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A POLÍTICA EXTERNA DO GOVERNO CASTELO BRANCO DIANTE DO

CONFLITO DE SANTO DOMINGO (1965)

Leonardo da Rocha Botega


Colégio Politécnico – UFSM
leorochabotega@gmail.com

Introdução

O golpe civil-militar de 1964 representou a interrupção do processo da experiência


democrática que o Brasil vivenciava desde o término do Estado Novo em 1945, bem
como, a derrota do projeto nacional-reformista de desenvolvimento que vinha sendo
construído pelo governo João Goulart. Do ponto de vista da política externa, representou
a ruptura com a perspectiva de uma inserção autônoma do país no cenário internacional
representada pela Política Externa Independente adotada pelos governos Jânio Quadros e
João Goulart nos primeiros anos da década de 1960.
Partindo das necessidades decorridas da nova realidade vivenciada pelo país devido
as mudanças estruturais ocorridas na segunda metade dos anos 1950, a política externa
independente tinha pela frente dois grandes dilemas: a necessidade de suprir o aumento
do mercado interno brasileiro e a transição do modelo de substituição de importações,
cujos limites se mostraram evidentes, para um modelo substitutivo de exportações,
baseado na exportação de produtos com maior valor agregado (MACHADO DA SILVA,
2004).A partir desta leitura da realidade a Política Externa Independente foi formulada a
partir dos princípios de universalização das relações comerciais, da autodeterminação dos
povos, da não intervenção e do predomínio do direito internacional sobre as relações de
poder (DANTAS, 1962).
Na prática estes princípios acabaram colocando muitas vezes os interesses
nacionais em conflito com os interesses e a visão da política externa dos Estados Unidos,
o que gerou inúmeras críticas por parte do pensamento conservador brasileiro, sobretudo,
quando do reatamento das relações com a URSS e a defesa da autodeterminação do povo
cubano, atitudes consideradas como protocomunistas. A partir desta perspectiva
conservadora, o governo Castelo Branco elaborou uma concepção segundo o qual a
política externa independente havia rompido com as origens da inserção internacional
brasileira, sendo necessária uma “correção de rumos” que reconduzisse o país ao caminho
certo.

A política externa do governo Castello Branco

O golpe contra o governo João Goulart foi alimentado por uma forte onda
anticomunista. A ideia da “ameaça comunista” foi fundamental para justificar a
intervenção das Forças Armadas. Esta não era uma ideia nova na História do Brasil,
porém tinha um significativo potencial para convencer parte da sociedade brasileira da
necessidade de quebra da ordem democrática e do estabelecimento de medidas
repressivas contra os grupos de esquerda (MOTTA, 2002). Nesse sentido, o
anticomunismo foi um instrumento discursivo muito utilizado pelo novo grupo no poder
com vista a descaracterizar a Política Externa Independente.
Já nos primeiros dias do governo provisório de Ranieri Mazzili, o novo ministro de
Relações Exterior Vasco Leitão da Cunha, em entrevista coletiva concedida a imprensa
no dia 09 de abril de 1964, afirmou que o “Brasil não admitirá ação comunista em seu
território e não pactuará com o comunismo no continente americano”. Apesar de tal
referência, o ministro ponderou que “somente pelos jornais havia tido conhecimento de
infiltração comunista por agentes da União Soviética e de Cuba, bem como das
diligências do DOPS a respeito” e que “as normas e as simples relações com os países do
bloco socialista nada tinham a ver com o comunismo no continente”. Esse aparente
“vacilo” inicial pode ser analisado a luz das incertezas do novo ministro diante a sua
permanência no cargo, uma decisão que caberia ao Presidente da República “ainda não
eleito”. (INSTITUTO BRASILEIRO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS, 1964a,
p.322-323).
O Marechal Humberto Castello Branco foi escolhido indiretamente pelo Congresso
Nacional para ser o novo presidente da República em 11 de abril de 1964. Em seu discurso
de posse, realizada em 15 de abril, afirmou que:

