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MILTON SANTOS “S
MILTON SANTOS REFLEXIÓN Y ANÁLISIS DE SU OBRA - CIG - IGEHCS - FCH - UNCPBA - TANDIL, 2018.

Manual de Geografia
ESP UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Urbana
Reitora Suely Vilela
Vice-reitor Franco Maria Lajolo
Tradução de
Antônia Dea Erdens
I edusp Maria Auxiliadora da Silva
EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Diretor-presidente Plinio Martins Filho

COMISSÃO EDITORIAL
Presidente José Mindlin
Vice-presidente Carlos Alberto Barbosa Dantas
Benjamin Abdala Júnior
Carlos Augusto Monteiro
Maria Arminda do Nascimento Arruda
Nélio Marco Vincenzo Bizzo
Ricardo Toledo Silva

Diretora Editorial Silvana Biral


Editoras-assistentes Marilena Vizentin
Carla Fernanda Fontana
peduse
2

(CARACTERÍSTICAS DA URBANIZAÇÃO NOS


PAaísEs SUBDESENVOLVIDOS

2.1. URBANIZAÇÃO E NOVA ECONOMIA INTERNACIONAL

nova economia internacional, que se manifesta depois da Se-


gunda Guerra Mundial, apresenta, entre outras, as seguintes

SOGIATOANISIAEAS SASIVd SON OVÍVZINVEIN VA SVOLISRIZLOVAVO


características: internacionalização e multiplicação das trocas,
preponderância da tecnologia e a concentração dela decorrente, solida-
riedade crescente entre os países (cooperação entre países industriais,
domínio sobre os países subdesenvolvidos), modificações da estrutura
e força do consumo. O efeito demonstração, ou seja, a inclinação
dos pobres no sentido de consumir da mesma maneira que os ricos,
tem um papel importante nos países subdesenvolvidos por contribuir
para a atração dos homens pelas cidades, local de novas atividades;
no entanto, não só as indústrias são aí raras como também, em todo
caso, os empregos permanentes não são suficientes para atender à
demanda. Não houve nos países subdesenvolvidos, como aconteceu
nos países industriais, uma passagem da população do setor primário
para o secundário e, em seguida, para o terciário. A urbanização fez-
se de maneira diferente e tem um conteúdo também diferente: é uma

Et
urbanização terciária. Somente depois, evidentemente com exceções, 1938 1952 1964 1968
é que a grande cidade provoca a criação de indústrias. Colômbia
(% de pop. urbana) 12,8 Yo
0,
22,5%
o,
36,6%
O,
40%o,
Todavia, países como a Argentina, o Brasil e o México conheciam já
uma certa urbanização antes da Segunda Guerra Mundial. Entretanto,
— De ordem demográfica: em países de crescimento demográfico
ainda que possuam uma indústria mais desenvolvida, esses países não
maciço, como a Índia e a China.
escapam à dependência a que estão submetidos os países subdesenvol-
— De ordem econômica: por causa do desequilíbrio econômico cada
vidos, inclusive a esse “êxodo da miséria e da esperança”.
vez maior entre a cidade e o campo, como é o caso, por exemplo, da
América Latina.
A partir da Segunda Guerra Mundial, os preços dos produtos agríco-
2.2. As FORMAS DO ÊxoDO RURAL
las de exportação baixaram muito em relação aos preços dos produtos
industrializados para importação. Os maiores investimentos destinam-se
O êxodo rural é um fenômeno complexo nos países subdesenvol-
à indústria, e os países são equipados com os lucros da agricultura, quer
vidos. Trata-se de forte contingente migratório que, favorecido pelo
através de trocas (como na América Latina), quer através de repercussões
desenvolvimento da rede viária, dirige-se para as cidades e acaba sendo
dos problemas europeus (caso da África). Esses fenômenos conduziram a
instrumental, em grande parte, do crescimento urbano. É comum afir-
uma queda da produção agrícola não só em qualidade como também em
mar-se que a atração urbana é de ordem psicológica, sendo a cidade
quantidade. Assim, a população da cidade se alimenta da sua zona rural
mais um receptáculo do que um pólo de atração (os anglo-saxões dizem
por um período mais ou menos longo. Numa segunda etapa, a cidade pode
que o push-factor é superior ao pull-factor): eis uma idéia feita, a ser
ter possibilidades de redistribuir sua força na zona rural circunvizinha.
discutida com aqueles que consideram a atração urbana como algo de
Entretanto, com as modificações da estrutura do consumo, o camponês
ordem puramente psicológica e para quem o migrante pode encontrar,
emprega apenas uma pequena parte de sua renda em investimentos rurais.

SOGIATOANISIAANS SASIVA SON OVÍVZINVEYN VE SVOLISPIILOVAVO


na cidade, oportunidades para melhorar as suas condições de vida.
Os progressos no campo educacional nada mais fizeram do que acelerar
Mas, as determinantes externas do fenômeno, que muitas vezes repre-
o êxodo rural. Quando o país começa a defender seu setor agrícola, a
sentam esse famoso papel de push-factor, são múltiplas. Podem ser:
necessidade de rentabilidade e os problemas de reconversão impõem uma
— De ordem política: a guerra explica o afluxo da população para
seleção ainda mais impiedosa no meio rural. Assim, a degradação do meio
Saigon; a espetacular inchação de Kinshasa (antiga Leopoldville) pôde
rural ou o melhoramento agrícola são sempre contrabalançados por um
ser explicada pela revolução congolesa:
acréscimo do êxodo para a cidade.
MANUAL DE GEOGRAFIA URBANA

A esses problemas econômicos gerais podem juntar-se os problemas


o 1948 1964
Congo 13 230 000 16 000 000
ligados mais precisamente a uma estrutura agrária repulsiva (problema
Kinshasa 300 000 1200 000 da distribuição da propriedade). Esse é um dos motivos pelos quais,
na América Latina, o êxodo rural é tão acentuado.
e a “violência” no campo é a principal causa das migrações em Entretanto, é preciso assinalar que na maioria dos países a popula-
direção às cidades da Colômbia: ção rural é mais importante que a população urbana; é o caso, princi-
palmente, da Ásia e da África. Na Ásia o fenômeno da urbanização foi,
sem dúvida, retardado pelos problemas das distâncias, pelas funções

St
particulares que as cidades pré-industriais e pré-coloniais possuíam: tadas à economia rural predominante”, em que algumas atividades
cidades imperiais, abrigando apenas aqueles que viviam pelo palácio artesanais podem evoluir para pequenas indústrias. Na Turquia, entre
e para ele, e onde as populações campesinas só chegavam em grande 1927 e 1950, seis cidadezinhas apresentaram um crescimento que
número nos momentos de grande fome; e, na África, pela forte coesão variou entre 130% e 390%, sem que houvesse uma correlação entre
dos grupos camponeses. À isto se acrescenta, no sul do Saara, a ausên- o tamanho inicial da cidade e sua taxa de crescimento.
cia ou a fraqueza, bastante comuns, da tradição urbana antiga. Aqui no Brasil, na Bahia, foram as pequenas cidades, como Jta-
Às características da urbanização e do êxodo rural podem levar- nhaém, por exemplo (+485%), que entre 1950 e 1960 alcançaram
nos a entender como a população urbana se distribui e os tipos de uma forte taxa de crescimento, enquanto a população urbana de
urbanização encontrados nos países subdesenvolvidos. Salvador só cresceu 60,6%. Mas, ao lado disso, pequenas cidades,
principalmente aquelas ligadas à mineração, tiveram uma taxa de
crescimento urbano bem menor que Salvador.
2.3. Tipos DE URBANIZAÇÃO NOS PAÍSES SUBDESENVOLVIDOS Esse fato nos leva à distinção de diversos tipos dessas pequenas
cidades e, a partir daí, à análise dos fatores determinantes desse
a. Nascimento de numerosas pequenas cidades rápido crescimento urbano. A cidadezinha constitui a célula-máter
Esse é um dos fenômenos mais característicos — e, no entanto, dos que atende às necessidades de uma população; tais necessidades
mais negligenciados — da floração urbana nos países subdesenvolvi- variam em função da densidade demográfica, das comunicações e
dos. É praticamente impossível isolar o fenômeno em escala mundial, da economia da região, bem como do comportamento socioeconô-
já que as estatísticas globais geralmente dão a população rural junto mico de seus habitantes. Porém cada uma dessas cidades constitui
com a população das cidades de menos de vinte mil habitantes. um caso específico quando se leva em conta sua função principal:
Todavia, pode-se constatar que as pequenas cidades representam cidade comercial, cidade de serviços. Nesses casos, o crescimento

SOGIATOANASACANS SAS]VA SON OVÍVZINVEAN VA SVOLLSPIALOVAVO


um papel importante no crescimento do conjunto população rural demográfico resulta da implantação de novas formas de produção,
+ pequenas cidades: de consumo ou de distribuição: as novas plantações de cacau, por
exemplo, foram responsáveis não só pelo progresso de Itanhaém
(% de crescimento Crescimento da Crescimento da população rural e da de
por década) população rural cidades
como, ainda, pela circulação das estradas de rodagem para o Sudoeste
(números arredon- (menos de 20 mil habitantes) (São Paulo), para o Nordeste (Salvador e Recife) e pelo desenvolvi-
dados) mento de Vitória da Conquista, onde se multiplicaram as garagens,
1920-1930 8% 8,7%
as oficinas de automóveis etc. Exemplo oposto é o das cidades da
MANUAL DE GEOGRAFIA URBANA

1930-1940 10% 10,1%


Chapada Diamantina, que foram perdendo a importância face ao
1940-1950 8% 8,8%
declínio da indústria extrativa local.
1950-1960 15% 16,4%
A partir do “êxodo urbano” (expressão de Bernard Kayser), a
cidade local, chamada de “pequena cidade”, recebe da cidade maior
As monografias regionais trazem os melhores exemplos: em Ma- funcionários de todos os níveis e operários (se por acaso uma indústria
dagascar (R. Gendarme, L'Economie de Madagascar, 1963, p. 76), for instalada). Quando mais próxima das regiões dinâmicas, estas lhe
desenvolvem-se cerca de quarenta cidadezinhas “perfeitamente adap- transmitem o dinamismo da cidade grande.

Lr
26
As estatísticas internacionais estabeleceram um marco de vinte em relação à população total. Entretanto essa porcentagem é fraca, se
mil habitantes para esse tipo de cidade, mas isso não significa grande comparada à dos países da América Latina, da África Central ou do
coisa: visto como um marco numérico, é sempre artificial; os marcos Oriente Médio. A seguir, há exemplos do Oriente Médio.
reais são os funcionais, isso porque só a partir de um certo estágio de
desenvolvimento e dinamismo é que a cidade se define. OrtenTE MépiO — CIDADES DE MAIS DE 100 Mit HABITANTES

b. A polarização urbana em função de uma cidade (quase sempre (% da população total)

a capital) Jordânia 25%


Síria 25%
Nos países subdesenvolvidos, sobretudo nas antigas colônias
Iraque 40%
estabelecidas após a revolução dos transportes e o advento do impe- Líbano 40%
rialismo, a polarização se exerceu de acordo com o critério escolhido Kuwait 70%

pelo país colonizador; quase sempre criava-se um centro, geralmente


um porto, que assegurava as ligações entre colônia e metrópole e nela Cada uma dessas cidades tem características próprias originais, as
se concentravam as funções comerciais e administrativas. mesmas que diferenciam, de Londres ou de Paris, uma cidade como
Essa raiz histórica não perdeu sua força nos países já agora indepen- Lima. Tais características são representadas pela distância entre as
dentes, e seus efeitos se prolongam para além das circunstâncias que cidades dentro de um Estado ou de um país no que diz respeito, por
lhe deram origem. Daí o crescimento cumulativo das grandes cidades. exemplo, a população, produção material e intelectual, nível de vida,
Nessas cidades maiores a população cresce mais que nas demais cidades rendas, serviços etc. As diferenças de nível de renda e a ausência de
do país, fenômeno tanto mais sensível quanto a urbanização é mais uma classe média no interior da própria cidade marcam a paisagem
recente (casos da África e da Ásia, em relação à América Latina). urbana: um exemplo clássico, para os continentes subdesenvolvidos,
é o contraste representado pelos arranha-céus e as favelas. Frequente-

VA SVOLLSPHILOVAVO
RELAÇÃO 1960-1920
mente, a cidade tem em torno de si um verdadeiro “deserto”; é o caso
População total / metrópole População urbana / Popu-
do Rio de Janeiro; Luanda, em Angola; Túnis e Argel, na África do
lação total
Europa 1,20 1,26
Norte; Dacar e Abidjã, na África Ocidental; ou Lima, no Peru, onde,
América do Norte 1,55 1,30
num raio de 400 km, não existe nenhuma cidade que possa desem-

SOCIATOANTSACHNS SASJVA SON OVÍVZINVEYN


Ásia Oriental 5,00 2,70
penhar um verdadeiro papel regional; o mesmo se produz num raio
Ásia Meridional 5,00 2,30
de 150 km em torno de Caracas, na Venezuela, 500 km em torno de
Santiago, no Chile, 300 km em torno de La Paz, na Bolívia.
MANUAL DE GEOGRAFIA URBANA

América Latina 2,80 2,40

África 4,00 2,60


Para concluir, voltemos aos números: o crescimento demográfico
urbano nos países subdesenvolvidos foi, na década de 1950-1960, de
2,26 a 3,5 vezes mais importante que o crescimento da população
O fenômeno atinge proporções extremas no caso da Birmânia: total (2,26 na Ásia; 2,3 na América Latina; 2,9 na África; e 3,3 na
sua população urbana permaneceu quase estacionaria entre 1921 e Ásia Oriental, inclusive o Japão); para o conjunto do mundo essa pro-
1960 (de 9,8% a 10,4% da população total), enquanto a população porção foi de 2,26% (2,25% para a Europa; 1,85% para a América
das cidades de mais de cem mil habitantes passou de 3,5% a 5,2% do Norte; 2,9% para a URSS; 1,7 para a Oceania). Isto significa que,

6x
8

a
com exceção da URSS, o peso relativo das cidades é mais importante
nos países subdesenvolvidos do que nos países desenvolvidos.
Entretanto, mesmo nos países subdesenvolvidos existem múltiplas
nuanças, visto que a colonização não foi feita nem com as mesmas
características nem na mesma época. À presença ou a ausência de uma
tradição urbana antiga, bem como as características dos vários tipos
de economia nacional, tiveram um papel determinante.

Segunda Parte

A PoruLação URBANA, AS
EsTRUTURA SOCIAIS E O EMPREGO
MANUAL DE GEOGRAFIA URBANA
30
IO

A CIDADE E SEU ENTORNO EM


Meio SUBDESENVOLVIDO

INTRODUÇÃO

té o momento temos considerado diversos aspectos do fenô-


meno de urbanização, mas concentrando nossa reflexão na
própria cidade. O estudo das relações cidade-região obriga
a examinar, também, o problema do mundo rural em relação com o
mundo urbano.

INT ONHOLNE NAS E ACIVAIO V


Trata-se de uma série de questões das mais controvertidas, algumas
sendo das menos sistematicamente estudadas. Alguns autores conde-
nam taxativamente a cidade, acusando-a de todos os males de que sofre
o campo; com ou sem alusão ao fato incontestável do êxodo rural, eles
renovam uma atitude característica da mentalidade européia do século

OGIATOANASTAHAS OIT
x1x: a cidade esvaziaria o mundo rural não só de suas riquezas, que
ela utilizaria para suas próprias despesas improdutivas, como também
de seus habitantes, aos quais não seria capaz de fornecer empregos na
proporção desejável.

