Você está na página 1de 30

Motrivivência Ano XXI, Nº 32/33, P. 126-155 Jun-Dez.

/2009

OLIMPÍADA 2016 - O
DESENVOLVIMENTO DO
SUBDESENVOLVIMENTO

Nilso Ouriques1

Resumo Abstract
A olimpíada de 2016 no Rio de Janeiro, The Olympic Games 2016 in Rio
é um momento histórico das políticas de Janeiro, is a historic moment of
públicas de esporte e lazer no Brasil. public policy for sport and leisure in
Depois do Estado passar por várias fases Brazil. After the State pass through
em sua longa história dessas políticas, several stages in its long history of
chegamos a um momento diferenciado, these policies, we arrive at a diffe-
onde um governo populista aprofunda rent time, where a populist gover-
as diretrizes neoliberais no esporte. Este nment deepened the neoliberal
momento que une sociedade, Estado policies in the sport. This moment
e economia, consegue um consenso that unites society, government
indiscutível e redefine a estratégia and economy, achieve a consen-
de desenvolvimento do esporte, no sus indisputable and redefines its
sentido do esporte de rendimento. strategy to develop the sport within
Ser desenvolvido no esporte, significa the meaning of sport performan-
agora conseguir uma ótima colocação ce. Be developed in the sport now
no ranking de 2016. assim, se means getting a great position in
esquecem as políticas direcionadas ao the ranking of 2016. well, forget
esporte educacional e participação e se the politics directed to sports and

1 Mestre em Sociologia Política e Professor do Centro de Ciências da Saúde, da Universidade para


o desenvolvimento do Oeste de Santa Catarina – UNOESC – Joaçaba/SC.
Contato: nilso.ouriques@unoesc.edu.br
Ano XXI, n° 32/33, junho e dezembro/2009 127

mascara a realidade com o esporte de educational participation and masks


rendimento. Enquanto todos falam em the reality with the sport of income.
um novo desenvolvimento do esporte While everyone talks about a new
no Brasil, indicamos que este momento development of sport in Brazil,
é marcado pelo desenvolvimento indicate that this moment is marked
do subdesenvolvimento do esporte by the development of underdevelo-
nacional, sendo nossas diretrizes pment of the national sport, and our
cooptadas e comandadas pelo esporte guidelines co-opted and controlled
espetáculo. by the sports spectacle.
Palavras-chave: Olimpíada, Keywords: Olympics.
desenvolvimento, Development,
subdesenvolvimento underdevelopment.

As relações entre a política, mesma moeda. A dualidade dialética


economia e sociedade entre infraestrutura e superestrutura se
estabelece, observadas pela presença
O desafio que me foi co- forte do Estado. Assim, sem muito
locado estabelecia a necessidade esforço, já lançamos o nosso olhar
de uma análise acerca das relações e atenção, sob três aspectos, que se
entre os Jogos Olímpicos de 2016 inter- relacionam.
no Rio de Janeiro e seus aspectos A sociedade organiza-se
econômicos. Forçado a pensar essa para a produção e apropriação
temática, deparei-me com inúme- de bens e decorre daí as formas
diferenciadas desta ou daquela
ras possibilidades associativas que
sociedade como também da orga-
nos levariam a uma compreensão
nização do Estado. A sociedade,
mais acurada do processo pelo qual
marcada pela trama das relações
passaremos nos próximos anos, até
sociais entre classes com interesses
chegarmos à grande festa olímpica.
diferenciados, deveria ser enten-
Como não consigo enten-
dida de acordo com os interesses
der os aspectos econômicos dissocia- econômicos a serem disputados
dos dos políticos, creio que é preciso por esses grupamentos. A política
primeiro remeter nosso pensamento expressa através das disputas parti-
sobre a dualidade economia e polí- dárias e materializada no controle
tica. Na visão clássica das ciências do Estado é a expressão do conflito
sociais, economia e política são entre esses interesses econômicos e
elementos essenciais de uma determi- da dominação de uma determinada
nada sociedade, as duas faces de uma classe sobre a outra.
128

A esta visão clássica da Ao longo de nossa história,


fisiologia social denominou-se, du- os setores subalternos da sociedade
rante algum tempo, de reducionismo brasileira compreenderam a impor-
econômico, ao mesmo tempo que se tância de buscar um processo orga-
determinava que tal visão seria in- nizativo longo e demorado, através
suficiente para explicar a sociedade de associações, sindicatos e partidos
como um todo. Na verdade, a intera- políticos, com o intuito de romper
ção entre essas esferas, seria a chave com este processo de dominação
mestra para resolver o problema. e exploração contumaz. Foram
Mas para compreendermos a relação longos anos de luta contra a força
entre economia, sociedade e política política e econômica da burguesia
é preciso associar esses elementos a nacional e internacional no controle
sua história e a um determinado país, dos destinos do país. Nesse período,
no caso, o Brasil. o Estado travestiu-se de várias for-
Historicamente, a socieda- mas, mas sempre esteve controlado
de brasileira é uma formação social pelos interesses das elites. A história
conservadora que ao controlar o do Brasil que poderia ser resumida
processo produtivo e, portanto, a em extensos períodos de ditadura
economia, estabeleceu relações com curtas experiências democrá-
sociais em que o processo de ticas, acalentou durante todas essas
dominação estava sujeito ao con- vivências, um longo e progressivo
trole externo e interno das elites. processo de acúmulo de forças dos
A burguesia nacional, atendendo segmentos subalternos.
aos interesses externos, sujeita a A última ditadura que o
população a um intenso processo de povo brasileiro enfrentou e apren-
exploração econômica e domina- deu derrotar durou 21 anos. Esgo-
ção política. Para tanto, o controle tadas as suas forças em 1985, o con-
do Estado é o mecanismo através trole político das elites transfigura-se
do qual se efetiva a luta política no nascimento da chamada “Nova
pela hegemonia do processo. A República”3 muito bem descrita por
esse tipo de capitalismo, Florestan Florestan Fernandes.
Fernandes,2 chamou de capitalismo Essa nova situação política
dependente, ao qual estão sujeitos trouxe consigo o crescimento de um
a América Latina e o Brasil. Partido forjado nas lutas de base do

2 FERNANDES, Florestan, Capitalismo dependente e Classes Sociais na América Latina. Rio de


Janeiro, Zahar, 1973.
3 FERNANDES, Florestan, Nova República?, 3º Ed. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1986
Ano XXI, n° 32/33, junho e dezembro/2009 129

sindicalismo paulista, o Partido dos processo de luta política entre as


Trabalhadores. A extensa luta desse classes em questão, tanto nas suas
partido pela consolidação da demo- relações internas como externas.
cracia, ampliação dos espaços e das Essa é só uma parte do enfrentamen-
organizações democráticas e pelo to político, com desdobramentos
controle do aparelho de Estado foi imprevisíveis e que dependem
ganhando espaço nas pequenas e essencialmente da correlação de
médias prefeituras, alçou voos para forças entre esses segmentos.
governos de Estado e finalmente Essa é uma rápida história,
encontrou condições de disputar a que procura de maneira muito super-
presidência da república. A manu- ficial relacionar, economia, política e
tenção da democracia, das lutas e sociedade. Através dela chegamos à
das disputas eleitorais colocou o PT sociedade brasileira contemporânea
em condições de vencer eleições sob o controle do Partido dos Traba-
e controlar a máquina estatal. Esse lhadores e seus aliados.
processo amadurece e ganhou cor-
po nas mãos de Luis Inácio Lula da O Estado às políticas Públicas
Silva, o Lula. Depois de concorrer e o Esporte no Brasil
várias vezes à presidência da Repú-
blica e ser derrotado pelos candida- Como vimos as inter re-
tos da elite brasileira, Lula e o Parti- lações entre Estado, sociedade e
do dos Trabalhadores associados a economia são fundamentais dentro
uma grande massa de organizações do processo de luta política pela he-
sociais e outros partidos, compondo gemonia. O Estado é extremamente
um amplo campo das esquerdas, importante, pois é através de sua es-
ascendem ao poder. trutura, recursos e ação política que
Com o controle da máqui- atende às demandas da sociedade e
na estatal e com amplo apoio da assim constrói uma sociedade mais
sociedade, restava a esses setores justa ou completamente desigual.
controlar uma grande economia na Sob o comando da elite brasileira, o
América Latina, que lhe deposita- Estado configurou-se como um ins-
vam grandes esperanças. Evidente- trumento através do qual a burgue-
mente, que o controle sob o Estado sia filtrava os interesses econômicos
em um regime democrático com e políticos, na busca pelo controle
amplo apoio social, não implica absoluto da sociedade brasileira e
necessariamente na conquista da ganhos de capital.
hegemonia política. São elementos A relação do Estado com
importantes mas não encerram um a sociedade acontece através das
130

