes da escola investigada através de
um questionário. Considerando a educação como instrumento de formação
integral/omnilateral para o desenvolvimento da juventude analisamos os limites e as
possibilidades dessa perspectiva educacional na instituição de Educação Profissional
pesquisada.
Essa modalidade de ensino tem como objetivo a formação/qualificação técnica para
o mercado de trabalho, contribuindo para uma educação unilateral7 em que os estudantes
deverão desenvolver capacidades para o mundo do trabalho. Nesse sentido, os limites da
Educação Profissional se apresentam na perspectiva da mercantilização da educação, através
dessa modalidade buscamos compreender a expectativa de empregabilidade da juventude
parnaibana e a demanda do mercado de trabalho na relação com as propostas do ensino
profissional em Parnaíba/PI.
No segundo capítulo “Metamorfoses do capitalismo contemporâneo e políticas
públicas de Educação Profissional” analisamos as políticas de Educação Profissional e os
processos de restruturação do capital na tentativa de compreender a articulação desse modelo
de educação às metamorfoses do capitalismo contemporâneo. Direcionamos essa parte da
pesquisa para a discussão das políticas públicas na Educação Profissional pensadas como
possibilidades para promover o desenvolvimento econômico e social que consta em
documentos oficiais, bem como apresentar as formas de precarização e exploração do
trabalhador e do trabalho, através da compreensão da nova morfologia do trabalho que
encontramos nos estudos de Antunes (2005). Buscamos, dessa forma, perceber a relação entre
modo de produção capitalista e as políticas de Educação Profissional.
Analisamos o processo de reestruturação da produção e reificação do capital
(MÉSZÁROS, 2008) diante das suas crises e a relação com a proposta de educação
apresentada nesta pesquisa, vez que a modalidade de Educação Profissional é pensada na
perspectiva de qualificar/formar mão de obra para o mercado de trabalho e inserir a juventude
na sociabilidade do capital, considerada potencial força de trabalho, capaz de impulsionar o
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O conceito de educação unilateral pauta-se na compreensão de um modelo de educação que visa meramente
uma mercantilização das capacidades humanas, direcionadas para uma formação específica do sujeito, que não
contempla a sua totalidade nem suas potencialidades múltiplas.
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Para concluir apresentamos ao final deste escrito às considerações que nos levam a
discorrer sobre resultados, reflexões/discussões que permearam o estudo. Ressaltamos que
compreender a totalidade que a temática apresenta a partir de suas peculiaridades, tomando
como referencial o materialismo histórico e dialético, é muito mais do que buscar respostas ou
verdades sobre fatos. Procuramos no decorrer deste estudo apresentar as contradições
presentes na sociabilidade do capital a partir do modelo de educação que é oferecido à
juventude na relação com o mundo do trabalho em Parnaíba, fazemos, portanto, de nossa
pesquisa também uma denúncia das condições de exploração e precarização a que estamos
submetidos cotidianamente na lógica da exclusão.
Se por vezes, as condições reais de existência são desumanas e em nosso estudo
enfatizamos o quanto são, também não nos abstemos de apontar para o horizonte da utopia, do
sonho e de uma necessidade efetiva de transformação, pois “nada é impossível de mudar,
desconfia do mais trivial, na aparência singelo, e examinai sobretudo o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito, como coisa natural, pois em
tempos de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de
humanidade desumanizada, nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de
mudar”. (Bertold Brecht, 2013, p. 02).
18
8Cabe ressaltar que por passividade compreendemos o estado de ânimo social alheio as decisões políticas e não
participativo das relações construídas historicamente.
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9
O conceito de omnilateralidade surge a partir de Marx, ao considerar que os indivíduos devem desenvolver-se
como indivíduos completos e, portanto, a educação deve possibilitar a formação geral para a construção do ser
social e, concomitantemente, oferecer uma formação para o trabalho. Segundo Manacorda (1996, p.78) a
omnilateralidade compreende um desenvolvimento total, completo, multilateral, em todos os sentidos das
faculdades e das forças produtivas, das necessidades e da capacidade da sua satisfação.
10 Compreendemos autoafirmação como necessidade de reconhecer-se enquanto sujeito social e histórico.
11
A partir da perspectiva ontológica compreendemos o trabalho como categoria fundante do ser social. Nesse
sentido o trabalho é uma especificidade do ser humano, pois é o trabalho que o diferencia de outros animais e,
portanto, é através do trabalho que o homem se torna um ser social (MARX, 2008).
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distingue o ser humano dos outros animais, é uma ação transformadora sobre a natureza e
realizadora do homem em seus anseios.
Essa concepção de trabalho pode ser encontrada nos escritos de Marx (2008, p. 62)
“enquanto valor de uso, o trabalho é a condição natural da existência humana, a condição
independente de todas as formas sociais, do intercâmbio da matéria entre o homem e a
natureza”, tal conceito está relacionado, especificamente, as necessidades dos homens em
garantir materialmente a produção da sua existência. No entanto, Marx (2008) compreende
que referida atividade humana se torna trabalho social ao criar valor de troca, em que se
constitui enquanto ação intrínseca ao modo de produção, determinante das relações sociais.
Nesta perspectiva, Macário (2003, p. 129) infere que “o homem enquanto indivíduo entra em
relação com a natureza, reproduz sua existência pelo trabalho, sempre e necessariamente
mediado por relações sociais determinadas”. Então, no contexto da sociedade capitalista a
força de trabalho é transformada em mercadoria e apropriada como trabalho assalariado.
Posto isso, verificamos o perfil da juventude em aprendizado laboral que
encontramos no CEEP em Parnaíba/PI, vez que, a proposta de Educação Profissional é
destinada a esse segmento social, pois é nessa categoria que se lançam maiores esforços e
recursos na formação para o trabalho. A juventude parnaibana investigada pertence à faixa
etária de 16 a 20 anos nos cursos diurnos. Esta faixa etária cresce nos cursos noturnos,
principalmente, nos cursos do PROEJA12 com alunos entre 18 e 25 anos. A maioria desses
jovens apresenta um perfil socioeconômico de baixa renda, geralmente moram numa casa
com quatro ou cinco pessoas com uma renda mensal média de dois salários mínimos, por isso,
veem na Educação Profissional a oportunidade de conseguir um emprego mais rápido e
contribuir com a renda da família.
O filho da classe trabalhadora deve direcionar seus objetivos para o labor cotidiano
que lhe é destinado por sua condição social determinada pelas relações de poder na sociedade,
“para Bowles e Gintis a educação escolar é um aspecto da reprodução da divisão capitalista
do trabalho. A organização escolar é uma réplica das relações de dominação e submissão da
esfera econômica” (FRIGOTTO, 1993, p. 48). Nesse sentido, a Educação Profissional é
destinada aos jovens de baixa renda, com menos possibilidade de ascensão social.
Através de um questionário aplicado a 20 estudantes do curso técnico de informática
e técnico em enfermagem, analisamos ainda que de cada 10 estudantes 9 almejam prestar
12
Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e
adultos. De acordo com Sousa (2011) o PROEJA, objeto do Decreto Nº 5. 840 de julho de 2006, regulamenta a
formação inicial e continuada de jovens e adultos trabalhadores em Educação Profissional técnica de nível
médio, integrada ou concomitante. (p. 79)
21
vestibular e fazer um curso de nível superior. Os que fazem curso técnico na área da saúde
informaram que gostariam de fazer faculdade na mesma área, quanto às áreas de informática
eles tendem a desejar um curso na área de exatas. Outro dado interessante é que de cada 10
estudantes que responderam ao questionário apenas 2 tem alguém na família que tem um
curso superior, o que mostra o quanto o acesso a educação superior é restrito, elitista e
excludente, estando distante do universo de possibilidades dos filhos da classe trabalhadora.
Nos capítulos que se seguem serão apresentados dados da formação desses jovens na relação
com o mercado de trabalho em Parnaíba/PI.
