Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
REVISTA
46 de ECONOMIA POLÍTICA
e HISTÓRIA ECONÔMICA
Ano 17 – Número 46 – agosto de 2021
Índice
05
Evolução Institucional e Dimensão Cognitiva em Thorstein Veblen e Douglass North
Expediente
Número 46, Ano 17, agosto de 2021.
Uma publicação semestral do GEEPHE – Grupo de Estudos de Economia Política e História Econômica.
http://rephe.net
e-mail: editoriarephe@gmail.com
ISSN: 1807 – 2674 (versão física); 2674 – 5666 (versão online).
Conselho Editorial:
Edição:
Luiz Eduardo Simões de Souza
Autor Corporativo:
GEEPHE – Grupo de Estudos em Economia Política e História Econômica.
A REPHE – Revista de Economia Política e História Econômica – constitui mais um periódico acadêmico que visa
promover a exposição, o debate e a circulação de ideias referentes às áreas de história econômica e economia
política. A periodicidade da REPHE é semestral.
Ficha Catalográfica
Revista de Economia Política e História Econômica / Grupo de
Estudos em Economia Política e História Econômica - Número 46,
Ano 17, agosto de 2021.
Semestral
95
RESUMO
O presente trabalho aborda as formas e finalidades com que os Estados intervêm sobre os mercados e tem
como objetivo geral analisar o papel do Estado brasileiro, no período do Governo Lula (2003-2010),
recortando suas estratégias políticas em relação ao desenvolvimento industrial, à inovação tecnológica e à
internacionalização de empresas. Para isso, realiza-se, primeiramente, uma revisão dos conceitos e
abordagens teóricas da Economia Política Internacional e das Relações Internacionais sobre a interação
entre Estados e mercados. A seguir, apresentam-se o argumento de que a intervenção do Estado na
economia é incontestável e, a partir deste pressuposto, busca-se analisar o caso brasileiro, destacadamente
a atuação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) como instrumento da
promoção do desenvolvimento, especialmente através do incentivo à inovação. Os achados apontam que,
contrariamente ao que aconteceu em alguns países do Leste Asiático, a atuação do Estado brasileiro como
promotor do desenvolvimento por meio do BNDES reforçou a sua especialização regressiva e a
manutenção do país como exportador de commodities no comércio internacional.
This paper discusses the ways and purposes which states intervene in the markets, and its general
objective is to analyze the role of the Brazilian State, during the Lula Government (2003-2010), focusing
on its political strategies regarding the industrial development, the technological innovation and the
internationalization of brazilian companies. For this, a review of the concepts and theoretical approaches
of International Political Economy and International Relations on the interaction between states and
markets is carried out. Considering the argument that state intervention in the economy is undisputed and,
based on this assumption, we seek to analyze the Brazilian case, especially the action of the Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) as an instrument to promote development,
especially by encouraging innovation. The main findings indicate that, in contrast to what happened in
some East Asian countries, the Brazilian State's role as a promoter of development through the BNDES
reinforced its regressive specialization and the country's maintenance as a commodity exporter in
international trade.
1
Sumbetido em 08/05/2020. Aprovado em 05/09/2020.
2
Doutorando em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professor Contratado
do curso de Direito da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS). Professor Substituto dos cursos de
Direito e Relações Internacionais da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) (2016 - 2018). Gestor da
Cátedra Sérgio Vieira de Mello na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) (2017 - 2018). Representante
da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) no Comitê Estadual para Refugiados, Migrantes e Apátridas
no Estado de Mato Grosso do Sul (CERMA-MS) (2017 - 2018). Mestre em Relações Internacionais pela
Universidade de Brasília (UnB) com bolsa da CAPES. Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Mato
Grosso do Sul (UEMS). Graduado em Relações Internacionais pela Universidade Federal da Grande Dourados
(UFGD). Membro do Núcleo de Estudos Latino-americanos (NEL/IREL/UnB). Membro da REPRI- Rede de
Pesquisa sobre Regionalismo e Política Externa. Advogado e Membro da Comissão de Relações Internacionais da
OAB/MS.