políticas públicas por este desen- atividade esportiva5. A legislação


volvida nas mais diversas áreas so- lançada por Getúlio em 1941 trás
ciais, seja, na educação, transporte, todo o entendimento do esporte e
moradia, saúde esporte e outros do lazer como instrumento de do-
segmentos. Ao longo da história, minação de classe, utilizado pelo
essas políticas assumiram uma co- governo para inflar os seus objetivos
notação democrática ou autoritária, políticos e ideológicos. Na década
de acordo com o perfil do Estado, de 70, sob pesada ditadura militar,
demonstrado pela presença das o esporte enquanto aparelho ideo-
forças políticas que o controlavam lógico do Estado, cumpriu o Papel
e pelo momento vivido pela socie- de disseminar pelo mundo a idéia
dade brasileira. de um país pujante e plenamente
O Esporte e o lazer fazem democrático, espelhado na con-
parte desse escopo de políticas a quista do tri campeonato mundial e
serem administradas pelo Estado, no na projeção de sua maior estrela, o
sentido de contemplar as expectati- atleta do século, Pelé, como exem-
vas sociais. Essas políticas assumi- plo dessa democracia racial.
ram, ao longo da história brasileira, Depois desse período, o
diversas faces. No início do século Estado, no Brasil, passa por inúme-
XX, nos principais centros urbanos ras transformações na sua forma de
do país, o Estado era o elemento ser e agir, lançando sob o esporte
financiador das estruturas esporti- uma nova matriz ideológica capaz
vas. Foi assim no Rio de Janeiro no de alterar-lhe os seus rumos. O Esta-
desenvolvimento do hipismo e do do brasileiro do período neoliberal
remo, como relatou Victor A. Melo.4 dos governos de Fernando Collor de
Esses esportes consagrados ao lazer Mello e Fernando Henrique Cardo-
das elites encontraram o desenvolvi- so encontrará, nos ídolos esportivos
mento estrutural através da mão do nacionais, o seu mecanismo de
Estado, nas suas relações aproxima- aproximação política entre Estado
tivas com a elite carioca. De mero e sociedade. É dessa forma que se
elemento financiador das estruturas, iniciam transformações profundas
a partir do período Vargas, o Estado na vida esportiva nacional, primeiro
passa a ser um instrumento de con- com Bernard e depois com Zico
trole, administração e vigilância da no controle das políticas públicas

4 MELO Victor Andrade. A cidade Esportiva, Primórdios do esporte no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro,
Relume Dumará, 2001.
5 MANHÃES Eduardo Dias, Políticas de esporte no Brasil, 3º Ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2002.
Ano XXI, n° 32/33, junho e dezembro/2009 131

de esporte e lazer. Este inicia um a sua marca ideológica e a história


processo de abertura do esporte de militância do partido.
para o mercado, balizado pela lei Dessa forma, era de se
que leva o seu nome. Já no governo esperar que as políticas públicas de
de Fernando Henrique Cardoso, o esporte e lazer fossem administra-
esporte ficará sob o comando de Ed- das por setores que comandaram a
son Arantes do Nascimento, o Pelé, reformulação e revitalização, assim
que reformula a legislação anterior, como a nova direção ideológica a
criando a lei Pelé. Essa lei represen- partir do processo de democratiza-
ta, principalmente para o futebol, a ção da sociedade brasileira depois
total abertura do mercado nacional de 1985. Historicamente, essas for-
para o exterior, a possibilidade de ças estiveram alojadas, no campo da
comercialização dos clubes através educação física, dentro do Colégio
da venda de seus departamentos de Brasileiro de Ciências do Esporte, o
futebol para a iniciativa privada, o CBCE. Depois de criado um Grupo
fim da lei do passe e inúmeras ou- de trabalho temático com os seus
tras mudanças dentro dos princípios principais intelectuais, a produção
neoliberais imperantes. acerca das políticas públicas no es-
Enquanto estes encami- porte e lazer nacional iniciou, um
nhamentos reforçam as idéias do processo de investigação científica
neoliberalismo no esporte, a luta sobre os caminhos seguidos por
social altera a correlação de forças essas políticas por todo país. Esses
na sociedade brasileira e impulsio- segmentos normalmente encontra-
na o movimento e a organização vam, sob os seus quadros, intelec-
popular para dar apoio as forças tuais do PT, segmentos ligados a
populares, capitalizadas pelo Parti- administração pública do esporte e
do dos Trabalhadores, que depois lazer de prefeituras ou governos do
de concorrer a presidência da Re- Estado em todo país.
pública por três vezes, com Luis O próprio partido dos Tra-
Inácio da Silva, vence as eleições e balhadores criou um setorial ligado
coloca no poder, pela primeira vez às políticas de esporte e lazer que
na história desse país, um operário alimentava os debates internos e as
no comando do Estado. O PT e as linhas de atuação nas administra-
forças que o ajudaram a chegar ao ções desse partido. Assim, podemos
poder, iniciam assim, uma nova fase afirmar que o acúmulo existente nas
de controle sob o aparelho de Esta- políticas públicas de esporte e lazer
do e, portanto, sob as políticas pú- do CBCE e do setorial do PT dava a
blicas, que a partir de agora levam estes setores um amplo campo de
132

experiências capazes de dinamizar lado sobre o assunto. É dessa forma


e alterar, de uma vez por todas, a que as públicas de esporte e lazer
diretriz impressa no esporte e lazer e suas respectivas estruturas, foram
pelos setores conservadores em colocadas pelo governo Lula, nas
toda a longa história da relação en- mãos de segmentos pouco afeitos
tre Estado e a sociedade brasileira. a este debate e passaram assim a
Muito embora houvesse ser comandadas pelo Partido Co-
esse acumulo, curiosamente os munista do Brasil nas mãos de seus
avanços não se faziam hegemôni- dois maiores representantes: Agnelo
cos na estrutura partidária. Histo- Queiroz(2003-2006) e Orlando
ricamente os partidos de esquerda Silva a partir de 2006.
sempre tiveram pouco interesse, Passados mais de sete anos,
além de manifestar uma imensa di- essas políticas públicas não foram
ficuldade para lidar com as políticas marcadas por uma visão adminis-
de esporte e lazer. Alimentava-se, trativa que as diferenciassem dos
na esquerda, o preconceito, que o períodos anteriores e também não
esporte sempre fora um elemento demonstraram quase que nenhuma
de alienação e instrumento de transformação política ou ideológica
dominação política da direita. A marcante, que merecesse ser consi-
medida que as forças de esquerda derada como elemento capaz de re-
assumiram prefeituras e governos de presentar o acúmulo vivido no CBCE
Estado, no seu extenso caminho até e no setorial do PT. Ao contrário do
a vitória à presidência da república, que se poderia esperar, alguns autores
as secretarias de esporte eram nor- afirmam existir hoje um aprofunda-
malmente discriminadas e ocupadas mento das políticas neoliberais no
pelos menores partidos, como um esporte do período anterior.
elemento sem grande valor social Essa visão está associada
e representatividade política. Não a uma diretriz ideológica assumida
se cobrava desses segmentos um pelas políticas públicas de esporte
novo planejamento ou reviravoltas vinculadas ao governo Lula, que en-
ideológicas nas políticas a serem tendem como foco de seus progra-
adotadas, eram simplesmente car- mas a população mais pobre desse
gos que compensavam a participa- país. A população seria acionada a
ção no processo político. Em muitos participar de “projetos sociais” com
locais desse país, o PC do B já havia base em ações de organizações inti-
assumido essas pastas e havia ganho tuladas do “terceiro Setor”. A garan-
alguma experiência, sem no entanto tia dos direito sociais da população
possuir qualquer discussão acumu- seria agora conquistada através do
Ano XXI, n° 32/33, junho e dezembro/2009 133

desenvolvimento de campanhas constante pela legitimação que leva


onde se busca resgatar a responsa- à execução de políticas públicas que
bilidade social da sociedade e dos caminham no sentido de contemplar
empresários, contando inclusive as expectativas dos setores conversa-
com a ação de voluntários. dores do campo esportivo, uma ver-
A difusão do termo “proje- dadeira capitulação, ao que o autor
to social” para referir-se a essas polí- chama de “síndrome de Estocolmo”.
ticas públicas, insere-se na dinâmica A síndrome é definida como um
política dos grupos dominantes, de estado psicológico desenvolvido por
desfazer os direitos e transformá-los pessoas vitimas de sequestro, onde
em mercadorias negociáveis como a vítima procura se identificar como
uma característica neoliberal. Os captor ou conquistar simpatia do
projetos sociais são implementados sequestrador. Ou seja, os setores do
por organismos da sociedade civil PC do B procuraram se identificar e
públicos (municipais ou estaduais) buscar simpatia dos setores mais con-
ou privados (ONGs, associações servadores e reacionários do campo
de moradores, movimentos sociais) esportivo nacional e acabaram fican-
e correm o risco permanente de do prisioneiros deles, dos donos do
extinção. O exemplo característico poder, dos senhores dos anéis. Nessas
desses programas é o projeto do condições, as possibilidades de rever
governo federal “segundo tempo”. as políticas públicas de esporte e la-
Para os setores alinhados zer, são praticamente nulas.
ao campo crítico da educação física, Por outro lado, a professo-
como Lino Castellani Filho6, o que ra Celi Zulke Taffarel professora da
ocorreu com as políticas públicas FACED/UFBA em seu texto “como
foram três processos: a) um imenso iludir o povo com o esporte para o
avanço dos setores conservadores do público”,avalia a situação de uma
campo esportivo devido a explícita e maneira um pouco diferente. Afirma
concreta terceirização das políticas ser impossível analisar os caminhos
pelo PT, b) um aprisionamento dos do esporte sem uma rápida descri-
setores que aplicam a política pública ção do que é o governo Lula, já que
pelos setores conservadores, que ma- este possui uma fachada ideológica
joritários e hegemônicos, trabalham de “centro esquerda” mas trabalha
a construção do imaginário popular no desenvolvimento de políticas
sobre o assunto e c) uma busca neoliberais. Segundo a autora,: “ O