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O termo empregabilidade gera controvérsias e tem sido usado com diversos sentidos. De acordo com Sales
(2012, p. 88) “a noção de empregabilidade manifestou-se inicialmente em um contexto econômico marcado pela
eliminação de postos de trabalho e pelo aumento da competição entre os trabalhadores, ao mesmo tempo em que
exigiu competência técnica e científica para a força de trabalho se ajustar ao mercado de trabalho. Pode ser
compreendido como a passagem de uma situação de desemprego para a de emprego, ou como capacidade de se
manter em um mercado de trabalho em constante modificação”.
14
Segundo Antunes (2006, p. 18) foi nos anos 1990 que a reestruturação produtiva do capital desenvolveu-se
intensamente em nosso país por meio da implantação de vários receituários oriundos da acumulação flexível e do
ideário japonês com a intensificação dos sistemas just-in-time e kanban, do processo de qualidade total, das
formas de subcontratação e de terceirização da força de trabalho que impulsionaram a entrada da robótica,
telemática, informática e microeletrônica. Consequentemente, ocorreu uma reorganização da produção que
passou a exigir um profissional mais qualificado.
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ofertada integrada ao ensino médio, todavia segundo Oliveira “esse Decreto permite variadas
formas de organização da educação profissional técnica, desde a separação completa em
relação ao ensino médio até a integração total” (2005, p.93). Nestes termos é que o CEEP,
atualmente, oferta cursos na modalidade integrada com duração de quatro anos e o curso
técnico com duração de dois anos, caso o egresso já tiver cursado o ensino médio regular,
portanto, de acordo com o disposto no Paragráfo Único da LDB 9.394/96 da seção IV-A “A
preparação geral para o trabalho e, facultativamente, a habilitação profissional poderão ser
desenvolvidas nos próprios estabelecimentos de ensino médio ou em cooperação com
instituições especializadas em educação profissional” (BRASIL, 1996).
Com essas reformas da Educação Profissional verificamos que a formação desses
jovens tem acontecido de forma cada vez mais aligeirada, reforçando a dicotomia entre
formação geral/integral e formação técnica, pois no novo currículo, as disciplinas básicas,
como português, tiveram sua carga horária reduzida, vez que, era necessário a diminuição da
carga horária dessas disciplinas para possibilitar a inclusão das mais específicas em um curso
com duração de quatro anos. Tomamos como exemplo o curso técnico de restaurante e bar em
que consta que o objetivo geral é “ promover capacitação profissional do aluno com a oferta
do curso em nível técnico médio na área de eventos, permitindo o conhecimento científico e
técnico, assim desenvolvendo as competências necessárias para o bom desempenho
profissional” ( PLANO DE CURSO, 2012, p. 5).
Percebemos, assim, a negligência de uma formação ominilateral e a ênfase em uma
inserção subalterna no mercado de trabalho, que privilegia a reprodução da técnica para o ato
laborativo, e evidencia a permanente dicotomia entre o trabalho manual e o trabalho
intelectual, para Gramsci (2010) “essa distinção é ideológica, na medida em que desvia a
atenção das funções reais, no interior da vida social e produtiva, para os aspectos técnicos do
trabalho”. A educação profissional é destinada aos filhos da classe trabalhadora, aos quais são
relegadas as atividades técnicas/manuais de pouco prestígio em uma sociedade de classes,
enquanto aos filhos da classe dirigente reserva-se a escola do conhecimento mais elaborado,
da apropriação da ciência e da educação humanista. Isto produz reflexão sobre a tradição
escolar brasileira pré-industrial que segundo Nosella (2002):
15
Em 1932, Antonio Gramsci propôs uma reforma escolar centrada na ideia de escola única, a que realiza, num
mesmo currículo a união entre o trabalho intelectual e o trabalho manual. Sua proposta refletia um grande debate
daquele momento quando muitos teóricos da educação viam na ideia de escola única a possibilidade de superar a
tradicional divisão entre escola humanista para as elites e escola profissional para os trabalhadores. (NOSELLA,
2002, p.83)
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Neste trecho da entrevista podemos analisar que os ingressos nessa instituição são
capturados pela falácia da educação como possibilidade de inserção no mundo do trabalho,
sua compreensão de formação no âmbito da instituição escolar é pautada pela relação com o
processo de produção capitalista que se apropria ideologicamente da educação como espaço
de reprodução das relações sociais e produtivas vigentes na sociabilidade do capital. Assim
como propunha Gramsci (2010) compreendemos que a escola não se explica por ela mesma,
mas pela sua relação com a sociedade, com a economia e com a política. Em confluência com
a perspectiva da teoria do capital humano verificamos o aspecto unilateral da formação desses
jovens, que restringem a compreensão de educação à possibilidade/oportunidade de inserção
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anos, ainda encontramos muitas deficiências e problemas no que concerne a estrutura dessa
instituição pública que oferta Educação Profissional, vez que, recebe recursos diretamente da
esfera estadual. Além disso, em uma entrevista realizada com estudantes que já concluíram o
curso percebemos nos relatos dos mesmos que têm se confrontado com as dificuldades de se
inserir no mercado de trabalho em Parnaíba/PI. Para o aluno “D” que concluiu o curso em
2010 relata que:
A partir desse relato analisamos que as exigências do mercado de trabalho, exclui até
mesmo profissionais que tem um diploma de curso técnico que, no entanto, não se consideram
suficientemente preparados e qualificados com competências para se adequar as constantes
mudanças nas relações de produção. Por outro lado, esse fenômeno relaciona-se ao fato de
que a educação sozinha não consegue resolver os problemas de emprego/desemprego, pois a
problemática da empregabilidade está relacionada às politicas públicas de oferta e criação de
postos de trabalho. Para Pochmann (2006) o mercado de trabalho tornou-se mais competitivo,
sobretudo diante de uma oferta de mão-de-obra com mais escolaridade. Mas a permanência
no emprego dos mais qualificados não implicou, necessariamente, a adequação perfeita entre
formação e ocupação (p. 71). A partir disso, refletimos sobre Parnaíba e o quanto o
desemprego tem atingido, principalmente, os jovens com baixo nível de escolaridade e os
mais pobres.
O que não significa que os egressos dos cursos técnicos, ao concluir seu curso,
tenham garantia de um emprego, vez que terão ainda que disputar uma vaga com tantos
outros, tendo que se submeter a formas precárias de trabalho para garantir a sobrevivência,
pois o que a escola da técnica não ensinou aos seus aprendizes laborais é que o mercado
excludente e competitivo não absorve a todos que estão qualificados ou não qualificados, e
estes quase sempre se sentirão culpados pela sua “incapacidade” de inserção no mundo do
trabalho. No entanto, o que as condições objetivas das relações de produção apresentam é que
a educação como fator de empregabilidade se constitui numa falácia para a regulamentação
social na oferta e demanda de mão de obra para o mercado de trabalho, vez que é necessário a
concorrência na procura de emprego para manter uma reserva de trabalhadores a espera de um
emprego, pois a desigualdade é a lógica do sistema.
16
Compreendemos que a empregabilidade se apresenta como uma falácia no sentido de não corresponder as
perspectivas de empregos projetadas na educação profissional.
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17
Esse trabalhador realiza um conjunto de operações parciais simples. O trabalho polivalente baseia-se na
rotação de tarefas, funcionando, em determinados casos, como mecanismo de garantia da qualidade, uma vez
que reduz as situações de stress e de perda de concentração do trabalhador. Baseia-se também na alocação
flexível dos postos de trabalho. (FRANCA, 2007, p. 50)
30
Com a derrocada das políticas de pleno emprego que sustentaram durante algum
tempo o auge do liberalismo (início do século XX) europeu e norte americano, tais Estados na
contemporaneidade procuram suplantar a crise ocasionada pela implementação do
neoliberalismo (últimas décadas do século XX e início século XXI) com medidas paliativas,
mesmo diante de uma conjuntura que apresenta a necessidade de soluções mais enérgicas. No
Brasil, mesmo não se tendo vivenciado o auge das benesses liberais (início do século XX),
também tivemos o aprofundamento das teses neoliberais (HARVEY, 2010), experienciando o
dissabor do desemprego e da crise estrutural do capital 18 (últimas décadas do século XX e
18Para Mészàros (2006), este momento de crise se dá por abalar profundamente as estruturas do capitalismo,
apontando para esgotamentos e abismos sociais.
