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3.

2 Obstáculos ao funcionamento da organização


Nos últimos dois anos, a UNASUL vem passando por crise institucional muito forte,
que, como veremos no próximo tópico, aparentemente acarretou o fim da atuação do
organismo. Tal contexto, sem precedentes em seus 10 (dez) anos de operação foi
desencadeada principalmente pelo aumento da ofensiva conservadora no subcontinente
(JAEGER, 2019). Esta virada ideológica que por vezes rechaça os ideais formadores da
UNASUL, especialmente levando-se em consideração seu contexto de criação, tendo sido
iniciativa dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, Hugo Chávez, da Venezuela e
Néstor Kirchner, da Argentina, todos eles símbolos do nacionalismo progressista que vigorou
na América Latina nos anos 2000.

O contexto político, econômico e social de criação da UNASUL em 2008 não é, de


forma alguma, semelhante ao que vive a América Latina nos dias de hoje. Pelo contrário, em
2008, as economias dos países em desenvolvimento, especialmente do Brasil, se encontravam
em ascensão e o propósito político de uma integração regional Sul-Sul vinha se afastando da
incidência de influência estadunidense. Por outro lado, hoje vivemos um período de
instabilidade econômica aliada a uma política cada vez mais alinhada aos interesses do
governo do presidente americano Donald Trump e esta tendência não atinge apenas a nação
brasileira, mas sim pelo menos 8 dos 12 países da América do Sul. Na segunda metade do
século XXI, é possível notar um aumento da dependência econômica de potências
extrarregionais, principalmente com o fortalecimento da Aliança do Pacífico e de acordos
bilaterais com os EUA, além da crescente presença chinesa na economia local, o que teve
papel essencial para desestabilizar as tentativas de integração econômica regional.
(SARAIVA, 2014 apud JAEGER, 2019)

Como já explorado em tópicos anteriores, a integração regional latino-americana, ao


longo dos anos, teve como foco geral a integração energética e econômica, algo
compreensível tendo em vista a abundância de recursos presentes no subcontinente.
Entretanto, crítica pertinente vem a ser a relativa a falta de preocupação dos governantes em
propor perspectivas de integração que visem a participação popular. É difícil pontuar, embora
não impossível, momento em que tenha sido fomentado o sentimento de pertencimento da
sociedade em relação à América do Sul. Com a criação da UNASUL, não houve mudança
neste paradigma, e, sendo inexistente apelo popular aliado ao desconhecimento populacional
acerca da atuação da entidade torna-se mais viável, por razões meramente políticas o
desmantelamento da organização.
Com a crise econômica que vem atingindo o subcontinente nos últimos 4 anos, o
déficit orçamentário atingiu também os cofres da UNASUL. O Brasil, por exemplo, já possui
dívida de 12,5 milhões de dólares com a organização (FOLHA, 2018), que por sua vez não
vem pagando seus funcionários, já tendo reduzido sua mão de obra de 48 para 27 empregados
efetivos1, além de contar apenas com 2 de 5 diretores previstos.

Podemos citar, como momento chave para a compreensão da crise institucional e


política atual que assola a UNASUL, o Impeachment da Presidente Dilma Rousseff, ocorrido
em 2016 no Brasil. Trata-se de ocasião que reverberou fortemente na política global, tendo
vital importância para as mudanças na integração regional nos últimos três anos. Como forma
de protesto ao ocorrido e prevendo ruptura democrática na república brasileira, o então
Secretário Geral da UNASUL e ex presidente colombiano, Ernesto Samper, se afastou do
cargo, o que gerou um vácuo ainda não sanado na liderança do bloco (FOLHA, 2018).

De acordo com o previsto no Tratado de Quito, a Presidência do bloco deveria ser


sucedida por José Octavio Bórdon, embaixador argentino, entretanto, esta hipótese não foi
aceita por Bolívia, Equador e Venezuela e, sendo a UNASUL um bloco cujas decisões são
tomadas por consenso, acabou se tornando inviável sua nomeação. Sendo assim, assume em
2018, o Ministro das Relações Exteriores boliviano Fernando Huanacuni, exercendo
presidência pro tempore. Seu mandato, porém, já começou polêmico, tendo Brasil, Argentina,
Chile, Colômbia, Paraguai e Peru anunciado suas suspensões voluntárias do bloco em abril de
2018. De acordo com declarações dadas pelos governos das nações suspensas, o propósito
seria pressionar a UNASUL para que haja a nomeação de um Secretário Geral Pleno.
Entretanto, como veremos a seguir, não houve preocupação por parte dos chefes de Estado em
continuar no bloco.