96
INTRODUÇÃO
A partir da virada dos anos 1970 para os anos 1980, com a ascensão dos governos de
Margaret Thatcher no Reino Unido e de Ronald Reagan nos Estados Unidos da América, a
corrente liberal passa a triunfar tanto na academia quanto nas instituições internacionais, como o
Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, através da ideologia do
“neoliberalismo” e da doutrina do “ajuste estrutural” (GILPIN, 2001, p. 306).
financeiros integrados, fazem com que os investidores apliquem proporções maiores de seus
ativos dentro de seu próprio país, havendo uma alta relação de dependência entre os índices de
investimento e os índices de poupança nacionais Ademais, o autor ainda aponta que, mesmo em
períodos de exuberância econômica, o fluxo de capitais entre países ricos e pobres é
consideravelmente menor que as previsões dos modelos teóricos (RODRIK, 2000).
A tese globalista também é questionada até mesmo por autores inseridos dentro do
paradigma liberal das Relações Internacionais, como Joseph Nye. Para o cientista político norte-
americano (NYE, 2010; 2002), apesar de haver uma “difusão de poder” (NYE, 2010, p. 83) que
estaria partindo do Estado em direção a atores privados (corporações transnacionais) e
instituições internacionais (ONU, OMC, FMI e Banco Mundial, por exemplo), os mercados e o
poder econômico continuam se apoiando em estruturas políticas que não dependem apenas de
normas e instituições, mas também da administração do poder coercitivo estatal. No caso dos
Estados Unidos, por exemplo, argumenta-se que o poderio militar do país reforça a confiança na
economia e nas empresas multinacionais americanas como fontes seguras de investimentos,
permitindo que os mercados operem com estabilidade 3 (NYE, 2010, p. 88).
Em relação a sua capacidade de controlar os mercados, Nye reconhece que os Estados
ainda conservam muitos poderes e instrumentos para isso. Menciona-se, por exemplo, a fixação
de políticas industriais, o estabelecimento de acordos regionais e o controle do acesso ao seu
mercado interno através de tarifas, sanções legais, manipulação das taxas de câmbio, criação de
carteis de recursos naturais e ajuda internacional (NYE, 2010, p. 49). Ao conceituar sanções
como medidas de incentivo ou punição destinadas a reforçar ou restringir determinadas
condutas econômicas, o autor conclui que: “O que todas as sanções têm em comum é a
manipulação de transações econômicas para propósitos políticos” (NYE, 2010, p. 59).
Seguindo a mesma linha de raciocínio, Weiss (2011) defende a tese de que, mesmo no
contexto de hegemonia da ortodoxia neoliberal como a teoria econômica prevalecente (1980 –
2008), o Estado nunca havia deixado de desempenhar papel relevante na economia, sobretudo
no âmbito da governança industrial e da inovação tecnológica. Nas palavras da autora:
3
Mesmo reconhecendo que no século XXI o poder tem se afastado de sua ênfase militar em
direção a recursos econômicos, havendo uma drástica redução na probabilidade do uso direto da força,
Nye (2010, p. 48) defende que a “geoeconomia” não substituiu a geopolítica, pois os Estados, salvo raras
exceções, continuam aumentando substancialmente seus gastos militares.
99
A partir de dois estudos de caso (EUA 4 e Coreia do Sul5), Weiss demonstra que, ao
contrário da narrativa do empreendedorismo individual, o desenvolvimento tecnológico da
Indústria 4.0, em ambos os países, tiveram importante participação do Estado.
A relação direta entre Estado, tecnologia, inovação e empreendedorismo também é
analisada por Mazzucato (2014) através do conceito de “Estado Empreendedor”, que assume
riscos e cria mercados através de financiamentos orientados em setores estratégicos, citando
exemplos de diversos países, principalmente os Estados Unidos.
