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História da Política Externa Brasileira: parte 3

Aula 03 – Politica Internacional – professor Paulo Velasco

Governo Costa e Silva (1967-69)


Tanto o governo Costa e Silva quanto o governo Médici podem ser considerados como
de “linha dura”. Ao contrário de Castelo Branco, nenhum desses dois militares advinha da Escola
Superior de Guerra e não tinham tanto refinamento filosófico. Foi um período de grande
violência interna, que pode ser exemplificado pelo AI-5 do governo Costa e Silva, passado em
dezembro de 1968, o qual gerou um grande endurecimento do regime militar. O período de
ápice da violência de Estado ocorreu, então, no governo Médici. Nesse período, o Brasil cresceu
cerca de 10% por ano durante 5 anos que terá efeitos na política externa.

Em todo caso, no governo Costa e Silva, o Brasil irá retomar sua política externa
autônoma, inspirada na política externa independente. Foi um governo que deixou de lado o
alinhamento à Washigton e se permitiu ter algumas diferenças muitos claras em relação aos
Estados Unidos. Um dos exemplos mais contundentes disso no governo Costa e Silva foi a recusa
do Brasil em aderir ao Tratado de Não-Proliferação (TNP), em 1968, por entender que era um
tratado injusto e desigual e que “congelaria” o poder mundial na mão das poucas potências
nucleares.

Em paralelo, o Brasil passa a buscar uma agenda mais desenvolvimentista e uma


inserção mais articulada com países do Terceiro Mundo. Em 1969, o Brasil realiza um boicote ao
Conselho de Segurança e passa vinte anos fora do assento rotativo do Conselho por entender
que o órgão também era um instrumento de congelamento do poder mundial. Nesse período,
o Brasil vai priorizar uma inserção multilateral a partir de espaços terceiro-mundistas e da busca
de uma ordem internacional menos desigual. Nesse contexto, em 1968, o Brasil assume uma
atuação mais protagonista na II reunião do UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre
Comércio e Desenvolvimento) e se coloca ao lado da Índia, anfitriã da reunião, como liderança
do chamado Grupo dos 77, composto por países periféricos que buscam um comércio
internacional mais justo.

No governo Costa e Silva também há uma aposta na diversificação de parcerias, como a


aproximação com a Índia, marcada pela visita da Primeira Ministra Indira Gandhi ao Brasil em
1968. Na ocasião, é firmado um acordo de cooperação em matéria nuclear com a Índia. Esse
acordo não teve muitos efeitos práticos e acabou sendo denunciado pelo Brasil, em 1974,
quando a Índia realiza seu primeiro teste com armas nucleares, já que o acordo previa o uso da
energia nuclear apenas para fins pacíficos. A viagem de Indira Gandhi foi retribuída pela visita
do chanceler Magalhães Pinto à Índia ainda em 68.

No espaço latino-americano, o Brasil assina o Tratado de Tlatelolco, que proíbe as armas


nucleares na América Latina. Apesar de ter sido assinado ainda no governo Costa e Silva, o
tratado só passa a ter efeito em 1994. Em 1969, é assinado o Tratado da Bacia do Prata entre
Brasil, Bolívia, Paraguai, Uruguai e Argentina, que buscava ampliar a cooperação entre os países,
principalmente em questões econômicas. Pode-se citar, também, a participação ativa do Brasil
na CECLA (Comissão Especial de Coordenação Latino Americana).
A relação com os Estados Unidos, por força da autonomia que foi resgatada da PEI, foi
uma relação que se viu deteriorada. O professor e estudioso no assunto Paulo Vicentini chega a
afirmar que, no governo Costa e Silva, esteve presente uma rivalidade emergente nesse período,
não apenas pelas posturas mais autônomas do Brasil, mas também pelas pressões na agenda do
desenvolvimento e pela articulação com os países do Terceiro Mundo. Do ponto de vista
bilateral, há também outras desavenças como contenciosos na área comercial que vêm desde o
governo JK.

No governo Costa e Silva, falava-se sobre “diplomacia da prosperidade”, e esse foi o


nome da política externa levada a cabo por Magalhães Pinto. Ou seja, o Brasil buscou uma
posição mais próspera no mundo por meio da articulação com o Terceiro Mundo e a aposta pelo
desenvolvimento.