6 Disponível em :<http:/www.observatóriodoesporte.org.br>. Acesso em :20 jun 2010.


134

modo petista de governar incorpo- internacionais que assim se valem


rou todas as coisas contra as quais dos recursos públicos para seus be-
a esquerda brasileira lutou nesses nefícios. Conclui afirmando acerca
últimos anos: aparelhamento da do esporte e lazer no governo Lula:
máquina, enganação, desqualifica- “Nossa hipótese é de que estão
ção, silenciamento, isolamento e sendo configuradas novas forças,
eliminação dos divergentes, ataque que na aparência são de “centro
e destruição de quadros históricos esquerda”, mas que na essência de
das lutas no campo e na cidade; suas construções históricas podem
cooptação, nepotismo corrupção, culminar em novas forças de direi-
clientelismo, populismo.”7 ta ou reforçar a velha e carcomida
Para Celi o governo Lula elite e seus valores burgueses”8
atentou para gestos simbólicos na
área de esporte e lazer que conten- Os donos dos anéis e as mãos
tariam as reivindicações populares. que embalam o berço
Tais gestos estariam presentes
na instalação do Ministério do A realização dos Jogos
Esporte, na realização das Confe- Olímpicos, em qualquer país do
rências Nacionais, na delimitação mundo, impõe a associação de
da Política Nacional de Esporte e vários interesses econômicos, polí-
Lazer e na configuração do Sistema ticos e sociais. Nesse emaranhado
Nacional de Esporte e Lazer. Estes de interesses, projetam-se, como
gestos simbólicos estariam muito soberanos ou hegemônicos, aque-
longe de configurar uma política les situados no núcleo duro do
cultural de interesse de uma nação poder locado no Comitê Olímpico
soberana e não são decorrentes Internacional, nas 35 federações
da posição política do governo esportivas internacionais e 205 co-
de atender, com determinação, as mitês olímpicos nacionais e nas suas
reivindicações históricas na área estratégias corporativas de caráter
do esporte e lazer, representando, supranacional, que reunidas em
antes medidas compensatórias uma única organização, recebeu
para aliviar a pobreza com segu- o nome de “club”. Associados a
rança e continuar privilegiando os essas organizações esportivas es-
interesses das elites brasileiras e tão as grandes multinacionais dos

7 Disponível em : HTTP://www.facel.ufba/rascunho-digital Acesso em 24 jun. 2010.


8 Disponível em : HTTP://www.facel.ufba/rascunho-digital Acesso em 24 jun. 2010
Ano XXI, n° 32/33, junho e dezembro/2009 135

materiais esportivos, a mídia e seus segurança desfrutado pelo Estado.


interesses nos mercados, tanto os já Estava lançada a sorte de um país
consolidados como aqueles ainda que buscava a realização dos Jogos
por serem abertos. como um elemento capaz de unir
Em meio a essa situação, o todos os segmentos da sociedade
Brasil, e mais especificamente o Rio brasileira e latino americano. O
de Janeiro, iniciou uma longa luta Estado brasileiro lançava uma pro-
para a realização dessa competição. posta que uniria toda uma nação e
Ao final desse processo, Luis Inácio fomentaria a economia nacional.
Lula da Silva em outubro de 2009, Ao final, o Rio de Janeiro
fez em Copenhague, na Dinamarca, conquistou o direito de sediar os
um longo discurso em defesa da jogos Olímpicos de 2016. O placar
candidatura do Rio de Janeiro como foi folgado. A vitória arrasadora.
sede das Olimpíadas de 2016. O O poder econômico de Chicago,
chefe do Estado brasileiro afirmou a eficiência de Tóquio e a história
que a identidade do Brasil uniria de Madri ficaram para trás. Na ter-
todos os continentes, sendo os jogos ceira e última rodada de votação,
uma oportunidade sem igual para o sobraram o Rio de Janeiro e Madri,
Brasil e que essa era uma candida- com a vitória do Rio por 66 votos
tura de toda a América do Sul. Suas contra 32. A imprensa brasileira e a
palavras foram fortalecidas pelo pre- internacional salientaram elementos
sidente da FIFA João Havelange que que justificaram a conquista e dentre
disse esperar completar os seus cem eles à participação do presidente
anos no Rio de Janeiro em 2016. O Lula, assim como o grande momento
presidente do Comitê Olímpico Bra- vivido pela economia brasileira, o
sileiro, Carlos Arthur Nuzman eter- fantástico boom das exportações nos
nizado na presidência da entidade, preços dos commodites e os inves-
também usou da palavra, alertando timentos nas políticas sociais, com
o Comitê Olímpico Internacional uma previsão do PIB para 2010 de
que a escolha da cidade certa é uma 5.7%, refletindo assim a condição do
aposta da entidade no futuro. Logo Brasil como um país que se encontra
depois, falou o presidente do Banco entre as nações de liderança política
Central, Henrique Meirelles que mundial e inserindo o “continente
avalizou esse cheque, salientando esquecido” no mapa político inter-
a boa saúde financeira do país, nacional. Essas avaliações se somam
sendo seguido pelo governador do àquelas que salientam a importância
Rio de Janeiro Sérgio Cabral Filho, das descobertas de petróleo e a cres-
que afirmou o novo momento de cente influência do país no diálogo
136

internacional, algo que projetou teresses econômicos e políticos do


Lula como o personagem do ano movimento olímpico internacional,
de 2009 no mundo. comandados pelo COI e seu club.
Lula e seu governo pos- Assim, podemos afirmar que há três
suem parte muito importante no mãos embalando o berço: O Estado
processo assim como também o brasileiro, o COB com seus interes-
Comitê Olímpico Brasileiro. Para ses políticos internacionais e o COI
Nuzman, presidente do COB, a e sua organização corporativa.
vitória é a conseqüência de uma Os donos dos anéis repre-
longa estratégia que contou com sentam assim o resultado de todo
a ajuda do presidente de honra do processo organizativo do esporte em
COI, Juan Antonio Samaranch, que nível internacional, associado aos
já há algum tempo teria indicado o interesses econômicos da indústria
caminho a ser seguido pelo Brasil. do esporte mundial. A movimenta-
A estratégia era simples: primeiro ção do esporte pelo mundo atende,
era preciso realizar os Jogos Pan portanto, aos interesses econômicos
Americanos de 2007 e sonhar com a e políticos desses segmentos por
Olimpíada de 2012, para finalmente novos e promissores mercados, que
realizar a de 2016. Mesmo a derrota com um olhar imperialista, obser-
de 2012, configurava-se como uma vam os Estados nacionais lutarem
jogada estratégica assim como tam- pela conquista do direito à realiza-
bém realizar com sucesso os Pan ção dos Jogos Olímpicos. Quem
Americanos. A luta para trazer os comanda a indústria do espetáculo
mega eventos para o Brasil associa esportivo pelo mundo é portanto a
portanto duas estratégias nacionais. industria do esporte, coordenado
Primeiro o desejo populista do go- por seu braço político supranacio-
verno Lula, através do PC do B, de nal, as organizações esportivas. Ao
fazer do esporte uma estratégia de comandar o seu famoso e disputado
projeção nacional e internacional calendário esportivo acenam aos
do país, ou seja, um Brasil que seja Estados nacionais e burguesias locais
visto como democrático, potência para seus ganhos, tanto políticos
econômica em projeção e agora como econômicos. Para os Estados
potência esportiva; segundo, a ma- nacionais essa é uma oportunidade
nifestação política internacional do ideológica e política ímpar de unifi-
Comitê Olímpico Brasileiro, através car a nação em torno dos mesmos
de Carlos Nuzmann de lutar pela ideais esportivos e de amor à pátria
ampliação do seu espaço político e a seus valores morais. Para isso pre-
dentro do COI que se associa aos in- cisa fomentar a atividade esportiva,
Ano XXI, n° 32/33, junho e dezembro/2009 137

cumprindo um imenso caderno de sencadeou as mais variadas ondas


obrigações para que possa justificar de comentários desarticulados, ca-
esse desejo pela sede dos jogos e, rentes de história e solidez teórica
se assim o faz, justificar esse desejo capaz de apontar para alguma di-
apontando para a necessidade de reção confiável. A sociedade brasi-
desenvolvimento esportivo de seu leira, perplexa diante do anúncio e
país, assim como pelas novas opor- da euforia que tomou conta do Rio
tunidades no campo do turismo e de Janeiro, tornou-se solidária ao
dos benefícios econômicos advindos movimento e apoiou a causa antes
desses espetáculos. perdida, emocionou-se com ela e a
Essa é a fórmula geral ado- espera com ansiedade. A impren-
tada pelo Estado nacional ao longo sa noticiou no inicio o fato com
da história. O que o diferencia euforia, rompendo parcialmente
de país para país é a importância com o “complexo de vira lata”.
dada ao esporte e lazer enquanto Nelson Rodrigues explicou essa
elemento cultural presente nas sua criação da seguinte forma: “por
políticas públicas e o grau de de- complexo de vira lata, entendo eu
senvolvimento incorporado por a inferioridade em que o brasileiro
essas forças na sociedade da qual se coloca voluntariamente, em face
faz parte. No Brasil, a oportunidade do resto do mundo”9 e continu-
de realizar esse evento, guarda toda ando afirmaria: “ o brasileiro é um
uma discussão pormenorizada, que narciso as avessas, que cospe na
para ser apropriada com sabedoria, própria imagem. Eis a verdade: não
deveria buscar na sua história e nas encontramos pretextos pessoais ou
políticas públicas adotadas até o históricos para auto-estima”10.
presente momento um instante de Digo que rompeu parcial-
reflexão sobre o nosso processo de mente, pois de maneira contínua e
“desenvolvimento esportivo”. Este duvidosa retratava os feitos das ou-
debate teria como foco o papel do tras cidades que sediaram os jogos
Estado, da sociedade e da economia com êxito para salientar as dificul-
como elementos propulsores da dades que seriam encontradas no
atividade esportiva. Brasil, embalando estas dificuldades
O anúncio do Rio de Janei- nos milhões que seriam gastos para a
ro como sede dos Jogos de 2016 de- recuperação da cidade, seu processo