Nos países de industrialização tardia, também conhecidos como emergentes, destaca-se
a análise de Amsden (2009) a respeito das estratégias estatais para o desenvolvimento de setores
industriais, da inovação tecnológica e do aumento da participação no comércio internacional.
Para a autora, os países bem-sucedidos nessa trajetória (China, Coreia, Índia e Taiwan,
principalmente), fenômeno chamado de “ascensão do resto”, ascenderam através de políticas
industriais que privilegiaram setores estratégicos e utilizaram-se de subsídios para incentivar as
exportações e fortalecer empresas líderes nacionais. A intervenção direcionada do Estado nesse
processo é apontada como meio para superar o abismo existente entre os países emergentes e
aqueles desenvolvidos, principalmente em relação às capacidades tecnológicas que afetam a
produção.
4
No caso dos EUA, inovações como GPS, mouse, SIRI, touch screen, Google Earth e Google
foram criadas a partir de um complexo de investimento em segurança e tecnologia militar no contexto da
Guerra Fria. A autora usa os conceitos de “Estado de Segurança Nacional”, “Estado Híbrido” e
“Desenvolvimentismo de Segurança” (WEISS, 2011, p. 20-24) para descrever esse modelo em que a
tecnologia inicialmente orientada para a segurança nacional transborda para a economia convencional,
permitindo a fusão entre objetivos militares e comerciais, no qual o Estado assume o papel de investidor
de risco.
5
Na Coreia do Sul, país de industrialização tardia, tanto os processos de “catch up industrial”,
quanto os de “inovação tecnológica”, foram conduzidos pelo Estado sul-coreano. Na primeira etapa, a
promoção da indústria nacional ocorreu através de tarifas protecionistas, crédito subsidiado e controle de
preços, ao passo que, na segunda, a indústria passou de um modelo de imitação tecnológica à inovação
por meio de investimentos públicos em Ciência e Tecnologia; desenvolvimento de invenções públicas
(propriedade intelectual) a serem exploradas pelo setor privado; planejamento de novos padrões
tecnológicos para eliminar concorrentes estrangeiros; dentre outras políticas. No âmbito das
telecomunicações, setor em que a Coreia do Sul apresenta destaque internacional, houve uma importante
colaboração entre Estado e Indústria a partir do Projeto Cyber Korea 21, conduzido pelo Ministério da
Informação e Comunicação. A meta de tornar-se um inovador avançado, industrializado e exportador líder
em tecnologia de telefones celulares, smart phones, set-top boxes, e outros elementos da revolução digital
foi alcançada graças ao subsídio de uma parceria público-privada de P & D (Pesquisa e Desenvolvimento)
(WEISS, 2011, p. 16-17).
100
A partir dos anos 1990, a agenda neoliberal do Consenso de Washington foi colocada
em prática no país pelo Governo Collor, considerado por Evans como um “representante
arquetípico do tipo de simbiose entre a oligarquia privilegiada e o poder do Estado” (EVANS,
2004, p. 98). Para o autor, a principal consequência das reformas neoliberais de Collor, que
representaram uma abertura definitiva do mercado brasileiro em diversos setores, foi o
desmantelamento da recém-nascida indústria de computadores e softwares, representada pela
empresa Cobra.
Delgado (2016, p. 176), ao analisar os impactos das reformas de mercado sobre a
indústria nacional, argumenta que tais reformas
Além da elevação das linhas de crédito do BNDES para a inovação, a execução do PDP
envolvia a desoneração tributária, a simplificação de procedimentos administrativos e
articulação com outras políticas governamentais (como o Programa de Aceleração do
Crescimento – PAC) e ações do empresariado brasileiro (como o Serviço Social da Indústria –
SESI – e o Serviço de Aprendizagem Industrial – SENAC, por exemplo).