Governo Médici (1969-74)


No governo Médici, como dito anteriormente, houve um grande crescimento
econômico do Brasil, o chamado Milagre Econômico. Isso significou um aumento da sua
capacidade produtiva, uma expansão na exportação de produtos primários e uma ampliação do
mercado interno, impulsionada principalmente pelo crescimento da classe média. O
crescimento do mercado interno foi, contudo, muito estratificado, tendo se consolidado nas
classes mais altas, logo, foi um período em que houve um grande crescimento na desigualdade
social e econômica do Brasil. A famosa frase do ex-Ministro da Fazenda Delfim Neto, de fazer o
bolo crescer para depois dividi-lo, infelizmente não se concretizou.

O crescimento da economia brasileira afetou diretamente a política externa do governo


Médici, uma vez que o Brasil passou a defender ainda mais a diversificação e ampliação de
parcerias. Assim, o Brasil também irá apostar nos mercados africanos, apesar de ainda manter
as mesmas incongruidades entre seu discurso e suas ações perante a África, a colonização
portuguesa e o apartheid sul-africano, que já foi abordado em aula anterior. O chanceler Mário
Gibson Barbosa viaja para a África, em 1972, e visita 9 países africanos em sequência, em um
esforço de ampliar as relações com os países africanos e ampliar as relações comerciais do Brasil
com o continente.

É ainda no governo Médici que ocorre a primeira missão comercial à China comunista,
que busca, principalmente, abrir o mercado chinês para o café brasileiro. É importante notar
que, politicamente, o Brasil se colocava totalmente contra a China comunista. Em 1971, na
votação da Assembleia Geral da ONU que irá reconhecer a China continental como a China
legítima, o Brasil votou contra, assim como os EUA. O Brasil também tentará expandir suas
relações comerciais com a União Soviética e, durante pouco tempo, após o primeiro choque do
petróleo de 73, o Brasil chegou a importar petróleo da URSS.

Na América Latina, em 1973, há a negociação e assinatura do Tratado de Itaipú entre o


Brasil e o Paraguai que busca aproveitar o potencial elétrico do rio entre os dois países; o tratado
leva, posteriormente, à construção da Usina Hidroelétrica de Itaipú. Esse tratado piorou
bastante a relação do Brasil com a Argentina, que criticava e condenava o acordo já que não
houve consulta prévia e a usina seria construída a montante do rio, afetando o fluxo de água
para a Argentina e inviabilizando a construção da usina de Corpus Christi. O ápice desse
desencontro entre Brasil e Argentina ocorrerá no governo Geisel.
No governo Médici, houve uma busca por relações satisfatórias com os Estados Unidos,
nas palavras do professor Paulo Vicentini. O clima de tensão e de desavenças diminui no governo
Médici, mas ainda há espaço para diferenças, como a questão do mar territorial. Em 1972, o
Brasil decide, unilateralmente, estender seu mar territorial de 12 para 200 milhas náuticas,
contrariando os interesses comerciais de países como os EUA, a França e o Japão. Dez anos
depois, em 1982, há uma reunião na Jamaica que publica a Convenção de Montego Bay sobre
direito do mar, a qual afirma que o mar territorial tem mesmo 12 milhas e que a zona econômica
exclusiva pode se estender por até 200 milhas.

Ao mesmo tempo que havia espaço para antagonismos com Washington, havia espaço
para afinidades. Durante o governo Médici, o Brasil apoia golpes militares na América Latina, o
que convergia largamente com Washigton. O Brasil apoia os golpes, por exemplo, do Uruguai,
da Bolívia e do Chile. Esse é um momento em que é lançada, nos EUA, em um contexto de
rompimento dos EUA com o padrão dólar-ouro e de gastos absurdos com a Guerra do Vietnã, a
Doutrina Nixon, que previa o repasse a potências regionais aliadas das responsabilidades de
contenção ao comunismo. O apoio desses golpes pelo Brasil não ocorreu para agradar os EUA,
mas porque havia uma compatibilidade doméstica de repressão aos “subversivos”,
exemplificada muito bem pela Operação Condor.

Na esteira do conflito da Guerra do Yom Kippur, os países árabes decidem por restringir
a oferta de petróleo, gerando o 1º choque do petróleo de 1973. O Brasil, com medo de sofrer
boicote pelos países árabes por ser próximo aos EUA, passa a buscar o avanço nas boas relações
com o Oriente Médio e com o mundo árabe. Isso terá início ainda no governo Médici mas será
aprofundado no governo Geisel.