31
início século XXI). Diante disso, os jovens que precisam contribuir na renda familiar ou até
mesmo sobreviver, tem procurado entrar no mercado de trabalho mais cedo, tentando
conciliar estudo e trabalho, ou abandonando a escola para trabalhar e ter uma renda fixa.
Constatamos isso ao analisar os dados do Ministério do Trabalho referentes ao Estado do
Piauí no ano de 2009, observamos que a juventude de 16 a 29 anos faz parte de uma
estatística que nos revela que apenas 16,2% dos jovens dessa faixa etária desfrutam do
privilégio de ser apenas estudante, enquanto a grande maioria 49,4% só trabalham, e os jovens
que trabalham e estudam estão na faixa de 20,8% dos jovens do Estado do Piauí. Veja o
quadro abaixo:
Neste cenário no Piauí pode-se considerar em linhas gerais que os jovens que só
trabalham e/ou procuram trabalho em 2009 ultrapassa o índice dos jovens que estudam e
trabalham. Em relação ao Município de Parnaíba o Ministério do Trabalho (BRASIL, 2012)
registrou que o número de empregos formais em dezembro de 2011 entre a população jovem
na faixa etária de 15 a 17 anos corresponde a apenas 38 empregos formais, a quantidade de
emprego cresce entre os jovens na faixa etária de 18 a 24 anos, e tem o maior percentual entre
os jovens de 25 a 29 anos, mas ainda assim permanece abaixo dos outros segmentos que se
encontram empregados nesse período. Além disso, a remuneração dos jovens é menor do que
a de outros segmentos, enquanto um jovem de 15 a 17 anos recebe uma remuneração média
de R$ 399,90 outros segmentos na faixa etária de 30 a 39 anos recebem o triplo, assim o
salário aumento de acordo com a faixa etária como disposto no quadro abaixo:
1 – 10 a 14 anos 1 1 2 473,20
2 – 15 a 17 anos 18 20 38 399,90
3 – 18 a 24 anos 1.416 826 2.242 671,28
4 – 25 a 29 anos 1.686 1.055 2.741 793,25
5 – 30 a 39 anos 2.826 1.864 4.690 907,49
6 – 40 a 49 anos 1.780 1.616 3.396 1.177,40
7 – 50 a 64 anos 1.173 863 2.036 1.425,55
8 – acima de 65 anos 58 28 86 1.819,27
Fonte: RAIS/MTE – Disponível em: http: /bi.mte.gov.br./caged
Infere-se a partir da análise desses dados que aos jovens são destinados os trabalhos
com condições mais precárias, recebem uma remuneração abaixo do salário mínimo, são
expostos a condições de trabalho aviltantes, além de que os postos de trabalho destinado a
essa juventude dificulta a possiblidade de qualificação profissional, pois os setores de
extração mineral, construção civil, comércio, serviços, agropecuária que oferecem
oportunidades de emprego em Parnaíba de acordo com o MTE não proporcionam
oportunidade de qualificação/formação, pois os jovens com a extensa jornada de trabalho que
tem a cumpri, dificilmente conseguirão conciliar com uma jornada de estudo. É no contexto
desse mercado que a juventude parnaibana está inserida, sendo mão de obra mais
acessível/barata para esses postos de trabalho. Além disso, nesse quadro não constam os
jovens que se encontram em situação de emprego informal, sendo que esta é bem mais
precária e será debatida em outro capítulo, no entanto de acordo com a OIT:
dura realidade de desemprego na cidade. Pois há uns poucos que conseguem êxito quando
concluem um curso profissionalizante, mas há também os muitos que continuam
desempregados ou em condições precárias de trabalho. Conforme Arrais Neto,
19
Exame Nacional do Ensino Médio – é uma seleção feita ao final do ensino médio. Desde 2011 vem sendo
adotado por várias universidades brasileiras como exame que seleciona a entrada nas instituições de ensino
superior.
36
Esses relatos apresentam uma realidade que confronta-se com o discurso oficial que
veicula a Educação Profissional a uma formação omnilateral do educando, posto que tenha
sido apropriada como alternativa de suprir mão de obra com apelo mercantilista e não
possibilita uma formação integral. O trabalho nesse contexto distancia-se do conceito
marxiano de ser “condição natural da existência humana” (Marx, 2008, p. 62), o jovem
trabalhador deve apreender competências que lhe submete a um trabalho meramente
mecânico e troca sua força de trabalho por um sálario. Essa reflexão nos remete ao sentido do
trabalho na sociabilidade do capital, que se apropria do trabalho humano como mercadoria, e
o transforma em trabalho assalariado, Antunes (2005) contribui com essa reflexão ao analisar
que a nova forma de ser do trabalho e da classe trabalhadora de hoje, compreende a totalidade
dos assalariados, homens e mulheres que vivem da sua força de trabalho, incorpora também a
totalidade do trabalho social e a totalidade do trabalho coletivo que vende sua força de
trabalho.
No que se refere à juventude e a sua situação de empregabilidade, de acordo com os
dados do IBGE a população jovem de Parnaíba na faixa etária entre 15 a 29 anos registrada
em 2010 era um total de 41.512, que corresponde a 28,04% da população total da cidade. Ao
compararmos esse total de jovens com a quantidade de empregos formais apresentadas pelo
MTE, verificamos que o nível de empregabilidade entre a juventude ainda está bastante
distante de uma situação favorável, pois há uma parcela desses jovens que se encontram fora
do mercado formal ou em condição de desemprego. Consideramos que embora a Educação
Profissional tenha se constituído como fator importante no discurso oficial na conquista do
emprego, principalmente, na conquista do primeiro emprego entre a juventude, a educação
sozinha não proporciona a inclusão desses jovens no mercado de trabalho, pois é necessária a
intervenção do Estado na promoção de políticas de emprego.
37
20
O termo mundialização é utilizado por François Chesnais (2003) para designar o processo de financeirização
do capital, substituindo o termo globalização, vez que, para Chesnais o regime de financeirização é uma
produção dos países capitalistas avançados como Estados Unidos e Reino Unido, e é mundializado no sentido
em que seu funcionamento exige a desregulamentação e a liberalização dos investimentos, das finanças e das
trocas comerciais entre todos os lugares. (2003, p. 52)
38
Nos primeiros anos dessa década, ocorreram fatos marcantes, como o fim do
socialismo real, o avanço geopolítico dos EUA, a incorporação do Brasil à
globalização financeira e o advento da terceira revolução tecnológica. A
conjunção desses acontecimentos abalou a sociedade contemporânea.
Reafirmou o domínio das grandes potências sobre os países periféricos e o
controle do capital sobre o trabalho. (FRANCA, 2007, p. 08).
21
O taylorismo designa um conjunto de técnicas científicas desenvolvidas por Taylor que segundo Harvey (1992)
propunha o aumento da produtividade através da decomposição de cada processo de trabalho, ou seja, a divisão
entre execução e planejamento, separação entre gerência, concepção controle e execução.
22
O fordismo compreende que a produção de massa significa consumo em massa, um novo sistema de
reprodução da força de trabalho, uma nova política de controle e gerência do trabalho, uma nova estética e uma
nova psicologia, em suma, um novo tipo de sociedade democrática, racionalizada, modernista e populista
(HARVEY, 1992, p. 121)
39
vez que, a complexidade das relações de exploração da força de trabalho se tornam cada vez
mais aviltantes. Além de envolver o trabalhador e responsabilizá-lo pelo sucesso individual e
coletivo da empresa, fazendo-o acreditar que ele participa da gestão e divisão dos lucros. De
acordo com Antunes (2006):
23
Segundo Moreira (2006) O Estado de Bem Estar Social ou Welfare State foi um modelo de intervenção do
Estado na economia capitalista baseado na política econômica keynesiana como forma de garantir direitos
sociais e benefícios a população que sofria com os graves problemas enfrentados pela crise de 1929, esse modelo
de política pública denominado também de Estado Providência ou Estado Social de Direito teve sua vigência
entre as décadas de 1930 a 1970, seu declínio se deu no momento de crise do modelo fordista de produção.
