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Janaína Teles
Universidade do Estado de Minas Gerais
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Memórias dos cárceres da ditadura: os testemunhos e as lutas dos presos políticos no Brasil View project
O papel dos advogados na mobilização transnacional de direitos humanos na OEA(anos 1970) View project
All content following this page was uploaded by Janaína Teles on 05 April 2019.
“Perderam em 64, perderam agora em 2016. Pela família e pela inocência das crianças
em sala de aula, que o PT nunca teve. Contra o comunismo, pela nossa liberdade, contra
o Foro de São Paulo. Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor
de Dilma Rousseff. Pelo Exército de Caxias, pelas nossas Forças Armadas, pelo Brasil
acima de tudo e por Deus acima de todos, meu voto é sim.”
1
Historiadora e pesquisadora do Programa de Pós-Doutorado em História da Universidade de São Paulo.
Co-autora da ação judicial que declarou torturador o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra.
2
Ustra foi comandante do famigerado DOI-Codi de São Paulo, entre 1970 e 1974.
Ao prestar homenagem ao coronel, declarado torturador pela justiça, pouco tempo antes,
Bolsonaro realizou um gesto emblemático, que ganhou repercussão internacional. E que
permite questionar, novamente, como a sociedade brasileira tem lidado com o legado da
ditadura, colocando em perspectiva as relações existentes entre o pedido de
impeachment, a tortura e a herança autoritária no Brasil.
“Par.2º. – Serão afastados dos cargos públicos, todos os civis e militares envolvidos com
a prática de tortura, assassinato e desaparecimento de presos políticos.
Par.3º. – Serão extintos todos os organismos de repressão política.
I – [Que] Seus espaços físicos e arquivos secretos sejam abertos ao público;
Par.4º. – [Que] Sejam extintos também toda e qualquer estrutura de espionagem voltada
contra a organização democrática dirigida pelo SNI – Serviço Nacional de Informações
ou outros.
Par.5º. – [Que] Seja extinta a Lei de Segurança Nacional2”
A proposta não foi aceita e a lei sobre a tortura foi regulamentada apenas em
1997, sem que nenhum dispositivo ou medida contemplasse a punição dos torturadores
do período ditatorial.
2
Cf. texto que incluiu a proposta, ver PATRIOTA, Gonzaga. “Proposta à Assembléia Nacional
Constituinte”, Câmara dos Deputados, Sala de Sessões, 27/04/87.
3
Passarinho escreveu em 2006 que os militares não pediriam perdão, pois não se arrependeram do que
fizeram durante a ditadura. Cf. PASSARINHO, Jarbas. “A tortura e o terrorismo”. Folha de S.Paulo,
28/11/06, p.3.
4
ocorrendo no Brasil, tal como Walter Benjamin anunciou na tese no. 8 de seu fomoso
texto intitulado “Sobre o conceito de história”, de 1940.
Nesse sentido, não espanta que, ainda hoje, a Lei de Segurança Nacional e as
Polícias Militares – uma criação da ditadura –, bem como o decreto, estipulando que os
serviços reservados das PMs façam parte do sistema de informação do Exército,
continuem em vigor.
É de se ter em vista que, em muitos aspectos, a Lei de Anistia de 1979 teve o
significado de um reencontro. A anistia constituiu-se num momento marcado pela
alegria da conquista de uma vitória, que, embora parcial, abria possibilidades,
projetando para o futuro os investimentos pessoais e políticos dos sobreviventes, mas
representou também a denegação da tortura e o que ocorrera aos mortos e desaparecidos
políticos, dando início à consolidação de “memórias e versões da conciliação”, que têm
suplantado tantas outras.
A política de reparação do período democrático não foi acompanhada da garantia
do direito à verdade e de acesso à justiça. A demanda por “Verdade e Justiça” ficou
marginalizada, circunscrita às organizações de familiares e sobreviventes, a setores do
movimento de direitos humanos e parcelas minoritárias da sociedade. A despeito dos
esforços empenhados pela CNV e por alguns membros do MPF, pouco se avançou na
recuperação factual ou no acesso à justiça. Não obstante, familiares e sobreviventes
tornaram-se os herdeiros e agentes da memória desse período, provocando o debate e a
participação política. Eles continuam a influir e mudar o sentido e o conteúdo da
“história oficial”, tornando públicos e legítimos os relatos silenciados, criando rituais,
comemorações e marcas simbólicas de reconhecimento e pertencimento.
Cabe ressaltar que, se inicialmente, sobreviventes e remanescentes das esquerdas
entenderam que essa herança tinha relevância e representava um capital político
importante, a análise das resoluções do PT indica o distanciamento do partido em
relação às pendências do passado ditatorial. Essa temática aparece com destaque nos
documentos do PT até 19944.
Nesse sentido, não deve ser surpresa o fato de que, até o momento, as principais
determinações da condenação do Estado brasileiro na OEA, relativa à Guerrilha do
Araguaia, não tenham sido cumpridas. Ou que os governos petistas não tenham
4
Em 1994, o PT passou a defender a abertura dos arquivos policiais e militares para esclarecer os casos
de “desaparecidos” e assassinatos de opositores da ditadura. O partido defendia ainda que a “[…]
Constituição de 1988 manteve parte do entulho autoritário, distorções no sistema de representação, a
tutela militar sobre o Estado, ausência de controle sobre o Judiciário.”
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5
Cf. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 153, apresentada ao STF pelo
Conselho Federal da OAB em 2008.