6tre
Em um trabalho coletivo, Lacoste! faz-se intérprete desse ponto análise, insistindo nos aspectos metodológicos do problema. Além
de vista: “Essas regiões de economia moderna [ele fala das grandes do mais, a escassez dos estudos disponíveis limita bastante o número
cidades], que combinam o efeito de estagnação econômica e os fatores de exemplos utilizáveis. Praticamente, seremos levados a colocar di-
de crescimento demográfico, podem ser consideradas não como “pólos versas questões. À primeira delas, Leitmotiv desta obra, é a seguinte:
de desenvolvimento” mas, ao contrário, como “pólos de subdesenvol- existe uma especificidade própria dos países subdesenvolvidos? Ou
vimento”. as relações que, nesses países, a cidade mantém com o espaço em sua
Entretanto, muitas constatações recolhidas na preparação desse volta são da mesma natureza das que existem nos países desenvolvi-
trabalho contrariam a visão pessimista de uma cidade parasitária, dos? Segunda pergunta: quais os graus das relações cidade-região na
“úlcera que se desenvolve em detrimento de tudo o que a rodeia”. situação atual, e quais os tipos de regiões geográficas daí resultantes?
Essas constatações talvez não sejam suficientes para refutar a tese Por fim, veremos se é possível propor um balanço (econômico) dessas
oposta, mas permitem, ao menos, questioná-la. relações e confirmar a validade de uma ou da outra tese.
Além do mais — e isso mostra que nem todos estão em perfeito Evitamos claramente, tanto quanto possível, o emprego do termo
acordo quanto a esse ponto —, no mesmo trabalho coletivo B. Kayser região, já que ele prejulgaria nossas conclusões; de fato, segundo B.
sustenta um argumento radicalmente oposto ao de Y. Lacoste: Kayser, a região se define como “um espaço polarizado”.
Para simplificar a análise, podem-se distinguir dois elementos do
As cidades que se formam e crescem em ritmo rápido não podem ser [...] con- subdesenvolvimento:
sideradas como quistos existentes no interior do tecido geográfico: elas são parte
— na medida em que a economia dos países subdesenvolvidos
integrante desse tecido e desenvolvem-se sobre um sistema complexo de trocas
vitais. Por mais lentos que sejam, em alguns países, os progressos do equipamento permanece em parte tradicional, o subdesenvolvimento se caracteriza
em vias e meios de comunicação, eles facilitam e aceleram o funcionamento do por uma debilidade geral no nível das trocas (não esquecer que as
sistema. Em consequência, a vida regional tende a surgir e a adquirir amplitude disparidades regionais constituem regra geral nesses países);
em um espaço cada vez maior do nosso globo?.
—- na medida em que o subdesenvolvimento resulta da introdução
recente de elementos modernos em uma economia “tradicional”,
Segundo B. Kayser, a evolução, longe de ser regressiva, determinaria seus efeitos mais característicos consistem no aparecimento de dis-

OGIATOANESAAHNS OTAN NH ONHOLNT NAS T AAVOIO V


uma integração crescente: os atrasos, as descontinuidades que se podem torções.
constatar seriam devidos a um atraso do equipamento em relação ao a. Fraqueza geral
crescimento espontâneo e não a um vício fundamental; visão que dá As zonas subdesenvolvidas são muito mal providas de meios
lugar a soluções reformistas.
MANUAL DE GEOGRAFIA URBANA

de comunicação e de instrumentos de trocas: debilidade dos fluxos


Ainda que sustentemos uma clara posição a esse respeito, não é monetários, fraca densidade das redes rodoviárias e ferroviárias,
nossa pretensão tentar solucionar o debate, mas sim aprofundar a escassez de centros regionais subordinados, inexistência, às vezes, de
centros sub-regionais. Esse subequipamento é fruto de uma astenia
geral das trocas, ao mesmo tempo que contribui para mantê-la. Essa
1. Y. Lacoste, “Perspectives de la géographie active en pays sous-développé”, em P. astenia resulta, principalmente, da fraqueza do poder de compra por
George, R. Guglielmo, B. Kayser e Y. Lacoste, La Géographie active, Paris, PUF, parte das massas rurais, que quase não têm excedentes para vender
1964.
nas zonas mais tradicionais ou que, nas regiões de cultura comercial
130

IÉI
2. B. Kayser, em P. George et al., La Géographie active, op. cit., p. 320.
especulativa (cultura do amendoim ou do cacau na África), têm rendas regiões urbanas, nos países onde estas já existiam, e a constituição
muito variáveis — segundo as estações e segundo os anos -, incapazes, de “bacias urbanas” inorgânicas, nos países desprovidos de passado
em todo caso, de suscitar ou de, além de um certo nível, manter rela- urbano.
ções contínuas com a cidade. Ante o subeguipamento encontrado na Em inúmeros países de velha civilização (Ásia Ocidental, Índia,
maioria dos países subdesenvolvidos, o menor esforço de equipamento Ásia Oriental), o fenômeno regional não era desconhecido: a China
acarreta um transtorno mais que proporcional, uma ruptura geral de das dezoito províncias “era um país de forte organização adminis-
um equilíbrio instável. Basta a construção de algumas rodovias, como trativa local, com uma polarização de cada província em torno de
a Panamericana, na América Andina, para desarranjar o equilíbrio sua respectiva capital. Entre a cidade e a região, havia se constituído
regional dos países que ela atravessa”. Ora, o período atual caracteriza- uma solidariedade global”, especialmente em zonas isoladas, como
se pelo brusco aparecimento dos meios de transportes rápidos, e em Sechuan, e essas estruturas foram suficientemente fortes para resistir
grande escala, em um espaço ainda não modernamente organizado!. à revolução de 1949, que conservou as antigas províncias como cir-
Essa “fragilidade” da regionalização é ainda mais aumentada pela cunscrições políticas. Mas haviam sido muito maltratadas quando da
instabilidade histórica resultante da exploração colonial que os países “abertura” e, posteriormente, na época do “desmembramento” da
subdesenvolvidos sofreram e que superpôs vários tipos mais ou menos China, no fim do século xix.
efêmeros de organização do espaço. Tal instabilidade é máxima no caso Pode-se pois afirmar, de forma bastante paradoxal, que a integração
das atividades mineiras: cidades do Altiplano boliviano ou da Chapada regional, fundamentada então no comércio e nos serviços, era mais
Diamantina brasileira. Mas ela é geral, mesmo quando não acarreta forte que hoje, quando os fluxos econômicos são, no entanto, mais
um decréscimo urbano; no Brasil, Salvador, depois Rio de Janeiro e importantes.
posteriormente São Paulo organizaram, sucessivamente, uma porção De fato, essa solidariedade global entre cidade e região era o re-
do espaço em seu próprio benefício; na China, o centro de atividades sultado da fraqueza industrial. A implantação irregular de indústrias
do baixo Yang Tsé deslocou-se de Nanquim para Xangai etc. Estamos determinou uma especialização regional, portadora de heterogeneida-
longe do lento e seguro crescimento da região lionesa. de. O crescimento de grandes cidades com atividades diversificadas,
De um modo geral, o passado econômico dos países subdesenvol- como Xangai, São Paulo ou Casablanca, originou a destruição da

WI ONHOLNA NAS E HAVAIO V


vidos, passado distante ou recente, é um passado irregular e cheio de solidariedade regional, ao mesmo tempo que fez progredir a integração
contrastes. Isso nos leva a enfatizar as distorções nas relações cidade- do mercado nacional.
região, que atingiram seu grau máximo no período contemporâneo. Entretanto, na medida em que as atividades tradicionais subsistem
b. Distorções apresentadas
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ao lado do setor moderno, a maioria das metrópoles regionais conser-


A introdução de certos elementos (incompletos) da economia vou certa influência de natureza política e econômica sobre sua região.
capitalista moderna nas estruturas tradicionais, associada à brusca

OCIATOANISTAREAS OF
Na verdade, existem dois circuitos de produção e de consumo urbanos.
acentuação da pressão demográfica, ocasionou uma desagregação das O circuito moderno, apoiado na economia internacional que lhe traz

3. J. Chapoulie, Formation et évolution des réseaux urbains dans les pays de P Amérique 5. Chamamos de “solidariedade global” as relações bilaterais estabelecidas entre a
andine, Bordeaux, DES, 1967.

e
cidade e sua zona de influência, esta última não podendo escapar à influência da
132

Etr
4. Kayser, em P. George et al., La Géographie active, op. cit., p. 329. cidade em nenhum tipo de relações.
capital e técnicas, é pouco criador de empregos e grande criador de Ao funcionar apenas como etapa, a cidade é incapaz de desempe-
riquezas, ao menos em aparência, e acha-se quase totalmente desvin- nhar um papel de centro regional autônomo, uma vez que acaba lhe
culado da região. O circuito tradicional, ao contrário, está vinculado escapando a parte essencial do controle das atividades da área que
às inversões endógenas e exerce demanda sobre as produções regio- deveria dominar, em proveito das metrópoles industriais: as capitais
nais: mantém com elas, de forma bem natural, uma certa integração; portuárias da Ásia ou da África, ao drenarem seu interior através de
desenvolve-se em função do crescimento demográfico e do êxodo uma estrada de ferro ou de uma rodovia, meras prolongações terrestres
rural, que renovam uma população conservadora de hábitos de vida das linhas marítimas, muitas vezes nada mais são do que pontos de
(costumes alimentares, vestuário etc.) próximos ao do mundo rural, ruptura de carga.
por ser incapaz de participar completa e frequentemente de um tipo Por outro lado, a industrialização é um fator imediato de inte-
moderno de consumo. gração, desde que sua diversificação e seu grau de tecnologia sejam
c. Características ligadas ao papel funcional da cidade no espaço suficientes para evitar que seja vítima de uma evasão, frequentemente
subdesenvolvido fatal, principalmente quando se trata de indústrias de exportação, que
Adotamos aqui as categorias estabelecidas por Nicole Lacroix e ainda constituem uma porcentagem considerável da atividade secun-
Michel Rochefort, de acordo com a análise realizada pela Orstom dária dos países subdesenvolvidos. Ou, desde então, que se acentue
sobre as relações cidade-campo nos países tropicais*. a importância das indústrias de equipamento que respondam a uma
— Na medida em que a área circundante da cidade é quase exclusi- demanda interior maciça e estável; neste caso, porém, acentua-se o
vamente agrícola, a cidade deve ser considerada, antes de tudo, como problema do financiamento, assim como o da rentabilidade, de vez
um “elemento de penetração da economia moderna e industrial nos que somente uma cadeia de indústrias complementares (setor energé-
meios agrícolas, com predomínio do autoconsumo”. tico, siderurgia, química de base, maquinaria) é capaz de assegurar
Nos países subdesenvolvidos essa penetração apresenta um caráter um preço de custo aceitável e a almejada independência econômica.
particular, resultante do conteúdo das trocas. Fregientemente, a eco- Na falta disso, um início de integração regional reside no fato de que
nomia rural é bissetorial, associando uma atividade tradicional produ- toda grande cidade de país subdesenvolvido constitui um mercado
tora de víveres com produções ditas coloniais, “exportadas em bruto consumidor regular de gêneros alimentícios de primeira necessidade:

WA ONHOLNA NAS E HAVAI V


e submetidas às associações do mercado financeiro internacional”. A ela organiza, bem ou mal, seu aprovisionamento, construindo uma
associação pode ocorrer num mesmo território ou pode, ao contrário, rede de comunicações que ela mesma polariza (exemplo recente de
determinar uma divisão do espaço (o que ocorre muito mais raramente); Brazaville)”. Se o campo, tanto por seu nível técnico quanto por suas
em ambos os casos, a cidade desempenha em relação à sua região uma estruturas sociais, está em condições de responder à demanda urbana
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dupla função de centro consumidor de víveres e de etapa entre as áreas e se a defasagem entre a oferta e a procura não é grande, a integração

OCGIATOANISTAAAS OIT
produtoras de matérias-primas e as metrópoles industriais, nacionais ou progride. Ao contrário, se as condições do crescimento demográfico
estrangeiras, ou entre estas e o consumo da população regional. urbano e a estagnação econômica rural são tais que se faz necessário re-
correr a produtos importados em grandes quantidades, desencadeia-se

6. M. Rochefort e N. Lacroix, “Intérêt de Pétude des relations entre les villes et les

e
campagnes dans les pays en voie de développement (document préliminaire)”, Bul- 7. M. Vennetier, “La vie agricole urbaine à Pointe-Noire”, Cahiers d'outre-mer, 14

Str
34

letin de Liaison, Sciences Humaines, 1, 1965, 31 p. (Orstom; difusão interna). (53):66-80, janv.-mars 1961.
uma evolução regressiva e a cidade torna-se cada vez mais dependente d. A assimetria das trocas
de fora e cada vez menos capaz de polarizar a região. A modificação dos Nos países subdesenvolvidos, a característica menos discutível das
hábitos alimentares, especialmente nas cidades ex-coloniais da África, relações da cidade com seus arredores é a ausência de organização
onde foi mais visível o “efeito demonstração”, acelera o processo de coerente, tal como concebida no Ocidente. Essa forma de organização
desintegração regional ou, ao menos, o facilita. se encontra tanto nos países novos, sem tradição urbana, quanto nos
— Na medida em que, nos países subdesenvolvidos, o êxodo rural países de urbanização antiga, onde o equilíbrio regional tradicional
alcança dimensões e uma rapidez sem precedentes, as migrações cons- foi destruído. Isso é decorrente da astenia, mas principalmente da
tituem um elemento primordial das relações cidade-região e têm como assimetria das trocas, que determinam “espaços de consumo?” que
características principais o fato de que se dão praticamente em sentido conservam um poder de compra reduzido: daí a dificuldade de toda
único, e isso em uma “bacia urbana” que não coincide necessariamente tentativa de regionalização.
com a área de influência econômica da cidade. Por outro lado, segundo o nível das trocas, os tipos de relações
Esse espaço é geralmente limitado: assim, em Salvador, em 1962, cidade-região são muito diferentes, isto é, se elas se prolongam ou não
75% dos imigrantes eram originários do Recôncavo*; da mesma for- até escalas inferiores à do “centro regional”.
ma, em Saigon, os imigrantes são na maioria refugiados do delta do Por último, as funções urbanas e a extensão da área de influência
Mecong; o mesmo ocorre na planície do Ganges”. Mas os imigrantes variam consideravelmente segundo o nível social dos usuários de
podem também proceder de áreas bem distantes. tais serviços, se bem que fregiientemente se está em presença de dois
— À cidade é consumidora de mão-de-obra, bem como da renda circuitos de coleta e de distribuição.
da terra; mais adiante insistiremos nesse ponto. Nenhuma
medida
precisa parece possível quanto a esse aspecto, mas é necessário que
se evite subestimar sistematicamente esse fator. No que diz respeito à 10.1. GRAU DE INTEGRAÇÃO E Tipos DE RELAÇÕES CIDADE-REGIÃO
arrecadação fiscal, as cifras que possuímos mostram, em todo caso,
que o imposto sobre a renda é proveniente principalmente das grandes A procura de uma divisão regional adequada é uma das maiores
cidades (na Turquia, 60% desse imposto é fornecido por Istambul, preocupações do geógrafo e do planejador. Toda região sendo por

OGIATOANESAATAS OTIS NH ONHOLNT NAS A TAVOIO V


Ancara e Esmirna)'º. definição um espaço polarizado, o melhor critério deveria provir da
— Finalmente, nos países subdesenvolvidos as cidades desempenham, análise da zona de influência urbana.
em relação às suas regiões, o papel de centros de serviços. A acessibili- Ora, sucede que, no caso dos países subdesenvolvidos, a famosa
dade desses serviços, porém, é espacial e socialmente restringida pelas indissociabilidade entre a cidade e seus arredores é, no mínimo, discu-
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dificuldades das comunicações e pelo custo dos próprios serviços. tível. Assim, uma tipologia apoiada no modelo de função exercida por
cada “metrópole” em relação a cada “região” pressupõe a existência
de um grau de integração que, na realidade, raramente ocorre. Uma
tipologia das relações cidade-região tomará, pois, por critério o grau
8. J. Beaujeu-Garnier, “As Migrações para Salvador”, Boletim Baiano de Geografia,
(7-8), 1961-1962. de integração e não o tipo de função dominante, sendo a integração
:
9. Ph. Hauser, Les Villes et "urbanisation en Asie du Sud-Est, Paris, Unesco, 1956. tanto mais completa quanto mais complexos e diversificados sejam

e
10. M. Rivkin, Area Development for National Growth: The Turkish Precedent, New
os vínculos.