A independência do Brasil constituirá o postulado básico da nossa política


internacional. Todas as nações amigas contarão com a lealdade dos brasileiros,
que honrarão os tratados e pactos celebrados. Todas as nações democráticas e
livres serão os nossos aliados, assim como os povos que quiserem ser livres
pela democracia representativa contarão com o apoio do Brasil para a sua
autodeterminação. As históricas alianças que nos ligam às nações livres das
Américas serão preservadas e fortalecidas. Respeitaremos a independência dos
países de todo o mundo nos seus negócios internos e exigiremos respeito nos
nossos negócios, que não admitem a mínima interferência, por discreta e sutil
que venha a se manifestar. (INSTITUTO BRASILEIRO DE RELAÇÕES
INTERNACIONAIS, 1964b, p.327).

Apesar da contradição de um governo ditatorial falar em apoio aos “povos que


quiserem ser livres pela democracia representativa” a fala do presidente situava os novos
rumos que a política externa brasileira viria a tomar ao afirmar que “as históricas alianças
que nos ligam às nações livres das Américas serão preservadas e fortalecidas”. A primeira
medida de sinalização desses novos rumos ou, como chamam Amado Cervo e Clodoaldo
Bueno (2002), da “correção de rumos”, foi a ruptura de relações com Cuba.
O rompimento das relações com Cuba foi comunicado pelo governo brasileiro em
13 de maio de 1964. O Comunicado à Imprensa emitido pelo Itamaraty justificava que a
“decisão tomada pelo Governo brasileiro” estava “em perfeita consonância com o seu
propósito de não admitir ação comunista no território nacional”. Para o governo brasileiro
ao “identificar-se oficialmente como de tipo marxista-leninista, o Governo de Cuba se
exclui, ipso facto, da participação no Sistema Interamericano”. Ao mesmo tempo, o
“regime de Fidel Castro” aproveitava-se de “todas as oportunidades para continuar a
exportar suas doutrinas subversivas, através de intensa propaganda ideológica”. Uma
conduta que caracterizava “ingerência nos assuntos internos dos países americanos”. Em
relação ao Brasil, o governo Fidel Castro estaria se servindo das relações entre os dois
países “para acobertar as atividades de propaganda de seus agentes” em uma
demonstração de que utilizava os canais diplomáticos para um “entendimento com grupos
minoritários brasileiros, interessados num proselitismo incompatível com as tradicionais
convicções cristãs e democráticas de nosso povo”. Tal interferência “não mais podia ser
tolerada sem graves riscos para a ordem pública e sem ofensa aos verdadeiros sentimentos
nacionais, reafirmados agora pela Revolução vitoriosa” (INSTITUTO BRASILEIRO DE
RELAÇÕES INTERNACIONAIS, 1964d, p.338-339).
A nota à imprensa retomava a mesma argumentação utilizada na Resolução da VIII
Conferência de Consulta de Ministros de Relações Exteriores da Organização dos Estados
Americanas, realizada em Punta Del Este entre os dias 23 e 30 de janeiro de 1962, por
aqueles que defendiam a exclusão do governo cubano da Sistema Interamericano. Na
ocasião, o Brasil, apesar de votar favorável a declaração de tal incompatibilidade dos
marxismo-leninismo com o Sistema Interamericano, se absteve, juntamente com México,
Argentina, Bolívia, Chile e Equador, no voto de apreciação da proclamação de que tal
incompatibilidade excluía o governo cubano do referido sistema. O argumento utilizado
pelo chanceler San Tiago Dantas era de que a exclusão ia contra a legalidade dos
processos de resolução de conflitos do sistema interamericano e que tal medida levaria a
resultados muito aquém dos esperados pelos proponentes. Era necessário manter o
diálogo com Cuba e a sua exclusão fecharia essa possibilidade, levando o governo
revolucionário a se aproximar ainda mais do Bloco Socialista. (BOTEGA, 2013, p.187-
206).
A posição adotada pela Política Externa Independente naquele momento foi
referida pelo presidente Castello Branco em entrevista concedida a imprensa nacional e
estrangeira no dia 16 de maio de 1964. Perguntado sobre a questão cubana, o presidente
respondeu que o governo brasileiro na Reunião de Punta Del Este manifestou-se contra o
rompimento de relações diplomáticas “por acreditar que não se deveria interromper o
diálogo com o Governo Cubano, a fim de facilitar o retorno de Cuba à convivência