43
lucratividade, persiste cada vez mais a exploração do trabalhador intensificando sua condição
de estranhamento da riqueza produzida pelo seu próprio trabalho.
Segundo Arrais Neto (2005, p.18/19) “mantém-se forte a vertente do neoliberalismo,
que tem como alicerce real de seu projeto de hegemonia social burguesa, as transformações
ocorridas no campo da produção econômica de teor capitalista”. Entretanto, desde 2008 esse
novo capitalismo tem passado por uma forte recessão econômica/financeira, anuncia-se,
constantemente, que o capitalismo está a beira de um colapso, a crise financeira global que
eclodiu em 2008/2009 nos traz questionamentos pertinentes quanto a capacidade do
neoliberalismo de sustentar o capitalismo e resolver as problemáticas sociais prometidas no
seu período hegemônico através do livre mercado, além de por em xeque as benesses desse
sistema. Indagamos então, será o fim do neoliberalismo?
Essas crises do capitalismo tornam as condições materiais de existência da classe
trabalhadora muito mais difícil, e contribui para reorganizar o modo de produção e
gerenciamento do sistema financeiro de forma a torná-lo mais forte e suportável diante dos
momentos de crise, mesmo que a classe trabalhadora viva em constante crise social e
econômica, sendo a mais afetada pelas crises que assolam a economia. De acordo com
Moreira (2006):
qualificação e emprego para inserir as massas dos desempregados nesse novo modelo e
capacitar, principalmente, a juventude que é vista como potencial força de trabalho para o
desenvolvimento econômico das nações. Assim é que a OIT (2009) no seu relatório sobre o
Trabalho Decente e Juventude no Brasil traça políticas de emprego e qualificação para a
juventude a ser executada no período de 2006 a 2015 e anuncia que:
esse modelo de produção capitalista passa por crises mais intensas, repercutindo em ondas de
greves dos trabalhadores, causando fortes recessões na economia.
Ainda de acordo com Harvey ( 1992) essa crise que solapava o mundo capitalista:
O modelo de produção que surgiu durante esse período foi baseado no modelo
japonês conhecido como toyotismo, um sitema produtivo criado por Taiichi Ohno e
desenvolvido pela empresa automobilística japonesa Toyota, e que regulava a produção a
partir da demanda do mercado, adotou um novo sistema de gerenciamento conhecido como
just-in-time24 e novas formas de controle da produção como o kanban25. De acordo com
Franca (2007) esse sistema surge diante da crise do pós-guerra:
24
Esse sistema baseia-se no princípio de que todo circuito produtivo ou todas as fases da produção devem se
desenvolver na mais perfeita sintonia. Através desse sistema de gestão foi possível manter a continuidade e o
47
aceleramento do processo de produção, dentro e fora da fábrica. Também permitiu controlar, simultaneamente, o
fluxo dos produtos, os meios de trabalho e o próprio trabalhador. (FRANCA, 2007, p. 38/41).
25 O Kanban é um instrumento operacional de controle da produção utilizado para evitar o desperdício. De
acordo com Bezerra (2006) a utilização dessa ferramenta possibilita ao operador saber exatamente o que é
necessário produzir.
48
No que concerne a Educação Profissional o Banco Mundial orientou que fosse gerida
por empregadores e outros financiadores privados interessados, abrindo espaço para a
privatização, Sousa (2005) destaca que essa proposta foi destinada apenas aos países pobres,
enquanto somente para os países ricos seria promissor o poder público investir nesse setor.
Pois para o Banco Mundial o Estado brasileiro deveria investir no ensino fundamental regular
na tentativa de superar o baixo índice de escolaridade dos brasileiros, que se coloca como
condição base para a formação de mão de obra, vez que é mais fácil treinar pessoas com uma
melhor formação básica.
O ensino profissionalizante foi constituindo-se a partir do setor privado, e mais
incisivamente no governo pestita tem experenciado momentos de expansão na esfera pública.
Em decorrência da necesssidade de qualififcação do trabalhador, a escola ganhou o sentido
de formar diretamente para o mundo do trabalho, essa modalidade de ensino atende o público
que almeja um emprego com qualificação técnica e tecnológica, pois a “escolarização
elementar passou a ser uma entre outras precondições para sobreviver na lógica da sociedade
capitalista” (ARROYO, 2002, p. 89). Portanto, o Estado teve que garantir a oferta dessa
modalidade, concomitante ao setor privado, vez que, hoje se encontra no rol das políticas
públicas estratégicas para o desenvolvimento econômico e social da nação.
Esse contexto nos remete a instituição pesquisada em Parnaíba/PI no que concerne a
evolução do número de matrículas no CEEP que apresentou aumento considerável nos
últimos seis anos. A procura por essa modalidade de ensino cresceu e mostra que a instituição
tem avançado quantitativamente de acordo com o número de matrículas. Observe o quadro
abaixo:
Ano Nº de matrículas
2006 600 alunos
2007 258 alunos
52
Este cenário aponta para a necessidade que a classe trabalhadora tem de qualificar-se
para permanecer no mercado de trabalho e garantir a sobrevivência. Assim depois da reforma
da Educação Profissional proposta pelo Decreto 5.154/2004 o número de matrículas de 2006 a
2007 teve uma queda, no entanto nos anos seguintes o número de matrícula cresceu, chegando
ao maior número em 2012. De acordo com a secretaria da escola que forneceu os dados, o
fato do número de matrículas ter evoluido numa proporção maior em 2012 é devido a
educação á distância que foi implantado em 2011e as primeiras turmas se formaram para o
ano de 2012. O contigente de matrículas do CEEP repercute os impactos que as
transformações no mundo do trabalho ocasionam na formação e exigência de qualificação do
trabalhador.
No decorrer desse processo compreendemos que diversos setores foram afetados
com a reestruturação da produção, em nosso estudo destacamos o impacto dessas
transformações na qualificacação do trabalhador. O que nos remete a sustentação do discurso
oficial que veicula educação como fator determinante para a produtividade e desenvolvimento
social e econômico, ao se fundamentar no regaste da Teoria do Capital Humano como
necessidade do Estado capitalista voltar sua atenção para a educação. Segundo Shultz (apud
OLIVEIRA, 2005, p. 106) “a educação possui um valor econômico que pode ser calculado
com base na diferença de renda dos trabalhadores que concluíram o ensino fundamental e os
que não tiveram essa escolarização”.
Dessa forma, a educação tem sido planejada estrategicamente para
qualificação/treinamento direcionado ao mercado de trabalho. Em Parnaíba/PI, por exemplo,
vivenciamos, paulatinamente, a chegada de empresas multinacionais e nacionais, que se
instalam na cidade e oferecem serviços no modelo de gerenciamento just-in-time, como o
Sabway e o Bob’s. Essas empresas consequentemente procuram uma mão de obra mais
qualificada, concomitante a isso cresce na região a procura por cursos profissionalizantes, e a
oferta destes pelo poder público, apesar dessas empresas já ofertarem os seus próprios cursos
e treinamentos do trabalhador de acordo com a necessidade da empresa.
53
26
Compreendemos essa nova morfologia do trabalho a partir de Antunes (2005) ao analisar que a flexibilização
de acumulação capitalista baseada na reengenharia, na empresa enxuta, na redução do proletariado taylorizado e
na ampliação dos novos proletários precarizados e terceirizados implicaram na constituição de uma nova
morfologia do trabalho.