ZE
136

York, Praeger, 1965.


a. O grau de integração Em seguida, é preciso fazer intervir o nível de vitalidade econômica
Geralmente se exagera a importância do centro sobre a sua “re- dos dois conjuntos e a real intensidade das trocas e, posteriormente,
gião”, já que ela parece facilmente mensurável em termos geográficos um determinado número de variáveis consideradas independentes
e, além do mais, às delimitações satisfazem ao espírito... para fins analíticos, tais como a importância da população urbana em
Existe ainda indissociabilidade entre a cidade e a região, assim relação à população regional, a densidade demográfica e o tamanho
como, por exemplo, nos primórdios do capitalismo? A pergunta parece da região, a antiguidade do fato urbano.
tão válida nos países industriais como nos países subdesenvolvidos. Finalmente, o grau de integração regional resulta da interferência
A evolução da economia internacional nos últimos vinte anos de elementos econômicos — e outros mais ou menos espontâneos — e
ocasionou o arrefecimento da importância da noção de perfeita indis- do elemento “voluntário” constituído pelas estruturas político-ad-
sociabilidade, Numerosas são as cidades sem região. Na origem dessa ministrativas. Tomemos o exemplo da pequena cidade de Kinkala,
mudança se acham o desenvolvimento, atualmente bastante rápido, estudada por A. Auger'?. Em razão da rede de comunicações com
dos meios de transportes nos países subdesenvolvidos, e a divisão das predomínio Este-Oeste no Congo-Brazaville, o departamento do qual
ade
decisões “estruturadoras”, por causa da ausência de multipolarid Kinkala é a capital está quase totalmente polarizado por Brazaville;
industrial. A “solidariedade global” cede lugar a uma convergência, no entanto, a presença de algum equipamento (hospital) na capital
sobre um mesmo espaço, dos resultados de decisões de diversas or- departamental ocasionou a criação de uma rede de estradas radiais e
dens, tomadas em diferentes lugares e tendo consegiiências espaciais de um tímido esboço de regionalização que serve às pessoas mesmo
também diferentes. quando prescinde das mercadorias.
b. Consegiências metodológicas c. Os tipos de regiões
O questionamento da indissociabilidade cidade-região obriga, Regiões integrais
para fins analíticos, a tomar a cidade e a região como dois organismos Trata-se de um tipo hoje praticamente mais teórico que real; su-
econômicos distintos. Conseguentemente, não só o estudo dos equi- põe um nível de trocas quase nulo da cidade com o que está fora da
de
pamentos (dos quais não se sabe frequentemente com que intensida sua região; corresponde, aproximadamente, à situação das cidades
são utilizados) mas também o dos fluxos são insuficientes, pois relações continentais mais tradicionais, como Srinagar, no Kashmir, ou Cat-

OCIATOANHSAAENS OTAN NA ONHOLNA NAS HACIVAIO V


maciças (de ordem demográfica, por exemplo) entre a cidade e o campo mandu-Bhatgaon-Patan (núcleo tríplice), no Nepal. Nesses casos a
não significam uma integração avançada: tivemos mesmo ocasião de solidariedade global é máxima, o setor secundário inexistente (salvo
constatar que o inverso ocorria frequentemente. o artesanato) e as trocas regionais, efetuadas sobre curtas distâncias,
Praticamente é preciso começar pela apreciação do grau de com- são bastante intensas para animar a vida do pólo urbano.
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plementaridade entre esses dois organismos, o que consiste em medir a Zonas não completamente polarizadas
porcentagem da atividade urbana dependente, direta ou indiretamente, Algumas cidades bastante grandes, como Salvador, Recife e For-
da atividade da região, distinguindo-a da porcentagem de atividade taleza, no Brasil, exercem um comando incompleto sobre suas áreas
induzida e da porcentagem ligada às trocas com o “estrangeiro”. de influência, face ao que B. Kayser chama de “bacias urbanas”. Por

11. B. Kayser, Séminaire CNRS sur la régionalisation au Brésil, Bordeaux, 1968 (com- 12. A. Auger, Les Centres urbains secondaires au Congo Brazzaville, Brazzaville, Ors-

6€x
138

munication). tom, 1966, 42 p.


sua própria natureza, esses laços não são bastante fortes para impe- comerciais juntaram-se atividades industriais. Outras se mantêm com
dir a influência de São Paulo — cidade economicamente muito mais uma função puramente comercial. Outras se dedicam à atividade do
moderna — de interferir em “suas” regiões. contrabando, recentemente mascarado com a criação de zonas francas,
Em menor escala, algumas cidades que comandam uma pequena como as que se encontram na ilha de Margarita, na Venezuela, ou em
região agrícola mais ou menos homogênea polarizam o essencial da Curaçau (onde esta atividade se associa a uma atividade petrolífera);
atividade propriamente produtiva do “seu território”. É o caso de outras são cidades da rodovia ou da ferrovia, de crescimento brutal,
Ilhéus-Itabuna, centro regional bicéfalo da região produtora de cacau como a cidade de Governador Valadares, em Minas Gerais, que cresceu
do sul da Bahia. Mas, nesse caso, as condições históricas desempenham 1129% entre 1940 e 1960, conquistando o lugar de centro regional
um grande papel”, devido à sua situação de entroncamento entre a ferrovia Este-Oeste
No caso de capitais incompletas, é frequente que surja um início de Minas e a rodovia Rio-Bahia.
de especialização espacial entre um porto, capital econômica, e uma Alguns centros industriais situados no interior do território — como
capital política, situada fregiientemente no interior do território: Ciudad Guayana (Venezuela), Jamshedpur (Índia), Volta Redonda
Guayaquil-Quito (Equador), Alexandria-Cairo (Egito), Casablan- (Brasil) - desempenham um papel bastante análogo. Por outro lado,
ca-Rabat (Marrocos) etc. as capitais de nova implantação têm por função precisa organizar o
Zonas francamente polarizadas espaço que as rodeia; no caso de países vastos, porém, sua área de
É o caso mais geral nos países subdesenvolvidos. Pode correspon- influência “oficial” ultrapassa a região limitada com a qual elas podem
der a situações concretas muito diversas, seja uma débil urbanização manter estreitas trocas, de forma que uma antiga capital, como Lima,
geral e um fraco nível de atividade econômica em que o espaço é quase que esvaziou seus-arredores por absorção demográfica, é, em certo
indiferenciado, os fluxos não são importantes, nem numerosos, nem sentido, uma “cidade sem região”, a menos que se considere o país
densos (Amazonas, sul do Maranhão, Llanos de Apure na Venezuela); como sendo a sua região. Mas uma capital pode viver sem integração
ou, quando há densidade de população e um índice de urbanização regional completa, o que não ocorre com uma metrópole econômica:
bastante fortes, a atividade é voltada principalmente para a especula- por essa razão, é possível deslocar, mediante um ato oficial, a função
ção, sem proporcionar uma divisão do trabalho mais acentuada. política de uma cidade para outra.

OdIATOANISTAENS OITIA WE ONHOLNH NAS T HAVAI V


Cidades sem região Última característica de tais cidades: conhecem um crescimento
Numerosas nos países subdesenvolvidos, em geral elas são fruto mais rápido que as demais; é nelas que se pensa quando se fala de
da implantação de atividades modernas em um meio tradicional ou cidades-cogumelo, como as cidades do petróleo ou dedicadas à in-
de acontecimentos históricos excepcionais; trata-se frequentemente de
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dústria da pesca, no Peru; de fato, são, às vezes, corpos estranhos de


cidades de função dominante. Algumas são portos, heranças do período rápido crescimento, o que não significa que esse crescimento lhes seja
colonial, como Hong-Kong, Cingapura, Tânger, Panamá: continuaram forçosamente danoso.
vivendo de sua tradição de portos livres e, para substituir o mercado d. A noção da cidade-região
colonial - do qual ficaram mais ou menos privadas -, às suas atividades Aprofundando a análise, cabe perguntar se algumas cidades mantêm
consigo mesmas um tipo de relação idêntica à que manteriam com sua
região nos países desenvolvidos. Com a existência das favelas na pai-

e
13. M. Santos, “La culture du cacao dans Pétat de Bahia”, Cahiers d'outre-mer, 16
sagem urbana, diz-se, frequentemente, que o mundo rural pode estar
I40

Ib1
(64):360-378, oct.-déc. 1963.
na cidade sem que se possa falar, entretanto, de “ruralização urbana”; coesão espacial [...] Esses laços imprimem no espaço dado uma certa homogenei-
frequentemente, o endividamento aí é geral, e os citadinos subproletários dade, porém não são suficientes para produzir uma região se não são criadores
de uma organização econômica e social.
podem não ser mais integrados no circuito monetário que os rurais mais
Uma região se organiza em torno de um centro [...] A organização, tradução
favorecidos. É um fato, porém, que se torna cada vez mais raro. concreta do fenômeno de regionalização, deve apoiar-se em um ponto, um “pólo”,
Por ocasião de um colóquio sobre regionalização no Brasil!*, M. um “nódulo”, e este é baseado nas atividades terciárias [...]
Rochefort e B. Kayser chegaram a um acordo em relação à importância Uma região só existe como parte integrante de um conjunto. Consequen-
temente, o terceiro grande elemento de definição da região não reside em seu
da atividade induzida das cidades nos países subdesenvolvidos: “Os
interior: provém do exterior ou, de preferência, refere-se aos seus vínculos com
equipamentos (das cidades) podem estar, ao menos atualmente, apenas o exterior. É sua função no conjunto nacional, às vezes no internacional, em uma
a serviço dos habitantes das cidades onde se encontram”; “Estudos economia global. Espaço limitado, a região participa de um espaço mais vasto,
precisos de economia urbana mostrariam, ao que parece, que o dina- [ela] se encontra dominada [...] ao mesmo tempo aberta e integrada.
mismo da cidade é atualmente, no essencial e em uma economia aberta,
o resultado de forças indutivas internas” (o grifo é nosso). Tentemos aplicar esses critérios às cidades dos países subdesen-
É o que ilustra o exemplo de Guadalajara: se Guadalajara vende a volvidos.
outros Estados 73,3% dos têxteis e confecções que fabrica, é dentro da Nas cidades dos países subdesenvolvidos, principalmente nas grandes
própria cidade que ela encontra um mercado para 20,3% de produção, cidades, a organização do espaço habitado, do espaço de circulação,
enquanto o Estado de Jalisco lhe compra apenas 6,4%'!5. Na indústria do espaço funcional e das respectivas articulações está intimamente
de calçados, a situação é parecida. Guadalajara consome 23,9% de sua vinculada às características das populações respectivas. Cada estrato da
própria produção; o Estado de Jalisco, 5,7%; e outros estados, 70,4%. sociedade urbana tem um comportamento próprio, muito específico,
Essa produção se refere apenas aos calçados para homens!s. especificidade que se transcreve no espaço de forma tanto mais clara
É evidente que as características acima enunciadas não são sufi- quanto maiores sejam as diferenças do nível de vida. Voltaremos a esse
cientes para assimilar a noção de região à realidade de certas cidades tema quando estudarmos o espaço interno das cidades.
dos países subdesenvolvidos. As cidades dos países subdesenvolvidos — desde a menor à mais
Segundo B. Kayser'”, uma região apresenta as seguintes caracte- importante — encontram sua definição em relação com os vínculos

WA ONHOLNA NAS E ACVCIO V


rísticas: que mantêm com o exterior. As relações comandadas pela cidade em
sua área de influência são, em grande parte, dependentes da nature-
Os laços existentes entre seus habitantes [...] englobando não somente as za, da extensão, da importância e da intensidade dos vínculos acima
relações mas também as características comuns, [...] base [estas últimas] de notável
invocados. O que nos permite falar de uma rede urbana mundial, e
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não apenas de cidades mundiais, é o fato de que a cidade participa

OCIATOANASTASNS OIT
de um espaço mais amplo, de dimensões mundiais. Por esta razão lhe
14. Colloques sur la régionalisation au Brésil, Bordeaux, ONRS, 1968. “escapa sempre [...] o poder financeiro e político, isto é, a capacidade
15. M. Santos, op. cit. superior de decisão”, que está “deslocalizada”, como na caracterização
16. Hélêne Rivitre-d'Arc, “Guadalajara, Immigration et Zones d'Influences”, Villes
proposta por B. Kayser para a região.
et régions de PAmérique Latine, cnRs e Institut H. E. de " Amérique Latine, 1968
(Rapport de mission, RCP 147).

e
17. “La région comme objet d'étude de la géographie”, em P. George et al., La Géo-

Ebr
I42

graphie active, Paris, pur, 1964.