9 RODRIGUES, Nelson, Flor de Obsessão: as 1000 melhores frases de Nelson Rodrigues. Rio de
Janeiro, Companhia das Letras, 1992.
10 Idem
138

de reurbanização, problemas estru- No imediatismo dos debates, a im-


turais e sociais, eram dificuldades prensa e o senso comum apegam-se
em cima de dificuldades, todos para definir esse desenvolvimento a
embalados por um moralismo que posição a que o país está colocado
questionava ser isso certo ou errado, no ranking dos jogos. Partilhando
diante de outros tantos problemas dessa associação infantil nossos
por que passa o país. A burguesia dirigentes esportivos do COB in-
carioca explodiu de felicidade com formam à grande imprensa e assim
as novas possibilidades econômicas à população nacional que o Brasil,
calcada em lucros fabulosos e na passará a ser uma potencia esportiva
possibilidade de uma nova cidade e que para tanto, precisamos saltar
para se viver. O Estado, não perdeu do 22º colação no ranking para a
sua raiz ideológica e lançou a sua 10º colocação. Se alguém procura-
diretriz para os próximos anos: “Bra- va alguma definição mais plena de
sil potência olímpica para 2016”. validade científica encontra agora,
Dessa forma simples, sociedade, nas palavras do ministro do esporte
economia e Estado encontraram-se do país, a decisão que precisava
para falar do mesmo assunto, sob para sanar as dúvidas conceituais
prismas diferentes. acerca do que é desenvolvimento
Em meio a esse emara- esportivo. A posição no ranking,irá
nhado de novas idéias ressurge a nos transformar em potencia espor-
preocupação com o desenvolvi- tiva, para tanto precisamos gastar
mento esportivo, agora sob a forma milhões de dólares em inúmeras
de discurso ideológico do Estado, transformações estruturais na cidade
colocando o Brasil como potência do Rio de Janeiro assim como na
olímpica. O “desenvolvimento base estrutural de esportes. Tudo
esportivo”, algo esquecido e pou- isso será feito em seis anos.
co trabalhado do ponto de vista
estrutural e de planejamento, passa “Sim, nós podemos”11
a ser a justificativa ideológica para
que se viabilizem imensos gastos na A campanha da candida-
área. O desenvolvimento esportivo tura do Rio de Janeiro custou 140
não encontra, hoje no Brasil, uma milhões de reais e foi comandada
definição conceitual aproximada. por três consultores internacionais,

11 Expressão utilizada pelo Presidente Barak Obama durante a sua campanha presidencial e
reeditada pelo presidente Lula para designar a capacidade brasileira de fazer os Jogos Olímpicos
de 2016.
Ano XXI, n° 32/33, junho e dezembro/2009 139

especialmente contratados: Mike serão gastos na construção de um


Lee, que trabalhou na campanha novo píer na área do forte de Copa-
vitoriosa de Londres 2012, Micha- cabana e arquibancada temporária
el Payne, que durante vinte anos com 5 mil lugares. R$ 19 milhões
foi encarregado do marketing do na construção de um estádio de
COI e o americano Scott Givens, vôlei de praia com arquibancada
responsável pelo sucesso do Super temporária com capacidade para
Bowl, a espetacular final do cam- 12 mil pessoas, R$ 34,6 milhões
peonato de futebol americano nos na construção da arquibancada
EUA. Depois da consagração. Lula temporária com 5 mil lugares para
parafraseou Barak Obama, afirman- a prova de Maratona, revitalização
do as potencialidades do Brasil e da marina e construção de arqui-
do Rio de Janeiro e da capacidade bancada temporária para 10 mil
de alavancar a economia e trans- pessoas, R$ 75 milhões serão gastos
formar a cidade. Agora o Rio de Ja- construção de um estádio aquático
neiro terá de vencer o desgoverno olímpico, na Barra da Tijuca, com
e o abandono, criadas nos últimos duas piscinas e capacidade para 18
anos por uma elite arcaica e polí- mil pessoas, R$ 4,5 milhões serão
ticas públicas desastrosas. Precisa utilizados na reforma do estádio de
superar a violência,a favelização remo e construção de arquibancada
e a poluição de suas lagoas. Os provisória com 10 mil lugares.
números apresentados na imprensa Por sua vez, as principais
nacional assustam, serão mais de intervenções urbanas se dar-se-ão
1.500 turistas e 15 mil atletas que na expansão do metrô que inclui
visitaram 34 instalações esportivas a ampliação de Ipanema, Gávea,
novas e que atingirá ao final, um Barra da Tijuca além da integração
público de 4,4 bilhões de pessoas com o Maracanã e a compra de
no planeta durante os dezesseis trens em um total de 2,9 bilhões.
dias do encontro. A construção das linhas BRT (Bus
Para alguns, trata-se na Rapid Transit) ligando a Barra da
verdade de uma tarefa nacional para Tijuca à zona Oeste e à Zona norte
recuperar a cidade maravilhosa. Essa da cidade envolverá o volume fi-
recuperação deverá materializar-se nanceiro no valor de 1,6 bilhões. A
na forma de investimentos que reforma do aeroporto internacional
somam quase 29 bilhões de reais, Tom Jobim impõe a quantia de 946
sendo que desses 23,5 bilhões são milhões, aumentando a sua capa-
em infraestrutura. Observe alguns cidade de 9 mil passageiros para
desses números: R$ 17,5 milhões 15 mil, a ampliação do aeroporto
140

Santos Dumont custará 45 milhões e sociais, encontrou, no esporte,


para realizar a ampliação de 3 mil ou melhor, no evento esportivo
passageiros para 5 mil. Outra obra internacional, a capacidade de
de suma importância é a constru- redefinir o seu projeto estratégico.
ção do arco metropolitano, uma Dezesseis dias de competição foram
via de 145 Km que ira desafogar o suficiente para unir os interesses
o trânsito nos acessos à cidade no econômicos, a ação do Estado e a
valor de 930 milhões. No campo do força da opinião pública. Da mesma
urbanismo, prevê-se a execução da forma, redefinem a lógica estatal
obra de revitalização da zona portu- para o desenvolvimento esportivo
ária, com criação de área de lazer, nacional, agora para um Brasil que
habitação e negócios inspirada em quer ser potência olímpica.
Buenos Aires e Barcelona no valor Em meio ao turbi-
de 3,2 bilhões. A experiência inter- lhão de novidades, emergem duas
nacional revela a intenção de dotar propostas para o Brasil potência
a região de tudo o que uma cidade Olímpica. Uma a ser formulada
moderna deve oferecer num mesmo pelo COB e suas associadas, às fe-
espaço, ou seja,: comércio, residên- derações esportivas e outra pelo go-
cias, turismo e atividades culturais. verno federal, que segundo Ricardo
Prédios comerciais e residenciais- Leyser, principal executivo da pasta
incluindo habitações de interesse estaria sendo inspirada no instituto
social- serão erguidas ao lado das de excelência do esporte da Austrá-
futuras atrações, como uma pina- lia, ou ainda em modelos como os
coteca, um museu e um aquário. de Cuba, EUA e Alemanha.
A preocupação com a melhoria
nas favelas, inclui a construção de “Subdesenvolvimento não
infra estrutura em cinco favelas no se improvisa. É obra de
valor de 1 bilhão. O meio ambiente séculos”.12
será atingido com a despoluição da
Lagoa Rodrigo de Freitas, Baia da O esporte possui uma
Guanabara e Lagoas de Jacarepagua capacidade, acima da média de
no valor de 1 bilhão. falsificar o real. Jogadores normais,
O que se pode concluir em períodos de escassez de craques
da situação, é que uma cidade tornam-se monstros sagrados com
com imensos problemas urbanos um ou dois gols e alguma ajuda da