54
realidades distintas nos países centrais comparados aos países subdesenvolvidos, no entanto
esse meio foi afetado pela reestruturação produtiva com o advento das formas de
subcontratação e terceirização, e passou a se configurar na relação capital-trabalho e nas
formas de precarização do trabalhador:
27
Fundo de Amparo ao Trabalhador
56
Ao analisar esses dados indagamos quais formas de emprego estão por traz desses
números? Para um observador mais crítico cabe à reflexão de que essas políticas direcionam-
57
28
De acordo com Sousa et al (2011, p. 87) “O programa divide-se em PROJOVEM urbano, PROJOVEM
trabalhador, PROJOVEM adolescente e PROJOVEM campo-saberes da terra”.
58
que não tiveram a oportunidade de estudar no turno diurno porque trabalham durante o dia,
esse público está na faixa etária entre 18 a maiores de 25 anos, a maior parte desse público é
composto por trabalhadores que não tiveram acesso ao ensino regular na idade certa. No
CEEP, por exemplo, o PROEJA funciona no turno noturno e foi implantado desde 2009.
Segundo a gestora dessa instituição:
A citação acima apresenta o trabalho como uma condição humana que difere os
homens dos outros animais, vez que, ao contrário da abelha que realiza sua atividade e não
modifica o curso natural do ambiente, o homem tem a capacidade teleológica de antecipar
mentalmente a sua atividade e interferir no ambiente de forma a modificá-lo, no momento em
que o homem projeta as suas atividades e a executa realmente ele modifica o meio em que
vive e modifica a si mesmo, o que faz do trabalho um elemento indissociável da vida humana.
O trabalho se constitui sob as bases da produção material da existência humana. Desta feita,
compreender a Educação Profissional em Parnaíba nos convida à tentativa de
conceituação/compreensão da categoria trabalho e suas implicações para a constituição da
sociabilidade humana, na perspectiva de que o trabalhador deverá adquirir competências e
qualificar-se para o mundo do trabalhado.
Partindo desse pressuposto, abordar o conceito de trabalho em Marx não é tarefa
fácil, principalmente num capítulo de pesquisa monográfica, vez que, nos exigiria muito mais
tempo e leitura aprofundada de suas obras se quiséssemos analisar essa categoria de forma
mais minuciosa e adentrar na complexidade que envolve as obras de Marx para a
compreensão do trabalho na organização social e da vida humana. No entanto, o que
propomos é compreender o conceito de trabalho em Marx para refletir sobre elementos
históricos que constituem as relações sociais e de produção material da existência do ser
humano, bem como, apresentar o significado do trabalho nas relações superpostas 29 na
contemporaneidade. A pesquisa de campo, portanto, nutriu tal debate vez que apresenta as
contradições do processo de trabalho a partir da proposta de qualificação do trabalhador para
29
Por relações superpostas compreendemos a hierarquização das relações de trabalho e a apropriação do trabalho
pelo capital como uma mercadoria. Nesse sentido o trabalhador encontra-se submetido a relações superpostas
pelos donos dos meios de produção, em um processo de negação do trabalho enquanto condição de emancipação
humana.
61
Atividade útil que busca a apropriação dos produtos da natureza sob uma ou
outra forma, o trabalho é a condição natural da existência humana, a
condição, independente de todas as formas sociais, do intercâmbio da
matéria entre o homem e a natureza. Ao contrário, o trabalho que cria valor
de troca é uma forma de trabalho especificamente social. [...] O legislador
Moisés sabia tão bem como Adam Smith, o inspetor aduaneiro, que o
trabalho é uma fonte de riqueza material (MARX, 2008, p. 62/63).
O trabalho deve constituir-se como fonte de realização humana, vez que, é através
do trabalho que os homens constroem a sua própria história e produzem seus meios de vida,
ou seja, as condições materiais de que necessitam para sobreviver. Para Marx (2013), “o
trabalho é, antes de mais, um processo entre homem e Natureza, um processo em que o
homem medeia, regula e controla a sua troca material com a Natureza através da sua própria
acção”. Nessa perspectiva, portanto, o trabalho deve ser expressão da criatividade e
emancipação humana, pois “o que eles [os homens] são coincide com sua produção, tanto
com o que produzem, como com o modo como produzem” (MARX & ENGELS, 1982, p.
27/28), assim, é que o trabalho se apresenta como condição indissociável da construção da
vida humana e social.
Em nossas análises empíricas percebemos ainda que a proposta de Educação
profissional apresenta-se como uma modalidade de ensino para a construção do sujeito social
a partir do processo de trabalho, consta na Proposta pedagógica da instituição que “o CEP
pretende proporcionar aos jovens e adultos trabalhadores a formação profissional e/ou
atualização profissional de modo a favorecer o desenvolvimento das competências no
exercício das ocupações” (CEEP, 2008). Apresenta-se a juventude parnaibana a possiblidade
de desenvolver competências para o trabalho, e através dessas competências construí sua
sociabilidade e condições materiais de existência.
No entanto, o trabalho na contemporaneidade é para muitos um fardo, difícil e
pesado de ser carregado. Nada semelhante ao trabalho pensado por Marx como fonte de
62
realização humana, natural e inerente ao homem, que deveria proporcionar produção material
para ser socialmente compartilhado. Mas assim, também como já havia estudado Marx
cientificamente, o trabalho apresenta-se dialeticamente apropriado pelas relações sociais e de
produção de cada forma de organização social, vez que o trabalho, expressão da condição
humana, foi historicamente constituído sob as bases produtivas de cada sociedade, conforme
Marx (2008):
O trabalhador fica mais pobre à medida que produz mais riqueza e sua
produção cresce em força e extensão. O trabalhador torna-se uma mercadoria
ainda mais barata à medida que cria mais bens. A desvalorização do mundo
humano aumenta na razão direta do aumento de valor do mundo dos objetos.
O trabalho não cria apenas objetos; ele também se produz a si mesmo e ao
trabalhador como uma mercadoria, e, deveras, na mesma proporção em que
30
Para Marx (2008, p. 267) “O capital é a potência econômica da sociedade burguesa, que domina tudo”.
63
consonância com a teoria marxiana, que o trabalhador não trabalha para si,
direcionado a sua realização. Mas, produz em função de outro, um estranho,
que se apropria da atividade alheia para enriquecimento individual.
(BEZERRA, 2006, p. 259)
Os cursos técnicos, por exemplo, são reflexos dessa divisão do trabalho, pois
preparam um profissional com especificidades técnicas, para executar atividade que são
elaboradas por um profissional que domine a “teoria”, enquanto ao técnico é destinada a
atividade manual que ele deve aprender para ser absorvido pelo mercado de trabalho. Embora,
a carga horária dos cursos técnicos contemplem uma parte do conhecimento geral, ainda
assim é somente o necessário para os estudantes compreenderam a sua técnica. O papel social
do técnico não muda só porque mudou a estrutura curricular, a divisão social do trabalho
permanece para a manutenção da ordem vigente. No CEEP o curso técnico de nível médio em
hospedagem apresenta que o profissional dessa área deverá adquiri competências que:
Fiz o curso de restaurante e bar durante quatro anos. Logo quando terminei o
curso consegui um emprego nesse restaurante, onde havia feito o meu
estágio. Aqui eu faço um pouco de tudo, de manhã eu ajudo na limpeza, na
hora do almoço que é umas onze horas, eu fico na balança e no caixa e
depois do almoço eu faço a limpeza de novo aqui de fora, e depois ajudo na
limpeza da cozinha. Encerro o meu trabalho umas cinco horas e meu horário
de entrar é às sete da manhã. Ganho um salário mínimo com carteira
assinada. (Janeiro, 2013)
Dessa forma, Antunes (2005, p. 18) analisa que “quanto mais as empresas laboram
na implantação das ‘competências’, da chamada ‘qualificação’, da gestão do conhecimento,
mais intensos parece tornar-se os níveis de degradação do trabalho”. Esse fato nos leva a
compreender que o trabalho se tornou um não-trabalho, vez que, o trabalho não possibilita a
emancipação humana, distancia-se do próprio sujeito do trabalho, que desenvolve uma
atividade meramente mecânica. O processo de qualificação desse sujeito não contribuiu para o
seu desenvolvimento integral, o transformou em um instrumento do trabalho apropriado pela
sociabilidade do capital.