Assim, segundo a citação de P. Carrêre!º, que Kayser reproduz: “A II
região (leia-se a cidade dos países subdesenvolvidos) nada mais é que
o instrumento ou o marco da dominação”. CIDADES PREDATÓRIAS OU IMPULSORAS?
À noção da cidade-região põe em discussão o próprio conceito da
região. O esforço de aproximação a partir de uma noção de região
escrupulosamente elaborada tem, mais provavelmente, um valor me-
todológico. É importante assinalá-lo quando a noção clássica de região
começa a ser discutida por vários especialistas da análise chamada re-
gional. De resto, B. Kayser, em sua definição de região, levou em conta
essa constatação, na medida em que põe em relevo os fatores de origem
externa responsáveis pela formação e pela caracterização do espaço:
Uma região constitui sobre a terra um espaço preciso, porém não
imutável, inscrito em um dado quadro natural e que corresponde a três
características essenciais: os vínculos existentes entre seus habitantes,
sua organização em torno de um centro dotado de certa autonomia
e sua integração funcional em uma economia global. Ela resulta de
uma associação de fatores ativos e passivos, de intensidades variáveis, ecordemos a severa opinião formulada por Y. Lacoste a res-
cuja dinâmica própria dá origem aos equilíbrios internos e às suas peito da cidade nos países subdesenvolvidos: “um pólo de
projeções espaciais”. subdesenvolvimento”. Ele a explicita da seguinte maneira:
É impossível continuar sustentando o conceito de uma região geo- 1. As cidades não são pólos de desenvolvimento, uma vez que
gráfica modelada pela interação entre um grupo humano e um espaço não têm mais que “um tamanho irrisório em relação à amplitude e
dado. Talvez seja melhor falar simplesmente de subespaços geográficos. à complexidade dos pólos de desenvolvimento existentes nos países
Mas as palavras terminam sempre por adquirir uma força própria, e desenvolvidos”.
é totalmente compreensível que seja difícil abandonar um vocábulo 2. Exercem sobre seus arredores importantes efeitos de recessão,
enraizado a tal ponto que muitos ainda consideram a região como o “constituindo-se no foco de difusão das melhorias sanitárias, que

iSVAOSTINdII NO SVIRIQLVARIA SACVAIO


quadro específico de estudo dos geógrafos. provocam a baixa da mortalidade e determinam o desencadear do
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crescimento demográfico”.
Após análise, pode-se chegar facilmente a um acordo sobre o
primeiro ponto: as cidades, inclusive as de grande tamanho, não
exercem sobre sua região influências comparáveis às dos países
desenvolvidos. Por outro lado, é certo que a “civilização urbana”
18. P. Carrêre, citado por B. Kayser em P. George et al., La Géographie active, op. cit.,
ocasiona uma difusão da higiene que não é acompanhada por um
p. 306. decréscimo das taxas de fecundidade. Mas, se o progresso econômi-

e
19. B. Kayser, “La région comme objet d'étude, em P. George et al., La Géograpbie co “não se difunde”, a culpa não cabe às cidades, e sim ao sistema

Str
144

active, op. cit.


socioeconômico que as criou. Quanto à acusação, que recai sobre significa esquecer que a noção de pressão é muito relativa: o Paquis-
elas, de bloquear o progresso rural, a questão merece ser analisa- tão oriental (hoje Bangladesh, no delta do Ganges), uma das zonas
da com atenção, para que seja possível tentar a realização de um mais densamente povoadas do mundo, conheceu apenas um êxodo
balanço; o conhecimento do fenômeno é ainda muito rudimentar, rural muito fraco entre 1931 e 1951, passando a população urbana
porém alguns estudos, como os que, a respeito destas questões, são no referido período, de 2,7 a 4,4% da população total. O campo
realizados na África sob o patrocínio da Orstom, poderão ajudar a “subpovoado” conserva um grau de coesão rural muito maior.
preencher essa lacuna. Além do mais, grande número de cidades dos países subdesen-
volvidos não tem capacidade para absorver uma alta proporção de
imigrantes rurais. Collin-Delavaud* calculou que, nos últimos vinte
11.1. O CHAMADO PARASITISMO URBANO anos, as cidades da costa norte do Peru só haviam absorvido 13% do
excedente demográfico rural.
Segundo alguns autores, o “parasitismo” é exercido em diferentes Por último, convém relembrar que, contrariamente ao que se costu-
sentidos, porém sempre em detrimento do campo. Estudando os di- ma pensar, a área de recrutamento maciço frequentemente permanece
ferentes aspectos do fenômeno, veremos se essa afirmação é suscetível restrita: em Recife, 60% dos imigrantes procedem da Zona da Mata
de sofrer modificações. (zona costeira); em Salvador, 75,5% provêm do Recôncavo (região
natural de cerca de 100 km de raio); na região de Madras, 90% fixam-
a. Aspectos demográficos se na cidade da qual depende seu lugar de origem.
Quantitativamente, a cidade quase sempre exerce uma forte
absorção demográfica sobre o meio que a circunda. Essa absorção b. Aspectos financeiros
pode constituir-se em um fator negativo se o campo já se encontra De um lado, a cidade é a residência - ao menos temporária — do
despovoado. Isso será tanto mais verdadeiro se as pessoas mais em- grande proprietário, que aí gasta grande parte das rendas obtidas da
preendedoras forem as que procuram as cidades; os jovens partem terra: o fenômeno é tão antigo quanto a própria civilização urbana.
primeiro, enquanto a população rural envelhece; assiste-se, assim, ao De outro lado, por meio de suas companhias comerciais, de suas
despovoamento de amplas áreas, como na África Central, por exem- instituições bancárias, da organização fiscal que nela tem sua sede, a
plo!. Assim, a cidade de Pointe-Noire atinge cem mil habitantes, ao cidade realiza uma transferência coletiva da poupança. Ainda que se
passo que sua região, em um raio de 150 km, só tem 45 mil.

iSVIOSTINAWI NO SVRIQIVAMAA STAVAIO


trate de uma poupança limitada, pois a difusão da economia monetária
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Inversamente, pode-se supor que, nas áreas rurais superpovoadas, no campo superou, há certo tempo, grande parte dos mecanismos que
o êxodo rural ocasiona um alívio da pressão demográfica; mas isso até então podiam ser encontrados, por exemplo, em certos mercados
africanos. Nestes, o citadino comprador de produtos rurais chega pela

1. Ver: G. Sautter, De PAtlantique au fleuve Congo, une géographie du sous-dévelopement,


Paris, Imprimerie National, 1966, 2 vols., 1103 p.; e diversos artigos de M. Vennetier 3. N. Ahmad, An Economic Geography of East Pakistan, London, Oxford University
nos Cahiers d'outre-mer.
Press, 1958.
2. M. Vennetier, Pointe-Noire et la façade maritime du Congo-Brazzaville, Paris,

e
4. C€, Collin-Delavaud, “La côte nord du Pérou à la recherche d'une metrópole”,
146

br
Orstom, 1968.
Annales de Géographie, (103):304-317, mai-juin 1965 (Paris).
manhã com uma importância em dinheiro, que ele recupera integral- de catálogos, produtos franceses, que recebem diretamente”; 4% da
mente à tarde, depois de haver vendido ao rural produtos da cidade, renda anual da cidade de Kinkala são exportados dessa maneira, sem
sem que fosse possível haver a menor capitalização rural. Geralmente, vantagem nenhuma para o país.
os lucros dos comerciantes de produtos alimentícios não são excessi- Não se pode negar a existência de um certo parasitismo, mas, na
vos; sendo eles, porém, os únicos detentores de dinheiro em espécie, medida em que as trocas cidade-região são deseguilibradas em bene-
desempenham frequentemente o papel de agiota e daí obtêm lucros fício da cidade, é preciso não esquecer que o peso relativo do campo
enormes, como na Ásia'. na economia nacional desses países está em constante diminuição.
Balanços bancários, como o que pôde elaborar Collin-Delavaud Outros fatores que levam a esse aparente “parasitismo” encontram-se
para o norte do Peru”, mostram que os depósitos médios (141 milhões na frequente astenia das relações “cidade-região”, assim como no fato
de soles) são amplamente superiores aos dos empréstimos médios de que certas cidades experimentam um desenvolvimento autônomo,
(96 milhões de soles): por meio de suas sucursais bancárias, a cidade apoiado em capitais estranhos à região.
absorve, em proveito de suas atividades, a poupança rural. Por últi- As cidades são, portanto, menos predadoras do que frequentemente
mo, a exação fiscal contribui para a drenagem da poupança rural; se pensa. Mas será que elas desempenham um papel impulsor?
em um país como a China dos princípios do século xx, ela alcançava
enormes proporções devido às sobretaxas e à prática do recebimento 11.2. Em Que MEDIDA AS CIDADES SÃO OU TÊM CAPACIDADE
antecipado do imposto (em 1933, em Sechuan, eram cobrados os DE TORNAR-SE IMPULSORAS?
impostos de 1971)”.
Principalmente, porém, quando se trata de fundos obtidos das Também neste sentido, numerosas análises conduzem à minimiza-
produções minerais ou agrícolas especulativas, uma determinada ção da influência efetiva da cidade.
porcentagem da produção e da comercialização escapa ao controle ur- No plano financeiro, quando se pensa em grandes inversões, do
bano: “deve ser muito elevada nas regiões de grandes plantações e nos tipo da barragem de Assuã, é evidente que o capital urbano só de-
países pequenos”. As grandes companhias coloniais — a United Fruit sempenha um ínfimo papel. A parte principal das somas necessárias é
na América Central, os plantadores de Hevea no sudeste da Ásia — ex- constituída pelos créditos externos à região e à cidade, o que contribui
portam seus lucros prescindindo das cidades do país. Existem também para acentuar mais fortemente a desintegração regional e, mesmo, às
casos de curto-circuito em sentido inverso, no nível da distribuição: vezes, nacional (o break-off da China, exemplo da repartição em áreas

iSVHOSTNAWNI NO SVIIQILVAMEA SIAVAIO


assim, os camponeses mais privilegiados do Congo compram, através de influência, ou a secessão nigeriana).
Por outro lado, a explotação, pela China, das potencialidades
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do “investimento-trabalho” para realizações de média importância


(trabalhos de irrigação, por exemplo) oferece um exemplo original e
5. J. Delvert, Le Paysan cambodgien, Paris, Imprimerie Nationale, 1961, 747 p. vitorioso de integração regional vinculada a tentativas, às vezes sem
6. €. Collin-Delavaud, op. cit., p. 77.
7. 1. Bianco, Les Origines de la révolution chinoise, 1915-1949, Paris, Gallimard,
1967, pp. 172ss. ,
8. N. Lacroix e M. Rochefort, “Intéret de Pétude des relations entre les villes et les
+

e
campagnes dans les pays en voije de développement (document préliminaire)”, Bul- 9. A. Auger, Kinkala, centre urbain secondaire et sa vie de relations, Brazzavile, Orstom,
1965, p. 155.

6br
148

letin de Liaison, Sciences Humaines, 1, 1965, 31 p. (Orstom; difusão interna).


êxito, de descentralização econômica em pequena escala (a experiência tira afirmar que as elites saídas das faculdades emigraram para Lima,
das comunas populares). agravando com isso a situação regional; em grande maioria elas vol-
Nas economias subdesenvolvidas (liberais), ao contrário, o capital taram às propriedades familiares, para cuja melhoria contribuem”?,
urbano é destinado mais às especulações a curto prazo que a inversões escrevem Collin-Delavaud e Olivier Dollfus.
industriais ou agrícolas a médio ou longo prazos!º. No plano dos intercâmbios econômicos, as cidades podem deter-
Não obstante, existe, em certos casos, um circuito de retorno: na minar um crescimento rural de duas maneiras:
África tropical, por exemplo, ele é constituído pela poupança dos Em escala muito pequena, as cidades funcionam como redistri-
trabalhadores urbanos que é enviada às suas famílias nas respectivas buidoras; geralmente são os rurais, ao menos os mais privilegiados
regiões de origem; geralmente tais somas são dedicadas à compra de dentre eles, que se dirigem à cidade para a realização de suas compras.
terras. Em Kinkala!!, desenvolve-se uma colonização agrária por ini- Às vezes, porém, se a cidade já atingiu uma dimensão suficiente e se
ciativa dos citadinos não-residentes. Assiste-se, inclusive, a um retorno dispõe dos produtos industriais básicos de que a região necessita, ela
à pequena cidade, a partir de Brazzaville: estes formavam 2% do total alimenta uma corrente de distribuição; assim, o petróleo bombeado
de imigrantes, em 1945; e 28%, em 1964. e refinado perto de Salvador pela Petrobrás é revendido a varejo em
No plano demográfico verifica-se, em certos países, a existência de todo o Estado.
um êxodo urbano (muito relativo). O caso mais claro é o da China Por outro lado, somente por sua presença, as cidades constituem
Popular, onde o fenômeno resulta de uma política deliberada de forma- um mercado consumidor para a agricultura alimentar, na medida em
ção de quadros técnicos rurais, que são mandados de volta ao campo que os costumes alimentares de sua população se mantêm em seu
uma vez terminados seus estudos; esse movimento maciço é acompa- estado ou só evoluem lentamente. O campo circunvizinho reage de
nhado de uma intensa propaganda em favor da vida rural, realizada, forma bastante desigual às solicitações urbanas”.
principalmente, nas universidades; o fato é ainda mais característico Na economia planificada da China, foram obtidos excelentes re-
quando se sabe que, nos países não-socialistas do sudoeste da Ásia, sultados nas comunas populares hortícolas dos arredores de Pequim
as capitais retêm a maioria esmagadora dos diplomados, enquanto o ou de Xangai!*.
resto vai se instalar no estrangeiro?2, Nas áreas onde as comunicações são insuficientes (Mdhya Pradesh,
Nos países de economia “liberal”, às vezes se produzem fenômenos na Índia), ou onde as técnicas são rudimentares (região de Madras),
da mesma ordem, ainda que de proporções mais modestas. Assim, não existem cinturões hortícolas nem de culturas alimentares.
novamente no norte do Peru, a notável modernização da agricultura

iSVIOSTNAWI NO SVRIQIVATIA SIAVCIO


Em torno de Salvador, ao contrário, esboçou-se um desses cinturões,
açucareira foi realizada pelas elites instruídas: “Constitui uma men-
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graças à instalação de colônias de imigrantes do vizinho Estado de


Sergipe, de imigrantes italianos e de imigrantes japoneses. Ele existe

10. Cf. M. Santos, “Quelques problêmes des grandes villes dans les pays sous-dévelopés”,
Revue de Géographie de Lyon, 36 (3):197-218, mars 1961 (Lyon); J. Dupuis, Madras
et le nord du Coromandel. Étude des conditions de la vie indienne dans un cadre géo-
graphique, Paris, Adrien Maisonneuve, 1960 (Librairie d Amérique et d'Orient). - 13. €C. Collin-Delavaud, op. cit.
11. Auger, op. cit., p. 157. 14. Ver M. Santos, “Lalimentation des populations urbaines des pays sous-développés”,

e
12. T. G. McGee, “Croissance et caractéristiques des grandes villes du Sud-Est asiatique: Tiers-Monde, 8 (31):605-629, jul.-set.1967 (pur).
ISO

TSI
Foyers d'un nouveau culte”, Tiers- Monde, 8 (31):567-604, juil. 1967. 15. R. Dumont, “Chine surpeuplé”, Tiers-Monde Affamé, Paris, Le Seuil, 1966, 314 p.
também, desde muito tempo, em Bangalore, no sul da Índia!*, assim A população chegada à cidade faz crescer o volume de rendas e
como nas cidades nigerianas, onde são os habitantes da cidade que o nível da produtividade urbana. Os rurais recém-transformados em
trabalham a terra, segundo um sistema singular de trabalho temporá- urbanos aumentam a monetarização do mundo agrícola, graças à ga-
rio”, aí, as culturas alimentares estão associadas à cultura do cacau; rantia de um mercado em expansão e à perspectiva de uma evolução
em um raio de 40 km em torno de Ibadã, existem trezentos povoados técnica; dupla perspectiva que se abre sobre um aumento dos volumes
em que agricultores residem cerca de cinco dias, vindo passar o fim comercializados e dos preços.
de semana na cidade, que é a sede dos deuses tradicionais e dos cultos Pode, assim, ocorrer crescimento urbano e crescimento da economia
cristão e muçulmano; é no povoado que se nasce e se vive, mas é na rural, se o desenvolvimento das culturas alimentares obriga a cidade
cidade que se celebram as festas e se é enterrado. a mudar, a realizar um processo de criação. Se ela apenas se limita a
Por isso, em determinadas condições, pode desenvolver-se um co- drenar os capitais do campo, acaba por decrescer, porque as pessoas
meço de processo cumulativo que integra mais estreitamente cidade irão comprar em outra parte.
e região. A expansão das culturas alimentares é também causa de cria-
À economia urbana cresce à medida que as culturas alimentares ção de cidades, ao passo que esse fenômeno é impossível com as
se desenvolvem, enquanto, por seu turno, as melhoras da economia culturas comerciais. O algodão, por exemplo, é recolhido e trans-
urbana beneficiam a economia agrícola. Nota-se uma tendência à portado diretamente ao porto, com destino à exportação. Por sua
melhoria da produtividade, graças ao uso de melhores fertilizantes vez, os produtos alimentares cultivados por pequenos agricultores
e de melhores sementes. Além do mais, o crescimento urbano, assim provocam a criação de muitas atividades. Na verdade, os pequenos
produzido, tende a drenar agricultores para a cidade e a reduzir, por- agricultores raramente possuem meios de transporte e geralmente
tanto, o número de pessoas no campo. Desse modo, há condições para não têm capacidade de servir-se dos meios modernos, por serem os
que o lucro seja distribuído entre menor número de pessoas. caminhões demasiado grandes. Produz-se, pois, automaticamente,
Ao mesmo tempo que o nível de vida pode elevar-se no campo, a criação de “cidades-entreposto”. Trata-se de cidades não muito
seguido de uma elasticidade maior na demanda de serviços e produtos grandes, como Santa Fé, perto de Buenos Aires. Zaida Falcón de
manufaturados, os rurais enviados à cidade entram mais facilmente no Gyves nos proporciona, em seu estudo sobre a cidade de Chilpancin-
circuito produtivo, e a própria cidade tem de aumentar sua produção, go!8, exemplos de “cidades-entreposto” no México: Tixtla, situada
já que deve fazer frente às necessidades de duas camadas de população: a 12 km de Chilpancingo (capital de Guerrero), que recebe a maior

iSVHOSTINAWNI NO SVIIQIVA RIA STAVCIO


uma classe rural mais privilegiada, capaz, portanto, de um consumo parte do aprovisionamento de verduras e legumes da região, além
diversificado e dependente de uma comercialização, mas também uma de Zumpango e Chilapa.
MANUAL DE GEOGRAFIA URBANA

classe de novos citadinos, quase totalmente integrados ao circuito da Esse quadro de um crescimento harmônico pode parecer idílico e
economia monetária. irrealista. Múltiplos obstáculos se opõem, em todos os níveis, a esse
tipo de desenvolvimento. Não é menos verdade, porém, que apenas a
conservação e modernização das culturas alimentares permitem, em
16. K.N. Venkatarayappa, Bangalore (A Socio-ecological Study), Bombay, University
of Bombay, 1957 (Sociology Series, 6).