12 RODRIGUES, Nelson, Flor de Obsessão, as 1000 melhores frases de Nelson Rodrigues. Rio de
Janeiro, Companhia das Letras, 1992.
Ano XXI, n° 32/33, junho e dezembro/2009 141

imprensa, equipes sufocadas por foi em Atenas, o que possibilitaria


crises econômicas falsificam a sua com o auxilio de ajudas estruturais,
realidade erguendo um simples programas especiais e algumas es-
troféu. Sociedades marcadas pelas tratégias federativas a possibilidade
ditaduras, torturas e mortes, esque- de saltarmos para, no mínimo a
cem suas dores e sua história diante 10º posição. Colocados entre as
da TV e dos espetáculos esportivos. dez maiores países no quadro de
É por isso que Nelson Rodrigues medalhas, seremos uma potência
escreveu: “Em futebol, o pior cego esportiva.
é o que só a vê a bola”.13 Essa análise infantil re-
A Copa do Mundo de cebeu uma recente contestação
2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 do IPEA- Instituto de Pesquisa
cumprem assim um papel ideoló- Econômica Aplicada, que através
gico profundo, o da cegueira no do estudo de número 1394: “Ava-
campo das políticas públicas. Num liação da eficiência técnica dos
passe de mágica, dois eventos es- países nos Jogos Olímpicos de
portivos, somam-se a um propósito Pequim 2008” e coordenado pelo
populista e a ganância econômica professor Alexandre Marinho, 14
para decretar, quase que de ime- coloca para o campo da educação
diato, a existência de um novo física uma nova forma de medir
tempo onde o subdesenvolvimento o desenvolvimento esportivo. O
esportivo seria algo do passado. estudo analisou o desempenho dos
Esse subdesenvolvimento esporti- países ganhadores de medalhas nas
vo mascarado ideologicamente de Olimpíadas de Pequim em 2008.
“mal desempenho”, foi constatado Ao invés de expressar o desempe-
pela imprensa, pelo COB e pelo nho, ou desenvolvimento esportivo
próprio Estado ao analisar a posição apenas em termos de conquistas de
assumida pelo Brasil no Ranking medalhas, a “eficiência” relativa
esportivo mundial, expresso no dos países foi avaliada por meio
resultado dos consecutivos Jogos da utilização da metodologia co-
Olímpicos. Em Atlanta (1996) fo- nhecida como Análise Envoltória
mos 25º, em Sydney (2000) 52º, de Dados- Data Envelopment
em Atenas (2004)16º e em Bejing Analysis (DEA). Assim utilizou-se
(2008) 22º colocado. Para esses uma fronteira de eficiência para o
analistas, nosso melhor resultado conjunto dos países, cotejando os

13 Idem
14 Disponível em < http//www.IPEA.gov.br>. Acesso em 25 jul 2010.
142

resultados obtidos com os recursos vamente conquistado nas últimas


disponíveis em cada país. Os re- olimpíadas. Para o IPEA, os países
sultados (outputs) serão diferentes “grandes” em termos de população
combinações de medalhas conquis- e de PIB ocupam as primeiras posi-
tadas - ouro, prata e bronze- e os ções, pois a produção de medalhas
recursos (inputs) serão o PIB, US$ esta otimizada, correspondendo
PPP; a população de cada país e a portanto, aos elevados níveis de
esperança de vida ao nascer. recursos disponíveis. Em tese, a
De acordo com os estu- única forma de crescer no mundo
dos, a 22º posição no ranking do olímpico e tecnicamente eficiente
COI, falsifica uma realidade ainda seria ter uma grande população ou
maior do subdesenvolvimento. Em um grande PIB. Assim o estudo se
um primeiro modelo de análise, posiciona a respeito da posição as-
quando são consideradas as meda- sumido pelo país em Pequim:
lhas de ouro, o escore brasileiro de
Aliada à magnitude do PIB e ao
eficiência foi de 14,23% fazendo
tamanho da população, o Brasil
o país situar-se na 47º posição em
conta ainda, com mais um fator
um grupo de 55 países analisados.
que contrasta com o resultado
No segundo modelo, que utiliza as
não muito bom nas Olimpíadas
medalhas discriminadas por tipo, o de Pequim. Foi justamente nes-
país atingiu um escore de 30,9% de ses jogos que o país investiu e di-
eficiência, ocupando a posição de recionou mais verbas ao esporte
55º posição em um ranking de 87 em participações olímpicas. Além
países. No terceiro modelo, com o disso, estima-se que, adicionado
total de medalhas somadas, o escore aos repasses governamentais e
de eficiência baixa para 22,56% à lei de incentivo ao esporte, o
levando o país a 51º posição em Comitê Olímpico contou com
um grupo de 87 países. aproximadamente, o dobro da
Segundo o IPEA, mais que verba recebida pela Lei Piva com
uma posição nada satisfatória, o relação à primeira edição dos jo-
país para se colocar entre os mais gos beneficiados por essa fonte
eficientes, ou seja, ir para a fronteira de financiamento.15
da eficiência, necessita de nada me-
nos do que quadruplicar o número O objetivo do estudo re-
de medalhas em relação ao efeti- sume-se na tentativa de propor um

15 Disponível em:<HTTP/www.IPEA.gov.br> Acesso 25 jul 2010.


Ano XXI, n° 32/33, junho e dezembro/2009 143

ranking alternativo ao “oficial” ge- diferentes, chegamos a seguinte


rado exclusivamente pelo número constatação: o Ministério do Espor-
de medalhas que privilegia os países te e o COB, solucionam a questão
“grandes” praticamente os únicos com a estratégia desenvolvimentista
capazes de obter maiores quantida- de um Brasil “potência Olímpica” .
des de medalhas. Assim, se Países Para Lula e seu ministério, a posição
como EUA e a China demonstram a no ranking internacional colocaria
sua imensa capacidade, países, por o Brasil na condição de um país
outro lado com pequeno PIB e po- desenvolvido no esporte e não mais
pulação reduzida, mas que atingem na condição de não desenvolvido
resultados relevantes em termos de ou subdesenvolvido. A expressão
medalhas, seriam considerados efi- subdesenvolvido é por mim colo-
cientes como a Jamaica, a Mongólia cada, pois em qualquer debate ela
e o Zimbábue. faz o contraponto com a palavra
Ao terminar o estudo, o desenvolvido, exaustivamente
IPEA constata que é difícil precisar utilizada. O movimento olímpico
o porquê da falta de sucesso brasi- internacional não faz essa analogia
leiro, mas que diante da análise da entre países desenvolvidos ou sub-
população e do PIB o país está muito desenvolvidos no esporte, pois isto
bem dotado, mas que isto somente remeteria a discussão para o campo
não basta. Dessa forma o IPEA, sem da economia e da política, situação
afirmar, sugere para uma avaliação essa que não interessaria aos senho-
da situação que devem ser analisadas res dos anéis que historicamente
as variáveis esportivas, ou seja, sua o tem remetido ao plano da neu-
política esportiva. No que se refere tralidade. Para esses senhores, só
às condições mínimas necessárias existe a necessidade permanente
para um bom desempenho, o país da superação olímpica que segue
desfruta de bom potencial. Ao insti- a linha ascendente da busca de
tuto não caberia uma análise da po- medalhas e troféus.
lítica esportiva do país, mas aponta Teríamos assim o desen-
para o nó do problema. volvimento pelo desenvolvimento,
Colocadas as duas situa- como uma sequencia linear a ser
ções nas quais se propõem a ava- buscada pelos países. A posição
liar o desenvolvimento esportivo no ranking é apenas um número,
nacional, tanto a do Ministério do que oscila de acordo com inúmeras
Esporte/COB, quanto a do IPEA variáveis que não são facilmente
que partem de pressupostos teóri- diagnosticáveis. Elementos como
co metodológicos completamente sorte, esforço, dedicação ou mesmo
144

o aparecimento de um fenômeno Janeiro já determinou a necessidade


esportivo que possa conquistar do projeto “potência Olímpica” tan-
seis ou sete medalhas de ouro em to pelo COB como pelo Ministério,
determinada modalidade, seriam aceitando-se o conceito de desen-
capazes de fazer a posição no volvimento esportivo espelhado no
ranking sofrer um grande viés. É resultado. Agora a estratégia de de-
por isso, que o COB e o Ministério senvolvimento do esporte brasileiro
dos Esportes insistem em afirmar para os próximos seis anos é o evento
para toda a imprensa nacional que e o resultado. Todos os esforços e os
o “nosso melhor resultado” é a 16º recursos financeiros do governo do
posição e que a solução para o pro- PT e das forças de esquerdas foram
blema é chegar em 10º lugar custe o absorvidas ideologicamente para
que custar. O espantoso é que tanto esta proposta desenvolvimentista.
o COB como o Ministério concor- Assim, se em 2016, chegarmos em
dam com a tese. Ao COB, que faz 10º lugar, podemos nos dizer uma
parte da instituição olímpica e que potência olímpica e portanto, ou por
portanto defende os seus interesses analogia, um país desenvolvido no
e valores, é compreensível aceitar esporte.
esse conceito de desenvolvimento Para o IPEA, afeito as aná-
esportivo, pois isto é intrínsico a lises econômicas, essa condição já
sua lógica funcional, ao seu modus deveria ser uma realidade, devido
operandi, é o sistema defendendo aos elementos econômicos salienta-
aquilo que o próprio sistema criou. dos. Dessa forma, não seria a base
A classificação no ranking é um econômica e social a responsável
conceito de desenvolvimento es- pela situação em que o país se
portivo criado pelo COI e quase que encontra, mas a política esportiva.
de maneira natural, é aceito como O IPEA constatou a nossa falta de
válido. Mas aos Estados nacionais, eficiência esportiva em conquistar
o conceito não é colocado como medalhas e troféus tendo em vista
obrigatório, muito pelo contrário, a situação econômica e social do
é questionado. Os países possuem pais, mas os caminhos a serem se-
modelos, concepções ideológicas e guidos para superar essa situação é
políticas diferentes de esporte e po- um problema da política esportiva
dem, muito facilmente, não abraçar a ser adotada.
essa proposta. O caminho a ser seguido
O interessante e espantoso, pelo governo Lula, a que Celi Ta-
no caso brasileiro, é que a realização ffarel designa de centro esquerda
das Olimpíadas de 2016 no Rio de com tendências a fortalecimento
Ano XXI, n° 32/33, junho e dezembro/2009 145