Diante das metamorfoses do capitalismo contemporâneo alguns teóricos tem
apresentado a tese do fim da sociedade do trabalho, em que de acordo com Teixeira (2008)
ressalvadas as diferenças entre eles, todos comungam com a ideia de que o trabalho, hoje, não
é mais a “categoria sociológica central”. Teóricos como Offe, André Gorz e Habermas tem
anunciado essa teoria sob o argumento de que “a luta de classes perdeu sua centralidade” e
que a “exploração, antes um enigma a ser decifrado teoricamente, não só foi reconhecida na
prática, como também passou a fazer parte das políticas estatais de correção dos
desequilíbrios entre capital e trabalho” (Teixeira, 2008, p. 50/51).
Os teóricos do fim da sociedade do trabalho postulam que a teoria marxiana está
superada, que as classes sociais vivem momentos de conciliação dos conflitos e que, portanto,
não faz sentido falar em luta de classes, vez que o trabalho foi substituído por outras formas
de produção, baseada na produção do conhecimento e na ciência. Diante dessa compreensão,
a classes trabalhadora se desarticula em meio às condições de exploração e precarização do
trabalho na sociabilidade do capital, e deixa de lutar por direitos básicos, como melhores
condições de trabalho e um salário digno. A difusão de ideias como essas servem para alienar
a classe trabalhadora que chega a naturalizar as desigualdades sociais e acreditar que o
capitalismo é um sistema que possibilita ascensão social, pois os seus filhos se estudarem
muito podem alcançar um posto de trabalho com status e superar a condição de classe a qual
foi historicamente determinado.
67
Mas esse mesmo filho da classe trabalhadora é que vai para o ensino técnico, ocupar
os postos de trabalho com menos prestigio social e pouca mobilidade. Assim é que só é
possível a classe trabalhadora superar essa condição através do reconhecimento da sua própria
classe e da necessidade de exigir seus direitos. Nesse sentido, devido às condições de trabalho
precarizado, com baixos salários vemos constantes greves de trabalhadores que eclodem no
mundo inteiro, o que fez com que muitos estudiosos, principalmente marxistas, retomassem a
teoria de Marx e comprovaram cientificamente que os teóricos do fim da sociedade do
trabalho estavam equivocados em suas análises, vez que a categoria trabalho apresentada por
Marx no século XIX ainda é central na sociabilidade do capital. Além disso, a condição de
exploração do trabalhador é uma constante no modo de produção capitalista e o trabalho
material ou imaterial ainda é elemento que produz riqueza. De acordo com Antunes (2005)
31
Trabalho parcial que segundo Antunes (2005) o sistema capitalista necessita cada vez menos de trabalho
estável e cada vez mais de trabalho parcial, ou seja, part – time. Trabalho esse precarizado, terceirizado e que se
encontra em expansão em todo o mundo produtivo e de serviços.
68
No Brasil, por exemplo, de acordo com Nosella (2002, p. 81) “a dualidade escolar
brasileira – escola secundária/superior para as elites e a primária/profissional para os
trabalhadores – persiste até hoje”. Dessa forma a educação técnica e profissional se constituiu
enquanto modalidade de educação destinada aos filhos da classe trabalhadora e aos
trabalhadores, e historicamente foi elaborada para as pessoas que não tinham oportunidade de
estudar em uma escola regular e necessitavam de uma qualificação para garantir um emprego,
69
respeito da ‘nova educação’: não lançar às massas as flores da cultura, e reservar apenas para
o homem das classes superiores o completo desenvolvimento do espírito”. Assim, ao filho do
dono dos meios de produção, lhe é destinado os meios de produção, e toda a riqueza
socialmente produzida. Além disso, a Educação que lhe é destina faz dele um homem de
cultura e conhecimento amplo, com condições para gerir os processos produtivos e a
acumulação de riquezas.
A Educação Profissional é um reflexo dessas relações socialmente determinadas,
apresenta um caráter de classe que repercute na formação para o trabalho e nas relações de
produção. Marcada pela dicotomia entre ensino técnico e propedêutico esse modelo de ensino
apresenta para a juventude parnaibana a falácia da empregabilidade, se torna atraente ao
jovens pois traz a possibilidade de entrar no mercado de trabalho, e ter um emprego para
sobreviver. Diante de um cenário de desemprego, essa é a educação destinada à juventude e a
outros segmentos da classe trabalhadora que não tiveram acesso à educação na idade certa.
Mesmo que o discurso oficial – nos currículos e propostas pedagógicas das escolas
profissionais – anuncie um novo modelo de escola profissional, baseado na proposta de uma
escola técnica integrada ao ensino médio, à estrutura socioeconômica vigente tende a
direcionar essa modalidade para supri uma mão de obra destinada para os postos mais baixos
e precarizados do mundo do trabalho. Não é por acaso que o estudante que concluiu o curso
de restaurante e bar no CEEP, por exemplo, conseguiu um emprego para executar atividades
como limpeza do estabelecimento (restaurante), ficar no caixa, atender as demandas do local
no que for preciso, por um salário mínimo32.
Analisamos, portanto, que a Educação Profissional está a serviço da manutenção da
sociabilidade do capital e de suas formas de apropriação do trabalho, concomitante a isso é
pensada como uma educação para o povo que se diferencia de uma educação para a classe
abastada. A promoção da Educação Profissional cumpre esse papel, que assim como nos
esclarece Mészáros (2008, p. 82) “a sociedade capitalista resguarda com vigor não apenas seu
sistema de educação, mas simultaneamente também de doutrinação permanente”, o que
significa que a ideologia burguesa impregna a sociabilidade do sujeito social, o qual está
submetido cotidianamente, e naturaliza essa relação como algo que não pode ser modificado.
Nesse sentido, a classe trabalhadora fica feliz quando consegue um emprego, mesmo
precarizado, e mais ainda quando tem a possibilidade de qualificar-se para o mercado, pois
assim, tem a falsa sensação de melhoria social.
32
Esse dado é parte da entrevista cedida por um funcionário de um restaurante em janeiro de 2013, que concluiu
o curso de restaurante e bar no CEEP e logo após conseguiu esse emprego.
71
como na Grécia Antiga, na Roma Antiga. Segundo Ponce (2005, p. 37) “desligados do
trabalho manual e do intercâmbio dos produtos, as classes superiores já eram nessa época
socialmente improdutivas”. Disso decorre o fato de que para os filhos da nobreza era
reservado cultivar o espirito e desenvolver habilidades das artes liberais, podiam frequentar a
escola e aprender sobre arte, música, literatura, ciências, retórica e aprender a arte da guerra,
pois estes eram preparados para assumir os postos de comando da sociedade, ou seja,
assumiam a função de comandar o Estado. Enquanto, o restante do povo devia ser submisso a
essa nobreza e realizavam os trabalhos manuais e mais degradantes. Ainda de acordo com
Ponce (2005) durante a Idade Media a Educação destinada as massas tinha como objetivo a
doutrinação cristã, nas escolas da plebe não se ensinava a ler nem escrever, mas apenas a
tornar as massas dóceis e conformadas.
É a partir da Revolução Burguesa que o trabalho passa a ser considerado digno, pois
proporcionava enriquecimento individual e possibilitava a sociedade burguesa ascensão
social. No entanto, a dualidade entre trabalho manual e trabalho intelectual se intensifica a
medida que as relações de exploração aumentam na consolidação da sociedade capitalista.
Embora o trabalho manual a partir do processo de industrialização, não seja visto como uma
atividade indgna, este continua sendo executado pelas classes sociais pobres e que se
submetem a extensas jornadas de trabalho desumanas. Enquanto a burguesia disfruta da
produção de riqueza gerada através da exploração da força de trabalho dos operários.