3.3 A iniciativa do PROSUL

Em 22 de abril de 2019, foi assinado, em Santiago, no Chile, declaração conjunta que


anunciou a criação do PROSUL, novo organismo que vem para substituir a UNASUL. O
bloco, que visa integrar culturalmente e economicamente a América do Sul, será composto, a
priori, por Argentina, Chile, Peru, Paraguai, Colômbia, Equador, Brasil e Guiana. Estas
nações, portanto, declararam no mês de abril que irão sair da UNASUL, o que compromete
completamente o funcionamento desta, tendo em vista que restaram apenas quatro Estados
Membros, quais sejam, Bolívia, Suriname, Uruguai e Venezuela.

1
Dados de agosto de 2018
A fim de compreendermos o PROSUL, é preciso primeiro conceituar o termo muito
usado pelo jornalismo político que é utilizado para ilustrar as tendências da América Latina,
especialmente aquela visualizada nas comparações entre Brasil e Argentina. Trata-se do
Efeito Orloff2, fenômeno que define as oscilações paralelas que podem ser vistas nos âmbito
político-econômico em diversos Estados latino-americanos ao mesmo tempo. Tal efeito pode
ser notado, por exemplo, no neoliberalismo experimentado na América do Sul nos anos 1990,
seguidos pela ascensão do Welfare State no início do século XXI, com o Lulismo no Brasil e
de Kirschnerismo na Argentina. Na atualidade, este padrão se repete e hoje vivemos uma
América Latina cujas eleições presidenciais acusam uma nova retomada da direita política,
com alinhamento direto aos EUA. (Exemplifica-se aqui com as eleições de Jair Bolsonaro no
Brasil, Maurício Macri na Argentina e Sebastián Piñera no Chile)

O primeiro país a se pronunciar publicamente acerca da iniciativa foi a Colômbia, que


se acredita ser a incentivadora do bloco junto com o Chile. (JAEGER, 2019) Trata-se,
portanto, de situação diferente daquela previamente vista em integrações regionais como o
Mercosul e a UNASUL, cujos pioneiros foram sempre Brasil e Argentina, países que
demonstram certa hegemonia na sub-região. O fato de o PROSUL ser de iniciativa diversa
poderia, a primeira vista, indicar um pluralismo sem precedentes na história da América do
Sul, sendo supostamente mais democrático. Entretanto, não se deve esquecer de tomar nota de
que, enquanto a UNASUL veio com 2008 com a proposta de englobar todas as nações da
América do Sul sem distinções, o PROSUL, por outro lado, apresenta viés ideológico claro,
tendo sido convidados apenas as nações sul-americanas que recentemente elegeram lideranças
liberais economicamente e conservadores politicamente. De fato, não houve pretensão em
incluir a Venezuela, Uruguai, Suriname e Bolívia.

Por fim, é necessário ressaltar que não há, por hora, confirmação de que o PROSUL vá
se enquadrar na categoria de Organização Internacional, uma vez que a declaração de
Santiago, assinado pelos presidentes dos países que concordaram com a iniciativa, apenas
aponta a Presidência Chilena como responsável pelo próximo ano do órgão, devendo a
Presidência Colombiana o suceder. Entretanto, não sabemos ainda se a organização possuirá
todos os requisitos a fim de ser considerada Organização Internacional stricto sensu, quais
sejam: Sede própria, funcionários próprios, orçamento próprio e, principalmente, tratado
constitutivo, uma vez que, até agora, o que há é apenas uma declaração conjunta, sem status
de tratado internacional.

2
O termo surgiu do Slogan da Vodka Orloff nos anos 1990: “Eu sou você amanhã”.

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