pacífica com os demais países membros da Organização dos Estados Americanos”.
Porém, “Longe, entretanto, de verificar-se tal hipótese otimista, sucedeu exatamente o
contrário” (INSTITUTO BRASILEIRO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS, 1964c,
p.335).
Por trás do uso da retórica anticomunista e da crítica a posição assumida pelo
governo João Goulart em Punta Del Este, estava a ideia da necessidade de uma ruptura
completa com a Política Externa Independente. Em sua já referida primeira entrevista, o
chanceler Vasco Leitão da Cunha afirmou que a palavra autodeterminação “vem sendo
confundida com soberania, relembrando que não intervenção e autodeterminação são
princípios válidos para todos e não apenas fórmulas para acobertar situações”
(INSTITUTO BRASILEIRO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS, 1964a, p.323). Tal
afirmação atingia diretamente um dos mais significativos conceitos utilizados pelos
ministros anteriores, Afonso Arinos de Mello Franco e San Tiago Dantas.
Ao mesmo tempo, a postura do chanceler e do presidente indicavam o novo rumo
que o governo brasileiro iria adotar no cenário internacional: o alinhamento automático
com os Estados Unidos. Na entrevista de 16 de maio de 1964, o presidente Castello
Branco declarou que o governo procuraria “robustecer os entendimentos bilaterais entre
o Brasil e os Estados Unidos da América” (INSTITUTO BRASILEIRO DE RELAÇÕES
INTERNACIONAIS, 1964c, p.333). A ruptura com Cuba era uma sinalização para o
governo estadunidense dessa nova orientação dentro dos marcos da Guerra Fria.
A lógica do alinhamento automático, partia da concepção de interdependência que
permeava a política econômica liberal proposta pelo Ministro do Planejamento, Roberto
Campos, e pelo Ministro da Economia, Octávio Gouvêa Bulhões. A nova política
econômica tinha por objetivo o saneamento econômico-financeiro como forma de
legitimar o governo autoritário a partir da construção de uma imagem de racionalidade
nas decisões tomadas calcadas em critérios técnicos, para que assim pudesse atrair os
capitais estrangeiros. Como parte dessa estratégia foi lançado o Programa de Ação
Econômica do Governo (PAEG) que tinha por objetivos: 1) acelerar o ritmo do
desenvolvimento econômico; 2) conter o processo inflacionário; 3) corrigir a tendência a
déficits descontrolados no balanço de pagamentos, “que ameaçavam a continuidade do
processo de desenvolvimento econômico, pelo estrangulamento periódico da capacidade
de importar”. Para o governo Castello Branco eram necessários remover “atritos”
herdados do governo João Goulart para que o país pudesse retomar o seu
desenvolvimento. No setor externo, esta remoção de atritos passava “pela simplificação
e unificação do sistema cambial, pela modernização e dinamização das agências do setor
público ligadas ao comércio exterior e pela maior integração com o sistema financeiro
internacional como fonte de acesso a créditos de médio e longo prazo” (MACHADO DA
SILVA, 2004, p. 272- 273).
Esta visão foi exposta pelo chanceler Vasco Leitão da Cunha em entrevista coletiva
concedida em 06 de julho de 1964. Ao ser perguntado para onde evoluiria “o regime
revolucionário no campo externo?”, o ministro respondeu que a política externa brasileira
evolui “para uma política realista de amizade prioritária com o Ocidente”. A política
externa seria “um instrumento colocado a serviço do progresso social e do
desenvolvimento econômico do Brasil”, uma tarefa que “será alcançada tanto mais
facilmente quanto mais aproximar o país das grandes fontes de suprimento de capitais, de
comércio e assistência técnica”. Ainda segundo o chanceler o “momento exige mais
negócio, mais comércio, mais progresso, mais pragmatismo e menos teorização”.
(INSTITUTO BRASILEIRO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS, 1964e, p. 591-
594).
Apesar da afirmativa “menos teorização”, ideologicamente a nova política externa
trazia, assim como aquela adotada no imediato pós-Segunda Guerra pelo governo Dutra,
ao centro das relações internacionais brasileiras a Guerra Fria. Para o governo Castello
Branco, conforme o seu chanceler, “a recolocação do Brasil num quadro de relações
prioritárias com o Ocidente” significava:

