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Instituto Latino Americano de Estudos Socioeconômicos

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CONT R A-CORRENTE
A análise da conjuntura econômica na visão e linguagem do sindicalismo classista e dos movimentos sociais

Boletim mensal de conjuntura econômica do ILAESE Ano 12, N° 95 - Outubro de 2022

O bolsonarismo não é
um acidente de percurso
no capitalismo brasileiro1
2
Nazareno Godeiro

Está nítido que, qualquer que seja institucional para as ruas, dividindo
o resultado das eleições, a polarização ao meio a população brasileira.
política se aprofundará no país. O próprio Como o Ilaese vem apontando em
resultado, caso seja muito apertado, pode materiais como o Anuário Estatístico,
precipitar enfrentamentos de rua no dia não estamos diante de uma crise
de realização do pleito em 30 de outubro. superficial. Estão em curso mudanças
Estas eleições, que deveriam substanciais nas relações econômicas,
ser uma solução “democrática” da políticas e sociais do país. Tais
grave crise que o país atravessa, processos se refletiram em mudanças
se potencializou ao levar a divisão qualitativas na classe dominante, isto é,
que havia na superestrutura política na burguesia, e na classe trabalhadora.

1
Pesquiador Ilaes.Autor de iverso livros bre a relida naciol publicados pela Ed. Sunderma, com
“Riqueza pobreza n c mpo brasile o” “Neod s nv l ime t s o u ne col ia sm : o it do Brasil mper a ist ”,
est mparcei omJãRicardoS es.Organizou vlme“Revoluçõs revoltasdpvobrasileo”.
2
Disponível ar nd em: ht p / ilaes .org b /anu io
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De volta ao passado
Essa mudança substancial é brutal, a um salto na destruição ambiental
produto da nova orientação do capital e no desemprego generalizado.
internacional para o Brasil (e para Se trata de uma destruição das
a América Latina) como “celeiro do relações econômicas, sociais e políticas
mundo”, como fornecedor de alimentos, que predominaram no Brasil no pós-
energia e matérias primas para o segunda guerra mundial.
desenvolvimento mundial capitalista. O fechamento de milhares
O Brasil, que chegou a ser o 5º de indústrias, incluindo a saída de
país mais industrializado do mundo entre multinacionais do país, revelam a nova
1940 e 1985, vive a perda de sua posição orientação do capital internacional de
como submetrópole industrial. Em lugar desindustrializar o Brasil, orientação
disso, se torna gradativamente uma oposta à que prevaleceu no período
semicolônia exportadora de produtos anterior, onde se instalaram milhares de
primários, levando à desindustrialização multinacionais no país.
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Burguesia de cara nova


As camadas mais importantes da os setores mais dinâmicos do capitalismo
burguesia são crescentemente as ligadas brasileiro hoje cuja propriedade,
ao agronegócio, à mineração e energia, majoritariamente, é do capital internacional.

Divisão setorial dos 100 grandes grupos econômicos brasileiros


(em milhões de reais)

Fo nte: Banco Ce ntral

O setor industrial que produz aqui Bolsonaro, cujo centro é a pilhagem colonial
no Brasil está sendo paulatinamente do Brasil e a destruição das relações
substituído por uma burguesia importadora econômico-sociais do período anterior:
de produtos industriais estrangeiros. Essa emprego formal, férias, décimo terceiro,
é a base econômica de sustentação de FGTS, organização sindical e política.
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Uma nova classe trabalhadora


Também se processou uma e bicos que se transformaram na regra
mudança na classe trabalhadora da maioria da classe trabalhadora
brasileira: hoje ela é mais informal, brasileira.
sem carteira assinada, sem direitos A este respeito, note-se a proporção
trabalhistas ou jornada de trabalho dos sem-emprego e subempregados na
fixada em lei, com empregos temporários distribuição das classes no país:

Divisão das classes sociais no Brasil - 2021 (em mil pessoas)