das políticas neoliberais, aponta vimento econômico e político e a


para o caminho da intensa e rápida sobrecarga ideológica e emocional
especialização esportiva, através da que se reproduz dia após dia e que
conjugação de esforços das federa- altera, de maneira súbita, o desenvol-
ções esportivas e do COB, tendo o vimento de um planejamento espor-
Estado como base de sustentação tivo sério, capaz de levar a superação
econômica. Assim, centros de trei- do subdesenvolvimento.
namentos especializados, desen- A sociedade brasileira
volvimento de laboratórios, alta que já aprovou e deseja entusias-
tecnologia, ampliação da rede de ticamente o espetáculo esportivo
captação de talentos esportivos e o no Brasil, será envolvida cada vez
financiamento em massa do esporte mais pela mídia na cobrança pela
de rendimento são alguns dos cami- execução de uma grande festa, sem
nhos a serem seguidos pela política falhas e ao mesmo tempo em uma
grande participação brasileira, a
nacional de desenvolvimento espor-
melhor de todas seja lá de que for-
tivo. Resultados rápidos e racional-
ma for. Esse desejo social que irá
mente planejados para alcançar tal
se manifestar de maneira intensa e
situação. Assim, gastaremos todos os
hegemônica, como necessidade de
nossos esforços e recursos em uma
afirmação da auto estima brasileira,
proposta ideológica de esporte nada como símbolo de nacionalidade e
inovadora, mas que reafirma os va- força de um povo e um país, irá se
lores e a moral capitalista do esporte unificar e projetar o esporte de ren-
internacional. O Estado de “centro dimento como necessidade básica
esquerda” endossa e aprofunda na do Estado brasileiro. A sociedade
prática a política neoliberal trazendo do espetáculo esportivo que che-
esta política para o solo nacional, gou ao Brasil consumirá a Copa do
agora com o apoio da sociedade, do Mundo e as Olimpíadas da mesma
Estado e da economia. forma como bebe Coca Cola e come
A chegada do grande es- McDonald´s em todas as faixas etá-
petáculo esportivo ao Brasil é mais rias em qualquer parte deste país,
intensa e mais profunda do que com uma intensidade antes nunca
simplesmente a participação neles. vista. Essa é uma diferença ideológi-
Antes a periferia ia visitar o centro do ca não analisada pelos especialistas,
desenvolvimento esportivo de uma na definição dos próximos seis anos
maneira despreocupada, agora, foi de política esportiva brasileira assim
absorvida pelo centro e irá obedecer como o seu “legado cultural”, na
às diretrizes. Ir aos jogos é diferente dinâmica do desenvolvimento do
de fazê-los, pois não existe o envol- espetáculo esportivo.
146

Em todo o mundo, o es- é mais ou menos desenvolvido.


porte virou uma linguagem univer- Os resultados consagram, na sua
sal que pela televisão é captada e grande maioria, os países ricos em
potencializada através de ondas detrimento dos pobres, apontando
cada vez mais crescentes de pro- para a ideia de seu maior nível de
paganda, que associam o esporte desenvolvimento esportivo. Esta
a outras mercadorias dessas mul- escala mundial faz com que paí-
tinacionais do entretenimento que ses como o Brasil, obedecendo a
atingem pobres e ricos da mesma essa diretriz ideológica entendam
forma e com a mesma intensidade. ser essa uma verdade absoluta e
Mesmo sistemas culturalmente mais fazem dela uma política de Estado.
resistentes como a antiga URSS, as O Brasil olímpico ficou agora pri-
ruas de Moscou e a praça vermelha sioneiro desta idéia, com o apoio
em 1990, abriram-se para a Coca da sociedade e com o desejo da
Cola e para a vitória do ocidente, economia. O espetáculo esportivo
simbolizando algo forte como a é esta união estável que substitui o
queda do muro de Berlim. O grau planejamento esportivo estrutural
de sedução da mercadoria esporte e e os vínculos deste com o com-
seus sócios maiores não encontram promisso com as ideias do esporte
obstáculos pelo mundo, faz parte da enquanto cidadania e qualidade
mesma uniformização e da busca de vida para a grande maioria da
da rentabilidade cultural estendida população, vinculados com os
a todos. Uma produção em série, campos do esporte educacional
em grande escala que impõe o e de participação. A sociedade
consumo e a adequação às regras do espetáculo e o espetáculo es-
por estes setores ditadas. portivo anestesia esta diretriz em
A sociedade do espetácu- nome do esporte de rendimento e
lo esportivo colocou países como: de uma visão distorcida de desen-
China, Afeganistão, EUA, Cuba, volvimento esportivo
Austrália, Zimbábue, República Ao abarcar o esporte ren-
Dominicana e Brasil em uma dimento como foi feito pelo go-
mesma competição. São povos, verno Lula, o esporte nacional que
histórias, economias e culturas di- já possuía vínculos fracos com a
ferentes e fá-las competir nos mais cidadania e com qualidade de vida
variados esportes, para chegar a para a população, com o esporte
um resultado final, chamado de entendido enquanto direito social,
ranking onde, em uma escala hie- assim como o é saúde e educação,
rárquica, será determinado quem redefiniu a estratégia, acoplada
Ano XXI, n° 32/33, junho e dezembro/2009 147

aos interesses internacionais do dessa empresa a viabilizar toda a


grande espetáculo esportivo. Capi- infraestrutura dos dois espetáculos,
tulou de maneira definitiva, agora que embora distantes um do outro,
com amplo apoio da população, não estão separados da proposta
da economia e alavancado pelo ideológica e do planejamento do
Estado. A partir deste momento, a Estado no plano da intensa moti-
elite dirigente do esporte nacional vação nacional. Ao primeiro, está
formada pelas federações esporti- reservada o papel de uma mobiliza-
vas e confederações, pelo COB, ção nacional que irá remexer com
no caso das olimpíadas, os clubes as estruturas do futebol nacional,
brasileiros de futebol da série A e atualizando-o historicamente 16,
a CBF no caso da Copa do Mundo, dotando-o de uma estética e plasti-
todos os setores, de importância cidade européia, potencializando o
política crucial para o esporte na- nacionalismo e o patriotismo para
cional, associados a Mídia e aos expectativas acima da média com
interesses dos grupos econômicos a qual estamos acostumados nesses
que serão beneficiados pelos dois momentos de grande euforia. Ao
espetáculos esportivos, constituem- segundo, reserva-se uma ação con-
se como sócios minoritários da centrada, local e regional, agindo
grande empresa internacional que sobre grupos específicos, mas com
comanda o espetáculo esportivo. desdobramentos midiáticos da
Mas, do ponto de vista interno, po- mesma envergadura que o anterior,
tencializam-se como verdadeiros muito embora sem a mesma inten-
interlocutores do desenvolvimento sidade emocional.
esportivo nacional, capacitam-se Ao final desse processo,
como elite dirigente hegemôni- o Estado associado aos interesses
ca para requisitar os benefícios econômicos dos parceiros interna-
econômicos e ditar as diretrizes cionais, atualizaram as estruturas
políticas, numa aproximação clara esportivas do futebol nacional,
com o poder do Estado e no assalto dotaram o Rio de Janeiro da melhor
a estrutura econômica. estrutura olímpica que o país já
Ao Estado nacional compe- possuiu, com gastos econômicos
te o papel de locomotiva econômica nunca antes feitos de maneira tão

