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MILTON SANTOS “S
MILTON SANTOS REFLEXIÓN Y ANÁLISIS DE SU OBRA - CIG - IGEHCS - FCH - UNCPBA - TANDIL, 2018.
Manual de Geografia
ESP UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Urbana
Reitora Suely Vilela
Vice-reitor Franco Maria Lajolo
Tradução de
Antônia Dea Erdens
I edusp Maria Auxiliadora da Silva
EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
COMISSÃO EDITORIAL
Presidente José Mindlin
Vice-presidente Carlos Alberto Barbosa Dantas
Benjamin Abdala Júnior
Carlos Augusto Monteiro
Maria Arminda do Nascimento Arruda
Nélio Marco Vincenzo Bizzo
Ricardo Toledo Silva
Et
urbanização terciária. Somente depois, evidentemente com exceções, 1938 1952 1964 1968
é que a grande cidade provoca a criação de indústrias. Colômbia
(% de pop. urbana) 12,8 Yo
0,
22,5%
o,
36,6%
O,
40%o,
Todavia, países como a Argentina, o Brasil e o México conheciam já
uma certa urbanização antes da Segunda Guerra Mundial. Entretanto,
— De ordem demográfica: em países de crescimento demográfico
ainda que possuam uma indústria mais desenvolvida, esses países não
maciço, como a Índia e a China.
escapam à dependência a que estão submetidos os países subdesenvol-
— De ordem econômica: por causa do desequilíbrio econômico cada
vidos, inclusive a esse “êxodo da miséria e da esperança”.
vez maior entre a cidade e o campo, como é o caso, por exemplo, da
América Latina.
A partir da Segunda Guerra Mundial, os preços dos produtos agríco-
2.2. As FORMAS DO ÊxoDO RURAL
las de exportação baixaram muito em relação aos preços dos produtos
industrializados para importação. Os maiores investimentos destinam-se
O êxodo rural é um fenômeno complexo nos países subdesenvol-
à indústria, e os países são equipados com os lucros da agricultura, quer
vidos. Trata-se de forte contingente migratório que, favorecido pelo
através de trocas (como na América Latina), quer através de repercussões
desenvolvimento da rede viária, dirige-se para as cidades e acaba sendo
dos problemas europeus (caso da África). Esses fenômenos conduziram a
instrumental, em grande parte, do crescimento urbano. É comum afir-
uma queda da produção agrícola não só em qualidade como também em
mar-se que a atração urbana é de ordem psicológica, sendo a cidade
quantidade. Assim, a população da cidade se alimenta da sua zona rural
mais um receptáculo do que um pólo de atração (os anglo-saxões dizem
por um período mais ou menos longo. Numa segunda etapa, a cidade pode
que o push-factor é superior ao pull-factor): eis uma idéia feita, a ser
ter possibilidades de redistribuir sua força na zona rural circunvizinha.
discutida com aqueles que consideram a atração urbana como algo de
Entretanto, com as modificações da estrutura do consumo, o camponês
ordem puramente psicológica e para quem o migrante pode encontrar,
emprega apenas uma pequena parte de sua renda em investimentos rurais.
St
particulares que as cidades pré-industriais e pré-coloniais possuíam: tadas à economia rural predominante”, em que algumas atividades
cidades imperiais, abrigando apenas aqueles que viviam pelo palácio artesanais podem evoluir para pequenas indústrias. Na Turquia, entre
e para ele, e onde as populações campesinas só chegavam em grande 1927 e 1950, seis cidadezinhas apresentaram um crescimento que
número nos momentos de grande fome; e, na África, pela forte coesão variou entre 130% e 390%, sem que houvesse uma correlação entre
dos grupos camponeses. À isto se acrescenta, no sul do Saara, a ausên- o tamanho inicial da cidade e sua taxa de crescimento.
cia ou a fraqueza, bastante comuns, da tradição urbana antiga. Aqui no Brasil, na Bahia, foram as pequenas cidades, como Jta-
Às características da urbanização e do êxodo rural podem levar- nhaém, por exemplo (+485%), que entre 1950 e 1960 alcançaram
nos a entender como a população urbana se distribui e os tipos de uma forte taxa de crescimento, enquanto a população urbana de
urbanização encontrados nos países subdesenvolvidos. Salvador só cresceu 60,6%. Mas, ao lado disso, pequenas cidades,
principalmente aquelas ligadas à mineração, tiveram uma taxa de
crescimento urbano bem menor que Salvador.
2.3. Tipos DE URBANIZAÇÃO NOS PAÍSES SUBDESENVOLVIDOS Esse fato nos leva à distinção de diversos tipos dessas pequenas
cidades e, a partir daí, à análise dos fatores determinantes desse
a. Nascimento de numerosas pequenas cidades rápido crescimento urbano. A cidadezinha constitui a célula-máter
Esse é um dos fenômenos mais característicos — e, no entanto, dos que atende às necessidades de uma população; tais necessidades
mais negligenciados — da floração urbana nos países subdesenvolvi- variam em função da densidade demográfica, das comunicações e
dos. É praticamente impossível isolar o fenômeno em escala mundial, da economia da região, bem como do comportamento socioeconô-
já que as estatísticas globais geralmente dão a população rural junto mico de seus habitantes. Porém cada uma dessas cidades constitui
com a população das cidades de menos de vinte mil habitantes. um caso específico quando se leva em conta sua função principal:
Todavia, pode-se constatar que as pequenas cidades representam cidade comercial, cidade de serviços. Nesses casos, o crescimento
Lr
26
As estatísticas internacionais estabeleceram um marco de vinte em relação à população total. Entretanto essa porcentagem é fraca, se
mil habitantes para esse tipo de cidade, mas isso não significa grande comparada à dos países da América Latina, da África Central ou do
coisa: visto como um marco numérico, é sempre artificial; os marcos Oriente Médio. A seguir, há exemplos do Oriente Médio.
reais são os funcionais, isso porque só a partir de um certo estágio de
desenvolvimento e dinamismo é que a cidade se define. OrtenTE MépiO — CIDADES DE MAIS DE 100 Mit HABITANTES
VA SVOLLSPHILOVAVO
RELAÇÃO 1960-1920
mente, a cidade tem em torno de si um verdadeiro “deserto”; é o caso
População total / metrópole População urbana / Popu-
do Rio de Janeiro; Luanda, em Angola; Túnis e Argel, na África do
lação total
Europa 1,20 1,26
Norte; Dacar e Abidjã, na África Ocidental; ou Lima, no Peru, onde,
América do Norte 1,55 1,30
num raio de 400 km, não existe nenhuma cidade que possa desem-
6x
8
a
com exceção da URSS, o peso relativo das cidades é mais importante
nos países subdesenvolvidos do que nos países desenvolvidos.
Entretanto, mesmo nos países subdesenvolvidos existem múltiplas
nuanças, visto que a colonização não foi feita nem com as mesmas
características nem na mesma época. À presença ou a ausência de uma
tradição urbana antiga, bem como as características dos vários tipos
de economia nacional, tiveram um papel determinante.
Segunda Parte
A PoruLação URBANA, AS
EsTRUTURA SOCIAIS E O EMPREGO
MANUAL DE GEOGRAFIA URBANA
30
IO
INTRODUÇÃO
OGIATOANASTAHAS OIT
x1x: a cidade esvaziaria o mundo rural não só de suas riquezas, que
ela utilizaria para suas próprias despesas improdutivas, como também
de seus habitantes, aos quais não seria capaz de fornecer empregos na
proporção desejável.
6tre
Em um trabalho coletivo, Lacoste! faz-se intérprete desse ponto análise, insistindo nos aspectos metodológicos do problema. Além
de vista: “Essas regiões de economia moderna [ele fala das grandes do mais, a escassez dos estudos disponíveis limita bastante o número
cidades], que combinam o efeito de estagnação econômica e os fatores de exemplos utilizáveis. Praticamente, seremos levados a colocar di-
de crescimento demográfico, podem ser consideradas não como “pólos versas questões. À primeira delas, Leitmotiv desta obra, é a seguinte:
de desenvolvimento” mas, ao contrário, como “pólos de subdesenvol- existe uma especificidade própria dos países subdesenvolvidos? Ou
vimento”. as relações que, nesses países, a cidade mantém com o espaço em sua
Entretanto, muitas constatações recolhidas na preparação desse volta são da mesma natureza das que existem nos países desenvolvi-
trabalho contrariam a visão pessimista de uma cidade parasitária, dos? Segunda pergunta: quais os graus das relações cidade-região na
“úlcera que se desenvolve em detrimento de tudo o que a rodeia”. situação atual, e quais os tipos de regiões geográficas daí resultantes?
Essas constatações talvez não sejam suficientes para refutar a tese Por fim, veremos se é possível propor um balanço (econômico) dessas
oposta, mas permitem, ao menos, questioná-la. relações e confirmar a validade de uma ou da outra tese.
Além do mais — e isso mostra que nem todos estão em perfeito Evitamos claramente, tanto quanto possível, o emprego do termo
acordo quanto a esse ponto —, no mesmo trabalho coletivo B. Kayser região, já que ele prejulgaria nossas conclusões; de fato, segundo B.
sustenta um argumento radicalmente oposto ao de Y. Lacoste: Kayser, a região se define como “um espaço polarizado”.