A diplomacia levada adiante no governo Médici foi chamada de “diplomacia do interesse


nacional”, em que o Brasil, buscando avançar seu interesse mundo afora, conseguiria consolidar
uma posição mais firme no cenário internacional.

Governo Geisel (1974-79)


O presidente Geisel, assim como Castelo Branco, também fazia parte de uma parcela
mais intelectualizada do exército. É nesse momento que o Brasil poderá fazer uma outra leitura
da Guerra Fria, marcada pela détente ou pelo arrefecimento do conflito nos anos 70. Esse
contexto facilita a inserção de outros atores internacionais e, assim, o Brasil buscará ter uma
política externa mais ambiciosa. O governo Geisel foi marcado pelo apogeu da política externa
do regime militar. Juntamente com o chanceler Azeredo da Silveira, Geisel lançou o
“pragmatismo responsável e ecumênico”. O Brasil vai agir de maneira muito prática, decidindo
pelos caminhos que maximizem os ganhos para o Brasil e que alcancem o interesse nacional,
por meio da universalização de parcerias mas com cautela.

Bem no início do governo Geisel, ainda em 1974, o Brasil finalmente reconhece a


República Popular da China e passa a estabelecer relações diplomáticas com o país comunista.
Nessa lógica, o Brasil rompe relações diplomáticas com Taiwan mas, pouco depois, estabelece
relações comerciais com a ilha. Essa ação não afeta as relações do Brasil com os EUA pois até
mesmo os americanos já estavam dialogando com a China comunista, embora só tenham
reconhecido o país em 1979.
Na relação com os EUA, o Brasil não vai buscar o enfretamento com esse país. Logo após
o início do governo Geisel, os dois chanceleres dos países, Kissinger e Azeredo da Silveira, se
encontram e assinam um memorando de entendimento de forma a afirmar a importância da
parceria bilateral Brasil-EUA.

Após tentar realizar uma parceria com os EUA no âmbito nuclear e não ter sido bem
sucedido, o Brasil assina um acordo nuclear com a Alemanha, o que melhora a oferta de energia
nuclear no Brasil e possibilita a construção de Angra II. Os EUA fizeram o possível para que o
acordo não fosse assinado, mas se recusavam a fazer a transferência de tecnologia para o Brasil.

O presidente americano Jimmy Carter vai ter nos direitos humanos uma de suas
principais preocupações de política externa, e passa a fazer muitas críticas às ditaduras sul-
americanas, incluindo o Brasil. Para o Brasil, isso se trata de uma ingerência externa indevida
dos EUA sobre o Brasil. Após tomar ciência de que tramitava no Congresso Americano um
projeto de lei que limitaria a ajuda militar e econômica dos EUA a países com sinais crônicos de
violação sistemática dos direitos humanos, o governo de Geisel decide-se pelo rompimento do
acordo militar com os EUA em 1972.

No governo Geisel, há uma postura africanista ainda maior do que aquela que houve na
PEI, isso porque são revolvidas as questões que impediam uma maior política do Brasil na África.
O governo Geisel coincide com a Revolução dos Cravos em Portugal que encerra o salazarismo
e acelera a independência das colônias portuguesas na África. O Brasil, então, passa a apoiar as
independências dessas colônias africanas, sendo o primeiro país ocidental a reconhecer a
independência de Guiné-Bissau e o primeiro país no mundo a reconhecer a independência de
Angola, que estava sob um governo marxista do MPLA. Ainda nesse sentido, o Brasil vai se
permitir um afastamento do regime do apartheid da África do Sul, em um momento em que a
comunidade internacional vai aumentar o cerco sob o país sul-africano.

Também houve uma grande aproximação com o mundo árabe, inclusive com posições
favoráveis aos palestinos. O Brasil vai permitir a abertura de uma representação da OLP em
Brasília e, dentro da ONU, vai votar a favor de uma resolução contra o racismo e que considera
o sionismo uma forma de racismo. Na Ásia, Geisel realizou uma viagem inédita para o Japão, em
um momento que o Japão se colocava como grande investidor no Brasil na área da agricultura
e da mineração, por exemplo.

A iniciativa de maior destaque na aproximação do Brasil com a América Latina foi o


lançamento do Tratado de Cooperação Amazônica que reunia 8 países além do Brasil – Bolívia,
Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana e Suriname – que se articulam em favor da defesa
do espaço amazônico e do compromisso com o desenvolvimento da região. O governo Geisel,
contudo, foi marcado por grande desencontro com a Argentina, já iniciado no governo Médici,
em razão da assinatura do Tratado de Itaipú. A Argentina estava passando por um período de
decadência econômica e grande instabilidade política, muito diferente do momento
experienciado pelo Brasil.