A Educação do homem burguês não é a mesma do homem antigo. Diante das
transformações no modo de produção e nas relações de trabalho outro modelo de educação
passa a ser direcionado aos filhos da burguesia emergente. Ponce (2005, p.115b) aponta que
“a educação cavalheiresca já não servia para esse nobre, tampouco eram uteis a dialética e a
teologia ao bom burguês que fretava navios para viagens ao novo mundo”, na educação do
homem burguês dava-se atenção a um conhecimento que fosse útil para a vida terrena e dos
negócios. Dessa forma a educação do homem burguês também diferia da educação das
massas, pois às camadas populares a educação ainda se constituía um espaço de doutrinação
religiosa, sendo espaço também de evangelização dos protestantes a partir da reforma
empreendida por Lutero, que para Ponce (2005) não obstante afirmava que a instrução
constituía uma fonte de riqueza e de poder para a burguesia, no entanto nem de longe pensou
em estender esses benefícios às massas populares, deixando os homens das classes inferiores
excluídos da educação.
Assim, A educação se tornou um fator que contribuiu para difundir a dicotomia entre
trabalho manual e trabalho intelectual, que se fundou sob as bases de uma escola de forte
74
dualidade entre o ensino da técnica e o ensino das artes liberais, e sob as bases de uma
sociedade excludente e escravocrata. Embora na contemporaneidade possamos perceber que
as escolas técnicas sofreram modificações no currículo para adaptar disciplinas de
conhecimento geral, analisamos por exemplo, que no CEEP a escola técnica não supri as
necessidades de formação integral, tampouco se constitui uma escola para as classes
abastadas, pois essa modalidade de ensino é destinada aos filhos da classes trabalhadora. Os
cursos que compõem o currículo da escola direcionam para um mercado de trabalho pouco
atraente na perspectiva da ascensão social, ainda assim o quadro na página 51/52 sobre a
evolução do número de matrículas no CEEP, que mostra o quanto a procura por um curso
técnico cresceu nos últimos seis anos nessa instituição de ensino na cidade de Parnaíba.
Isto nos remete a compreensão de que a qualificação para o mundo do trabalho
através dos cursos técnicos, difundidos pelo discurso oficial, passa por um processo de
exclusão das camadas populares que são submetidas a condições de trabalho precarizado, com
baixa remuneração e destinada aos jovens que tem pouca oportunidade de competir por uma
vaga na universidade. Este cenário aponta para a perspectiva de que ainda não superamos a
dualidade entre trabalho manual versus trabalho intelectual, nem mesmo o desenvolvimento
da tecnologia e da utilização desta em setores que usavam antes a mão de obra do trabalhador
pouco contribuiu para o fim dessa ideologia que separa o homem do fazer do homem do
pensar. O desenvolvimento da tecnologia e a sua utilização no mundo do trabalho intensificou
as condições de exploração do trabalhador e o transformou no escravo da máquina, ainda há
os que operam as máquinas de acordo com o ritmo delas, e os que pensam os processos de
produção e gerenciamento para os operários.
No Brasil, por exemplo, o trabalho manual era uma atividade que deveria ser
exercida exclusivamente pelos escravos, enquanto os senhores de engenho desfrutavam do
ócio e do não-trabalho, pois trabalhar era destinado para aqueles que não possuíam liberdade e
nem dignidade humana, o trabalho braçal era destinado aos espíritos inferiores. Assim o
Brasil se constrói sob as bases de uma sociedade escravocrata e produtiva em contraste com a
improdutividade do homem branco, o trabalho era desprezível para a elite brasileira. É dessa
forma também que irá se difundir o trabalho industrial, onde ocupações degradantes serão
destinadas aos miseráveis e despossuídos, é ainda assim que as escolas profissionalizantes no
Brasil se constituem em espaços para a qualificação de uma mão de obra marginalizada e
subalterna, enquanto as escolas propedêuticas se tornam improdutivas, mas são mais
valorizadas porque são destinadas aos filhos das classes mais abastadas. De acordo com
Nosella:
75
De acordo com essa reforma o CEEP deve promover como consta, por exemplo, no
plano de curso técnico de nível médio em hospedagem (CEEP, 2011) “a capacitação
profissional do aluno com a oferta do curso em nível técnico médio na área de hospedagem,
permitindo o conhecimento cientifico e técnico”, assim desenvolvendo as competências
necessárias para o bom desempenho profissional, e ao mesmo tempo adquirir o conhecimento
geral do ensino médio para prestar um concurso de vestibular. No entanto, analisamos que os
jovens que concluem um curso técnico no CEEP querem entrar mais cedo no mercado de
trabalho e ficam em postos de trabalho mais precarizados, a maioria desses jovens não
conseguem entrar na universidade, pois o tempo de estudo fica cada vez mais reduzido, tendo
que trabalhar para garantir o próprio sustento fica difícil conciliar a extensa jornada de estudo
e trabalho.
A Educação Profissional se constitui em uma modalidade de ensino que tem em sua
origem a marca de uma sociedade escravocrata, a formação do sujeito necessária ao
desenvolvimento das forças produtivas se confronta com um modelo social excludente e
elitista. A divisão entre trabalho manual X trabalho intelectual é um estigma que ainda
permeia a realidade da educação brasileira/piauiense/parnaibana. Considerar que a educação
deve ser um processo de formação para a emancipação humana é pensar em uma relação do
sujeito com o mundo do trabalho no sentido gramsciano de que “não existe atividade humana
da qual se possa excluir absolutamente alguma participação intelectual. Não é possível separar
o homo faber do homo sapiens” (Gramsci, 2010, p. 21). Partindo desse ponto, a divisão do
trabalho é uma forma de desumanização das ações humanas, portanto, uma educação que
divide o homem entre homens do pensar e homens do fazer é uma forma de deseducação, pois
ainda de acordo com Gramsci (2010) todos os homens são intelectuais, porém nem todos
exercem a função de intelectuais na sociedade.
77
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante o processo que culminou com estas análises e reflexões, dialogamos com
dados empíricos e fundamentação teórica para a compreensão das relações que perpassam o
processo educativo na instituição pesquisada, bem como, o contexto social, econômico e
político que influenciam a perspectiva da Educação Profissional. As considerações aqui
apresentadas se referem às reflexões/discussões ao longo da nossa pesquisa, mas
reconhecemos que nem todas as problemáticas levantadas têm respostas ao longo deste
escrito, pois as questões levantadas se remetem a uma realidade que constantemente nos leva
a outras indagações, que merecem uma investigação mais acurada para outro momento. Desta
feita, registramos de forma humilde e franca as percepções e análises da temática em debate.
Contudo, nos propomos fazer considerações sobre as contradições apresentadas na
proposta da Educação Profissional e responder algumas perguntas levantadas na investigação
da temática. Para tanto, a partir das discussões apresentadas podemos inferir, no que concerne
a primeira parte dessa pesquisa sobre a formação da juventude parnaibana e o mercado de
trabalho, que este segmento social recebe uma qualificação para o mundo do trabalho que
negligencia a perspectiva omnilateral, pois não considera o sujeito a ser formado como um
sujeito integral que deve desenvolver as suas potencialidades como indivíduo completo. Na
proposta da Educação Profissional a formação deve ser direcionada para o mercado de
trabalho e os jovens são considerados potencial força de trabalho a ser formada, portanto, essa
modalidade de educação destina-se a grande parcela da juventude da classe trabalhadora.
Diante disso, as reformas empreendidas na Educação Profissional que tinham como
objetivo repensar as práticas de Educação Profissional, modificando o currículo e a proposta
de ensino que passou a ser apresentada como modalidade de ensino integrada ao Ensino
Médio, não trouxe mudanças efetivas para a consolidação de uma Educação Profissional que
apontasse para uma perspectiva de formação integral. Ainda que a Educação Profissional
tenha sido pensada para a formação do trabalhador a partir de competências, e com uma
proposta de formação geral/integral, no entanto, a partir dos sujeitos investigados pudemos
analisar que essa formação distancia-se da possibilidade de formação integral, vez que, a
Educação Profissional se constitui em uma modalidade de ensino destinada a preparar o
jovem para o mercado de trabalho, tão competitivo e excludente quanto desumano, portanto,
com uma formação unilateral e linear.