Para simplificar a análise, podem-se distinguir dois elementos do
As cidades que se formam e crescem em ritmo rápido não podem ser [...] con- subdesenvolvimento:
sideradas como quistos existentes no interior do tecido geográfico: elas são parte
— na medida em que a economia dos países subdesenvolvidos
integrante desse tecido e desenvolvem-se sobre um sistema complexo de trocas
vitais. Por mais lentos que sejam, em alguns países, os progressos do equipamento permanece em parte tradicional, o subdesenvolvimento se caracteriza
em vias e meios de comunicação, eles facilitam e aceleram o funcionamento do por uma debilidade geral no nível das trocas (não esquecer que as
sistema. Em consequência, a vida regional tende a surgir e a adquirir amplitude disparidades regionais constituem regra geral nesses países);
em um espaço cada vez maior do nosso globo?.
—- na medida em que o subdesenvolvimento resulta da introdução
recente de elementos modernos em uma economia “tradicional”,
Segundo B. Kayser, a evolução, longe de ser regressiva, determinaria seus efeitos mais característicos consistem no aparecimento de dis-
IÉI
2. B. Kayser, em P. George et al., La Géographie active, op. cit., p. 320.
especulativa (cultura do amendoim ou do cacau na África), têm rendas regiões urbanas, nos países onde estas já existiam, e a constituição
muito variáveis — segundo as estações e segundo os anos -, incapazes, de “bacias urbanas” inorgânicas, nos países desprovidos de passado
em todo caso, de suscitar ou de, além de um certo nível, manter rela- urbano.
ções contínuas com a cidade. Ante o subeguipamento encontrado na Em inúmeros países de velha civilização (Ásia Ocidental, Índia,
maioria dos países subdesenvolvidos, o menor esforço de equipamento Ásia Oriental), o fenômeno regional não era desconhecido: a China
acarreta um transtorno mais que proporcional, uma ruptura geral de das dezoito províncias “era um país de forte organização adminis-
um equilíbrio instável. Basta a construção de algumas rodovias, como trativa local, com uma polarização de cada província em torno de
a Panamericana, na América Andina, para desarranjar o equilíbrio sua respectiva capital. Entre a cidade e a região, havia se constituído
regional dos países que ela atravessa”. Ora, o período atual caracteriza- uma solidariedade global”, especialmente em zonas isoladas, como
se pelo brusco aparecimento dos meios de transportes rápidos, e em Sechuan, e essas estruturas foram suficientemente fortes para resistir
grande escala, em um espaço ainda não modernamente organizado!. à revolução de 1949, que conservou as antigas províncias como cir-
Essa “fragilidade” da regionalização é ainda mais aumentada pela cunscrições políticas. Mas haviam sido muito maltratadas quando da
instabilidade histórica resultante da exploração colonial que os países “abertura” e, posteriormente, na época do “desmembramento” da
subdesenvolvidos sofreram e que superpôs vários tipos mais ou menos China, no fim do século xix.
efêmeros de organização do espaço. Tal instabilidade é máxima no caso Pode-se pois afirmar, de forma bastante paradoxal, que a integração
das atividades mineiras: cidades do Altiplano boliviano ou da Chapada regional, fundamentada então no comércio e nos serviços, era mais
Diamantina brasileira. Mas ela é geral, mesmo quando não acarreta forte que hoje, quando os fluxos econômicos são, no entanto, mais
um decréscimo urbano; no Brasil, Salvador, depois Rio de Janeiro e importantes.
posteriormente São Paulo organizaram, sucessivamente, uma porção De fato, essa solidariedade global entre cidade e região era o re-
do espaço em seu próprio benefício; na China, o centro de atividades sultado da fraqueza industrial. A implantação irregular de indústrias
do baixo Yang Tsé deslocou-se de Nanquim para Xangai etc. Estamos determinou uma especialização regional, portadora de heterogeneida-
longe do lento e seguro crescimento da região lionesa. de. O crescimento de grandes cidades com atividades diversificadas,
De um modo geral, o passado econômico dos países subdesenvol- como Xangai, São Paulo ou Casablanca, originou a destruição da
OCIATOANISTAREAS OF
Na verdade, existem dois circuitos de produção e de consumo urbanos.
acentuação da pressão demográfica, ocasionou uma desagregação das O circuito moderno, apoiado na economia internacional que lhe traz
3. J. Chapoulie, Formation et évolution des réseaux urbains dans les pays de P Amérique 5. Chamamos de “solidariedade global” as relações bilaterais estabelecidas entre a
andine, Bordeaux, DES, 1967.
e
cidade e sua zona de influência, esta última não podendo escapar à influência da
132
Etr
4. Kayser, em P. George et al., La Géographie active, op. cit., p. 329. cidade em nenhum tipo de relações.
capital e técnicas, é pouco criador de empregos e grande criador de Ao funcionar apenas como etapa, a cidade é incapaz de desempe-
riquezas, ao menos em aparência, e acha-se quase totalmente desvin- nhar um papel de centro regional autônomo, uma vez que acaba lhe
culado da região. O circuito tradicional, ao contrário, está vinculado escapando a parte essencial do controle das atividades da área que
às inversões endógenas e exerce demanda sobre as produções regio- deveria dominar, em proveito das metrópoles industriais: as capitais
nais: mantém com elas, de forma bem natural, uma certa integração; portuárias da Ásia ou da África, ao drenarem seu interior através de
desenvolve-se em função do crescimento demográfico e do êxodo uma estrada de ferro ou de uma rodovia, meras prolongações terrestres
rural, que renovam uma população conservadora de hábitos de vida das linhas marítimas, muitas vezes nada mais são do que pontos de
(costumes alimentares, vestuário etc.) próximos ao do mundo rural, ruptura de carga.
por ser incapaz de participar completa e frequentemente de um tipo Por outro lado, a industrialização é um fator imediato de inte-
moderno de consumo. gração, desde que sua diversificação e seu grau de tecnologia sejam
c. Características ligadas ao papel funcional da cidade no espaço suficientes para evitar que seja vítima de uma evasão, frequentemente
subdesenvolvido fatal, principalmente quando se trata de indústrias de exportação, que
Adotamos aqui as categorias estabelecidas por Nicole Lacroix e ainda constituem uma porcentagem considerável da atividade secun-
Michel Rochefort, de acordo com a análise realizada pela Orstom dária dos países subdesenvolvidos. Ou, desde então, que se acentue
sobre as relações cidade-campo nos países tropicais*. a importância das indústrias de equipamento que respondam a uma
— Na medida em que a área circundante da cidade é quase exclusi- demanda interior maciça e estável; neste caso, porém, acentua-se o
vamente agrícola, a cidade deve ser considerada, antes de tudo, como problema do financiamento, assim como o da rentabilidade, de vez
um “elemento de penetração da economia moderna e industrial nos que somente uma cadeia de indústrias complementares (setor energé-
meios agrícolas, com predomínio do autoconsumo”. tico, siderurgia, química de base, maquinaria) é capaz de assegurar
Nos países subdesenvolvidos essa penetração apresenta um caráter um preço de custo aceitável e a almejada independência econômica.
particular, resultante do conteúdo das trocas. Fregientemente, a eco- Na falta disso, um início de integração regional reside no fato de que
nomia rural é bissetorial, associando uma atividade tradicional produ- toda grande cidade de país subdesenvolvido constitui um mercado
tora de víveres com produções ditas coloniais, “exportadas em bruto consumidor regular de gêneros alimentícios de primeira necessidade:
dupla função de centro consumidor de víveres e de etapa entre as áreas e se a defasagem entre a oferta e a procura não é grande, a integração
OCGIATOANISTAAAS OIT
produtoras de matérias-primas e as metrópoles industriais, nacionais ou progride. Ao contrário, se as condições do crescimento demográfico
estrangeiras, ou entre estas e o consumo da população regional. urbano e a estagnação econômica rural são tais que se faz necessário re-
correr a produtos importados em grandes quantidades, desencadeia-se
6. M. Rochefort e N. Lacroix, “Intérêt de Pétude des relations entre les villes et les
e
campagnes dans les pays en voie de développement (document préliminaire)”, Bul- 7. M. Vennetier, “La vie agricole urbaine à Pointe-Noire”, Cahiers d'outre-mer, 14
Str
34
letin de Liaison, Sciences Humaines, 1, 1965, 31 p. (Orstom; difusão interna). (53):66-80, janv.-mars 1961.
uma evolução regressiva e a cidade torna-se cada vez mais dependente d. A assimetria das trocas
de fora e cada vez menos capaz de polarizar a região. A modificação dos Nos países subdesenvolvidos, a característica menos discutível das
hábitos alimentares, especialmente nas cidades ex-coloniais da África, relações da cidade com seus arredores é a ausência de organização
onde foi mais visível o “efeito demonstração”, acelera o processo de coerente, tal como concebida no Ocidente. Essa forma de organização
desintegração regional ou, ao menos, o facilita. se encontra tanto nos países novos, sem tradição urbana, quanto nos
— Na medida em que, nos países subdesenvolvidos, o êxodo rural países de urbanização antiga, onde o equilíbrio regional tradicional
alcança dimensões e uma rapidez sem precedentes, as migrações cons- foi destruído. Isso é decorrente da astenia, mas principalmente da
tituem um elemento primordial das relações cidade-região e têm como assimetria das trocas, que determinam “espaços de consumo?” que
características principais o fato de que se dão praticamente em sentido conservam um poder de compra reduzido: daí a dificuldade de toda
único, e isso em uma “bacia urbana” que não coincide necessariamente tentativa de regionalização.