(...) defender a política tradicional de boa vizinhança na América, a segurança


do Continente contra a agressão e a subversão vindas de fora ou de dentro dele;
a consolidação dos laços de toda ordem com os Estados Unidos, nosso grande
vizinho e amigo do norte; ampliação de nossas relações com a Europa
Ocidental e com a Comunidade Ocidental de Nações. (INSTITUTO
BRASILEIRO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS, 1964e, p.595).

Nessa lógica guiada pela Guerra Fria, a política externa do governo Castelo Branco
opunha o mundo ocidental, democrático (o que significava uma contradição, pois o
governo era claramente uma Ditadura) e liberal ao totalitarismo comunista, uma
verdadeira ameaça às liberdades individuais e econômicas. A partir desta polarização
definia como único caminho para a segurança externa o reconhecimento da liderança dos
Estados Unidos, uma liderança que não se dava somente no que se refere aos aspectos
relacionados à segurança coletiva, mas também no que diz respeito ao desenvolvimento.
Nesse sentido, é que Juracy Magalhães, embaixador do Brasil nos Estados Unidos entre
1964 e 1965, que viria a substituir Vasco Leitão da Cunha no cargo de Ministro de
Relações Exterior em janeiro de 1966, ficando no cargo até março de 1967, defendia que
a noção de interpendência deveria inclusive substituir o conceito de soberania nacional.
(OLIVEIRA, 2005, p. 111-110)
A noção de interdependência se constituía de dois aspectos centrais da política
externa do governo Castello Branco: a aceitação dos limites reais ao exercício da
soberania nacional e a ideia de que o alinhamento automático com os Estados Unidos era
a única saída para a garantia da independência nacional diante da ameaça comunista. Do
ponto de vista das relações econômicas, representava a aceitação da Divisão Internacional
do Trabalho e a negação da constituição de um projeto de desenvolvimento autônomo
ancorado na indústria nacional. Por trás de tais premissas estava a velha lógica liberal da
complementaridade econômica, bem como, a submissão dos interesses nacionais aos
projetos estratégicos da política norte-americana, representando o que Amado Cervo
(2008) chamou de “hiato liberal” dentro do predomínio do paradigma desenvolvimentista
na política externa brasileira entre 1930 e 1989.
Dentro dessa perspectiva de alinhamento automático, a política externa adotada
pelo governo Castelo Branco, coerente com a forte repressão interna que se instaurou no
país após o golpe civil-militar de 1964, tornou o país um dos principais porta-vozes do
anticomunismo na América Latina. Foi justamente a partir dessa nova caracterização que
ocorreu o posicionamento brasileiro em relação à invasão da República Dominicana pelos
Estados Unidos.