População total: 46,770 milhões de pessoas

Além disso, ela é majoritariamente lutas da classe trabalhadora. Está se


negra, feminina e da periferia pobre formando uma classe trabalhadora
das grandes cidades. Isso explica o precarizada, sem vínculos trabalhistas
porquê de estes setores oprimidos e diretos, uma forma de semiescravização
explorados estarem na vanguarda das moderna.
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Por isto, no Brasil já temos quase seu lado. Jogar uns contra os outros é
90 milhões de trabalhadores (as) no vital para a burguesia, que é uma minoria
chamado exército industrial de reserva, ou insignificante no Brasil, constituída por
seja, numa espécie de estoque de força 3.950 grandes empresas com mais de 1000
de trabalho. Essa transformação, junto funcionários.
com a desindustrialização e o salto das Olhe por onde olhe, a grande
importações, erodiu a base de sustentação burguesia, em qualquer circunstância, é
dos sindicatos e das centrais sindicais, numericamente insignificante. Mesmo se
assim como do PT. contássemos 5 donos por empresa e cada
Diante dessa situação, Bolsonaro trata dono com 10 pessoas na família, a grande
de atiçar o ódio aos negros, às mulheres, propriedade burguesa contaria com cerca
aos indígenas, às LGBTIs, aos imigrantes, de 200 mil pessoas ou 0,1% da população
tentando atrair o setor branco e mais bem brasileira. Por isso, dividir para reinar é a
remunerado da classe trabalhadora para palavra de ordem da classe dominante!
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Dança das cadeiras entre os


partidos políticos

São esses processos profundos na previdenciária, assim como a privatização


base da sociedade que transformaram acelerada da Petrobrás, realizadas por
Bolsonaro no futuro do capitalismo Bolsonaro.
brasileiro em decomposição, cuja O projeto que avança com Bolsonaro
orientação do setor mais dinâmico da é um retorno à economia colonial que
burguesia é de transformar o Brasil levou ao poder de Estado a burguesia do
em uma miserável colônia. Esse agronegócio, da mineração e da energia,
mesmo movimento de retrocesso das associada a uma burguesia importadora
relações sociais é o que joga o PSDB/ (parasitária) de bens industriais.
PT na defensiva total e em retrocesso, Não é à toa que o maior “doador”
simbolizando o passado dessas relações financeiro da campanha bolsonarista é
econômicas, políticas e sociais que estão Rubens Ometto, usineiro do agronegócio
ficando para trás. e sócio da Shell (através da Raízen) na
O PSDB se acabou como o partido exploração do Brasil.
depositário da vontade majoritária da É a sustentação deste novo setor
burguesia industrial brasileira porque a da burguesia que empodera Bolsonaro,
burguesia o abandonou ao migrar para ademais do apoio de um setor importante
uma nova orientação de destruição da do imperialismo, encabeçado por Trump.
indústria brasileira. A candidatura de Lula/Alckmin tem apoio
Assim, o PT agora é o partido da do setor majoritário do imperialismo, com
socialdemocracia brasileira, recebendo Biden à frente, porém o setor burguês que
o apoio dos quadros históricos do PSDB. dá sustentação a chapa de Lula está em
É o partido das reformas burguesas que, decadência no Brasil. Isto é o que está
formalmente, defende o status quo do levando a que o PT se transforme em um
capitalismo industrial submetropolitano partido social-liberal e que seu governo,
brasileiro, isto é, um programa social- caso seja vencedor, terá um perfil de
liberal burguês cujos limites não permitem unidade nacional com um setor da
sequer anular as reformas trabalhista e burguesia brasileira em decomposição.
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Quando e por que a ultradireita


tomou a ofensiva?

Os 51 milhões de votos que brasileira. A prova disso é que a classe


Bolsonaro teve no primeiro turno revelaram trabalhadora brasileira realizou uma das
uma direitização na sociedade, na qual o maiores greves gerais da história do Brasil,
setor mais dinâmico da burguesia impôs em abril de 2017, mostrando disposição
um debate de costumes reacionários e um para derrubar Michel Temer.
avanço do projeto semifascista. Naquele momento, era possível
Bolsonaro, inclusive, impulsionou organizar as mobilizações de rua para
desde o poder central a preparação de uma a derrubada de Temer, que estava
guerra civil ao dividir a classe trabalhadora, completamente isolado na população. O
ao armar centenas de milhares de CACs, PT optou pela linha do Lula em 2018, para
ao ser sócio das máfias milicianas que recuperar o poder pela via eleitoral, dando
dominam as favelas do Rio de Janeiro, ao tempo ao inimigo de classe se recompor.
ganhar um setor da classe média para a A subida de Bolsonaro representou
xenofobia contra pobres, pretos e mulheres uma derrota para os trabalhadores e
pobres. A vitória política desta corrente sua ascensão ao poder, junto com o alto
semifascista expressou uma mudança na comando das Forças Armadas, consolidou
correlação de forças para a direita. esse retrocesso na correlação de forças.
Mas em que momento houve a virada Durante a pandemia, abriu-se uma
que permitiu chegarmos a esta situação? possibilidade de derrubar o presidente pela
Os processos econômicos e sociais vimos mobilização das massas. Novamente em
acima e começamos a descobrir seu reflexo nome da eleição, agora a de 2022, o PT
no sistema de partidos. Agora avancemos retirou o time de campo, desmobilizando
um pouco mais nesse terreno político. as manifestações de massas pelo “Fora
Na maioria da esquerda, é quase uma Bolsonaro”.
unanimidade hoje dizer que a correlação de Assim, foi se consolidando uma
forças mudou com o impeachment de Dilma situação de retrocesso na luta da classe
Rousseff. Porém, é uma análise superficial trabalhadora e de avanço do novo setor
e equivocada. Ainda que o impeachment da burguesia, que teve tempo para ganhar
tenha mudado o peso dos partidos na uma base social na classe trabalhadora e
política institucional do país, não mudou a na classe média, decepcionada com os 14
correlação de forças na base da sociedade anos de governos petistas.
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É necessário derrotar este projeto uma necessidade urgente do capitalismo