com a área de influência econômica da cidade. Por outro lado, segundo o nível das trocas, os tipos de relações
Esse espaço é geralmente limitado: assim, em Salvador, em 1962, cidade-região são muito diferentes, isto é, se elas se prolongam ou não
75% dos imigrantes eram originários do Recôncavo*; da mesma for- até escalas inferiores à do “centro regional”.
ma, em Saigon, os imigrantes são na maioria refugiados do delta do Por último, as funções urbanas e a extensão da área de influência
Mecong; o mesmo ocorre na planície do Ganges”. Mas os imigrantes variam consideravelmente segundo o nível social dos usuários de
podem também proceder de áreas bem distantes. tais serviços, se bem que fregiientemente se está em presença de dois
— À cidade é consumidora de mão-de-obra, bem como da renda circuitos de coleta e de distribuição.
da terra; mais adiante insistiremos nesse ponto. Nenhuma
medida
precisa parece possível quanto a esse aspecto, mas é necessário que
se evite subestimar sistematicamente esse fator. No que diz respeito à 10.1. GRAU DE INTEGRAÇÃO E Tipos DE RELAÇÕES CIDADE-REGIÃO
arrecadação fiscal, as cifras que possuímos mostram, em todo caso,
que o imposto sobre a renda é proveniente principalmente das grandes A procura de uma divisão regional adequada é uma das maiores
cidades (na Turquia, 60% desse imposto é fornecido por Istambul, preocupações do geógrafo e do planejador. Toda região sendo por
dificuldades das comunicações e pelo custo dos próprios serviços. tível. Assim, uma tipologia apoiada no modelo de função exercida por
cada “metrópole” em relação a cada “região” pressupõe a existência
de um grau de integração que, na realidade, raramente ocorre. Uma
tipologia das relações cidade-região tomará, pois, por critério o grau
8. J. Beaujeu-Garnier, “As Migrações para Salvador”, Boletim Baiano de Geografia,
(7-8), 1961-1962. de integração e não o tipo de função dominante, sendo a integração
:
9. Ph. Hauser, Les Villes et "urbanisation en Asie du Sud-Est, Paris, Unesco, 1956. tanto mais completa quanto mais complexos e diversificados sejam
e
10. M. Rivkin, Area Development for National Growth: The Turkish Precedent, New
os vínculos.
ZE
136
plementaridade entre esses dois organismos, o que consiste em medir a Zonas não completamente polarizadas
porcentagem da atividade urbana dependente, direta ou indiretamente, Algumas cidades bastante grandes, como Salvador, Recife e For-
da atividade da região, distinguindo-a da porcentagem de atividade taleza, no Brasil, exercem um comando incompleto sobre suas áreas
induzida e da porcentagem ligada às trocas com o “estrangeiro”. de influência, face ao que B. Kayser chama de “bacias urbanas”. Por
11. B. Kayser, Séminaire CNRS sur la régionalisation au Brésil, Bordeaux, 1968 (com- 12. A. Auger, Les Centres urbains secondaires au Congo Brazzaville, Brazzaville, Ors-
6€x
138
e
13. M. Santos, “La culture du cacao dans Pétat de Bahia”, Cahiers d'outre-mer, 16
sagem urbana, diz-se, frequentemente, que o mundo rural pode estar
I40
Ib1
(64):360-378, oct.-déc. 1963.
na cidade sem que se possa falar, entretanto, de “ruralização urbana”; coesão espacial [...] Esses laços imprimem no espaço dado uma certa homogenei-
frequentemente, o endividamento aí é geral, e os citadinos subproletários dade, porém não são suficientes para produzir uma região se não são criadores
de uma organização econômica e social.
podem não ser mais integrados no circuito monetário que os rurais mais
Uma região se organiza em torno de um centro [...] A organização, tradução
favorecidos. É um fato, porém, que se torna cada vez mais raro. concreta do fenômeno de regionalização, deve apoiar-se em um ponto, um “pólo”,
Por ocasião de um colóquio sobre regionalização no Brasil!*, M. um “nódulo”, e este é baseado nas atividades terciárias [...]
Rochefort e B. Kayser chegaram a um acordo em relação à importância Uma região só existe como parte integrante de um conjunto. Consequen-
temente, o terceiro grande elemento de definição da região não reside em seu
da atividade induzida das cidades nos países subdesenvolvidos: “Os
interior: provém do exterior ou, de preferência, refere-se aos seus vínculos com
equipamentos (das cidades) podem estar, ao menos atualmente, apenas o exterior. É sua função no conjunto nacional, às vezes no internacional, em uma
a serviço dos habitantes das cidades onde se encontram”; “Estudos economia global. Espaço limitado, a região participa de um espaço mais vasto,
precisos de economia urbana mostrariam, ao que parece, que o dina- [ela] se encontra dominada [...] ao mesmo tempo aberta e integrada.
mismo da cidade é atualmente, no essencial e em uma economia aberta,
o resultado de forças indutivas internas” (o grifo é nosso). Tentemos aplicar esses critérios às cidades dos países subdesen-
É o que ilustra o exemplo de Guadalajara: se Guadalajara vende a volvidos.
outros Estados 73,3% dos têxteis e confecções que fabrica, é dentro da Nas cidades dos países subdesenvolvidos, principalmente nas grandes
própria cidade que ela encontra um mercado para 20,3% de produção, cidades, a organização do espaço habitado, do espaço de circulação,
enquanto o Estado de Jalisco lhe compra apenas 6,4%'!5. Na indústria do espaço funcional e das respectivas articulações está intimamente
de calçados, a situação é parecida. Guadalajara consome 23,9% de sua vinculada às características das populações respectivas. Cada estrato da
própria produção; o Estado de Jalisco, 5,7%; e outros estados, 70,4%. sociedade urbana tem um comportamento próprio, muito específico,
Essa produção se refere apenas aos calçados para homens!s. especificidade que se transcreve no espaço de forma tanto mais clara
É evidente que as características acima enunciadas não são sufi- quanto maiores sejam as diferenças do nível de vida. Voltaremos a esse
cientes para assimilar a noção de região à realidade de certas cidades tema quando estudarmos o espaço interno das cidades.
dos países subdesenvolvidos. As cidades dos países subdesenvolvidos — desde a menor à mais
Segundo B. Kayser'”, uma região apresenta as seguintes caracte- importante — encontram sua definição em relação com os vínculos
OCIATOANASTASNS OIT
de um espaço mais amplo, de dimensões mundiais. Por esta razão lhe
14. Colloques sur la régionalisation au Brésil, Bordeaux, ONRS, 1968. “escapa sempre [...] o poder financeiro e político, isto é, a capacidade
15. M. Santos, op. cit. superior de decisão”, que está “deslocalizada”, como na caracterização
16. Hélêne Rivitre-d'Arc, “Guadalajara, Immigration et Zones d'Influences”, Villes
proposta por B. Kayser para a região.
et régions de PAmérique Latine, cnRs e Institut H. E. de " Amérique Latine, 1968
(Rapport de mission, RCP 147).
e
17. “La région comme objet d'étude de la géographie”, em P. George et al., La Géo-
Ebr
I42
crescimento demográfico”.
Após análise, pode-se chegar facilmente a um acordo sobre o
primeiro ponto: as cidades, inclusive as de grande tamanho, não
exercem sobre sua região influências comparáveis às dos países
desenvolvidos. Por outro lado, é certo que a “civilização urbana”
18. P. Carrêre, citado por B. Kayser em P. George et al., La Géographie active, op. cit.,
ocasiona uma difusão da higiene que não é acompanhada por um
p. 306. decréscimo das taxas de fecundidade. Mas, se o progresso econômi-
e
19. B. Kayser, “La région comme objet d'étude, em P. George et al., La Géograpbie co “não se difunde”, a culpa não cabe às cidades, e sim ao sistema
Str
144
Inversamente, pode-se supor que, nas áreas rurais superpovoadas, no campo superou, há certo tempo, grande parte dos mecanismos que
o êxodo rural ocasiona um alívio da pressão demográfica; mas isso até então podiam ser encontrados, por exemplo, em certos mercados
africanos. Nestes, o citadino comprador de produtos rurais chega pela
e
4. C€, Collin-Delavaud, “La côte nord du Pérou à la recherche d'une metrópole”,
146
br
Orstom, 1968.