A Figura 1 sintetiza as variações da política industrial brasileira nos governos Lula,
através da breve comparação das características gerais da PTICE e da PDP:
2004-2008 2008-2010
PTCE - Política Industrial, Tecnológica e PDP – Política de Desenvolvimento
de Comércio Exterior Produtivo
localmente nas periferias do capitalismo. No caso do Brasil, em especial, esse processo resultou
diretamente no desenvolvimento das empresas produtoras de bens de capital pesado, gerando
grupos comerciais fortes e competitivos, principalmente no setor de construção, principal
competência de cinco dos quinze maiores grupos empresariais do país (AMSDEN, 2009, p. 228
– 229).
Ao mencionar a importância do papel dos bancos estatais de desenvolvimento nos
processos de modernização nos países de industrialização tardia, Mazzucato (2014, p. 254)
também aponta o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) brasileiro
como exemplo, a nível internacional, de investimentos ativos em inovação, sobretudo nas áreas
de tecnologia limpa e biotecnologia. Destaca-se o fato de o BNDES ter fornecido empréstimos
contracíclicos de forma direcionada para áreas novas e incertas, que eram temidas por bancos
privados e investidores capitalistas.
no Governo Dilma, chegando ao ápice de 4,4$ (R$ 6 bilhões) em 2015 (BNDES, 2017, p. 196 -
197).
Muito embora o Governo Lula tenha realizado esforços no sentido de utilizar o BNDES
como instrumento de política industrial, promovendo inovações produtivas e tecnológicas em
setores estratégicos, dados apontam que os empréstimos do banco se concentraram nos setores
de commodities básicas, como agronegócio, mineração, petróleo e celulose (ALMEIDA, 2011;
MUSACCHIO; LAZZARINI, 2015, p. 307).
A Tabela 1 apresenta as informações sobre os empréstimos do BNDES na indústria de
transformação nos períodos de 2003 a 2010:
2003-2006 2007-2010
aportes do BNDES, adquiriu tradicionais empresas estrangeiras por cifras bilionárias, entre
2007 e 2009, passando de até então desconhecida ao status maior processadora de carnes do
mundo durante o Governo Lula. No caso em questão, o BNDES utilizou-se do modelo de
Estado como investidor minoritário, passando a controlar 30,4% da composição acionária da
empresa (MUSACCHIO; LAZZARINI, 2015, p. 9-10).
Institucionalmente, o BNDES defende que, ao contrário das críticas sofridas, não houve
uma escolha discricionária de alguns poucos e privilegiados “campeões nacionais”, alegando ter
apoiado 783 das mil maiores empresas do país. Além disso, dos cinquenta grupos empresariais
que mais receberam aportes entre 2001 e 2016, 14 apresentam controle de capital estrangeiro.
De modo geral, as escolhas do Banco são orientadas pela boa situação patrimonial,
competitividade e reputação das empresas, corroboradas pela companhia de outras instituições
do sistema financeiro nacional e internacional que também investem nessas mesmas empresas
(BNDES, 2017, p. 208 – 209).
No tocante à estratégia de investir na internacionalização das empresas nacionais, o
BNDES utiliza-se da literatura acadêmica sobre o tema e de pesquisas com as próprias empresas
brasileiras para identificar as seguintes justificativas para esses investimentos: aquisições de
novas capacitações no exterior para competir globalmente; redução dos custos de produção;
incorporação de novas tecnologias, acesso a novos mercados; redução da dependência do
mercado interno; melhores condições de financiamento; redução de barreiras contra a
importação; geração de empregos no país de origem (BNDES, 2017, p. 206).
Nesse sentido, Boito Jr. (2018, p. 58) destaca que uma das principais diferenças do
“neodesenvolvimentismo” do Governo Lula em relação ao desenvolvimentismo tradicional do
período 1930 – 1980 é que ele aceita a especialização regressiva, concentrando-se em
segmentos de baixa densidade tecnológica. Deste modo, as empresas nacionais que se
destacaram mundialmente em seus respectivos setores durante o Governo Lula foram: Embraer
(fabricação de aviões); Friboi e Brazil Foods (indústria alimentícia); Vale (mineração); Gerdau
(siderurgia) e Votorantim Celulose. Com exceção da Embraer, todas as demais exportam
produtos de baixo valor agregado.