Governo Figueiredo (1979-85)


O governo Figueiredo foi marcado por restrições internacionais que dificultaram a
continuação do ativismo e dos sucessos alcançados no Pragmatismo Responsável. Contudo,
durante a gestão do chanceler Saraiva Guerreiro houve ainda outros êxitos. Foi durante esse
período que houve a superação das diferenças com a Argentina – em 1979, há a assinatura do
Acordo Tripartite, entre Brasil, Argentina e Paraguai, que coloca fim à crise das hidrelétricas.

Ainda na América Latina, o governo Figueiredo vai aprofundar e ampliar a presença do


Brasil nas iniciativas na região. Em 1980, o Brasil adere à ALADI (Associação Latino Americana de
Integração) que substitui a ALALC. Em 1983, o Brasil apoia a criação do Grupo de Contadora,
formado por Colômbia, Venezuela, Panamá e México, que buscava promover a estabilidade na
América Central. Em 1984, o Brasil participa do Consenso de Cartagena, uma articulação feita
por países latino americanos em favor de uma atuação conjunta na negociação das dívidas
externas. Esse consenso, na prática, não teve muito efeito e o Brasil, por exemplo, declara
moratória em 1987 sem nenhuma articulação. Também ocorre viagens presidenciais inéditas,
com Figueiredo sendo o primeiro presidente brasileiro a ir à Colômbia, Peru e Venezuela.

Figueiredo também foi o primeiro presidente brasileiro a visitar a China, e o faz na


ocasião de comemoração dos 3 anos do estabelecimento de relações diplomáticas. A ida de
Figueiredo à África, visitando 4 países africanos, também foi a primeira visita de um presidente
brasileiro ao continente. O presidente Figueiredo foi o primeiro presidente brasileiro a fazer o
discurso de abertura na Assembleia Geral da ONU.

Nas relações com a África, há um aprofundamento interessante após o afastamento


brasileiro da África do Sul. E, no Oriente Médio, há também um grande aprofundamento das
relações, principalmente com o Iraque, grande parceiro do Brasil no mundo árabe.

O processo de abertura “lenta, gradual e segura” iniciada pelo Geisel é continuada no


governo Figueiredo, apesar de ter havido episódios dramáticos que buscavam o contrário, como
o episódio da bomba do Riocentro, a bomba na OAB e a tentativa de colocação de bomba em
um gasômetro.

O plano internacional foi um pouco mais desafiador que aquele do governo Geisel. Isso
porque o período foi marcado pelo que se chama de uma forte retomada nas tensões de
bipolaridade após a invasão da URSS ao Afeganistão na primeira metade da década de 80. Os
EUA reagiram com um maior militarismo e intervencionismo, tendo invadido, por exemplo, em
1983, o pequeno país caribenho de Granada, intervenção que foi criticada pelo Brasil. Figueiredo
conseguiu, contudo, manter uma política externa autônoma apesar das instabilidades
domésticas e internacionais, e sua política externa foi denominada de “universalismo”.

Apesar da conjuntura adversa, o governo Figueiredo não se curvou ao alinhamento e


aprofundou as relações com a União Soviética e não fez parte do boicote às Olimpíadas de
Moscou de 1980. O Brasil também não participa do embargo econômico e comercial da URSS
que se seguiu após a invasão do Afeganistão. Nesse período, o Brasil teve recorde histórico no
comercio com a União Soviética.

Em 1984, foi eleito o primeiro brasileiro para um cargo executivo em um grande


organismo internacional – Baena Soares é eleito secretario geral da OEA. O Brasil também
negocia um entendimento com o Suriname, temendo uma intervenção americana após a
aproximação do governo do país com o governo cubano, para impedir que houvesse um grande
aprofundamento entre as relações de Cuba e Suriname.
O governo Figueiredo não teve a melhor das relações com a União Europeia, já que essa
tecia duras críticas contra a ditadura militar, exigindo a completude do processo de abertura.
Por conta da crise brasileira e pelo Brasil ter sido graduado na lista do sistema geral de
preferência da Europa, perdendo concessões antes dadas, dificultando ainda mais a situação
econômica e comercial brasileira.

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