Annales de Géographie, (103):304-317, mai-juin 1965 (Paris).
manhã com uma importância em dinheiro, que ele recupera integral- de catálogos, produtos franceses, que recebem diretamente”; 4% da
mente à tarde, depois de haver vendido ao rural produtos da cidade, renda anual da cidade de Kinkala são exportados dessa maneira, sem
sem que fosse possível haver a menor capitalização rural. Geralmente, vantagem nenhuma para o país.
os lucros dos comerciantes de produtos alimentícios não são excessi- Não se pode negar a existência de um certo parasitismo, mas, na
vos; sendo eles, porém, os únicos detentores de dinheiro em espécie, medida em que as trocas cidade-região são deseguilibradas em bene-
desempenham frequentemente o papel de agiota e daí obtêm lucros fício da cidade, é preciso não esquecer que o peso relativo do campo
enormes, como na Ásia'. na economia nacional desses países está em constante diminuição.
Balanços bancários, como o que pôde elaborar Collin-Delavaud Outros fatores que levam a esse aparente “parasitismo” encontram-se
para o norte do Peru”, mostram que os depósitos médios (141 milhões na frequente astenia das relações “cidade-região”, assim como no fato
de soles) são amplamente superiores aos dos empréstimos médios de que certas cidades experimentam um desenvolvimento autônomo,
(96 milhões de soles): por meio de suas sucursais bancárias, a cidade apoiado em capitais estranhos à região.
absorve, em proveito de suas atividades, a poupança rural. Por últi- As cidades são, portanto, menos predadoras do que frequentemente
mo, a exação fiscal contribui para a drenagem da poupança rural; se pensa. Mas será que elas desempenham um papel impulsor?
em um país como a China dos princípios do século xx, ela alcançava
enormes proporções devido às sobretaxas e à prática do recebimento 11.2. Em Que MEDIDA AS CIDADES SÃO OU TÊM CAPACIDADE
antecipado do imposto (em 1933, em Sechuan, eram cobrados os DE TORNAR-SE IMPULSORAS?
impostos de 1971)”.
Principalmente, porém, quando se trata de fundos obtidos das Também neste sentido, numerosas análises conduzem à minimiza-
produções minerais ou agrícolas especulativas, uma determinada ção da influência efetiva da cidade.
porcentagem da produção e da comercialização escapa ao controle ur- No plano financeiro, quando se pensa em grandes inversões, do
bano: “deve ser muito elevada nas regiões de grandes plantações e nos tipo da barragem de Assuã, é evidente que o capital urbano só de-
países pequenos”. As grandes companhias coloniais — a United Fruit sempenha um ínfimo papel. A parte principal das somas necessárias é
na América Central, os plantadores de Hevea no sudeste da Ásia — ex- constituída pelos créditos externos à região e à cidade, o que contribui
portam seus lucros prescindindo das cidades do país. Existem também para acentuar mais fortemente a desintegração regional e, mesmo, às
casos de curto-circuito em sentido inverso, no nível da distribuição: vezes, nacional (o break-off da China, exemplo da repartição em áreas
e
campagnes dans les pays en voije de développement (document préliminaire)”, Bul- 9. A. Auger, Kinkala, centre urbain secondaire et sa vie de relations, Brazzavile, Orstom,
1965, p. 155.
6br
148
10. Cf. M. Santos, “Quelques problêmes des grandes villes dans les pays sous-dévelopés”,
Revue de Géographie de Lyon, 36 (3):197-218, mars 1961 (Lyon); J. Dupuis, Madras
et le nord du Coromandel. Étude des conditions de la vie indienne dans un cadre géo-
graphique, Paris, Adrien Maisonneuve, 1960 (Librairie d Amérique et d'Orient). - 13. €C. Collin-Delavaud, op. cit.
11. Auger, op. cit., p. 157. 14. Ver M. Santos, “Lalimentation des populations urbaines des pays sous-développés”,
e
12. T. G. McGee, “Croissance et caractéristiques des grandes villes du Sud-Est asiatique: Tiers-Monde, 8 (31):605-629, jul.-set.1967 (pur).
ISO
TSI
Foyers d'un nouveau culte”, Tiers- Monde, 8 (31):567-604, juil. 1967. 15. R. Dumont, “Chine surpeuplé”, Tiers-Monde Affamé, Paris, Le Seuil, 1966, 314 p.
também, desde muito tempo, em Bangalore, no sul da Índia!*, assim A população chegada à cidade faz crescer o volume de rendas e
como nas cidades nigerianas, onde são os habitantes da cidade que o nível da produtividade urbana. Os rurais recém-transformados em
trabalham a terra, segundo um sistema singular de trabalho temporá- urbanos aumentam a monetarização do mundo agrícola, graças à ga-
rio”, aí, as culturas alimentares estão associadas à cultura do cacau; rantia de um mercado em expansão e à perspectiva de uma evolução
em um raio de 40 km em torno de Ibadã, existem trezentos povoados técnica; dupla perspectiva que se abre sobre um aumento dos volumes
em que agricultores residem cerca de cinco dias, vindo passar o fim comercializados e dos preços.
de semana na cidade, que é a sede dos deuses tradicionais e dos cultos Pode, assim, ocorrer crescimento urbano e crescimento da economia
cristão e muçulmano; é no povoado que se nasce e se vive, mas é na rural, se o desenvolvimento das culturas alimentares obriga a cidade
cidade que se celebram as festas e se é enterrado. a mudar, a realizar um processo de criação. Se ela apenas se limita a
Por isso, em determinadas condições, pode desenvolver-se um co- drenar os capitais do campo, acaba por decrescer, porque as pessoas
meço de processo cumulativo que integra mais estreitamente cidade irão comprar em outra parte.
e região. A expansão das culturas alimentares é também causa de cria-
À economia urbana cresce à medida que as culturas alimentares ção de cidades, ao passo que esse fenômeno é impossível com as
se desenvolvem, enquanto, por seu turno, as melhoras da economia culturas comerciais. O algodão, por exemplo, é recolhido e trans-
urbana beneficiam a economia agrícola. Nota-se uma tendência à portado diretamente ao porto, com destino à exportação. Por sua
melhoria da produtividade, graças ao uso de melhores fertilizantes vez, os produtos alimentares cultivados por pequenos agricultores
e de melhores sementes. Além do mais, o crescimento urbano, assim provocam a criação de muitas atividades. Na verdade, os pequenos
produzido, tende a drenar agricultores para a cidade e a reduzir, por- agricultores raramente possuem meios de transporte e geralmente
tanto, o número de pessoas no campo. Desse modo, há condições para não têm capacidade de servir-se dos meios modernos, por serem os
que o lucro seja distribuído entre menor número de pessoas. caminhões demasiado grandes. Produz-se, pois, automaticamente,
Ao mesmo tempo que o nível de vida pode elevar-se no campo, a criação de “cidades-entreposto”. Trata-se de cidades não muito
seguido de uma elasticidade maior na demanda de serviços e produtos grandes, como Santa Fé, perto de Buenos Aires. Zaida Falcón de
manufaturados, os rurais enviados à cidade entram mais facilmente no Gyves nos proporciona, em seu estudo sobre a cidade de Chilpancin-
circuito produtivo, e a própria cidade tem de aumentar sua produção, go!8, exemplos de “cidades-entreposto” no México: Tixtla, situada
já que deve fazer frente às necessidades de duas camadas de população: a 12 km de Chilpancingo (capital de Guerrero), que recebe a maior
classe de novos citadinos, quase totalmente integrados ao circuito da Esse quadro de um crescimento harmônico pode parecer idílico e
economia monetária. irrealista. Múltiplos obstáculos se opõem, em todos os níveis, a esse
tipo de desenvolvimento. Não é menos verdade, porém, que apenas a
conservação e modernização das culturas alimentares permitem, em
16. K.N. Venkatarayappa, Bangalore (A Socio-ecological Study), Bombay, University
of Bombay, 1957 (Sociology Series, 6).
e
17. R. A. Akinola, “The Ibadan Region”, Nigerian Geographical Journal, 6 (2):102- 18. Z. Falcón de Gyves, Chilpancingo, Ciudad en Crecimiento, Ciudad de México,
ES
IS2
e
apenas uma evolução progressiva do equilíbrio do emprego e do
154
SS
I2
INTRODUÇÃO
ZS1 e
1. Pierre George, Précis de géographie urbaine, Paris, Pur, 1964, p. 280.
tais condições nos países subdesenvolvidos? Em caso negativo, será B. Kayser? afirma que a formação das redes urbanas nos países
possível encontrar um ou vários tipos de organização daquilo que se subdesenvolvidos enfrenta sérios obstáculos, “um dos quais refe-
pode chamar de complexo urbano ou sistema urbano, para distingui-lo rente à própria estrutura da economia: os fluxos recaindo apenas
da noção de rede elaborada, segundo a análise da organização urbana sobre a coleta de produtos brutos e a distribuição de alguns tipos de
dos países industriais? produtos acabados, a vida urbana dos centros subordinados repousa
É preciso reconhecer que, até o presente, entre os inúmeros estudos sobre um comércio elementar”. Esses fluxos são, ao mesmo tempo,
regionais, muito poucos se dedicaram a analisar de perto os sistemas pouco complexos e pouco intensos, principalmente nas regiões onde
urbanos em meio subdesenvolvido. a penetração da economia monetária é fraca. Daí a formação de redes
Às considerações que se seguem serão, pois, mais de ordem metodo- rudimentares, geralmente animadas por correntes comerciais intermi-
lógica que descritiva; a questão essencial continuará sendo a de saber tentes, em virtude das más condições naturais (estação das chuvas),
se os tipos, a gênese, a evolução e, principalmente, o funcionamento mas principalmente em virtude de uma produção regional muito pouco
da organização urbana obedecem ou não a esquemas análogos aos diversificada, que não permite uma atividade contínua.
