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Política Externa Independente (PEI) - San Tiago Dantas

O princípio ordenador da PEB foi a consideração exclusiva do interesse do Brasil, o qual


pode ser resumido em duas proposições: (I) o desenvolvimento e à emancipação econômica e (II) a
conciliação histórica entre o regime democrático representativo e uma reforma social capaz de
suprimir a opressão da classe trabalhadora pela classe proprietária. Deste modo, o Brasil buscará
novos parceiros, como a África (buscando afastar-se, na ONU, das posições de Portugal salazarista),
enquanto acompanha a frieza nas relações com os EUA e as parcas vantagens econômicas em seu
relacionamento com a URSS.
Características gerais que caracterizam a PEB e destacaram-se na PEI: posição de
independência em relação a blocos político-militares; preservação da paz e desenvolvimento; relações
próxima e cordial com Estados Americanos. Acerca deste, o Brasil manterá uma defesa irrestrita do
princípio de não intervenção, em relação à Cuba.
Ademais, o Brasil passará a afirmar sua crescente solidariedade com os povos que aspiram à
independência, por três razões: (I) seu passado de exploração colonial, (II) a semelhança nas
economias primárias do Brasil e destes países e (III) a necessidade de se eliminar o colonialismo para
garantir a paz.
Vale ressaltar que, neste período, ocorreu uma reestruturação administrativa do serviço
exterior, em 1961, de modo que o Itamaraty possa ser um órgão de comando ajustado às necessidades
da diplomacia brasileira - evitando conflitos entre este e o Planalto, inclusive contando com o Serviço
de Propaganda e Expansão Comercial do Brasil (Sepro).
Viu-se uma íntima aproximação entre o Brasil e a Argentina, que deixando para trás o
histórico de disputas, marcaram no Encontro de Uruguaiana (1961) o início de uma nova etapa em
suas relações bilaterais.
Em seu discurso na Academia Nacional de Direito de Buenos Aires (13/11/1961), San Tiago
Dantas aponta para a necessidade do desarmamento para a promoção de uma paz estável e
duradoura, bem como incentiva o intercâmbio entre as sociedades socialistas e democráticas, uma
vez que as sociedades ocidentais poderão ensinar das liberdades civis e políticas, enquanto as
sociedades socialistas podem ser modelos para a superação das desigualdades sociais. Logo, o
diplomata aponta para os dois desafios da América Latina: construir uma paz durável, em que
poderão aprimorar a democracia e corrigir as desigualdades sociais; bem como atualizar a
cultura, para que possam ser integrados no surto tecnológico e científico da contemporaneidade.
Para além, San Tiago Dantas apontou a aprovação nacional da Aliança para o Progresso, bem como a
tristeza em ver o distanciamento de Cuba dos valores democráticos - todavia reafirmou que o Brasil
fará apenas o que for legítimo para que Cuba não se desintegre do mundo americano. Neste âmbito,
antes de Cuba alinhar-se totalmente ao marxismo-leninismo, San Tiago Dantas havia formulado o
Plano Lleras que consistia na convocação de uma reunião de consulta para pedir uma definição a Cuba
acerca de sua vinculação com o sistema pan-americano, suas ligações extracontinentais e sua relação
com a democracia. Posteriormente, com a associação cubana às Américas, iniciaria-se o Plano Fino,
que envolvia essencialmente uma barganha entre os EUA, que renunciaria agir com violência contra o
regime cubano após a frustrada invasão da Baía dos Porcos, e Cuba, que aceitaria as exterioridades da
democracia (como as eleições) e afastaria-se militarmente da URSS, a qual por sua vez veria a
convivência pacífica do socialismo no hemisfério como um show case socialista nas Américas.
Todavia, após o alinhamento no fim de 1961, o Plano Fino foi abortado, dada a impossibilidade de
realizar eleições. Na Conferência da Punta Del Este, de 1962, San Tiago Dantas expôs os três
objetivos que orientaram o Brasil: (I) preservar a unidade do sistema; (II) defender os princípios
jurídicos em que ele se baseia; (III) robustecer a democracia representativa em sua competição com o
comunismo internacional. San Tiago, em tal ocasião, frisou a necessidade de, não apenas defender os
valores de liberdade e independência, mas de realmente promover a emancipação econômica e
política das nações, pela maior igualdade na distribuição social da riqueza, em que ainda se faz
perceber os resquícios do sistema colonial. Em tal ocasião, San Tiago Dantas também apontou que a
guinada socialista cubana deveu-se ao isolamento econômico e político integral de suas partes na
América, restando-lhe a parceria soviética. Assim, o chanceler apontou a necessidade de propiciar
um ambiente propício para o seu retorno à orbita dos povos livres. Apesar da abstenção do Brasil
(juntamente da Argentina, do México, do Chile, do Equador e da Bolívia), Cuba foi suspensa da OEA.
Em 23 de novembro de 1961, deu-se também o reatamento das relações diplomáticas com a
URSS. San Tiago Dantas argumentou a conveniência em reatar o relacionamento diplomático com a
URSS pelas seguintes razões: (I) as grandes democracias ocidentais mantêm relações diplomáticas
com a URSS, inclusive os EUA; (II) o convívio diplomático é ainda mais importante com Estados, em