e
17. R. A. Akinola, “The Ibadan Region”, Nigerian Geographical Journal, 6 (2):102- 18. Z. Falcón de Gyves, Chilpancingo, Ciudad en Crecimiento, Ciudad de México,

ES
IS2

115, 1963 (Ibadan). Instituto de Geografía-Universidad Nacional Autónoma de México, 1969.


economias ainda predominantemente agrícolas, um impulso para a equilíbrio cidade-região? Parece ser esse o caso da China, onde a
integração entre a cidade e a região. doutrina oficial continua sendo “a agricultura como base, a indústria
como dirigente”.
11.3. RELAÇÕES CIDADE-CAMPO E ALTERNATIVAS ECONÔMICAS O problema de saber se a manutenção de um forte setor agrícola é
rentável, ao menos de imediato, depende de uma análise profunda da
É certo que as trocas entre a cidade e o meio que a circunda asse- situação específica de cada país, levando-se em conta, especialmente,
melham-se, com freqiiência, a uma drenagem em sentido único dos a porcentagem da população agrícola em relação à população total
recursos do campo; é também certo que o papel impulsor da cidade é (as soluções podem não ser as mesmas na Ásia e na América Latina)
muito reduzido, especialmente quando é débil sua industrialização: en- e as possibilidades de desenvolvimento autônomo de indústrias na-
tão, ela só distribui serviços, cuja acessibilidade permanece limitada. cionais.
Mas acusar as cidades de esvaziar o campo, e de enriquecer-se em O imperativo da harmonização das relações cidade-região nos paí-
seu detrimento, equivale a superestimar sua importância e não chegar ses subdesenvolvidos não pode decorrer de considerações sentimentais
ao âmago da análise. Na realidade, as cidades são intermediários bem ou “estéticas”, mas sim de uma alternativa econômica.
modestos. Os verdadeiros atores são as estruturas sociais e econômicas.
Não é correto transpor, em termos geográficos, uma oposição e uma
explotação que são, antes de tudo, de natureza social, uma vez que os
citadinos não vivem da exploração dos camponeses, sendo igualmente
explorados pela mesma estrutura de dominação.
Pense-se no caso da Venezuela, país urbanizado em mais de 70%
e que, no entanto, continua subdesenvolvido. É certo que as cidades,
no atual contexto internacional, são lugares de fixação das atividades
econômicas das potências imperialistas. Mas não devemos esquecer
que, apesar de todas as diferenças que possam existir entre o que cha-
mamos de Ocidente e o que chamamos de Terceiro Mundo, é impossí-
vel, nas condições atuais da economia internacional capitalista, iniciar

iSVHOSINAWI NO SVTSOLVATAA SAGVAIO


um processo cumulativo de crescimento regional ou nacional sem a
presença de um pólo de concentração demográfica e industrial.
MANUAL DE GEOGRAFIA URBANA

Uma vez reconhecido o fato urbano como realidade, o problema


de fundo aparece. Ele atua sobre a política geral de qualquer país do
Terceiro Mundo. Será preferível favorecer um forte e rápido cresci-
mento urbano e industrial? Esta foi a solução adotada por Stalin, mas
a URSS não apresentava um problema demográfico verdadeiramente
angustioso. Ou será preferível limitar o crescimento para permitir

e
apenas uma evolução progressiva do equilíbrio do emprego e do
154

SS
I2

As REDES URBANAS NOS PAÍSES


SUBDESENVOLVIDOS

INTRODUÇÃO

Até aqui temos tratado as cidades considerando-as individualmente


ou em suas relações com seu entorno. Na realidade, as pesquisas feitas
na perspectiva do acondicionamento do território mostram que, quan-
do se quer conhecer a realidade viva da economia urbana, é preciso
considerar o conjunto das células urbanas de uma dada região, assim

SOCIATOANISTAHAS SAS]Vd SON SYNVETAN SACA SV


como o organismo que elas formam no país.
A noção de rede urbana, elaborada por geógrafos e urbanistas,
exprime, no espaço, um jogo de fatores de natureza e de intensidade
diferentes, que se combinam de forma variável no tempo.
Admitindo-se, porém, a definição precisa de P. George — “para
que exista rede urbana, é necessário discernir diversas relações que
estabeleçam conexões funcionais permanentes entre os elementos ur-
banos da rede e entre eles e o meio rural”! —, será possível encontrar

ZS1 e
1. Pierre George, Précis de géographie urbaine, Paris, Pur, 1964, p. 280.
tais condições nos países subdesenvolvidos? Em caso negativo, será B. Kayser? afirma que a formação das redes urbanas nos países
possível encontrar um ou vários tipos de organização daquilo que se subdesenvolvidos enfrenta sérios obstáculos, “um dos quais refe-
pode chamar de complexo urbano ou sistema urbano, para distingui-lo rente à própria estrutura da economia: os fluxos recaindo apenas
da noção de rede elaborada, segundo a análise da organização urbana sobre a coleta de produtos brutos e a distribuição de alguns tipos de
dos países industriais? produtos acabados, a vida urbana dos centros subordinados repousa
É preciso reconhecer que, até o presente, entre os inúmeros estudos sobre um comércio elementar”. Esses fluxos são, ao mesmo tempo,
regionais, muito poucos se dedicaram a analisar de perto os sistemas pouco complexos e pouco intensos, principalmente nas regiões onde
urbanos em meio subdesenvolvido. a penetração da economia monetária é fraca. Daí a formação de redes
Às considerações que se seguem serão, pois, mais de ordem metodo- rudimentares, geralmente animadas por correntes comerciais intermi-
lógica que descritiva; a questão essencial continuará sendo a de saber tentes, em virtude das más condições naturais (estação das chuvas),
se os tipos, a gênese, a evolução e, principalmente, o funcionamento mas principalmente em virtude de uma produção regional muito pouco
da organização urbana obedecem ou não a esquemas análogos aos diversificada, que não permite uma atividade contínua.
dos países desenvolvidos. Entretanto, essas regras gerais sofrem várias exceções: pense-se na
complexa rede ferroviária da Índia ou no sistema de vias férreas em
forma de estrela que irradiam de Buenos Aires, ou, ainda, na densa
12.1. Traços GERAIS DA ORGANIZAÇÃO URBANA NOS trama rodoviária que tem como centro São Paulo.
Países SUBDESENVOLVIDOS b. “Redes” heterogêneas
Na escala de um grande país ou de um continente, as “redes ur-
Uma visão geral da questão permite distinguir algumas caracterís- banas” encontram-se mal ligadas entre si. Entre zonas de densidades
ticas evidentes, devidas ao próprio subdesenvolvimento, na medida elevadas, aparecem “desertos urbanos” que nem sempre correspondem
em que este se caracteriza pela debilidade e, principalmente, pela às zonas menos densamente povoadas.
fraca complexidade das relações de troca, assim como pelas fortes Outro obstáculo à formação de redes urbanas, apontado por B.
disparidades regionais. Kayser, consiste no “desenvolvimento de meios de transportes rápidos
e frequentes, dentro de um espaço ainda desorganizado”. A revolução

SOCIATOANASAAENAS SASJVA SON SYNVETYN STAY SV


a. “Redes” pouco desenvolvidas
Para começar, elas são pouco desenvolvidas em seu traçado: se dos transportes é acompanhada de uma transformação dos modelos
é possível, mediante uma visão sumária, basear a análise na rede de de consumo, o que acarreta uma intensificação de certas trocas. Ca-
vias de comunicação, observa-se que as redes lineares ou em espinha beria, porém, perguntar, a que conduzem essas transformações na
MANUAL DE GEOGRAFIA URBANA

de peixe ocorrem com fregiiência, enquanto as transversais são bas- organização do sistema urbano. P. Camarata? assinala que, na África
tante raras, como é o caso, por exemplo, da África tropical. A essa tropical, a economia comercial transforma-se no sentido de uma
simplicidade de traçado responde uma fraca densidade da “rede” de maior concentração, de uma rentabilidade aumentada, que acarreta
cidades, relacionada seja com o “subpovoamento” do país, seja com “a supressão de certo número de pontos intermediários, que fazem
a sua “suburbanização”; a distância entre os centros urbanos é, ao
mesmo tempo, sinal e causa da fraqueza das trocas.
+

e
2. EmP. George et alii, La Géographie active, Paris, pur, 1964, p. 329.
IS8

6%
3. P. Camarata, Les Réseaux urbains en Afrique Occidentale, Toulouse, DES, 1967.
com que a cidade perca grande parte de sua influência onde tais pontos Finalmente, a fragilidade da organização das “redes urbanas”, assim
se localizavam”. À distribuição também se concentra, por exemplo, como as tensões aí reinantes, tem por origem a defasagem entre a ace-
com “o surgimento da categoria dos caminhoneiros-comerciantes, leração da transformação das estruturas do transporte e do consumo e
com base em Dacar, que vendem seus produtos diretamente no vale o atraso na transformação das estruturas econômicas e sociais.
do Senegal”. Poder-se-ia talvez modificar um pouco a opinião de B.
Kayser. O aparecimento dos transportes rápidos e de massa nunca se
produz em um espaço desorganizado, mas em um espaço organizado de 12.2. A HrgrARQUIA URBANA: GÊNESE E LIMITES
forma diferente, no quadro de uma economia tradicional, dependente
e, por isso mesmo, vulnerável. Algumas teorias, como a de Christalleré — elaborada na Alemanha
c. “Redes” vulneráveis e utilizada também em outras partes —, dedicaram-se principalmente
É próprio das “redes” urbanas nos países subdesenvolvidos estarem a sistematizar a análise das relações entre as diferentes aglomerações
atualmente submetidas a uma sucessão de mutações muito rápidas, que da rede urbana e apresentaram a imagem de relações simples de su-
as fazem muito vulneráveis. Pareceu-nos, entretanto, possível distinguir bordinação sucessiva, imagem muito militar... expressa por organo-
dois estágios, duas idades de organização, o primeiro correspondendo gramas em forma de sistema planetário, associando, em relações de
a uma situação de tipo tradicional, e o segundo a uma situação pro- dependência hierárquica, astros, planetas e satélites.
priamente subdesenvolvida, segundo a definição de Y. Lacoste*. Demasiado rígida e simplista, essa noção de hierarquia precisa ser
Aparentemente, não existe coexistência entre esses dois tipos matizada, especialmente no que diz respeito aos países subdesenvol-
de organização, mas sim desorganização de um em benefício do vidos, ainda que alguns dentre eles tenham conhecido, no passado,
outro. Basta o aparecimento de uma nova rodovia para desarranjar uma organização hierárquica comparável e mesmo, às vezes, superior
completamente a organização do comércio, por causa da grande à dos países industrializados no que se refere ao conceito de harmonia
debilidade do equipamento em conjunto; a rodovia Panamericana e hierárquica (Egito, China).
a rodovia Norte-Sul brasileira desempenharam esse papel na América a. Gênese da hierarquia
Latina; uma vez mais, convém analisar em detalhe esses fenômenos Como nos países industriais, um fator de complexidade reside na
de captura, de curto-circuito: em certos casos, a organização tra- revolução dos transportes.

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dicional mantém uma vitalidade inesperada. Da mesma maneira, Nas áreas que já possuíam uma rede urbana anterior ao desenvol-
o desenvolvimento dos transportes aéreos nos países andinos pôde vimento dos transportes mecânicos (rede que se apoiava na circulação
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desencravar regiões pouco acessíveis no que respeita ao transporte terrestre e fluviomarítima), a hierarquia era rígida e estritamente
das pessoas, porém ainda não modificou de forma sensível os fluxos ligada às condições naturais. A revolução dos transportes facilitou a
econômicos”. superação desses obstáculos e, segundo os casos, reafirmou as fun-
ções anteriores das antigas cidades ou desmantelou a antiga “rede”,
transformando completamente a hierarquia. Porém nos países subde-
4. Y. Lacoste, “Perspectives de la géographie active en pays sous-développé”, em P.
George, et alii, La Géographie active, op. cit.
5. J Chapoulie, Formation et évolution des réseaux urbains dans les pays de P Amérique

e
160

I9I
andine, Toulouse, DES, 1967. 6. W. Christaller, Die zentralen Orte in Siiddeutschland, Jena, G. Fischer, 1933.
senvolvidos a revolução dos transportes foi importada do estrangeiro b. Aspectos da hierarquia
e realizou-se em benefício do imperialismo econômico dos países J. Chapoulie” (44) distinguiu centros de diferentes níveis na Amé-
industrializados, de forma que foi geral o desmantelamento, junto rica andina:
com o paulatino deslizamento das cabeças de “redes” do interior até — centros locais dotados de mercados semanais, possuidores de
a costa (caso da China, evocado anteriormente, mas também da Índia, um equipamento escolar e sanitário básico e de armazéns de abaste-
do Oriente Médio etc.). cimento para a região circunvizinha, às vezes dotados de eletricidade,
Um movimento posterior, também de caráter geral, tendente a rea- sendo com frequência centros de um território agrícola ou pontos de
bilitar as antigas capitais políticas e a reanimar a economia nacional, ruptura de carga entre uma rede de estradas e um meio moderno de
ocasionou uma nova modificação da hierarquia. Porém essa transfor- comunicação (como Pirampiro, no Equador, ponto final de um ramal
mação de natureza política só é decisiva nos países que verdadeiramen- da rodovia Panamericana e centro de um vale de montanha);
te conseguiram desencadear um processo de desenvolvimento nacional — centros sub-regionais, de dez mil a vinte mil habitantes, de fun-
autônomo, sacudindo assim, de certo modo, a tutela estrangeira. Na ção administrativa desenvolvida (Sicuani, perto de Cuzco), porém
maioria dos casos, a hierarquia urbana continua flutuante, instável, e desprovidos de irradiação econômica;
reflete, até certo ponto, a luta entre a economia nacional e o domínio — centros regionais de vinte mil a oitenta mil habitantes, de função
econômico estrangeiro. administrativa muito desenvolvida, verdadeiros centros de descon-
Nas zonas onde a urbanização é contemporânea ao desenvolvi- gestão da capital, providos de pequenas empresas industriais, mas
mento dos transportes mecânicos, a estrutura atual da “rede” urbana que não chegam a polarizar verdadeiramente seu espaço (o porto das
depende em grau muito maior das condições em que surgiu: nesses Esmeraldas, no norte do Equador);
casos, a hierarquia é mais propriamente colonial, tanto mais que o — metrópoles regionais (Cuzco, Trujillo, as grandes cidades colom-
domínio econômico é acompanhado de um domínio político que fixou, bianas etc.), sempre distantes da capital, possuidoras de um forte setor
no essencial, o aspecto da administração desses países e, consequente- terciário, cuja promoção, porém, realizou-se graças à indústria (assim,
mente, a implantação geográfica dos serviços. Uma “rede” desse tipo, como assinala Collin-Delavaud*, Trujillo superou suas rivais Chiclayo
que responde a objetivos estratégicos e especulativos, pode ser, ainda e Piura graças à concentração industrial que aí ocorre);

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que mais recente, mais estável que as precedentes. — por último, as metrópoles nacionais, das quais trataremos mais
Cabe considerar separadamente o caso da América Latina. De fato, adiante;
o desenvolvimento da “rede urbana” é aí quase sempre contemporâneo É certo que existe uma armadura desse tipo, mas ela levanta duas
ao do povoamento, e os impulsos econômicos, via de regra, procedem séries de problemas:
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desde sempre do exterior, e a tal ponto que a introdução dos meios — Tal hierarquia realmente existe? Não se produzirão aí fenômenos
mecânicos marcou, sem dúvida alguma, menos uma captura que uma de curto-circuito em detrimento de certas categorias? Relaciona-se com
brusca ampliação da evolução anterior. Nesse caso, os fenômenos todas as classes de população?
característicos consistem em capturas facilitadas pelo recente desenvol-
vimento da rede viária e da aviação, paralelamente a novas tentativas
de integração das economias nacionais ou mesmo continentais. 7. J. Chapoulie, op. cit.