dos países desenvolvidos. Entretanto, essas regras gerais sofrem várias exceções: pense-se na
complexa rede ferroviária da Índia ou no sistema de vias férreas em
forma de estrela que irradiam de Buenos Aires, ou, ainda, na densa
12.1. Traços GERAIS DA ORGANIZAÇÃO URBANA NOS trama rodoviária que tem como centro São Paulo.
Países SUBDESENVOLVIDOS b. “Redes” heterogêneas
Na escala de um grande país ou de um continente, as “redes ur-
Uma visão geral da questão permite distinguir algumas caracterís- banas” encontram-se mal ligadas entre si. Entre zonas de densidades
ticas evidentes, devidas ao próprio subdesenvolvimento, na medida elevadas, aparecem “desertos urbanos” que nem sempre correspondem
em que este se caracteriza pela debilidade e, principalmente, pela às zonas menos densamente povoadas.
fraca complexidade das relações de troca, assim como pelas fortes Outro obstáculo à formação de redes urbanas, apontado por B.
disparidades regionais. Kayser, consiste no “desenvolvimento de meios de transportes rápidos
e frequentes, dentro de um espaço ainda desorganizado”. A revolução
de peixe ocorrem com fregiiência, enquanto as transversais são bas- organização do sistema urbano. P. Camarata? assinala que, na África
tante raras, como é o caso, por exemplo, da África tropical. A essa tropical, a economia comercial transforma-se no sentido de uma
simplicidade de traçado responde uma fraca densidade da “rede” de maior concentração, de uma rentabilidade aumentada, que acarreta
cidades, relacionada seja com o “subpovoamento” do país, seja com “a supressão de certo número de pontos intermediários, que fazem
a sua “suburbanização”; a distância entre os centros urbanos é, ao
mesmo tempo, sinal e causa da fraqueza das trocas.
+
e
2. EmP. George et alii, La Géographie active, Paris, pur, 1964, p. 329.
IS8
6%
3. P. Camarata, Les Réseaux urbains en Afrique Occidentale, Toulouse, DES, 1967.
com que a cidade perca grande parte de sua influência onde tais pontos Finalmente, a fragilidade da organização das “redes urbanas”, assim
se localizavam”. À distribuição também se concentra, por exemplo, como as tensões aí reinantes, tem por origem a defasagem entre a ace-
com “o surgimento da categoria dos caminhoneiros-comerciantes, leração da transformação das estruturas do transporte e do consumo e
com base em Dacar, que vendem seus produtos diretamente no vale o atraso na transformação das estruturas econômicas e sociais.
do Senegal”. Poder-se-ia talvez modificar um pouco a opinião de B.
Kayser. O aparecimento dos transportes rápidos e de massa nunca se
produz em um espaço desorganizado, mas em um espaço organizado de 12.2. A HrgrARQUIA URBANA: GÊNESE E LIMITES
forma diferente, no quadro de uma economia tradicional, dependente
e, por isso mesmo, vulnerável. Algumas teorias, como a de Christalleré — elaborada na Alemanha
c. “Redes” vulneráveis e utilizada também em outras partes —, dedicaram-se principalmente
É próprio das “redes” urbanas nos países subdesenvolvidos estarem a sistematizar a análise das relações entre as diferentes aglomerações
atualmente submetidas a uma sucessão de mutações muito rápidas, que da rede urbana e apresentaram a imagem de relações simples de su-
as fazem muito vulneráveis. Pareceu-nos, entretanto, possível distinguir bordinação sucessiva, imagem muito militar... expressa por organo-
dois estágios, duas idades de organização, o primeiro correspondendo gramas em forma de sistema planetário, associando, em relações de
a uma situação de tipo tradicional, e o segundo a uma situação pro- dependência hierárquica, astros, planetas e satélites.
priamente subdesenvolvida, segundo a definição de Y. Lacoste*. Demasiado rígida e simplista, essa noção de hierarquia precisa ser
Aparentemente, não existe coexistência entre esses dois tipos matizada, especialmente no que diz respeito aos países subdesenvol-
de organização, mas sim desorganização de um em benefício do vidos, ainda que alguns dentre eles tenham conhecido, no passado,
outro. Basta o aparecimento de uma nova rodovia para desarranjar uma organização hierárquica comparável e mesmo, às vezes, superior
completamente a organização do comércio, por causa da grande à dos países industrializados no que se refere ao conceito de harmonia
debilidade do equipamento em conjunto; a rodovia Panamericana e hierárquica (Egito, China).
a rodovia Norte-Sul brasileira desempenharam esse papel na América a. Gênese da hierarquia
Latina; uma vez mais, convém analisar em detalhe esses fenômenos Como nos países industriais, um fator de complexidade reside na
de captura, de curto-circuito: em certos casos, a organização tra- revolução dos transportes.
desencravar regiões pouco acessíveis no que respeita ao transporte terrestre e fluviomarítima), a hierarquia era rígida e estritamente
das pessoas, porém ainda não modificou de forma sensível os fluxos ligada às condições naturais. A revolução dos transportes facilitou a
econômicos”. superação desses obstáculos e, segundo os casos, reafirmou as fun-
ções anteriores das antigas cidades ou desmantelou a antiga “rede”,
transformando completamente a hierarquia. Porém nos países subde-
4. Y. Lacoste, “Perspectives de la géographie active en pays sous-développé”, em P.
George, et alii, La Géographie active, op. cit.
5. J Chapoulie, Formation et évolution des réseaux urbains dans les pays de P Amérique
e
160
I9I
andine, Toulouse, DES, 1967. 6. W. Christaller, Die zentralen Orte in Siiddeutschland, Jena, G. Fischer, 1933.
senvolvidos a revolução dos transportes foi importada do estrangeiro b. Aspectos da hierarquia
e realizou-se em benefício do imperialismo econômico dos países J. Chapoulie” (44) distinguiu centros de diferentes níveis na Amé-
industrializados, de forma que foi geral o desmantelamento, junto rica andina:
com o paulatino deslizamento das cabeças de “redes” do interior até — centros locais dotados de mercados semanais, possuidores de
a costa (caso da China, evocado anteriormente, mas também da Índia, um equipamento escolar e sanitário básico e de armazéns de abaste-
do Oriente Médio etc.). cimento para a região circunvizinha, às vezes dotados de eletricidade,
Um movimento posterior, também de caráter geral, tendente a rea- sendo com frequência centros de um território agrícola ou pontos de
bilitar as antigas capitais políticas e a reanimar a economia nacional, ruptura de carga entre uma rede de estradas e um meio moderno de
ocasionou uma nova modificação da hierarquia. Porém essa transfor- comunicação (como Pirampiro, no Equador, ponto final de um ramal
mação de natureza política só é decisiva nos países que verdadeiramen- da rodovia Panamericana e centro de um vale de montanha);
te conseguiram desencadear um processo de desenvolvimento nacional — centros sub-regionais, de dez mil a vinte mil habitantes, de fun-
autônomo, sacudindo assim, de certo modo, a tutela estrangeira. Na ção administrativa desenvolvida (Sicuani, perto de Cuzco), porém
maioria dos casos, a hierarquia urbana continua flutuante, instável, e desprovidos de irradiação econômica;
reflete, até certo ponto, a luta entre a economia nacional e o domínio — centros regionais de vinte mil a oitenta mil habitantes, de função
econômico estrangeiro. administrativa muito desenvolvida, verdadeiros centros de descon-
Nas zonas onde a urbanização é contemporânea ao desenvolvi- gestão da capital, providos de pequenas empresas industriais, mas
mento dos transportes mecânicos, a estrutura atual da “rede” urbana que não chegam a polarizar verdadeiramente seu espaço (o porto das
depende em grau muito maior das condições em que surgiu: nesses Esmeraldas, no norte do Equador);
casos, a hierarquia é mais propriamente colonial, tanto mais que o — metrópoles regionais (Cuzco, Trujillo, as grandes cidades colom-
domínio econômico é acompanhado de um domínio político que fixou, bianas etc.), sempre distantes da capital, possuidoras de um forte setor
no essencial, o aspecto da administração desses países e, consequente- terciário, cuja promoção, porém, realizou-se graças à indústria (assim,
mente, a implantação geográfica dos serviços. Uma “rede” desse tipo, como assinala Collin-Delavaud*, Trujillo superou suas rivais Chiclayo
que responde a objetivos estratégicos e especulativos, pode ser, ainda e Piura graças à concentração industrial que aí ocorre);
desde sempre do exterior, e a tal ponto que a introdução dos meios — Tal hierarquia realmente existe? Não se produzirão aí fenômenos
mecânicos marcou, sem dúvida alguma, menos uma captura que uma de curto-circuito em detrimento de certas categorias? Relaciona-se com
brusca ampliação da evolução anterior. Nesse caso, os fenômenos todas as classes de população?
característicos consistem em capturas facilitadas pelo recente desenvol-
vimento da rede viária e da aviação, paralelamente a novas tentativas
de integração das economias nacionais ou mesmo continentais. 7. J. Chapoulie, op. cit.