78
humana como havia postulado Marx no século XIX. A realidade apresentada pelos jovens
trabalhadores em Parnaíba nos trouxe compreensões valiosas nesse sentido, e durante
entrevista realizada com jovens que conseguiram entrar no mercado de trabalho observamos
exemplos de apropriação da força de trabalho desses sujeitos e o nível de precarização do
trabalho destinado a esse público.
Considerando as características da Educação profissional e o perfil socioeconômico
da juventude que estuda no CEEP, constatamos que essa modalidade de ensino carrega ainda
o estigma da dualidade entre ensino técnico e propedêutico, baseado nas relações de classe
predominantes na sociabilidade do capital. Desta feita, refletimos que a educação é um espaço
de dominação e reprodução das relações sociais e econômicas, a Educação Profissional nesse
contexto contribui para intensificar essa dualidade quando tenta fazer uma mediação entre
ensino técnico e educação integral. A escola pública, destinada às camadas populares, serve
como espaço de doutrinação das massas enquanto a escola dos filhos da classe dominante
proporciona maior acesso a uma cultura ampla, essa dualidade se intensifica em relação ao
ensino técnico.
Esse modelo de Educação marcado por uma dicotomia entre ensino técnico e
propedêutico repercute, portanto, no modelo de organização do trabalho na sociedade
contemporânea, vez que contribui para a divisão entre trabalho manual x trabalho intelectual.
A partir da compreensão histórica das relações de trabalho e das análises empíricas no campo
da pesquisa, concluímos que a Educação Profissional em Parnaíba é marcada por um caráter
de classes e pensada em uma perspectiva mercadológica, que se apropria da educação
enquanto instrumento de reprodução das desigualdades sociais e das relações de poder na
sociedade. Contudo, apontamos a partir de autores como Mészaros (2008), Gramsci (2010),
Nosella (2005) dentre outros, que há possibilidades de superação dessa proposta de ensino,
mas para isso a educação deve ser um instrumento de formação omnilateral baseada numa
práxis transformadora e de humanização.
Durante a investigação no campo da pesquisa nos deparamos com diversas situações
que nos trazem à reflexão o quanto a Educação brasileira/piauiense/parnaibana experiencia
situações de precarização e, constantemente, sustenta através da ideologia dominante a
exclusão e a desigualdade social. Nos deparamos, com a precarização da própria estrutura
física da instituição, a Educação Profissional, assim como o ensino superior, se tornou uma
modalidade para o discurso da expansão e democratização da educação para o povo, no
entanto, surge nesse processo de investigação indagações pertinentes sobre a que preço temos
essa “democratização” e expansão da educação brasileira? Mesmo que não tenhamos nos
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debruçado sobre essa questão específica, ao longo das nossas análises é possível perceber as
incoerências entre o discurso oficial que veicula um modelo de Educação Profissional pautada
no desenvolvimento social e o distanciamento desse discurso à prática cotidiana.
Através dessas problemáticas, às que surgiram ao longo desse estudo e as que não
conseguimos responder, é perceptível que a investigação da temática ainda traz grandes
desafios e não se esgota no momento dessas considerações, vez que os sujeitos que fazem
parte da realidade pesquisada e o próprio campo da pesquisa apresentam complexidades e
contradições que merecem atenção para pesquisas posteriores. Ao considerarmos ainda, que
no âmbito de Parnaíba/PI a Educação Profissional tem sido pouco pesquisada na academia
esperamos que este estudo contribua para que surjam outras pesquisas e indagações a respeito
desse campo.
Durante o tempo da pesquisa experenciamos, em diversos momentos, observações e
nos aproximamos dos sujeitos que fazem parte da realidade investigada, nesse meio
encontramos a juventude, segmento social que constitui uma das nossas categorias de análise,
vez que a Educação Profissional vem sendo elaborada para os jovens da classe trabalhadora e
pensada como potencial força de trabalho para o mercado. No entanto, diante dessa juventude
que encontramos no CEEP gostaríamos de registrar o quanto esses sujeitos são constituídos
de humanidade e da capacidade de superar, mesmo que momentaneamente, a condição de
homens máquina, a que são submetidos na sociabilidade do capital. Os estudantes dessa
instituição de ensino são seres humanos, dotados da capacidade de sonhar e de acreditar em
um mundo melhor.
Nos corredores do CEEP os aprendizes do mundo do trabalho transitam e constroem
a sua história, que mesmo em meio às desigualdades sociais e as condições precárias da
instituição são capazes de sonhar com uma vida digna e humanamente desejável. Os sonhos
que pulsam nestes jovens nos trazem a esperança de que é possível suplantar a coisificação
das relações humanas e pensar em outra realidade social. Percebemos através desses sujeitos
que são feitos de sonhos, encontros, desencontros, esperanças e desejos que são acometidos
por uma certa apatia, impelidos a se comportar de acordo com a ordem, mas nos seus olhos
insurge, de quando em quando, a vontade de gritar e assim como o poema de Drummond
(2013) esses jovens querem nos dizer que:
As coisas talvez melhorem. São tão fortes as coisas. Mas eu não sou as
coisas e me revolto, tenho palavras em mim buscando canal, são roucas e
duras, irritadas, enérgicas, comprimidas a tanto tempo, perderam o sentido,
apenas querem explodir. [...] há soluções, há balsámos para cada hora e dor.
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como uma instituição de ensino para a formação humana, pensar a educação como um espaço
de humanização e construção de uma práxis transformadora. Se por um lado a
institucionalização da educação serve como forma de reprodução das relações capitalistas e
das desigualdades sociais pautada nessa sociabilidade, por outro devemos pensar na educação
e nos espaços institucionais como uma possibilidade de subverter essa ordem e através desses
espaços, construir elos de subversão das condições de exploração e precarização a que
estamos submetidos na lógica produtora de mercadoria.
Perceber todas essas relações e contradições apresentadas neste estudo, foi possível
através do materialismo histórico e dialético, que possibilitou analisar a realidade e os
elementos que a constitui na sua totalidade. Mas ressaltamos que a partir de uma perspectiva
dialética para a compreensão dos fatos também causou angústias e tivemos que percorrer um
longo caminho, vez que a dialética em Marx nos mostra que devemos aprender “o conjunto
das conexões internas das coisas, de seus aspectos, o desenvolvimento e o movimento das
coisas” (GADOTTI, 1997, p. 33). Considerar a realidade enquanto processo dialético é
compreender que as relações sociais e o mundo que nos cerca é um processo, é um constante
devir.
O materialismo histórico e dialético, formulado por Marx e Engels é mais que um
método, se configura principalmente como um modelo para a construção de uma práxis
transformadora. Com isso o que nos tocou ao longo da pesquisa, ao nos apropriar do
materialismo histórico dialético para a investigação da temática, portanto, foi a complexidade
das relações que envolvem os sujeitos investigados, o quanto se constituem enquanto sujeitos
de sonhos e perspectivas, para além da mera percepção dos fatos e das coisas que os cercam.
Buscamos nos sujeitos o olhar questionador e inquietante do desconforto que as condições
desumanas do capital produzem nessas pessoas, por traz de destroços e escombros foi
possível ainda encontrar sonhos e esperanças. Assim como nos ensina Guevara (2013) “sonha
e serás livre de espírito, luta e será livre na vida”
Por ora concluímos nossas análises, e ao longo da pesquisa procuramos nos apropriar
das relações dos sujeitos históricos que constroem sua sociabilidade pautados na busca por
condições de sobrevivência, nem sempre possíveis, dadas as relações de exploração, exclusão
e desumanização do capitalismo. Assim como nos esclarece Marx (1997, p.21) de que “os
homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem, não a fazem sob
circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas que se defrontam diretamente, legadas e
transmitidas pelo passado”. Desta feita, é que os sujeitos que fazem a sua própria história,
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