*
8. €. Collin-Delavaud, “La côte nord du Pérou à la recherche d'une metrópole”,
162

Annales de géographie, (103):304-317, mai-juin 1965 (Paris).

£gr
— Qual é a importância real de cada nível de cidades? Existe real- A macrocefalia tende a acentuar-se devido à lei dos grandes núme-
mente uma hierarquia ou, ao contrário, existirá um hiato que separa ros e porque, “sendo a taxa de crescimento natural quase a mesma,
metrópoles muito povoadas e ativas de centros regionais desprovidos qualquer que seja o tamanho da cidade, quanto mais povoado é um
de vida econômica real? centro mais atrai para si Os imigrantes de sua região”HM,
Porém, nos países onde a porcentagem de população urbana é
ainda fraca, também não é desconhecido o fenômeno da macrocefalia,
12.3. Crítica DA Noção DE REDES HiERARQUIZADAS como ocorre na Índia, já que são os aspectos econômicos do fenôme-
no aqueles verdadeiramente determinantes. As cidades macrocéfalas
a. A macrocefalia caracterizam-se por uma concentração — mais que proporcional ao
A macrocefalia é uma noção relativa que faz aparecer a importância total de sua população — das categorias sociais de alto poder aquisitivo,
demográfica e, sobretudo, a importância econômica de uma cidade em assim como do equipamento e da atividade econômica.
relação à de outras cidade e à do conjunto do país. Entre os exemplos No que diz respeito ao nível de rendas e ao nível de consumo, uma
mais típicos estão os de Lima-Callao, no Peru, e Bangkoc, na Tailândia. cidade como Lima, que só tem 20% da população do Peru, abriga 50%
Nesses países, que têm mais de dez milhões de habitantes, as capitais dos assalariados e quadros médios do país e responde por 54% do
são milionárias, mas nenhuma cidade de província ultrapassa muito os montante global do imposto sobre a renda, além de possuir 62% dos
cem mil habitantes. Estritamente, o termo deveria ser aplicado apenas automóveis em circulação. Em Lomé (Togo), cidade dez vezes menos
aos casos de redes monocéfalas, mesmo quando possam ocorrer casos povoada, as proporções são comparáveis. Em Bangkoc, cidade que
mais complexos (bicefalismo no Equador, por exemplo). reúne apenas 8% da população da Tailândia, concentram-se 78% dos
As cidades macrocéfalas representam geralmente uma porcentagem graduados universitários do país, 64% dos médicos, 75% dos dentistas
elevada da população nacional, especialmente nos países subpovoados etc. Vale salientar que um dos melhores indicadores da concentração
e muito urbanizados da América Latina, onde o aspecto demográfico de uma população com alto poder aquisitivo é a porcentagem de au-
da macrocefalia é bastante nítido: Caracas, Lima e Santiago represen- tomóveis; assim, quatro quintos dos veículos do Marrocos circulam
tam, respectivamente, 20%, 20% e 25% da população total de seus nas grandes cidades costeiras do noroeste.

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países, assim como 27,5%, 31,4% e 40,9% da população urbana. A concentração do equipamento e da atividade industrial e dos
Mas também se encontra o mesmo fenômeno na África (já em 1960, serviços é também um fato típico; quanto mais uma cidade se desen-
as cidades do noroeste do Marrocos agrupavam 44% da população volve, tanto mais aí se desenvolvem as indústrias. No Peru, em Chim-
bote!?, a indústria acompanha com um certo atraso a urbanização;
MANUAL DE GEOGRAFIA URBANA

urbana do país”), assim como no Sudeste Asiático, onde as cidades


“principais” têm, em cada país da zona, uma população ao menos ela não a precede?; no México, a região metropolitana da Cidade
cinco vezes maior que a da segunda cidade respectiva!º. do México agrupava menos de 20% da população do país e gerava
55% da produção industrial total, ao passo que na região fronteiriça

9. D. Noin, “Aspects du sous-développement au Maroc”, Annales de géographie,


(410), juil.-aoàt 1966. 11. J. Chapoulie, op. cit.

e
10. T. G. McGee, “Croissance et caractéristiques des grandes villes du Sud-Est asiatique: 12. T. G. McGee, op. cit., p. 582.
164

Sgr
foyers du noveau culte”, Tiers-Monde, 8 (31):567-604, juil. 1967. 13, O. Dollfus, Le Pérou, Paris, pur, 1969.
do norte as porcentagens correspondentes eram 16 e 23%; no resto do transporta 85% das mercadorias através de 34% do total das vias
país, 70 e 22%. férreas do país.
A macrocefalia industrial é ainda muito mais clara em Lima (80% Tivemos ocasião de afirmar que a macrocefalia resultava da realiza-
da cifra dos negócios industriais, excluídas as indústrias mineiras e ção de um processo cumulativo. Por que atinge, porém, determinadas
açucareiras); em Caracas, região central da Venezuela (75%); em cidades e não outras, mais ou menos próximas?
Casablanca (60%) etc. Durante o período colonial, a administração centralizada e a con-
Longe de estar em regressão, o fenômeno tende a acentuar-se, de- centração do comércio de exportação-importação fizeram da capital
vido à presença de uma força de trabalho continuamente aumentada: o único organismo urbano dotado de serviços; porém a economia
em 1960, San Juan de Porto Rico agrupava 75% dos empregos indus- internacional continua determinando sozinha a evolução da cidade, a
triais criados na década precedente; em Istambul!“ a proporção era de tal ponto que a rede interior de transportes é quase inexistente. Como
51%; quanto maiores são os índices de rentabilidade das inversões a população circula mais facilmente que as mercadorias, a capital
industriais, tanto mais o fenômeno se desenvolve de forma cumulativa. conhece um rápido crescimento demográfico.
B. Kamianf estimou que as grandes cidades hipertrofiadas absorviam No momento do desenvolvimento dos meios de transportes moder-
entre 50 e 80% das inversões nacionais. nos e do início do processo industrial, a capital, ou seja, a “macrocida-
Além do mais, esses investimentos contribuem para reforçar, ao de”, pode conservar seu papel de cabeça nacional se sua importância
mesmo tempo, a capacidade de recepção e o poder de atração da “macro- demográfica e econômica no começo do período é suficiente; porém
cidade”. Em Atenas, onde se concentra uma alta proporção das rendas as oportunidades de acumulação multiplicadora são ainda maiores
imobiliárias do país, efetuam-se 53,6% das transações imobiliárias (em se a metrópole industrial é também uma metrópole política: o poder
valor) e concentram-se 45% das novas residências!*. político da economia, a força política das elites, das classes médias
Finalmente, no que diz respeito aos fluxos de trocas — que são o e, parcialmente, das massas monopoliza os recursos públicos e priva-
melhor indicador para a análise das “redes” urbanas -, as proporções dos em detrimento do resto do país: o desequilíbrio que se instaura é
são da mesma ordem: Lima centraliza 75% do comércio peruano; igualmente cumulativo.
San Salvador (América Central), 77,4% dos lucros comerciais”; b. Redes urbanas, bacias urbanas, dispersão urbana

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Casablanca assegura três quartos do comércio exterior marroquino; À macrocefalia das metrópoles responde a fraqueza dos centros ime-
Guayaquil, 53% das importações do Equador. Nesse mesmo país, a diatamente subordinados, de forma que a cadeia hierárquica às vezes
linha Quito-Guayaquil, que liga as duas cabeças da “rede urbana”, fica reduzida a um só escalão: “Na África ocidental cada ponto da rede
de relações está diretamente ligado à metrópole”!8. O mesmo ocorre em
MANUAL DE GEOGRAFIA URBANA

torno de Brazzaville””. Estamos em presença do-fenômeno das “bacias


urbanas”, onde os efeitos de curto-circuito são a regra geral; em Toule-
14. M. D. Rivkin, Area Development for National Growth: The Turkish Precedent,
New York, Praeger, 1965.
15. B. Kamian, “Une ville de la République du Soudain: San”, Cahiers d'outre-mer, 12
(47):225-250, juil.-sept. 1959 (Bordeaux).
16. B. Kayser, Géographie hbumaine de la Grêce, Paris, pur, 1964. : 18. P. Camarata, op. cit.
17. J. Tricart, “Aspects de la géographie de la population au Salvador (Amérique 19. Cf. A. Auger, Les Centres urbains secondaires au Congo Brazzaville, Brazzaville,

+
centrale)”, Geográfica, (66):33-59, 1964 (Instituto Pan-americano de Geografia e Orstom, 1966; M. Vennetier, “La vie agricole urbaine à Pointe-Noire”, Cahiers

Z9I1
166

História, Rio de Janeiro). d'outre-mer, 14 (53):66-80, janv.-mars 1961 (Bordeaux).


pleu, centro semi-urbano do oeste da Costa do Marfim, o conjunto de pelo menos na África, que frequentemente se é levado a estabelecer
produtos e mercadorias comercializados procede diretamente de Abidjã?. a hierarquia levando em conta sobretudo o equipamento social e as
O mesmo fenômeno pode reproduzir-se em escala ainda maior: no Peru funções administrativas; o conteúdo efetivo dos fluxos econômicos
setentrional costeiro?!, recorre-se rapidamente a Lima para qualquer ser- passa a segundo plano e obtém-se uma classificação formal que não
viço de certa complexidade, por não haver Trujillo conseguido concentrar, pressupõe a existência de verdadeiros vínculos funcionais entre essas
por exemplo, atividades diversificadas suficientes, uma vez que os meios aglomerações.
de transporte são cada vez mais rápidos: o escalão intermediário existe, Em numerosos casos os organismos urbanos são indiferenciados
porém nem sempre pode responder às necessidades. uns em relação aos outros, e cidades cuja população varia do simples
Alguns autores tentaram explicar a fraqueza dos centros inter- ao duplo, ou ainda mais, podem desempenhar exatamente as mes-
mediários recorrendo a argumentos puramente econômicos, como a mas funções: existirá, nesse caso, rede hierárquica ou, simplesmente,
existência de um limite entre dois tipos de equilíbrio: dispersão urbana.
As disparidades regionais são de tal forma que as cidades mais
à medida que aumenta a distância do serviço, diminuem as possibilidades
equipadas são as que regionalmente dominam as áreas econômicas
de frequentação e aumentam os gastos gerais com serviços. O equilíbrio que se
encontrava, pois, assegurado com uma dada população para um dado serviço
menores (comparem-se São Paulo e Manaus).
e com um determinado raio de ação só se restabelecerá com um raio de ação Além do mais, essa noção de hierarquia não tem nenhum sentido
sensivelmente superior e com uma população muito mais importante?. se não fazemos intervir os homens que são os donos desse poder de
comando, ou os utilizadores desses serviços: só a partir daí se torna
Mas essa tentativa de explicação é insuficiente: é preciso fazer in- possível esboçar uma explicação em profundidade das características
tervir mais dois outros fatores: de um lado, os centros intermediários das “redes urbanas” nos países subdesenvolvidos.
nos países subdesenvolvidos se caracterizam sociologicamente pela c) A rede urbana na perspectiva de uma economia bissetorial
falta de uma burguesia empreendedora, dotada de capitais e disposta Como foi exposto anteriormente, nos países subdesenvolvidos
a investir localmente; às vezes, essa burguesia é forçada a partir para existem dois circuitos de produção e de consumo, mais justapostos que
as maiores cidades. De outro lado, o Estado pouco se preocupa em realmente concorrentes, exceto no nível das classes médias, por sua

SOGIATOANTSTAENS SASJVd SON SYNVTIN SACAA SV


repartir geograficamente os investimentos. vez pouco desenvolvidas. O circuito moderno liga-se à rede mundial
À fraqueza do papel dos centros intermediários, assinalada ante- de intercâmbios devido à importância da importação e da exportação
riormente, juntam-se inúmeros argumentos que põem em dúvida a em suas atividades. O circuito tradicional, ao contrário, é um elemento
MANUAL DE GEOGRAFIA URBANA

validade da noção de rede hierarquizada nos países subdesenvolvidos, de integração regional, na medida em que dispõe de capitais locais.
dentre os quais podem-se enfatizar os seguintes: Geograficamente falando, em relação aos outros organismos da cons-
A fraqueza da infra-estrutura comercial e financeira é de tal ordem, telação urbana a pequena cidade goza, pois, de uma autonomia funcional
mais considerável que a grande cidade, “um poder criador auto-susten-
tado e autônomo”. Na grande cidade, o setor tradicional — que mantém
20. A. Schwartz, op. cit. estruturas do tipo de “pequena cidade” — tem esse mesmo poder.
21. €. Collin-Delavaud, op. cit. Assim, em um mesmo espaço defrontam-se influências de alcance e

e
22. M, Arnaud, “Urbanisme et technique de création du milieu physique et humain”, em
intensidade diferentes, de natureza quase distinta. É, pois, impossível
168

Journées smuH: urbanisme et coóperation, Poigny-la-Forêt, avril 1965, pp. 89-100.