*
8. €. Collin-Delavaud, “La côte nord du Pérou à la recherche d'une metrópole”,
162
£gr
— Qual é a importância real de cada nível de cidades? Existe real- A macrocefalia tende a acentuar-se devido à lei dos grandes núme-
mente uma hierarquia ou, ao contrário, existirá um hiato que separa ros e porque, “sendo a taxa de crescimento natural quase a mesma,
metrópoles muito povoadas e ativas de centros regionais desprovidos qualquer que seja o tamanho da cidade, quanto mais povoado é um
de vida econômica real? centro mais atrai para si Os imigrantes de sua região”HM,
Porém, nos países onde a porcentagem de população urbana é
ainda fraca, também não é desconhecido o fenômeno da macrocefalia,
12.3. Crítica DA Noção DE REDES HiERARQUIZADAS como ocorre na Índia, já que são os aspectos econômicos do fenôme-
no aqueles verdadeiramente determinantes. As cidades macrocéfalas
a. A macrocefalia caracterizam-se por uma concentração — mais que proporcional ao
A macrocefalia é uma noção relativa que faz aparecer a importância total de sua população — das categorias sociais de alto poder aquisitivo,
demográfica e, sobretudo, a importância econômica de uma cidade em assim como do equipamento e da atividade econômica.
relação à de outras cidade e à do conjunto do país. Entre os exemplos No que diz respeito ao nível de rendas e ao nível de consumo, uma
mais típicos estão os de Lima-Callao, no Peru, e Bangkoc, na Tailândia. cidade como Lima, que só tem 20% da população do Peru, abriga 50%
Nesses países, que têm mais de dez milhões de habitantes, as capitais dos assalariados e quadros médios do país e responde por 54% do
são milionárias, mas nenhuma cidade de província ultrapassa muito os montante global do imposto sobre a renda, além de possuir 62% dos
cem mil habitantes. Estritamente, o termo deveria ser aplicado apenas automóveis em circulação. Em Lomé (Togo), cidade dez vezes menos
aos casos de redes monocéfalas, mesmo quando possam ocorrer casos povoada, as proporções são comparáveis. Em Bangkoc, cidade que
mais complexos (bicefalismo no Equador, por exemplo). reúne apenas 8% da população da Tailândia, concentram-se 78% dos
As cidades macrocéfalas representam geralmente uma porcentagem graduados universitários do país, 64% dos médicos, 75% dos dentistas
elevada da população nacional, especialmente nos países subpovoados etc. Vale salientar que um dos melhores indicadores da concentração
e muito urbanizados da América Latina, onde o aspecto demográfico de uma população com alto poder aquisitivo é a porcentagem de au-
da macrocefalia é bastante nítido: Caracas, Lima e Santiago represen- tomóveis; assim, quatro quintos dos veículos do Marrocos circulam
tam, respectivamente, 20%, 20% e 25% da população total de seus nas grandes cidades costeiras do noroeste.
e
10. T. G. McGee, “Croissance et caractéristiques des grandes villes du Sud-Est asiatique: 12. T. G. McGee, op. cit., p. 582.
164
Sgr
foyers du noveau culte”, Tiers-Monde, 8 (31):567-604, juil. 1967. 13, O. Dollfus, Le Pérou, Paris, pur, 1969.
do norte as porcentagens correspondentes eram 16 e 23%; no resto do transporta 85% das mercadorias através de 34% do total das vias
país, 70 e 22%. férreas do país.
A macrocefalia industrial é ainda muito mais clara em Lima (80% Tivemos ocasião de afirmar que a macrocefalia resultava da realiza-
da cifra dos negócios industriais, excluídas as indústrias mineiras e ção de um processo cumulativo. Por que atinge, porém, determinadas
açucareiras); em Caracas, região central da Venezuela (75%); em cidades e não outras, mais ou menos próximas?
Casablanca (60%) etc. Durante o período colonial, a administração centralizada e a con-
Longe de estar em regressão, o fenômeno tende a acentuar-se, de- centração do comércio de exportação-importação fizeram da capital
vido à presença de uma força de trabalho continuamente aumentada: o único organismo urbano dotado de serviços; porém a economia
em 1960, San Juan de Porto Rico agrupava 75% dos empregos indus- internacional continua determinando sozinha a evolução da cidade, a
triais criados na década precedente; em Istambul!“ a proporção era de tal ponto que a rede interior de transportes é quase inexistente. Como
51%; quanto maiores são os índices de rentabilidade das inversões a população circula mais facilmente que as mercadorias, a capital
industriais, tanto mais o fenômeno se desenvolve de forma cumulativa. conhece um rápido crescimento demográfico.
B. Kamianf estimou que as grandes cidades hipertrofiadas absorviam No momento do desenvolvimento dos meios de transportes moder-
entre 50 e 80% das inversões nacionais. nos e do início do processo industrial, a capital, ou seja, a “macrocida-
Além do mais, esses investimentos contribuem para reforçar, ao de”, pode conservar seu papel de cabeça nacional se sua importância
mesmo tempo, a capacidade de recepção e o poder de atração da “macro- demográfica e econômica no começo do período é suficiente; porém
cidade”. Em Atenas, onde se concentra uma alta proporção das rendas as oportunidades de acumulação multiplicadora são ainda maiores
imobiliárias do país, efetuam-se 53,6% das transações imobiliárias (em se a metrópole industrial é também uma metrópole política: o poder
valor) e concentram-se 45% das novas residências!*. político da economia, a força política das elites, das classes médias
Finalmente, no que diz respeito aos fluxos de trocas — que são o e, parcialmente, das massas monopoliza os recursos públicos e priva-
melhor indicador para a análise das “redes” urbanas -, as proporções dos em detrimento do resto do país: o desequilíbrio que se instaura é
são da mesma ordem: Lima centraliza 75% do comércio peruano; igualmente cumulativo.
San Salvador (América Central), 77,4% dos lucros comerciais”; b. Redes urbanas, bacias urbanas, dispersão urbana
+
centrale)”, Geográfica, (66):33-59, 1964 (Instituto Pan-americano de Geografia e Orstom, 1966; M. Vennetier, “La vie agricole urbaine à Pointe-Noire”, Cahiers
Z9I1
166
validade da noção de rede hierarquizada nos países subdesenvolvidos, de integração regional, na medida em que dispõe de capitais locais.
dentre os quais podem-se enfatizar os seguintes: Geograficamente falando, em relação aos outros organismos da cons-
A fraqueza da infra-estrutura comercial e financeira é de tal ordem, telação urbana a pequena cidade goza, pois, de uma autonomia funcional
mais considerável que a grande cidade, “um poder criador auto-susten-
tado e autônomo”. Na grande cidade, o setor tradicional — que mantém
20. A. Schwartz, op. cit. estruturas do tipo de “pequena cidade” — tem esse mesmo poder.
21. €. Collin-Delavaud, op. cit. Assim, em um mesmo espaço defrontam-se influências de alcance e
e
22. M, Arnaud, “Urbanisme et technique de création du milieu physique et humain”, em
intensidade diferentes, de natureza quase distinta. É, pois, impossível
168
6gr
e inútil tentar determinar um espaço que dependa completamente de maioria dos casos, mesmo que o seu poder de compra se eleve, elas
uma dada cidade. não podem chegar a esse mundo diferente.
Por outro lado, pelo fato de que cada cidade funciona como se O acesso a uma hierarquia de serviços seria um luxo reservado
também pertencesse aos escalões inferiores da hierarquia urbana aos ricos: daí a debilidade das redes urbanas nos países subdesenvol-
(existem várias cidades na cidade), a concorrência entre os centros vidos. Mas, esta é uma afirmação que deve ser verificada mediante
urbanos manifesta-se em todos os níveis: em seu funcionamento, a monografias detalhadas.
“rede” não seria resultante de um equilíbrio entre organismos urbanos
considerados como células autônomas que se contrapõem, como se
tendia a acreditar?. 12.4. MopDELOS DE ELABORAÇÃO E ENSAIO DE
Existem, pois, segundo a categoria socioeconômica da população TiroLOGIA DAS “REDES URBANAS”
urbana que se considera, “redes urbanas” muito diferentes, tanto mais
distintas quanto mais estratificada esteja a estrutura social da cidade: na Depois de haver analisado um grande número de características
grande cidade, a classe privilegiada corresponde ao escalão de uma rede das redes urbanas, é necessário teorizar um pouco para apreciar, em
que, em escala superior, vincula-se à rede mundial das cidades dos países seu real valor, os fatores que intervêm na sua formação”. Certos me-
industriais, mas da qual as classes populares ficam praticamente excluídas. canismos de interação foram revelados através de estudos empíricos de
Na pequena cidade, a população urbana e regional pobre encontra a parte geógrafos ou de economistas e, apesar da extrema variedade de casos,
essencial dos serviços de que necessita, devido à sua facies econômica e parece possível falar-se de “modelos”, isto é, de comportamento stan-
cultural (consumo, festas tradicionais etc.); ela os encontraria também na dard dos diferentes fatores presentes. Na medida do possível, é preciso
cidade grande, mas não teria acesso a outros de categoria superior, em tentar distinguir os fatores principais que determinam a formação e
virtude de seu fraco poder de compra; ao contrário, o grande proprietário a transformação das redes, os fatores secundários que determinam as
rural absenteísta, que toma o avião para ir à capital, praticamente não variantes, os “submodelos” no interior dos modelos.
encontra na pequena cidade nenhum dos serviços de que necessita. a. Os fatores principais e sua combinação
É preciso concluir que, para as massas pobres, não existe rede Três elementos de base constituem a própria substância da orga-
urbana, ou mesmo que ela não existe em nenhuma circunstância (à nização das redes: as massas, os fluxos e o tempo.
que existe uma rede urbana imaginária, corolário do efeito demonstra- equipamento, especialmente do equipamento em transportes.