semifascista pela mobilização da classe brasileiro em decomposição, que se
trabalhadora. Esta tarefa começa por trata de um instrumento cego da classe
desenvolver a consciência da classe dominante brasileira para destruir o país
trabalhadora contra todos os setores a serviço da pilhagem colonial, que está
burgueses, inclusive os que estão com Lula, preparando uma guerra civil contra a classe
que assim que cheguem ao poder vão se trabalhadora, especialmente seu setor mais
reconciliar com o alto comando das Força explorado e oprimido, negros e negras da
Armadas e com a burguesia bolsonarista. periferia, mais rapidamente chegaremos à
Quanto antes a classe trabalhadora conclusão de romper com o capitalismo e
brasileira entender que Bolsonaro não salvar o país da ruína e da rapinagem que
é um acidente histórico, que se trata de o capital internacional já está promovendo.
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Medidas para enfrentar a


destruição e a pilhagem do Brasil
Toda a trajetória histórica da burguesia conjunto de propostas coerentes que
brasileira demonstrou que somente a classe permitam elevar o nível de consciência da
trabalhadora, unida com a população pobre classe trabalhadora em geral para romper
da cidade e do campo, pode salvar o Brasil com o sistema capitalista e avançar em
da destruição e da pilhagem que o capital direção ao socialismo, estatizando a
internacional está impondo ao nosso país. grande propriedade burguesa no Brasil
Portanto, os trabalhadores mais e colocando-a sob controle da maioria da
conscientes devem se dotar de um população.

4 Retomar a industrialização
do Brasil, que garanta o
1 Deter, imediatamente, a
desenvolvimento, o pleno
destruição ambiental, é
a primeira medida para emprego e possa acabar
recuperar a soberania nacional com a fome. Isso só é
perdida! possível com a reestatização
de todo o parque industrial
privatizado: indústria
siderúrgica, elétrica,
2 Erradicar a fome via a petroquímica, telefônica,
estatização de toda a cadeia mineração, aeroespacial, de
do agronegócio, da fazenda ao alta tecnologia, agricultura,
supermercado, realizando uma bancos etc.
verdadeira reforma agrária,
garantindo alimentos a preços Esse plano simples poderia ser
baixos para o povo brasileiro. financiado através da estatização dos
bancos e formação de um banco nacional
único, do fim dos benefícios tributários aos
grandes empresários, através da cobrança
da dívida ativa das grandes empresas
3 Garantir pleno emprego com a
sob pena de estatização, da suspensão
redução da jornada de trabalho
da remessa de lucros por 10 anos e da
para 30 horas semanais. Isto
suspensão do pagamento da dívida interna
permitiria zerar o exército
e externa aos grandes investidores, de
industrial de reserva e ainda
gravar um imposto progressivo sobre o
duplicar a produção anual de
lucro bruto das grandes empresas e um
riqueza do país.
imposto progressivo sobre as grandes
fortunas.
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ILAESE
formação para a ação.

ILAESE
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EXPEDIENTE
Contra-corrente é uma publicação mensal elaborada pelo ILAESE para os sindicatos, oposições sindicais e movimen-
tos sociais. Contato: Rua Curitiba, 862, sala 307. Centro - Belo Horizonte - MG - CEP: 30170-124. Telefone: (31) 2520-2008
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