16 Atualização histórica é um conceito utilizado por Darcy Ribeiro, para demonstrar o processo de
colonização cultural sofrido pela sociedade brasileira depois de contínuos encontros civilizatórios
com a cultura européia. Encontrado em : “ O Povo Brasileiro- A formação e o sentido do Brasil
2 ed. São Paulo: Companhia das letras, 1996.
148

rápida e concentrada e com tantos fora, oco, fugaz, sem valor estrutural
dividendos políticos e ideológicos. e organizativo que um desenvolvi-
A nova condição modernizante, mento planejado teria. Atividades
muito embora possa causar euforia produzidas para cumprir um papel
nos representantes do esporte de estanque de lazer passivo e de espor-
rendimento, aprofunda, por sua te espetáculo, nada mais.
vez, a dialética da dependência17 Este movimento não é
esportiva, que fica cada vez mais isolado, vem acompanhado de um
prisioneira do esporte rendimento, caráter de domínio ideológico de
do espetáculo esportivo e do lazer ponta, ao afirmar-se, devido aos
passivo das grandes massas da po- resultados esportivos projetados
pulação, tudo isto feito sem resistên- e esperados para 2016, como um
cia e pelo contrário, com o aval da dos mais organizados do mundo e
população. Todo o movimento, não o mais desenvolvido da América do
significa e não deve necessariamen- Sul, quase um sub imperialismo,18
te estar associado por ingenuidade ao mesmo tempo em que potencia-
a progresso, ou a idéia do desenvol- liza o caminho do evento esportivo
vimento esportivo endógeno, mas interno e assalta o Estado. A co-
há uma concepção deste vinculada mercialização do evento, de que
a elite do esporte no mundo e no se reveste o espetáculo esportivo,
Brasil que só consolida o atraso na- comprova os objetivos da busca
cional. A era do esporte espetáculo do lucro, comandado por organi-
chegou e consolidou-se. zadores e produtores com os olhos
Assim, o esporte e o lazer fixos na rentabilidade econômica.
no Brasil chegam à maturidade no Reforça-se assim o seu caráter de
estágio mais avançado onde se trans- mercadoria e de disseminador dessa
forma em espetáculo e passam a ser ideologia esportiva.
comercializados, criando-se como Sempre é bom lembrar que
mercadorias a assumir no mercado Jean Marie Brohm,19 conceituando o
brasileiro a possibilidade de elemen- esporte como aparelho ideológico
to motriz do falso desenvolvimento das relações sociais capitalistas,
esportivo, um desenvolvimento para afirma-o como instrumento capaz

17 Dialética da dependência conceito trazido por Ruy Mauro Marini,para expressar a relação desigual
entre os países centrais e periféricos no capitalismo. Encontrado em: Dialética da Dependência.
10º Ed. México: Era, 1993.
18 Sub Imperalismo expressa utilizada por Ruy Mauro Marini, para expressar a posição política e
econômica do Brasil na América Latina.
19 BROHM, Jean Marie, Materiales de Sociologia Del Deporte. Madrid: La Piqueta,1993.
Ano XXI, n° 32/33, junho e dezembro/2009 149

de desenvolver elementos como: :“ Toda vida nas quais reinam as


hierarquia, obediência, subservi- condições de produção se anuncia
ência, defende a ideia de uma or- como uma imensa acumulação de
ganização baseada na competição espetáculos. Tudo o que era dire-
e no recorde e propaga em grande tamente vivido se afastou numa
escala as idéias do super-homem, da representação”20 Para o autor, a
ascensão social, sucesso, eficiência sociedade capitalista que vive esse
e do individualismo. momento histórico prefere a ima-
Dessa forma, a cultura gem e a representação ao realismo
corporal que se tornou esportiva, concreto, adora a aparência e se
utilizando-se de critérios como distancia do ser, prefere a ilusão à
rendimento financeiro e os resul- realidade a imobilidade à atividade,
tados esportivos vê o crescimento ou seja, as pessoas abdicam da dura
do esporte no Brasil refletido nos realidade para viver um mundo de
eventos esportivos. Estados como aparências e pelo consumo perma-
São Paulo, Rio de Janeiro e Santa nente de fatos, notícias, produtos
Catarina, pulverizaram a política e mercadorias. Isso ocorre pela
esportiva de seus estados através mediação das imagens e mensa-
do desenvolvimento intenso e gens dos meios de comunicação
fragmentado do evento esportivo, de massa que são a manifestação
por onde são sugadas todas as superficial mais esmagadora da
verbas públicas. Essa nova fase do sociedade do espetáculo.
esporte nacional, já é uma realidade Os eventos esportivos
que teve seu caminho ideológico aproximam-se com uma imensa
construído pela entrada do mundo facilidade da constatação de Guy
empresarial nesses negócios e pe- Debord. O evento é o espetáculo,
los seus discursos modernizantes ou seja, uma forma de manipulação
acerca dos métodos administrativos em que os indivíduos são obrigados
(Adidas, Nike, FiFa e COI) rechea- a contemplar e a consumir passiva-
das de sucesso empresarial a render mente as imagens de tudo o que lhe
elogios ao esporte espetáculo e a falta na existência, num processo
sua comercialização nos moldes de contínuo de empobrecimento, sub-
um capitalismo avançado. missão e negação da vida real. Esse
Em a sociedade do espe- consumo propiciado pela sociedade
táculo Guy Debord (1967) afirma brasileira e seus dirigentes implica

20 DEBORD Guy, A sociedade do espetáculo- Comentários sobre a sociedade do espetáculo, Rio


de Janeiro, contraponto,1998.
150

numa sensação de felicidade, gran- ção, baseado no espetáculo, no con-


diosidade e ousadia. A sociedade sumo, na fragmentação da realidade
brasileira relaciona-se pelo espetá- e da verdade, um real fabricado que
culo, que é uma relação social. não é real.
Par Guy Debord, o es- O Brasil sempre analisou e
petáculo constitui-se na realidade viveu o grande espetáculo esportivo,
e a realidade no espetáculo, não olhando-os de longe, como algo feito
existindo limites para as coisas. por outras sociedades na qual éramos
O homem passa a viver uma vida apenas convidados a participar, meros
sonhada e idealizada, na qual a observadores da cultura e do desen-
ficção mistura-se à realidade e vice volvimento esportivo destes países e
versa. O espetáculo vivenciado e das excentricidades alheias. Agora, na
analisado pelo autor encontra, no condição de país sede, seremos atin-
evento esportivo brasileiro, e nesse gidos por outros elementos determi-
caso, nas Olimpíadas de 2016, o nantes, tanto externos como internos,
seu reflexo. A realidade do subde- que não foram necessariamente di-
senvolvimento esportivo brasileiro mensionados antes de sua efetivação.
marcada pela falta de planejamento, Em meio a embriagues, a euforia e o
autoritarismo das políticas públicas, devaneio constatado tanto na socieda-
falta de transparência administrativa, de como na elite dirigente do esporte
desfinanciamento da infraestrutura, nacional, ofusca-se a visualização da
corrupção da elite dirigente, encon- realidade esportiva brasileira assim
tra agora, no espetáculo esportivo e como os resultados que podem brotar
nos eventos, a capa maquiadora. A desse processo para o desenvolvimen-
superprodução dessas mercadorias to esportivo nacional.
em marcas variáveis induz e garante Em meio a grande explosão
um poder de liderança nacional e do espetáculo esportivo no Brasil,
agora no continente sul americano, a utilização que faço da expressão
fazendo com que os indivíduos vi- :”O subdesenvolvimento não se im-
vam em um mundo falso. O critério provisa. É obra de séculos” retrata a
de validade da realidade está sendo necessidade de refletir sobre um país
falsificado, gerando desinformação que não se conhece no esporte e que
na sociedade acerca da realidade resiste a idéia de receber esta denomi-
brasileira no plano esportivo. A nação. Esse grande continente, mar-
desinformação, como mau uso da cado pelas desigualdades sociais e
verdade esportiva, faz desaparecer econômicas determina um desenvol-
os critérios de verdade e validade, vimento desigual que concentra ilhas
criando um mundo de desinforma- de desenvolvimento esportivo de um
Ano XXI, n° 32/33, junho e dezembro/2009 151

lado e bolsões de miséria do outro. A um processo de tentativa de unifi-


realidade manifesta-se no esporte nos cação, através da criação do Minis-
diferentes níveis de políticas públicas tério do esporte, das Conferências
traçadas e executadas por todo país. Nacionais e estaduais de esporte
Enquanto o sul e o sudeste possuem e lazer e da criação do Sistema
níveis de desenvolvimento conside- Nacional de Esporte. São encami-
ráveis, o restante do país desconhece nhamentos políticos recentes e de
ou simplesmente engatinha nestas resultados duvidosos e sem tempo
políticas. Mesmo no sul e no sudeste de consolidação. Sem a consolida-
do país, onde as estruturas estatais ção destas políticas, e a ampliação
são bem desenvolvidas e já possuem e aprofundamento das políticas de
alguma história acumulada e onde esporte participação e educacional
estão as políticas públicas mais avan- com amplo envolvimento da socie-
çadas, aspectos como a centralização dade, não se estenderá cidadania
das políticas, a não democratização e e qualidade de vida através do
a falta de transparência na utilização esporte, para a grande maioria da
dos recursos são claras e inequívocas população brasileira. O verdadeiro
marcas deste subdesenvolvimento. desenvolvimento esportivo deve
Nessas duas regiões estão acumula- centrar-se e preocupar-se em levar o
das as maiores marcas e recordes na- esporte e o lazer à população brasi-
cionais, a maior quantidade de atletas leira, como instrumento de vivência
e as maiores fontes de financiamento de novas e criativas experiências
esportivo principalmente as públicas corporais, culturais, históricas e or-
e depois as pequenas experiências ganizativas da população. O esporte
privadas. Nesse cenário de desen- e lazer, como fonte e necessidade
volvimento desigual e recobrado por de emancipação cultural da popu-
fraturas temporais difíceis de serem lação, como forma de suplantar o
superadas, o subdesenvolvimento é subdesenvolvimento, através do
algo real que não será superado pela qual se possa ter uma nova leitura
melhor posição do Brasil no ranking de sua vida e do mundo. Quando
internacional. o esporte e o lazer são negados à
Todos sabem que as po- população brasileira instala-se sim,
líticas públicas federais, somente um processo de desenvolvimento
recentemente conseguiram iniciar do subdesenvolvimento21, que faz