ção, que leva as pessoas a se dirigirem para a cidade, onde acreditam Os fluxos: “O poder não pertence aos organismos que possuem as
poder alcançar um nível superior de serviços; na verdade, na grande massas e sim aos que dirigem os fluxos”. Por natureza, as “redes urba-
23. M. Santos, “Une nouvelle dimension dans Pétude des réseaux urbains dans les 24. M. Santos, “Les modeles d'élaboration des réseaux urbains das les pays sous-
e
e
pays sous-développés”, Annales de géographie, 79 (434):425-445, juil.-aoút 1970 développés”, Bulletin de la Société de Géographie de Liege, 4 (4):11-21, déc. 1968
170
IZI
(Paris). (Liêge).
nas” são a expressão dos fluxos de população, das produções agrícolas Pode-se adiantar a seguinte definição provisória: uma rede urbana
e industriais e dos fluxos monetários de informação e de ordens. Em é o “resultado de um equilíbrio instável de massas e de fluxos, cujas
particular, a população é não somente uma massa mas principalmente tendências à concentração e à dispersão, variando no tempo, propor-
um fator gerador de fluxos, fato que convém ser ressaltado. cionam as diferentes formas de organização e de domínio do espaço
O tempo: é uma noção fundamental em geografia, que pondera pelas aglomerações”.
os dois outros critérios; fundamentalmente explica os fenômenos de b. Os fatores secundários da constituição das “redes”
disparidade e faz sentir-se no domínio do equipamento, pelo grau Recordemos rapidamente alguns desses fatores.
de arcaísmo da infra-estrutura agrícola, industrial, dos transportes e O tamanho do país desempenha um papel importante, na medida
dos serviços, segundo as regiões, assim como pelo nível cultural da em que as trocas se estabelecem geralmente no quadro nacional (ver as
população, encarado em sentido amplo. dificuldades de criação de mercados comuns nos países subdesenvol-
As disparidades originam-se principalmente pela defasagem entre vidos, herança das divisões coloniais). Desse modo as redes têm mais
a rápida evolução dos setores de transportes e comunicações (e do oportunidade de ser heterogêneas em um país mais vasto, ocorrendo
consumo) e a evolução mais lenta do conjunto das estruturas econô- o contrário em uma área politicamente muito fragmentada, pois ela
micas e sociais. Somente a industrialização é capaz de preencher esse geralmente não oferece oportunidade para a constituição de “redes”
fosso, já que opera sobre o conjunto dos fatores anteriormente enu- viáveis (América Central ou Togo-Daomé, por exemplo).
merados. À natureza e o grau de industrialização são os responsáveis A idade da colonização e do equipamento primitivo: os países cujo
pelo tipo de rede. equipamento foi anterior à era industrial tiveram tempo de constituir
Essa evolução imprime-se no espaço por uma luta dialética entre “redes”, modificadas segundo o ritmo das sucessivas revoluções dos
tendências à concentração e tendências à dispersão. transportes, o que ocasiona disparidades e interferências. Os que
A distância — que é física, mas sobretudo virtual, medida pelo tem- foram colonizados ou equipados posteriormente formaram uma rede
po gasto no percurso ou pelo custo do percurso — pode ter um efeito moderna, mais simples, porém geralmente concebida com um espírito
positivo, tornando possível a instalação de uma atividade rentável em especulativo e estratégico: daí as grandes dificuldades surgidas quando
uma aglomeração distanciada. Mas essa distância virtual, esse espaço- se tenta adaptá-la em benefício da economia nacional.
tempo ou este espaço-preço, tem uma natureza essencialmente instável:
correntes econômicas.
Face às transformações técnicas, uma ou outra cidade pode ser Uma rede pode apresentar maior ou menor homogeneidade em
mais ou menos capaz de adaptar-se, segundo concentre uma série mais decorrência da prática do sistema, isto é, se ele é dirigista ou se, ao
ou menos completa de funções; a configuração da rede modifica-se, contrário, adota o laissez-faire, pois todo sistema dirigista tende a
principalmente se todos os fatores de massa são atingidos. Segundo planificar a distribuição geográfica da riqueza.
o espaço de tempo deixado para a adaptação de outros centros mais Uma política comercial, protecionista ou não, influi enormemente
bem situados, uma cidade será ou não capaz de adaptar-se, de reagir na estrutura das redes urbanas. Já assinalamos, em outro lugar, que
e
e de compensar a perda de uma parte de suas atividades. uma rede urbana em um país protecionista mostrava tendência a
172
€z1
reequilibrar-se em benefício das cidades do interior; uma rede é tanto de cada conjunto no quadro nacional: Dacar domina uma “rede”
mais sólida quanto mais o seu funcionamento depende das condições multinacional que compreende o Senegal, Mali e Mauritânia, porém a
criadas pelo país e para ele próprio. autoridade de Dacar só é incontestável na parte senegalesa da “rede”.
Os tipos de atividade econômica: basta recordar o papel da indus- “É válido pensar que tal situação resulta do processo de formação: a
trialização na fixação da rede urbana para verificar como é grande a rede de relações constituiu-se em torno de um eixo de comunicações
sua importância, ao passo que as atividades puramente especulativas preexistente e, à medida que se desenvolvia, tornou-se demasiadamente
(mineração, plantações) originam uma organização efêmera do espaço. ampla para manter sua autoridade.”
De fato, quanto mais uma economia é complexa e diversificada, tanto O segundo tipo é o de Abidjã: “A rede de Abidjã sofreu uma
mais estável tende a ser a rede urbana. evolução inversa, em virtude da época em que se constituiu: não foi
Por fim, as estruturas sociais funcionam como determinantes dentro a ferrovia que provocou a organização regional, mas sim esta que, à
dos limites acima fixados. Em resumo, pode-se afirmar que os fatores medida que se elaborava, provocou o desenvolvimento da ferrovia”;
econômicos e sociais são os que dirigem a disposição das redes e lhes essa “rede” multinacional (Costa do Marfim, Alto Volta) encontra-se
conferem seus aspectos específicos. muito melhor integrada.
c. Em busca de uma tipologia das redes Os dois outros tipos de redes são as de Cotonou e Conacri: a primeira
Não existem duas formas semelhantes de organização de células urbanas apresenta um tipo multinacional mal integrado e a segunda um tipo
em um mesmo país. A própria terminologia é imprecisa, já que emprega puramente nacional, em consequência da natureza física e da escolha
com freguência dois termos indiscriminadamente: sistema urbano e rede. política do país.
O primeiro não pode ser aplicado a um país nem o outro a uma região, de Na América Latina, J. Chapoulie”* estudou “redes” muito mais
vez que, no caso de um país pequeno, o sistema limita-se frequentemente antigas que as da África, segundo o meio geográfico em que se im-
a uma só rede; quanto à própria noção de rede hierarquizada, já foi visto plantaram e a escala em que se considera o fenômeno:
que deveria ser empregada de forma bem mais limitativa. — “Redes” das regiões costeiras: portos que mantêm relações de
Para estabelecer uma tentativa de tipologia, convém apoiar-se nos tipo colonial com seu hinterland, se o porto é a cidade mais importante
critérios precedentemente especificados: época e condições técnicas de for- do país, e que concentram a totalidade do desenvolvimento industrial
Sz1e
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e
27. B. E Hoselitz, Sociological Aspects of Economic Growth, Glencoe, NY, The Free générale de Parmature urbaine française”, Annales de géographie, (406):660-677,
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especialização regional no que toca às indústrias: nas cidades de um Por outro lado, parece muito mais fácil intervir, porque a juventude
mesmo escalão, a tendência é para o aparecimento dos mesmos tipos e a fraqueza das estruturas lhes dão certa flexibilidade. É por isso que,
de fabricação, exceção feita às que se dedicam à preparação de ma-
MANUAL DE GEOGRAFIA URBANA
e
Geográfica Internacional, Ciudad de México, 3-8 de agosto de 1966 (também em: 34. Conferência na Universidade da Bahia, 1963.
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Annales de géographie, 1966). 35, €. Collin-Delavaud, op. cit.