O conflito de Santo Domingo e a política externa do governo Castelo Branco

O assassinato do ditador Rafael Leónidas Trujillo, no poder desde 1930, em 30 de


maio de 1961, inaugurou um período de instabilidade política na República Dominicana.
A ação levada a cabo por antigos aliados do ditador, homens de negócio, um senador, um
ex-prefeito da “Ciudad Trujillo”, generais e oficiais do Estado-Maior, contou com a ajuda
técnica da CIA. A ideia do governo estadunidense era manter a balança de equilíbrio entre
os dois extremos no Caribe, por isso a ação ocorreu quase que paralelamente a fracassada
invasão da Playa Girón em Cuba. A postura ativista de Trujillo na região, sobretudo, a
participação do governo dominicano no atentado contra o presidente reformista
venezuelano Rómulo Betancourt, era vista como um problema para a implantação da
política externa do governo Kennedy. Segundo a linha de combate ao comunismo na
América Latina a partir do fortalecimento de governos reformistas para o Departamento
de Estado era necessário a construção de um trujillismo sem Trujillo (ROUQUIÉ, 1984,
p.201-202).
Tal estratégia acabou sendo frustrada com a eleição, em dezembro de 1962, de Juan
Bosch. Apesar de ser reformista moderado, o novo presidente foi acusado de pró-
comunista pelo Departamento de Estado, sendo derrubado em setembro de 1963 por um
Golpe de Estado dirigido por elementos militares fieis à antiga ditadura. O governo foi
substituído por um Junta Militar instável e impopular (DONGHI, 2012, p.328).
Em abril de 1965, houve um levante militar por parte dos "Constitucionalistas", que
tinha como objetivo a volta ao poder do presidente deposto. As Forças Armadas
dominicanas se dividiram o que levou a violentos confrontos. Os militares que tinham
derrubado Bosch tiveram que enfrentar uma revolta popular e foram enfraquecidos. Com
a desculpa de evitar "outra Cuba" no Caribe, o presidente estadunidense Lyndon Johnson
ordenou unilateralmente que milhares de militares desembarcassem na ilha caribenha
com o objetivo de pôr fim à guerra civil em proveito das forças pró-Estados Unidos e do
homem de confiança do Departamento de Estado, Joaquín Balaguer.
Logo após esta ação unilateral foi convocada, no âmbito da Organização dos
Estados Americanos, a Décima Reunião de Consulta dos ministros das Relações
Exteriores. Na ocasião, os Estados Unidos pressionaram os demais países americanos no
sentido da formação de uma Força Interamericana de Paz (FIP), a fim de legitimar a
invasão, tornando-a uma ação aparentemente multilateral. Ao mesmo tempo, o governo
Johnson se comprometia a não realizar mais intervenções isoladamente se as demais
repúblicas latino-americanas partilhassem das responsabilidades e participassem das
tarefas de segurança coletiva. A proposta acabou contando com o apoio de 14 países, o
mínimo necessário para a sua aprovação, e teve forte oposição por parte de México, Chile,
Peru, Uruguai e Equador que votaram contra. A Venezuela se absteve. Esta dificuldade
para a aprovação da proposta fez com que a FIP fosse consentida com um caráter
temporário e com objetivo restrito à atuação na República Dominicana, enquanto a
ameaça de guerra civil perdurasse. (MONIZ BANDEIRA, 2010, p. 385-386). O Brasil
não apenas votou favorável a resolução que criou a FIP como foi fundamental para definir
a questão em favor do pedido dos Estados Unidos.
Em nota explicativa sobre as ações tomadas pelo governo brasileiro em relação à
questão dominicana, o Itamarati apresentou o panorama da ilha caribenha anterior à
invasão dos marines estadunidense como caótico. Conforme a nota, estavam “claros os
indícios de que pessoas adestradas fora da República Dominicana estavam procurando
assumir o controle da rebelião e convertê-la numa insurreição de cunho comunista”. A
partir desta constatação aquele era o momento “de lembrar a Resolução 6 da Oitava
Reunião de Consulta (de Punta Del Leste), que solenemente declarou incompatível com
o Sistema Interamericano a adesão de qualquer membro da OEA ao marxismo-leninismo”
(INSTITUTO BRASILEIRO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS, 1966, p. 275).
O relato trazido na Nota do Itamarati demonstrava claramente a mudança de
concepção na política externa adotada pelo governo Castello Branco. A posição assumida
indicava o abandono dos princípios de autodeterminação dos povos e de não-intervenção
em detrimento da concepção de segurança hemisférica e da defesa dos valores ocidentais
da ameaça comunista. Foi essa nova orientação, fruto da lógica de alinhamento
automático, que fez com que o Brasil se tornasse um dos principias defensores dos
interesses do governo estadunidense na Décima Reunião de Consulta dos Chanceleres.
A solução apresentada pelo governo Johnson foi vista como uma oportunidade de
estreitar relações com os Estados Unidos, visando assumir definitivamente o papel de
aliado preferencial da potência do Norte. Assim, mesmo com a opinião pública sendo
contrária, o governo Castelo Branco não somente participou da intervenção com o envio
de um contingente de 1110 soldados, como também assumiu a liderança da FIP, que foi
comandada pelo general brasileiro Hugo Panasco Alvim.
Com a intervenção legitimada no âmbito do Sistema Interamericano, o governo
estadunidense conseguiu, após convencer os próprios generais golpistas de 1963, uma
solução negociada para o conflito. Foi instituído um governo civil de transição, chamado
de “Governo de Reconstrução Nacional”, que organizou em 1966 as eleições no qual o
aliado dos Estados Unidos, Joaquín Balaguer saiu vitorioso derrotando o presidente
deposto Juan Bosch, identificado como a resistência a intervenção estadunidense
(DONGHI, 2012, p.328).
No que tange a política externa brasileira, o apoio incondicional aos Estados
Unidos, bem como, a participação ativa das forças militares do país na intervenção, gerou
uma série de desconfianças na América Latina em relação ao Brasil. A diplomacia
brasileira passou a ser vista em alguns meios como uma estratégia subimperialista. Um
fato que contribuiu para que o país aprofundasse a tendência ao isolamento em relação
aos principais países da região iniciada com o golpe civil-militar de 1964.