cuja relação haja discordância, para que haja um canal seguro de conversa e discussão; (III) o ideal da
paz deve ser construído sobre a ideia de coexistência; (IV) o maior crescimento econômico nacional
depende de um aumento do comércio internacional, que pode ser ampliado com o aprofundamento das
relações comerciais com a URSS.
Para além do reatamento das relações diplomáticas com a URSS, o Brasil também reatou as
relações diplomáticas com a Hungria, a Romênia e iniciou-as com a Bulgária e a Albânia, nos
meses iniciais de 1961. Nesse ponto, destaca-se também a missão João Dantas, a qual deixou um
saldo de sete acordos comerciais firmados com países socialistas (Bulgária, Iugoslávia, Romênia,
Hungria, Tchecoslováquia, Polônia e Albânia). Estes acordos previam a troca de matérias-primas, por
parte do governo brasileiro, por produtos industriais, por parte dos governos socialistas.
Por sua vez, em relação à Questão da Angola, na ONU, o Brasil manteve-se em uma posição
equidistante: enquanto ativamente condenou o colonialismo e defendeu a autodeterminação do povo
angolano, enquanto ressaltou a importância da relação amigável com Portugal e incentivou uma
solução pacífica, que pudesse preservar os laços amistosos entre Angola e Portugal - conclamando
Portugal a reconhecer a autodeterminação de Angola, com reformas práticas e rápidas. Igualmente, o
Brasil condenou a anexação à força de Goa, colônia portuguesa na Índia.
Ainda em relação à África, o Grupo de Trabalho para a África (1961) propôs medidas
concretas para o desenvolvimento: acordos culturais (com programa de bolsas para estudantes
africanos), criação de um sistema de consultas firmado com a Organização Interafricana de Café, uma
linha de navegação entre o Brasil e a Indonésia, com escalas na África e a criação de novas
embaixadas em Gana, na Nigéria e no Senegal, além da abertura de consulados.
Apesar de seu anticolonialismo expresso, suas ações concretas na ONU mostraram-se apenas
na abstenção com respeito às questões angola e argelina, mostrando o titubeação brasileira neste
ponto.
. No Eighteen-nation Disarmament Committee, de março de 1962, o Brasil mostrou-se como
um importante componente das oito nações não alinhadas, representando o temor de bilhões de
pessoas com o risco de um conflito nuclear global, o qual deve ser evitado a todo custo. Assim,
mesmo que não apresentasse uma proposta (apresentadas apenas pelos EUA e pela URSS), o
chanceler frisou a necessidade de construir mecanismos que evitem o recomeço dos testes atômicos e,
de forma utópica, a construção de uma conciliação entre as duas potências hegemônicas globais, de
modo a ocasionar o desarmamento total. De igual modo, San Tiago Dantas criticou as propostas dos
EUA e da URSS, que em suas palavras foram consideradas de “mera Guerra Fria”, visto que a adoção
de quaisquer uma delas traria uma posição de inferioridade em termos de segurança nacional ao
Estado adversário. Ademais, o Brasil também se levantou pelo problema da reconversão econômica -
não basta afirmar que os orçamentos militares seriam suficientes para beneficiar todos os povos se não
houver mecanismos práticos e compromissos efetivos para que isso ocorra. Assim, o Brasil propôs o
trinômio: desarmamento, inspeção e reconversão econômica. Por fim, vale ressaltar que ainda
houve, mesmo que parca, uma menção aos efeitos ambientais negativos dos testes militares atômicos.
Em 1962, na visita de João Goulart aos EUA, previu-se medidas necessárias para tornar
efetiva a Aliança para o Progresso: o planejamento nacional para a concentração de recursos em
objetivos altamente prioritários de progresso econômico e social; as reformas institucionais (inclusive
reformas da estrutura agrária e tributária) para assegurar uma ampla distribuição dos frutos do
desenvolvimento por todos os setores da comunidade e assistência internacional financeira e a técnica
para acelerar a realização de programas nacionais de desenvolvimento. Todavia, setores da esquerda e
da direita criticavam o mecanismo, classificando-o como uma nova maneira de exercer o
imperialismo - visto que tal auxílio não visava o desenvolvimento econômico, mas a manutenção do
status quo e da dependência norte-americana. Em anos anteriores, JK já havia se posicionado acerca
da problemática latino-americana: enquanto não houver ações que freiem a deterioração dos meios de
troca, não haverá auxílio econômico que supere as perdas econômicas dos países latino-americanos.
Após a queda de San Tiago Dantas em 1962, Hermes Lima foi confirmado como novo
chanceler, retrocedendo em alguns pontos adotados pela PEI, como a questão de Angola. Neste caso, o
Brasil voltou à política cordial com Portugal, advogando inclusive a tese da independência
ordenada. Todavia, após o retorno do presidencialismo, João Goulart manteve por curto período
Hermes Lima no comando da pasta, o qual foi seguido por Evandro Cavalcanti Lins e Silva e pelo
ilustre João de Araújo Castro, o qual aprofundou as ideias da PEI, especialmente no seu famoso
discurso dos 3Ds, em 1963, na ONU: desarmamento, desenvolvimento econômico e descolonização.

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