6gr
e inútil tentar determinar um espaço que dependa completamente de maioria dos casos, mesmo que o seu poder de compra se eleve, elas
uma dada cidade. não podem chegar a esse mundo diferente.
Por outro lado, pelo fato de que cada cidade funciona como se O acesso a uma hierarquia de serviços seria um luxo reservado
também pertencesse aos escalões inferiores da hierarquia urbana aos ricos: daí a debilidade das redes urbanas nos países subdesenvol-
(existem várias cidades na cidade), a concorrência entre os centros vidos. Mas, esta é uma afirmação que deve ser verificada mediante
urbanos manifesta-se em todos os níveis: em seu funcionamento, a monografias detalhadas.
“rede” não seria resultante de um equilíbrio entre organismos urbanos
considerados como células autônomas que se contrapõem, como se
tendia a acreditar?. 12.4. MopDELOS DE ELABORAÇÃO E ENSAIO DE
Existem, pois, segundo a categoria socioeconômica da população TiroLOGIA DAS “REDES URBANAS”
urbana que se considera, “redes urbanas” muito diferentes, tanto mais
distintas quanto mais estratificada esteja a estrutura social da cidade: na Depois de haver analisado um grande número de características
grande cidade, a classe privilegiada corresponde ao escalão de uma rede das redes urbanas, é necessário teorizar um pouco para apreciar, em
que, em escala superior, vincula-se à rede mundial das cidades dos países seu real valor, os fatores que intervêm na sua formação”. Certos me-
industriais, mas da qual as classes populares ficam praticamente excluídas. canismos de interação foram revelados através de estudos empíricos de
Na pequena cidade, a população urbana e regional pobre encontra a parte geógrafos ou de economistas e, apesar da extrema variedade de casos,
essencial dos serviços de que necessita, devido à sua facies econômica e parece possível falar-se de “modelos”, isto é, de comportamento stan-
cultural (consumo, festas tradicionais etc.); ela os encontraria também na dard dos diferentes fatores presentes. Na medida do possível, é preciso
cidade grande, mas não teria acesso a outros de categoria superior, em tentar distinguir os fatores principais que determinam a formação e
virtude de seu fraco poder de compra; ao contrário, o grande proprietário a transformação das redes, os fatores secundários que determinam as
rural absenteísta, que toma o avião para ir à capital, praticamente não variantes, os “submodelos” no interior dos modelos.
encontra na pequena cidade nenhum dos serviços de que necessita. a. Os fatores principais e sua combinação
É preciso concluir que, para as massas pobres, não existe rede Três elementos de base constituem a própria substância da orga-
urbana, ou mesmo que ela não existe em nenhuma circunstância (à nização das redes: as massas, os fluxos e o tempo.

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parte, é claro, a hierarquia administrativa), porque não existem ser- Às massas se decompõem em massa de população, sua densidade
viços acessíveis para além de um nível rudimentar, já que as relações e sua distribuição; massa da produção, sua distribuição e seu valor;
demográficas não bastam para elaborar uma rede de trocas. Ou então massa da poupança; massa do consumo e sua localização; massa do
MANUAL DE GEOGRAFIA URBANA

que existe uma rede urbana imaginária, corolário do efeito demonstra- equipamento, especialmente do equipamento em transportes.
ção, que leva as pessoas a se dirigirem para a cidade, onde acreditam Os fluxos: “O poder não pertence aos organismos que possuem as
poder alcançar um nível superior de serviços; na verdade, na grande massas e sim aos que dirigem os fluxos”. Por natureza, as “redes urba-

23. M. Santos, “Une nouvelle dimension dans Pétude des réseaux urbains dans les 24. M. Santos, “Les modeles d'élaboration des réseaux urbains das les pays sous-
e

e
pays sous-développés”, Annales de géographie, 79 (434):425-445, juil.-aoút 1970 développés”, Bulletin de la Société de Géographie de Liege, 4 (4):11-21, déc. 1968
170

IZI
(Paris). (Liêge).
nas” são a expressão dos fluxos de população, das produções agrícolas Pode-se adiantar a seguinte definição provisória: uma rede urbana
e industriais e dos fluxos monetários de informação e de ordens. Em é o “resultado de um equilíbrio instável de massas e de fluxos, cujas
particular, a população é não somente uma massa mas principalmente tendências à concentração e à dispersão, variando no tempo, propor-
um fator gerador de fluxos, fato que convém ser ressaltado. cionam as diferentes formas de organização e de domínio do espaço
O tempo: é uma noção fundamental em geografia, que pondera pelas aglomerações”.
os dois outros critérios; fundamentalmente explica os fenômenos de b. Os fatores secundários da constituição das “redes”
disparidade e faz sentir-se no domínio do equipamento, pelo grau Recordemos rapidamente alguns desses fatores.
de arcaísmo da infra-estrutura agrícola, industrial, dos transportes e O tamanho do país desempenha um papel importante, na medida
dos serviços, segundo as regiões, assim como pelo nível cultural da em que as trocas se estabelecem geralmente no quadro nacional (ver as
população, encarado em sentido amplo. dificuldades de criação de mercados comuns nos países subdesenvol-
As disparidades originam-se principalmente pela defasagem entre vidos, herança das divisões coloniais). Desse modo as redes têm mais
a rápida evolução dos setores de transportes e comunicações (e do oportunidade de ser heterogêneas em um país mais vasto, ocorrendo
consumo) e a evolução mais lenta do conjunto das estruturas econô- o contrário em uma área politicamente muito fragmentada, pois ela
micas e sociais. Somente a industrialização é capaz de preencher esse geralmente não oferece oportunidade para a constituição de “redes”
fosso, já que opera sobre o conjunto dos fatores anteriormente enu- viáveis (América Central ou Togo-Daomé, por exemplo).
merados. À natureza e o grau de industrialização são os responsáveis A idade da colonização e do equipamento primitivo: os países cujo
pelo tipo de rede. equipamento foi anterior à era industrial tiveram tempo de constituir
Essa evolução imprime-se no espaço por uma luta dialética entre “redes”, modificadas segundo o ritmo das sucessivas revoluções dos
tendências à concentração e tendências à dispersão. transportes, o que ocasiona disparidades e interferências. Os que
A distância — que é física, mas sobretudo virtual, medida pelo tem- foram colonizados ou equipados posteriormente formaram uma rede
po gasto no percurso ou pelo custo do percurso — pode ter um efeito moderna, mais simples, porém geralmente concebida com um espírito
positivo, tornando possível a instalação de uma atividade rentável em especulativo e estratégico: daí as grandes dificuldades surgidas quando
uma aglomeração distanciada. Mas essa distância virtual, esse espaço- se tenta adaptá-la em benefício da economia nacional.
tempo ou este espaço-preço, tem uma natureza essencialmente instável:

SOCINTOANISTAYNS SASIVd SON SYNVEIN STCHA SV


O sistema de governo: um regime federal favorece um sistema
uma melhoria dos transportes (material, rede), uma mudança de tarifas multipolar; um regime centralizador favorece um sistema unipolar;
podem modificá-la completamente. Essa é uma causa da fragilidade esse determinismo, porém, desaparece ante as exigências das grandes
das redes urbanas nos países subdesenvolvidos.
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correntes econômicas.
Face às transformações técnicas, uma ou outra cidade pode ser Uma rede pode apresentar maior ou menor homogeneidade em
mais ou menos capaz de adaptar-se, segundo concentre uma série mais decorrência da prática do sistema, isto é, se ele é dirigista ou se, ao
ou menos completa de funções; a configuração da rede modifica-se, contrário, adota o laissez-faire, pois todo sistema dirigista tende a
principalmente se todos os fatores de massa são atingidos. Segundo planificar a distribuição geográfica da riqueza.
o espaço de tempo deixado para a adaptação de outros centros mais Uma política comercial, protecionista ou não, influi enormemente
bem situados, uma cidade será ou não capaz de adaptar-se, de reagir na estrutura das redes urbanas. Já assinalamos, em outro lugar, que

e
e de compensar a perda de uma parte de suas atividades. uma rede urbana em um país protecionista mostrava tendência a
172

€z1
reequilibrar-se em benefício das cidades do interior; uma rede é tanto de cada conjunto no quadro nacional: Dacar domina uma “rede”
mais sólida quanto mais o seu funcionamento depende das condições multinacional que compreende o Senegal, Mali e Mauritânia, porém a
criadas pelo país e para ele próprio. autoridade de Dacar só é incontestável na parte senegalesa da “rede”.
Os tipos de atividade econômica: basta recordar o papel da indus- “É válido pensar que tal situação resulta do processo de formação: a
trialização na fixação da rede urbana para verificar como é grande a rede de relações constituiu-se em torno de um eixo de comunicações
sua importância, ao passo que as atividades puramente especulativas preexistente e, à medida que se desenvolvia, tornou-se demasiadamente
(mineração, plantações) originam uma organização efêmera do espaço. ampla para manter sua autoridade.”
De fato, quanto mais uma economia é complexa e diversificada, tanto O segundo tipo é o de Abidjã: “A rede de Abidjã sofreu uma
mais estável tende a ser a rede urbana. evolução inversa, em virtude da época em que se constituiu: não foi
Por fim, as estruturas sociais funcionam como determinantes dentro a ferrovia que provocou a organização regional, mas sim esta que, à
dos limites acima fixados. Em resumo, pode-se afirmar que os fatores medida que se elaborava, provocou o desenvolvimento da ferrovia”;
econômicos e sociais são os que dirigem a disposição das redes e lhes essa “rede” multinacional (Costa do Marfim, Alto Volta) encontra-se
conferem seus aspectos específicos. muito melhor integrada.
c. Em busca de uma tipologia das redes Os dois outros tipos de redes são as de Cotonou e Conacri: a primeira
Não existem duas formas semelhantes de organização de células urbanas apresenta um tipo multinacional mal integrado e a segunda um tipo
em um mesmo país. A própria terminologia é imprecisa, já que emprega puramente nacional, em consequência da natureza física e da escolha
com freguência dois termos indiscriminadamente: sistema urbano e rede. política do país.
O primeiro não pode ser aplicado a um país nem o outro a uma região, de Na América Latina, J. Chapoulie”* estudou “redes” muito mais
vez que, no caso de um país pequeno, o sistema limita-se frequentemente antigas que as da África, segundo o meio geográfico em que se im-
a uma só rede; quanto à própria noção de rede hierarquizada, já foi visto plantaram e a escala em que se considera o fenômeno:
que deveria ser empregada de forma bem mais limitativa. — “Redes” das regiões costeiras: portos que mantêm relações de
Para estabelecer uma tentativa de tipologia, convém apoiar-se nos tipo colonial com seu hinterland, se o porto é a cidade mais importante
critérios precedentemente especificados: época e condições técnicas de for- do país, e que concentram a totalidade do desenvolvimento industrial

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mação; ritmo de adaptação; grau de disparidade, densidade e distribuição (casos de Maracaibo, Guayaquil, Concepción). Ou cidades do interior
espacial; grau e tipo de polarização; existência ou não de macrocefalia; tipo que desempenham o papel de cabeça-de-rede, com uma quase absorção
de atividade dominante; presença, efetiva ou não, de uma hierarquização do porto (Caracas-La Guaira, Lima-Callao), ou, se as distâncias são
com poderes de decisão; dinamismo das aglomerações consideradas; maiores, bipolaridade e constituição de uma zona de intensa circulação
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dependência ou não do conjunto em relação ao exterior. (Santiago-Valparaiso antes da fusão e Cáli-Buenaventura).


Até o presente, poucas análises têm sido dedicadas ao estudo — “Redes” de regiões montanhosas: nas regiões montanhosas en-
sistemático das redes urbanas. Para a África ocidental, P. Camarata? contram-se fileiras de cidades assentadas em sentido longitudinal aos
identificou quatro tipos de redes de relações, segundo a adequação vales, porém “as redes verdadeiramente hierarquizadas constituem

Sz1e
174

25. P. Camarata, op. cit. 26. J. Chapoulie, op. cit.


exceção, porque as relações entre os centros urbanos são reduzidas e A macrocefalia pode parecer responsável pelo vazio econômico que
limitadas à demanda de serviços excepcionais”. se forma em torno de grandes cidades como Lima (O. Dollfus?*): em
- “Redes” das regiões periféricas pouco povoadas: por ser aí muito redor de Lima, e em um raio de 400 km, nenhuma cidade pode desem-
fraca a densidade urbana, as cidades são frequentemente isoladas. penhar um verdadeiro papel de capital regional, e seria até mais exato
- Por último, as metrópoles macrocéfalas dominam de fato a dizer que macrocefalia e vazio econômico andam par a par e dividem
totalidade do país, porém sua área de influência direta é muito mais igualmente as responsabilidades. Por outro lado, certos autores têm
reduzida. Essas cidades exercem, pois, uma influência de tipo muito afirmado que uma concentração excessiva corre o risco de desencadear
especial, seja sobre uma verdadeira rede urbana da qual é a cabeça, um processo de evolução regressiva nas demais cidades”.
seja sobre imensos espaços onde sua influência progride na medida em Como essa macrocefalia é de natureza diferente da encontrada nos
que elas representam o pólo das atividades econômicas mais dinâmicas países desenvolvidos, de vez que corresponde a uma falta de dinamismo
(São Paulo, por exemplo). urbano das regiões rurais, não se pode negar totalmente que a concen-
tração dos recursos e das possibilidades nas grandes cidades seja um
obstáculo à expansão ou à existência das cidades médias?”.
12.5. “REDES URBANAS” E POSSIBILIDADES DE INTERVENÇÃO Encontramo-nos, então, frente a um círculo vicioso sem solução,
NOS PAÍSES SUBDESENVOLVIDOS ou temos possibilidades de intervir para rompê-lo?
Nos países desenvolvidos, a ciência regional procurou achar
A possibilidade e a eficácia de uma intervenção na rede de relações respostas positivas para essa questão. Na França, por exemplo, os
só poderá realmente ser apreciada à luz da experiência e não a partir estudos de M. Rochefort e Jean Hautreux?! colocaram claramente o
de teorias formuladas a priori. Trata-se de verificar se um determinado problema, indicando os mecanismos defeituosos a serem corrigidos e
número de alternativas é válido. os remédios desejáveis. Trata-se de uma geografia aplicada ou ativa,
Entre as alternativas frequentemente recomendadas, uma das mais na melhor acepção do termo: é a intervenção do geógrafo em um
importantes é a que se coloca entre uma macrocefalia aceita e ordena- terreno que, inegavelmente, é o seu — a elaboração de um sistema
da, com o objetivo de limitar o subemprego urbano e de assegurar uma regional, os princípios que a presidiram, as possibilidades de inter-

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rentabilidade máxima das inversões, no contexto de uma economia que venção eficaz. O economista dá sua contribuição com a teoria dos
procura tornar-se competitiva, evitando o recurso ao dirigismo e ao pólos de crescimento, desenvolvida na França por François Perroux
protecionismo; e, por outro lado, uma política de promoção regional e seus discípulos.
e de equipamento dos centros intermediários, única forma, aos olhos
DE GEOGRAFIA URBANA

de alguns reformadores, de modernizar a economia e a sociedade.


B. P, Hoselitz?” insiste na necessidade absoluta de equilibrar as redes
28. O. Dollfus, op. cit.
urbanas para preencher o fosso existente entre as cidades macrocéfalas 29. T. G. McGee, art. cit., a propósito de Rangum.
e o mundo rural. 30. P. George, “Matériaux et réflexions pour une politique urbaine rationelle dans les
MANUAL

pays en cours de développement”. Tiers-Monde, julho-setembro 1962.


31. M, Rochefort & J. Hautreux, “Les metrópoles et la fonction régionale”, Construc-
tion et aménagement (17), oct. 1964 (Ministêre de la Construction); e “Physionomie

e
27. B. E Hoselitz, Sociological Aspects of Economic Growth, Glencoe, NY, The Free générale de Parmature urbaine française”, Annales de géographie, (406):660-677,

LLx
176

Press, 1960. nov.-déc. 1965.