Outro setor de destaque internacional durante o Governo Lula foi o de serviços de
construção pesada. Aproveitando-se de uma política externa voltada para o Hemisfério Sul e de
uma agressiva política de financiamento via BNDES, empresas de engenharia como Odebrecht,
Camargo e Correa, Andrade e Gutierrez e OAS aumentaram substancialmente sua presença no
exterior, realizando obras de engenharia através de contratos de licitação em diversos países,
principalmente na América Latina e Caribe 6 (BOITO JR., 2018, p. 59, 177). Importante
destacar, contudo, que tais empresas vinham se fortalecendo desde o pós-guerra e, pelo menos
desde 1993, já figuravam entre os dez maiores grupos empresariais do Brasil (AMSDEN, 2009,
p. 400).
O mercado internacional dos serviços de engenharia é dominado por poucos países e
concentrado em poucas empresas. Apesar de permanecer na 11ª posição mundial entre 2004 e
2015, a participação do Brasil mais que duplicou nesse período, passando de 1,2% para 3,2% as
receitas das empresas brasileiras exportadoras de bens e serviços de engenharia e construção
para obras no exterior. Não tendo sido afetado pela crise financeira de 2008, o crescimento
constante do setor até 2015 movimentou uma enorme rede de fornecedores no Brasil, gerando
entre 2007 e 2014, uma média de 590 mil empregos por ano (BNDES, 2017, p. 224-226) 7.
6
Os cinco principais destinos foram: Angola, Argentina, Cuba, Venezuela e República
Dominicana (BNDES, 2017, p. 227).
7
Uma ressalva a ser feita sobre esse tema é a de que o BNDES não financia projetos no exterior,
apenas as exportações brasileiras de bens e serviços destinados a obras no exterior. Na construção de
obras como gasodutos, rodovias e hidrelétricas em outros países, a parte financiada pelo BNDES é apenas
a parte exportada pelo Brasil, com o objetivo de gerar empregos e divisas no país. Os demais gastos são
financiados pelo país importador (BNDES, 2017, p. 214).
107
A autora apresenta, ainda, dados do Banco Central e da Fundação Dom Cabral que
demonstram que, através de linhas de crédito e participações acionárias, o BNDES contribuiu
substancialmente para aumentar o investimento externo brasileiro no exterior. Entre 2000 e
2008, o montante desses investimentos foi sete vezes maior que toda a década de 1990. Em
2006, com a marca de US$ 32,3 bilhões, o Investimento Brasileiro Direto no Exterior (IBD)
superou pela primeira vez na história o Investimento Estrangeiro Direto no Brasil (IED)
(BERRINGER, 2015, p. 152-153).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das teorias, fatos e dados analisados, conclui-se que, após as reformas
neoliberais dos anos 1990, o Governo Lula retomou a figura do Estado como agente promotor
do desenvolvimento nacional através de políticas industriais, incentivo à inovação tecnológica e
internacionalização das empresas nacionais.
Apesar de intervir na economia para alcançar objetivos políticos, nos termos de Nye
(2010), essa intervenção não ocorreu de forma direta através do controle estatal das empresas,
como ocorria com frequência no desenvolvimentismo tradicional. O “Estado Logístico”
(CERVO; BUENO, 2012); “Neodesenvolvimentismo” (BOITO Jr., 2018); ou “Capitalismo de
Estado Pós-1990” (MUSACCHIO; LAZZARINI, 2015) atua de formas indiretas,
principalmente através de subsídios, financiamentos e participações minoritárias em ações de
empresas privadas. O principal instrumento dessas políticas é o BNDES, responsável por
direcionar os investimentos públicos em setores estratégicos e em empresas com maiores
condições de competir internacionalmente, conquistando novos mercados e gerando mais renda
e empregos para o país.