21 Expressão utilizada por Ruy Mauro Marini, para demonstrar a única possibilidade econômica
e política possível para os países periféricos dentro do desenvolvimento do capitalismo
internacional.
152

com que o esporte deixe de ser ões, mas almejando a construção


uma perspectiva de vida empírica, do homem e da mulher esportiva,
vivida, trabalhada no dia a dia da cidadã, preocupada com a saúde,
população, para transformar-se em desenvolvimento cultural e afetivo
um instrumento ficcional, implanta- através deste mecanismo esportivo.
do na tela de uma televisão. Deixa O esporte e o lazer como meca-
de ser realidade, para ser ilusão, nismo de organização, associação
sonho, devaneio e se aproxima as- das pessoas em suas comunidades,
sim de um instrumento ideológico como vivência organizativa de suas
de dominação de que o espetáculo ações e planejamento de sua vida.
esportivo é a sua maior criação. O subdesenvolvimento
Assim, o subdesenvolvi- esportivo é a negação deste direito
mento esportivo não está presente e ao esporte e lazer na comunidade,
retratado na posição assumida pelo com a participação de todos, e que
Brasil no quadro geral de medalhas historicamente nunca se constituiu
do COI e das olimpíadas como em uma conquista do povo brasilei-
querem nos levar a crer a elite diri- ro. É por isso, que o subdesenvolvi-
gente esportiva nacional através do mento esportivo não se improvisou
Ministério dos Esportes, das entida- no Brasil. Ele foi uma obra de muitos
des de administração esportiva e do e muitos anos, de negação do povo
COB, mas na negação permanente e do cidadão através do esporte. O
de estruturas físicas esportivas e de histórico desenvolvimento urbano
lazer para a grande maioria da po- sem qualquer planejamento que
pulação brasileira e na negação de se incorpora as preocupações com
uma política pública sólida e perma- esporte e lazer, a ausência de po-
nente que atenda a estes interesses, líticas públicas que contemplasse
que historicamente foram negados. estas expectativas e a voracidade
Assim como não se pode pensar a do mercado imobiliário que corroeu
educação, sem escolas, professores com as poucas áreas disponíveis ao
e tecnologia, que desenvolvam esporte e lazer, deixam a população
os conteúdos necessários, não se dos bairros e vilas sem qualquer al-
pode pensar o esporte e lazer, sem ternativa capaz de dar vazão as suas
quadras, ginásios, piscinas, pistas, necessidades. Esta é a realidade das
material esportivo e professores grandes metrópoles e das médias
nas comunidades, bairros e vilas cidades do Brasil. A situação só
deste país, administrando os seus aparenta alguma melhora quando
conteúdos, sem a preocupação com a vida se desloca para o interior e
medalhas, troféus, índices e campe- pequenas cidades, mas daí, muito
Ano XXI, n° 32/33, junho e dezembro/2009 153

embora, ainda existam espaços so- não há novas construções e nem


ciais amplos para o esporte e lazer, recursos para elas. Desta forma as
inexistiram as políticas de apoio estruturas públicas estão, na sua
aos projetos educacionais capazes grande maioria, abandonadas e sem
de dar sustentação às necessidades. políticas para a sua utilização.
Assim o esporte e lazer, que já foi Sendo assim, o esporte
conhecido como comunitário e participação sobrevive das iniciativas
hoje recebe a denominação de par- isoladas de associações de morado-
ticipação, desenvolve um processo res, centros comunitários, institui-
profundo de desenvolvimento do ções privadas, clubes e associações
seu subdesenvolvimento, da sua esportivas e de lazer com pouco
negação como direito social a ser apoio das prefeituras e quase ne-
garantido pelo Estado. nhum apoio do governo do Estado.
O exemplo clássico que O apoio das prefeituras, depende da
podemos dar, tendo em vista a sensibilidade política das fundações,
ausência de um estudo nacional comissões ou departamentos muni-
acerca do assunto, pode ser encon- cipais de esporte para estas políticas,
trado em Santa Catarina. O estado mas sem qualquer coordenação es-
que se orgulha da estrutura estatal e tadual a ser seguida. Desfinanciado,
planejamento na área de esporte e sem políticas públicas municipais di-
lazer, encontra-se hoje em situação retas e efetivas e sem uma coordena-
de penúria, pensa e desenvolve o ção estadual, o esporte participação
esporte de rendimento e os even- definha a olhos vistos.
tos esportivos ligados ao esporte Dessa forma, sobram-nos
espetáculo. Possui uma pequena poucas alternativas do que fazer.
preocupação com o esporte edu- Se constatamos que houve um pe-
cacional e escolar, através de com- queno avanço nos últimos anos de
petições, que só sobrevivem, pois caráter organizacional, com o apa-
estão voltadas pára a descoberta de recimento do Ministério do esporte,
talentos esportivos. A fora isto, des- Conferências Nacional e Estaduais
financiou por completo a estrutura e a criação do Sistema Nacional
esportiva do estado inteiro, ou seja, de Desporte, percebemos também
as estruturas esportivas existentes, que esse movimento que busca
sejam elas de caráter estadual ou dar unidade política no esporte e
municipal, passam por um profundo no lazer é inda muito recente e
processo de destruição, onde não imaturo, incapaz de dar contornos
existem reparos ou reformas, estão definitivos as necessidades de uma
degradando-se e ao mesmo tempo política nacional de desporto e
154

lazer. Percebemos, da mesma for- e COB, assim como os interesses


ma, que este movimento inicial foi políticos populistas do governo do
sobrepujado por uma força maior e PT e das forças de “centro esquer-
mais determinante que é a chegada da” que iram comandar o país nos
dos grandes eventos esportivos ao próximos anos.
país, a Copa do Mundo de 2014 e Esta proposta de desen-
as Olimpíadas de 2016. O Espe- volvimento esportivo não faz parte
táculo esportivo a partir de agora da origem histórica do PT e de seus
irá sugar todas as forças, energia intelectuais, suas bandeiras foram
e a atenção das elites dirigentes abandonadas e substituídas pela
para estes dois momentos impor- visão oportunista do PC do B que no
tantes da vida esportiva nacional, comando do Estado e associado aos
deslocando o vetor do desenvolvi- interesses econômicos e políticos
mento esportivo, para o campo do das elites esportivas, tanto nacio-
resultado esportivo e assim, para nal como internacional, entrega à
o desenvolvimento de políticas população brasileira uma proposta
públicas que atendam ao desen- sedutora de desenvolvimento espor-
volvimento do desporto de rendi- tivo associado ao grande espetáculo
mento, em detrimento do esporte esportivo, que potencializado pelos
participação e educacional. É esta interesses da mídia, constroem uma
a visão que irá determinar os rumos grande ilusão esportiva e de lazer
do esporte nacional nos próximos nacional, ao mesmo tempo em que
seis anos, inundando mentes e os submetem a população brasileira
corações nacionais, com uma visão ao desenvolvimento contínua do
de desenvolvimento esportivo, seu subdesenvolvimento esportivo,
que o associa definitivamente e de baseado no abandono do esporte e
maneira ingênua ao resultado es- lazer participação e na letargia do
portivo. Tanto na Copa do Mundo esporte educacional. Tudo isto em-
como nas Olimpíadas, valorizando balado no discurso recorrente de que
um conceito de desenvolvimento avançamos, progredimos, quando na
olímpico internacional, coloniza- verdade andamos para trás.
dor e profundamente neoliberal, Assim como não é por uma
ao privilegiar os interesses econô- pessoa estar ocupada que isto se
micos dos grupos externos ligados reveste em eficiência, ou a simples
ao COI e as suas multinacionais idéia do movimento estar associado
do esporte, as elites nacionais do a progresso, que estes novos cená-
esporte nacional, vinculadas as fe- rios implicam rompimento com o
derações, confederações esportivas subdesenvolvimento esportivo.
Ano XXI, n° 32/33, junho e dezembro/2009 155

REFERÊNCIAS Esportiva - Primórdios do esporte


no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
BROHM, Jean Marie. Materiales de Relume Dumará, 2003.
Sociologia Del Deporte. Madrid: RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro -
La Paquita, 1993. A formação e o sentido do Brasil,
DEBORD, Guy. A sociedade do 2 ed. São Paulo: Companhia das
espetáculo - Comentários sobre Letras, 1996.
a sociedade do espetáculo. Rio RODRIGUES, Nelson. Flor de
de Janeiro: Contraponto,1998. Obsessão, as 1000 melhores
FERNANDES Floresta. Capitalismo frases de Nelson Rodrigues.
dependente e Classes sociais na Rio de Janeiro: Companhia das
América Latina. Rio de Janeiro: Letras, 1992.
Zahar,1973 <http/www. observatoriodoesporte.
FERNANDES Florestan. Nova org.br>
República ? 3 ºed. Rio de Janeiro: <http/www.facel.ufba/rascunho-
Jorge Zahar,1986. digital>
MARINI, Rui Mauro. Dialética da <http/www.ipea.gov.br>
Dependência, 10ºed. México:
Era, 1993.
MANHÃES, Eduardo Dias. Políticas
de esporte no Brasil, 3 ºed. Rio Recebido: agosto/2010
de Janeiro: Paz e Terra,2002. Aprovado: agosto/2010
MELO Victor Andrade. A cidade

Você também pode gostar