Conclusão

A ruptura com a Política Externa Independente e a produção de um “hiato liberal”


em um período de hegemonia do paradigma desenvolvimentista na política externa
brasileira, a partir do alinhamento automático, não representou a reciprocidade tão
esperada pelo governo Castelo Branco. A tão esperada contrapartida de ajuda ao
desenvolvimento não ocorreu. Apesar da postura coerente de combate ao comunismo no
plano interno e externo e da subserviência aos interesses dos Estados Unidos, os
resultados concretos foram pífios.
Entre os anos 1964-1966, as exportações brasileiras tiveram um pequeno
crescimento de 1,4 bilhão de dólares ao ano para 1,7 bilhão de dólares, os investimentos
e os empréstimos externos não apenas não aumentaram como tiveram um decrescimento
em relação aos anos anteriores. O país recebeu um total de 1,3 bilhão de dólares em
investimentos diretos líquidos, empréstimos e financiamentos, enquanto que remeteu para
fora 1,4 bilhão em juros, lucros, dividendos e amortizações, demonstrando que, no que
tange o balanço de pagamentos, o Brasil se mantinha como um exportador líquido de
capitais. O endividamento externo aumentou de 3,9 bilhões para 5,2 bilhões de dólares.
(CERVO; BUENO, 2002, p. 377).
O fracasso das políticas adotadas, tanto no plano interno, como no plano externo,
pelo governo Castelo Branco levou a sua própria queda. O segundo governo da Ditadura
Civil-Militar, tendo na presidência o general Artur da Costa e Silva, irá substituir a
política de alinhamento automático pela busca de novas alianças políticas e comerciais
que possibilitassem ao país a arrancada para o desenvolvimento. Entrava em vigor a
Diplomacia da Prosperidade.

Referências bibliográficas:
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