O problema estaria, então, no reconhecimento da forma como tais Em segundo lugar, a capacidade potencial ou real dos serviços
modificações podem realizar-se e na verificação dos meios a utilizar de uma dada cidade admite diferentes possibilidades de consumo.
para poder intervir em um determinado sentido. É preciso pensar na capacidade de distribuição representada pela
Em cada região, entretanto, o estudo da questão suscitará para rede de transportes e sua frequentação e na capacidade de absorção
o pesquisador problemas metodológicos particulares. Mas existem representada pela estrutura econômica e social resultante da ativida-
também os de ordem geral, três dos quais parecem-nos particular- de regional. Na realidade, pode-se falar de uma taxa de fluidez dos
mente complexos: serviços, diferentes segundo as condições. Essa taxa nem sempre é a
— À hierarquia urbana é medida geralmente segundo a importância mesma; além do mais, a tendência é para uma diferenciação das taxas
dos serviços presentes nas diversas aglomerações. entre uma região e outra. Esquematizando bastante, pode-se dizer que
— Como conseqgiiência da aplicação desse método, surge a tendência capitais regionais que tenham recebido impulsos diferentes podem
de generalizar comparações entre o que se passa nos diversos “subes- transmitir influências iguais, ao passo que outras com impulsos iguais
paços” e respectivos núcleos. podem influir de forma diferente sobre as respectivas regiões.
— O método é geralmente aplicado aos países considerados sob um Porém a força regional (que é o que nos interessa, em última ins-
ponto de vista global. tância) não é o resultado apenas da presença de serviços frequente-
O primeiro problema diz respeito à definição e à medida da hie- mente induzidos por interesses distantes; ela é o resultado de fatores
rarquia urbana: esta é fundamentada nos serviços de base, nos dados intra-regionais, como sejam as relações entre atividades urbanas e
qualitativos e quantitativos — se bem que os primeiros sejam quase população urbana, o conteúdo da região, ou seja, a população global
sempre reduzidos a quantidades. Os graus de hierarquia decorrerão, e ativa, as atividades econômicas, a origem e a distribuição da renda,
pois, da presença, em certas aglomerações, e da ausência, em outras, a fração local da estrutura econômica e social, a rede de transportes
de certos tipos de serviços em quantidades diferentes. e sua frequentação regional.
Isto supõe, ao menos, dois pontos de partida, cuja validade é preciso Isso nos permite abordar o segundo problema: a divisão do espaço
discutir. Em primeiro lugar, os serviços e atividades presentes na cidade nacional — e, no interior deste, a divisão em sub-regiões urbanas do
nem sempre resultam da dinâmica própria à vida regional em suas rela- espaço correspondente a cada capital regional - conduz geralmente
reparação de veículos, que se assemelham, às vezes, às atividades motrizes. são também claramente diferentes. Nos países subdesenvolvidos, as
Se estamos em presença de uma cidade cuja função de coleta é agravada regiões urbanas sujeitas à influência de uma mesma metrópole regional
pela incapacidade de consumo de sua região, o resultado é uma espécie são diversas. Naturalmente existem exceções, porém são as cidades
de consumo em circuito fechado, reservado aos habitantes da cidade (na mais bem equipadas que geralmente presidem às áreas menores; ao
verdade, apenas a uma parte da população urbana). À presença de serviços contrário, as cidades menos bem servidas presidem vastas regiões,
e atividades não se relaciona com os dados da economia regional, se bem quase sempre mais pobres que as regiões anteriormente consideradas.
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que esta possa, em consegiiência, exercer certa influência. É claro que uma hierarquia fundada na aplicação de tal critério é
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viciada na base. Ainda que nos permita perceber ordens de grandeza, Dollfus*” a propósito de Lima, está longe de ser demonstrado que a
não nos oferece realmente utilidade prática ou teórica. distribuição da população Limenha em duas ou três aglomerações de
Tudo isso se prende diretamente ao terceiro problema: a aplicação dos quinhentos mil a setecentos mil habitantes seria, da forma como ocorre
mesmos métodos, com os mesmos critérios numéricos, a um país inteiro. em Lima, um elemento motor do país. À propósito de Trujillo (Peru
A solução parece ainda mais perigosa para os países extensos. Nos países setentrional costeiro), Collin-Delavaud? assinala igualmente que não
desenvolvidos o método poderia, em última instância, ser aceitável, mas se pode acusar de crescimento excessivo uma aglomeração de 100 mil
nos países subdesenvolvidos, onde as disparidades regionais são regra habitantes, sob pretexto de que teria crescido às expensas de centros
geral, a aplicação do princípio parece abusiva. Os resultados assim obti- secundários, pela simples razão de que tais centros não existiam no
dos não são, em absoluto, válidos, salvo se uma coincidência favorece o momento em que a cidade iniciou sua ascensão.
pesquisador. A rigor, nos países com múltiplas capitais regionais é possível Vamos mais além. Que pode significar a famosa distinção entre ci-
fazer uma comparação entre a metrópole nacional — seja ela metrópole dade primacial e cidades secundárias? A simples enumeração de índices
completa ou incompleta — e as capitais regionais; num segundo passo, de diferenças, por mais importantes que sejam, não tem valor próprio.
é possível verificar o que acontece no interior da região de influência Essa relação é também uma relação global, resultante das condições
destas últimas; além disso, a análise das relações interurbanas nos centros gerais da evolução da “rede”, isto é, do país como um todo.
intermediários regionais e capitais regionais, assim como a dos diferentes O fato de uma capital regional ser, em um dado momento, várias
tipos de relações entre centros regionais e capitais regionais, manifesta-se vezes mais populosa ou economicamente mais poderosa que as outras
como particularmente instrutiva. cidades de sua “constelação” está longe de ser sempre prejudicial. O
Não resta dúvida que é melhor abandonar completamente a preo- já citado caso de Guadalajara, no México, pode servir de exemplo.
cupação de encontrar fórmulas numéricas simplistas. É bem verdade Essa cidade tem uma população 26 vezes mais numerosa que a da
que estas teriam a vantagem de permitir uma rápida visão do conjunto, segunda cidade de sua região de influência. No entanto, parece-nos
à condição, porém, de que se encontrasse uma que fosse válida, o que que um desenvolvimento maior da região depende de um aumento
parece difícil no estado atual da estatística e dos conhecimentos. ainda mais considerável da força de Guadalajara; esta é circundada
Resta saber se a macrocefalia, ou melhor, se a presença de cidades por boas rodovias, construídas em um tempo recorde, à época em que
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36. M. Santos, “Le rôle des capitales dans la modernisation des pays sous-développés”, 37. O. Dollfus, op. cit.
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for
torne bastante forte para competir com uma aglomeração maior, assim Nestas condições, deparamos com uma contradição: a presença
como para evitar uma estagnação de seu crescimento econômico e de de grandes cidades é necessária para assegurar a modernização e o
sua região de influência. desenvolvimento nacionais em condições competitivas e, ao mesmo
Com efeito, a grande cidade pode constituir um fator de desenvol- tempo, corre o risco de prejudicar o desenvolvimento das atividades
vimento capitalista, mesmo quando não mereça o título de “pólo”. regionais. Para evitar o desenvolvimento de um em benefício do outro,
Falando da urbanização na América Latina, D. Lambert” escreve: impõe-se a definição de uma estratégia que vise, no tempo, a classifi-
car os problemas por séries e, aceitando a realidade da macrocefalia,
Atualmente a cidade parece proporcionar possibilidades muito maiores de procure dedicar uma porcentagem razoável das inversões às grandes
atividade econômica e social, sem que isso dependa diretamente das camadas
cidades, sob a condição de elas beneficiarem os setores capazes de as-
privilegiadas, mas sim, em parte, da sua própria dimensão [...]. Nas grandes
metrópoles de diversos milhões de habitantes cria-se, inclusive, em períodos de
segurar, paralelamente, o desenvolvimento dos centros subordinados;
recessão, um multiplicador de empregos. Todo crescimento de população provoca no espaço, pode-se pensar numa estratégia diferenciada de acordo
uma extensão da cidade e de seus subúrbios e, por isso mesmo, criam-se novas com a porcentagem atual de população urbana na região considerada,
possibilidades de trabalho nos transportes, na construção, na administração ou uma vez que, quanto mais fraca é a população urbana em relação à
no comércio.
população global, tanto maiores são as tendências à macrocefalia.
É preciso, entretanto, atentar bem para o fato de que as “redes
A grande cidade desempenharia também um papel de transfor-
urbanas” constituem apenas um dos elementos da economia nacio-
mação cultural, comprovado, segundo D. Noin, pela observação das
nal, e nenhuma tentativa de modificação de sua estrutura alcançaria
porcentagens de analfabetos"; qualitativamente ela segrega um novo
resultado positivo não sendo efetivada em coordenação com ações
tipo de civilização. D. Noin conclui:
que tenham em vista transformar as estruturas sociais interiores e as
estruturas econômicas internacionais.
O conjunto urbano da costa atlântica exerce efeitos de indução e não de
freio. É nas cidades [...] que a defasagem entre o setor moderno e o tradicional
pode ser superada mais facilmente [...] A cordilheira do noroeste, dominada
economicamente por Casablanca, constitui o pólo de desenvolvimento do
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39. Civilisations, 15 (3), 1965.
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Sor
40. D. Noin, op. cit.
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