Esse procedimento será igualmente válido nos países subdesen- estas últimas produções constituem um elemento suplementar para o
volvidos? reforço da coesão regional.
Inicialmente negou-se a viabilidade da transposição da teoria dos Evidentemente, essa coesão é entravada quando o país dá um im-
pólos de crescimento para os países subdesenvolvidos, visto que, pulso bastante forte em direção à sua industrialização; estabelecem-se
nos países industriais, a teoria está baseada no conceito de regiões desequilíbrios em favor das regiões primeiramente industrializadas.
polarizadas*. Nesse momento, instala-se um outro tipo de relações e a metrópole
Como os países subdesenvolvidos só raramente conhecem esse tipo econômica — ou as metrópoles econômicas — do país tende a estabelecer
de regionalização e, mesmo assim, quase só a conhecem em estado relações diretas com os centros regionais, sem passar pelas capitais
embrionário, negou-se, no que a eles se refere, a possibilidade de regionais. Esta hipótese só é válida para um pequeno número de países
aplicação de tal princípio e, consequentemente, começou-se também subdesenvolvidos, e de toda maneira, subsistem fortes vínculos entre
a negar a possibilidade de uma polarização voluntária. cada capital regional e sua área de influência histórica, tanto mais
De fato, a regionalização nos países subdesenvolvidos depende, que esse território quase sempre corresponde a divisões políticas ou
principalmente, da “bacia urbana”, tal como definida por Bernard administrativas.
Kayser?, Uma metrópole regional incompleta — uma cidade grande, À regra geral é, pois, a solidariedade global. Não se poderá então
média ou pequena — preside à vida de relação de uma região geralmen- negar que é aí que se encontra o quadro de eleição para uma ação con-
te vasta. Frequentemente as relações são desiguais tanto qualitativa junta orientada para uma redistribuição de recursos, como sugeriram
quanto quantitativamente, dado que a cidade tende a pedir à região J. Gallais para o Senegal! e C. Collin-Delavaud para o Peru.
mais do que dá a ela. Existe porém, entre as duas, uma solidariedade É evidente que se apresentarão obstáculos. Em um país industrial,
muito mais forte que a existente, no mundo industrial, entre as capi- os esforços de descentralização e relocalização têm possibilidades de
tais regionais e a sua área de influência. Pode-se, pois, falar de uma êxito na medida em que coincidem com o próprio interesse de uma
solidariedade global. Ela é um resultado da fraqueza industrial, do rentabilidade mais elevada do capital por parte das empresas priva-
papel predominante do comércio e dos serviços na vida de relações das. Nos países subdesenvolvidos, a descentralização aparecerá quase
(em si mesma, a indústria nascente é filha do comércio), de forma que sempre como desinteressante pelas empresas privadas, a menos que
a interdependência é total. Não existe, como nos países desenvolvidos, fatores políticos interfiram.

SV
SOCIATOANISIAANS SASIVd SON SYNVETIN SIC
especialização regional no que toca às indústrias: nas cidades de um Por outro lado, parece muito mais fácil intervir, porque a juventude
mesmo escalão, a tendência é para o aparecimento dos mesmos tipos e a fraqueza das estruturas lhes dão certa flexibilidade. É por isso que,
de fabricação, exceção feita às que se dedicam à preparação de ma-
MANUAL DE GEOGRAFIA URBANA

em todos esses países, a organização urbana evolui num ritmo rápido.


térias-primas cuja exportação é impossível ou não-rentável. Mesmo A construção de uma rodovia, a localização de uma nova atividade,
a criação voluntária de uma cidade têm repercussões positivas ou ne-
gativas muito rápidas, e ao mesmo tempo muito importantes, sobre
32. J. R. Lasuen, “De los Polos de Crecimiento”, Cuadernos de la Sociedad Venezolana toda a rede.
de Planificación: La Región y la Ciudad, nov. 1968, pp. 1-25.
33. B. Kayser, “Les divisions de Pespace géographique dans les pays sous-développés”.
Comunicação apresentada à Conferência Regional Latino-Americana da União

e
Geográfica Internacional, Ciudad de México, 3-8 de agosto de 1966 (também em: 34. Conferência na Universidade da Bahia, 1963.
178

621
Annales de géographie, 1966). 35, €. Collin-Delavaud, op. cit.
O problema estaria, então, no reconhecimento da forma como tais Em segundo lugar, a capacidade potencial ou real dos serviços
modificações podem realizar-se e na verificação dos meios a utilizar de uma dada cidade admite diferentes possibilidades de consumo.
para poder intervir em um determinado sentido. É preciso pensar na capacidade de distribuição representada pela
Em cada região, entretanto, o estudo da questão suscitará para rede de transportes e sua frequentação e na capacidade de absorção
o pesquisador problemas metodológicos particulares. Mas existem representada pela estrutura econômica e social resultante da ativida-
também os de ordem geral, três dos quais parecem-nos particular- de regional. Na realidade, pode-se falar de uma taxa de fluidez dos
mente complexos: serviços, diferentes segundo as condições. Essa taxa nem sempre é a
— À hierarquia urbana é medida geralmente segundo a importância mesma; além do mais, a tendência é para uma diferenciação das taxas
dos serviços presentes nas diversas aglomerações. entre uma região e outra. Esquematizando bastante, pode-se dizer que
— Como conseqgiiência da aplicação desse método, surge a tendência capitais regionais que tenham recebido impulsos diferentes podem
de generalizar comparações entre o que se passa nos diversos “subes- transmitir influências iguais, ao passo que outras com impulsos iguais
paços” e respectivos núcleos. podem influir de forma diferente sobre as respectivas regiões.
— O método é geralmente aplicado aos países considerados sob um Porém a força regional (que é o que nos interessa, em última ins-
ponto de vista global. tância) não é o resultado apenas da presença de serviços frequente-
O primeiro problema diz respeito à definição e à medida da hie- mente induzidos por interesses distantes; ela é o resultado de fatores
rarquia urbana: esta é fundamentada nos serviços de base, nos dados intra-regionais, como sejam as relações entre atividades urbanas e
qualitativos e quantitativos — se bem que os primeiros sejam quase população urbana, o conteúdo da região, ou seja, a população global
sempre reduzidos a quantidades. Os graus de hierarquia decorrerão, e ativa, as atividades econômicas, a origem e a distribuição da renda,
pois, da presença, em certas aglomerações, e da ausência, em outras, a fração local da estrutura econômica e social, a rede de transportes
de certos tipos de serviços em quantidades diferentes. e sua frequentação regional.
Isto supõe, ao menos, dois pontos de partida, cuja validade é preciso Isso nos permite abordar o segundo problema: a divisão do espaço
discutir. Em primeiro lugar, os serviços e atividades presentes na cidade nacional — e, no interior deste, a divisão em sub-regiões urbanas do
nem sempre resultam da dinâmica própria à vida regional em suas rela- espaço correspondente a cada capital regional - conduz geralmente

SOCIATOANISTCANS SAS]Vd SON SYNVERIN SACA SV


ções exteriores. É possível — e esse é o caso nos países em via de indus- a esquemas muito simples, que não serviriam para uma finalidade
trialização — que um centro secundário, distanciado das grandes cidades, prática.
porém situado junto as vias de grande circulação, se beneficie dessa sua Primeiramente, nem todas as cidades da rede têm as mesmas carac-
condição. Daí a geração de novos serviços e novas atividades, tais como a terísticas nem a mesma força. Em seguida, as regiões correspondentes
MANUAL DE GEOGRAFIA URBANA

reparação de veículos, que se assemelham, às vezes, às atividades motrizes. são também claramente diferentes. Nos países subdesenvolvidos, as
Se estamos em presença de uma cidade cuja função de coleta é agravada regiões urbanas sujeitas à influência de uma mesma metrópole regional
pela incapacidade de consumo de sua região, o resultado é uma espécie são diversas. Naturalmente existem exceções, porém são as cidades
de consumo em circuito fechado, reservado aos habitantes da cidade (na mais bem equipadas que geralmente presidem às áreas menores; ao
verdade, apenas a uma parte da população urbana). À presença de serviços contrário, as cidades menos bem servidas presidem vastas regiões,
e atividades não se relaciona com os dados da economia regional, se bem quase sempre mais pobres que as regiões anteriormente consideradas.

e
que esta possa, em consegiiência, exercer certa influência. É claro que uma hierarquia fundada na aplicação de tal critério é

I9I
180
viciada na base. Ainda que nos permita perceber ordens de grandeza, Dollfus*” a propósito de Lima, está longe de ser demonstrado que a
não nos oferece realmente utilidade prática ou teórica. distribuição da população Limenha em duas ou três aglomerações de
Tudo isso se prende diretamente ao terceiro problema: a aplicação dos quinhentos mil a setecentos mil habitantes seria, da forma como ocorre
mesmos métodos, com os mesmos critérios numéricos, a um país inteiro. em Lima, um elemento motor do país. À propósito de Trujillo (Peru
A solução parece ainda mais perigosa para os países extensos. Nos países setentrional costeiro), Collin-Delavaud? assinala igualmente que não
desenvolvidos o método poderia, em última instância, ser aceitável, mas se pode acusar de crescimento excessivo uma aglomeração de 100 mil
nos países subdesenvolvidos, onde as disparidades regionais são regra habitantes, sob pretexto de que teria crescido às expensas de centros
geral, a aplicação do princípio parece abusiva. Os resultados assim obti- secundários, pela simples razão de que tais centros não existiam no
dos não são, em absoluto, válidos, salvo se uma coincidência favorece o momento em que a cidade iniciou sua ascensão.
pesquisador. A rigor, nos países com múltiplas capitais regionais é possível Vamos mais além. Que pode significar a famosa distinção entre ci-
fazer uma comparação entre a metrópole nacional — seja ela metrópole dade primacial e cidades secundárias? A simples enumeração de índices
completa ou incompleta — e as capitais regionais; num segundo passo, de diferenças, por mais importantes que sejam, não tem valor próprio.
é possível verificar o que acontece no interior da região de influência Essa relação é também uma relação global, resultante das condições
destas últimas; além disso, a análise das relações interurbanas nos centros gerais da evolução da “rede”, isto é, do país como um todo.
intermediários regionais e capitais regionais, assim como a dos diferentes O fato de uma capital regional ser, em um dado momento, várias
tipos de relações entre centros regionais e capitais regionais, manifesta-se vezes mais populosa ou economicamente mais poderosa que as outras
como particularmente instrutiva. cidades de sua “constelação” está longe de ser sempre prejudicial. O
Não resta dúvida que é melhor abandonar completamente a preo- já citado caso de Guadalajara, no México, pode servir de exemplo.
cupação de encontrar fórmulas numéricas simplistas. É bem verdade Essa cidade tem uma população 26 vezes mais numerosa que a da
que estas teriam a vantagem de permitir uma rápida visão do conjunto, segunda cidade de sua região de influência. No entanto, parece-nos
à condição, porém, de que se encontrasse uma que fosse válida, o que que um desenvolvimento maior da região depende de um aumento
parece difícil no estado atual da estatística e dos conhecimentos. ainda mais considerável da força de Guadalajara; esta é circundada
Resta saber se a macrocefalia, ou melhor, se a presença de cidades por boas rodovias, construídas em um tempo recorde, à época em que

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com alta concentração de população e de atividades é insubstituível a massa de sua população crescia e em que, no campo, melhoravam
no estado atual da economia dos países subdesenvolvidos. Quando se nitidamente as condições da atividade agrícola.
criticam, por exemplo, os efeitos de freio exercidos por uma grande Esse exemplo, que pode repetir-se também em outras partes,
cidade em relação à que se lhe seguem em importância, é fácil perguntar
MANUAL DE GEOGRAFIA URBANA

leva-nos a insistir no fato de que uma “rede urbana” classicamente


se, sendo as coisas diferentes, uma cidade qualquer e o próprio país reu- considerada como desequilibrada pode ser, em um dado momento,
niriam as condições necessárias para criar certo número de atividades, a mais adequada aos efeitos de propagação do desenvolvimento. Em
direta ou indiretamente econômicas, sem as quais o desenvolvimento determinados casos, é bem possível que a relação de desequilíbrio
é impossível. Como assinalamos anteriormente*, e como lembra O. deva ser mantida durante algum tempo à espera de que a cidade se

e
36. M. Santos, “Le rôle des capitales dans la modernisation des pays sous-développés”, 37. O. Dollfus, op. cit.
182

Civilisations, 16 (1):101-108, 1966 (Bruxelles). 38. €C. Collin-Delavaud, op. cit.

for
torne bastante forte para competir com uma aglomeração maior, assim Nestas condições, deparamos com uma contradição: a presença
como para evitar uma estagnação de seu crescimento econômico e de de grandes cidades é necessária para assegurar a modernização e o
sua região de influência. desenvolvimento nacionais em condições competitivas e, ao mesmo
Com efeito, a grande cidade pode constituir um fator de desenvol- tempo, corre o risco de prejudicar o desenvolvimento das atividades
vimento capitalista, mesmo quando não mereça o título de “pólo”. regionais. Para evitar o desenvolvimento de um em benefício do outro,
Falando da urbanização na América Latina, D. Lambert” escreve: impõe-se a definição de uma estratégia que vise, no tempo, a classifi-
car os problemas por séries e, aceitando a realidade da macrocefalia,
Atualmente a cidade parece proporcionar possibilidades muito maiores de procure dedicar uma porcentagem razoável das inversões às grandes
atividade econômica e social, sem que isso dependa diretamente das camadas
cidades, sob a condição de elas beneficiarem os setores capazes de as-
privilegiadas, mas sim, em parte, da sua própria dimensão [...]. Nas grandes
metrópoles de diversos milhões de habitantes cria-se, inclusive, em períodos de
segurar, paralelamente, o desenvolvimento dos centros subordinados;
recessão, um multiplicador de empregos. Todo crescimento de população provoca no espaço, pode-se pensar numa estratégia diferenciada de acordo
uma extensão da cidade e de seus subúrbios e, por isso mesmo, criam-se novas com a porcentagem atual de população urbana na região considerada,
possibilidades de trabalho nos transportes, na construção, na administração ou uma vez que, quanto mais fraca é a população urbana em relação à
no comércio.
população global, tanto maiores são as tendências à macrocefalia.
É preciso, entretanto, atentar bem para o fato de que as “redes
A grande cidade desempenharia também um papel de transfor-
urbanas” constituem apenas um dos elementos da economia nacio-
mação cultural, comprovado, segundo D. Noin, pela observação das
nal, e nenhuma tentativa de modificação de sua estrutura alcançaria
porcentagens de analfabetos"; qualitativamente ela segrega um novo
resultado positivo não sendo efetivada em coordenação com ações
tipo de civilização. D. Noin conclui:
que tenham em vista transformar as estruturas sociais interiores e as
estruturas econômicas internacionais.
O conjunto urbano da costa atlântica exerce efeitos de indução e não de
freio. É nas cidades [...] que a defasagem entre o setor moderno e o tradicional
pode ser superada mais facilmente [...] A cordilheira do noroeste, dominada
economicamente por Casablanca, constitui o pólo de desenvolvimento do

SOCIATOANHSACANS SAS] Vd SON SYNVEUIN SICBA SV


Marrocos.

Por último, aponta-se que as diferenças de riqueza podem ser


mais consideráveis nos centros secundários que nas grandes cidades,
MANUAL DE GEOGRAFIA URBANA

e maiores ainda nas pequeninas cidades que nos centros secundários


(segundo um inquérito realizado no Congo, na África de língua fran-
cesa, elas variavam do índice 0,275 ao índice 7,666 nas cidades, e do
índice 0,266 ao índice 11,166 nos centros secundários).
*

e
39. Civilisations, 15 (3), 1965.
184

Sor
40. D. Noin, op. cit.

i
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