Tal estratégia adotada pelo Governo Lula, no entanto, não é original. Conforme
demonstrado pela literatura, trata-se de prática replicada no mundo todo, tanto em países
desenvolvidos (EUA), quanto em países em desenvolvimento (Coreia, Índia, Taiwan, entre
outros), apesar das peculiaridades existentes em cada um. De maneira geral, em todos esses
países, o investimento do Estado em política industrial é visto como forma de promover o
desenvolvimento para além do que seria possível em um cenário de livre mercado (AMSDEN,
2009).
Apesar de ter conseguido importantes resultados em termos de inovação tecnológica em
alguns poucos setores, como infraestrutura e energia limpa (eólica e biocombustíveis),
proporcionando um certo grau de modernização interna, tais inovações não foram capazes de
alterar a posição do Brasil na divisão internacional do trabalho e no comércio internacional. Ao
contrário do que ocorreu na Coreia e em outros países do Leste Asiático, que desenvolveram um
amplo projeto de transformação industrial, os investimentos do BNDES reforçaram a
especialização regressiva e o papel do país como exportador de commodities.
108
Referências
ABADI. Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial. Política Industrial. Disponível em:
https://old.abdi.com.br/paginas/politica_industrial.aspx. Acesso em: 09/08/2019.
ALMEIDA, Mansueto. Desafios da real Política Industrial brasileira do Século XXI. Texto para
Discussão No 1452/Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 2009. Disponível em:
http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=4988%3Atd-1452-
desafios-da-real-politica-industrial-brasileira-do-seculo-
xxi&catid=272%3A2009&directory=1&Itemid=1. Acesso em: 09/08/2019.
BERRINGER, Tatiana. A burguesia brasileira e a política externa nos governos FHC e Lula.
Curitiba: Appris, 2015.
BNDES. Livro verde: 65 Anos – Nossa história tal como ela é. Rio de Janeiro: BNDES, 2017.
BOITO Jr, Armando. Reforma e crise política no Brasil: os conflitos de classe nos governos do PT.
Campinas: Editora da Unicamp/ São Paulo: Editora UNESP, 2018.
CERVO, Amado Luiz; BUENO, Clodoaldo. História da política exterior do Brasil. Brasília: Editora
Universidade de Brasília. 4 ed, 2012, 595 p.
EVANS, Peter. Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: Editora
UFRJ, 2004.
GILPIN, Robert. A Economia política das relações internacionais. Brasília: UnB, 2002
GILPIN, Robert. Global Political Economy. Understanding the international economic order.
Princeton: Princeton University Press, 2001.
HELD, David et al. Global Transformations: Politics, Economics and Culture. Stanford: Stanford
University Press, 1999.
MAZZUCATO, Mariana. O Estado empreendedor: desmascarando o mito do setor público vs. Setor
privado. São Paulo: Portfólio-Penguin, 2014.
NYE, Joseph. O paradoxo do poder americano: Por que a única superpotência do mundo não pode
prosseguir isolada. São Paulo: Editora UNESP, 2002.
NYE, Joseph. The Future of Power. Washington, DC: Public Affairs, 2010.
OHMAE, Kenichi. O Fim do Estado-nação: a ascensão das economias regionais. Rio de Janeiro:
Campus, 1996.
RODRIK, Dani. How far will international integration go? Journal of Economic Perspectives. Vol.14,
n.1, 2000 p. 177-186.
110
STRANGE, Susan. The retreat of the state: The diffusion of power in the world economy. Cambridge
Studies in International Relations. Cambridge: Cambridge University Press, 1996.
WEISS, Linda. A volta do Estado: aprendendo com os BIC? O Estado de transformação: volta,
renovação ou redescoberta? Desenvolvimento em debate. Vol. 2, n.1, 2011, p. 9-31.