Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
SUMÁRIO
EDITORIAL
“Bolsonaro e o Imperialismo Ianque”
página 03
A R O E O
BOLSON MO IANQUE
P E R I A L I S
IM
04 URC Revista NOVA CULTURA - www.novacultura.info
O cerco à Cuba
O recente exemplo de Cuba, com o aumento da pressão sobre o primeiro país socia-
lista da América Latina, as medidas cada vez mais criminosas para ampliar o bloqueio eco-
nômico e destruir seu povo, além da tentativa frustrada de iniciar uma “Revolução Colorida”
com protestos que foram logo suprimidos diante do apoio popular ao Partido Comunista, é
mais uma amostra da agressividade cada vez maior do imperialismo contra os povos latino-
-americanos.
No começo de julho eclodiram diversas manifestações coordenadas em diferentes
lugares de Cuba, ainda que “de alcance limitado, sem impacto político, sem capacidade
de desestabilização e sem enraizamento popular”, conforme foi explicado pelo Cônsul
Geral de Cuba em São Paulo, foi o suficiente para se criar um alvoroço em torno de tais
“protestos”. A notícia de tais manifestações logo se espalhou pelo mundo, não inocen-
EDITORIAL: “Bolsonaro e o Imperialismo ianque” URC 05
As massas popular
verdadeira e definitiva i
“As massas populares conquistarão a verdadeira e definitiva independência do Brasil” URC 09
res conquistarão a
independência do Brasil
10 URC Revista NOVA CULTURA - www.novacultura.info
tindo financiamento público para serviços prestados pelo setor privado e a instituição de um
seguro para esses investimentos. A privatização dos setores de mineração e de energia são
expressões “canônicas” da marcha privatista em nosso país, podemos citar o caso da Vale
do Rio Doce (hoje Vale) – leiloada em 1997 e vendida por R$ 3,3 bilhões, “quando somente
as suas reservas minerais eram calculadas em mais de R$ 100 bilhões à época” –; o caso
da Petrobras, cada dia mais ameaçada pelos leilões insanos ao capital estrangeiro; além do
caso da privatização e desnacionalização da Embraer, iniciado no ano de 1994.
Na passagem dos anos 1980 para a década de 1990, vimos as novas estratégias
de acumulação das grandes empresas privadas para se apoderarem de empresas estatais
dos países semicoloniais e semifeudais ganharem forma. Além da compra de estatais de
setores-chave da economia a preços baixíssimos, no Brasil, a aquisição de títulos da dívida
pública também foi uma prática corrente da burguesia monopolista; prática impulsionada
pelas mudanças econômicas e de abertura aos capitais especulativos, caudilha do Con-
senso de Washington , espécime de manifesto neoliberal com um programa a ser aplicado
sobretudo na América Latina. O que está em jogo nesse processo são nossas riquezas
naturais, nossa soberania, setores estratégicos não-comercializáveis de nossa economia
(não é por acaso que os países imperialistas fazem questão de manter seus setores es-
tratégicos estatizados) e as condições de vida de nosso povo e de nossos irmãos latino-
-americanos, também assolados pela sede de lucros do imperialismo e pela liberalização
econômica. Elencaremos neste texto alguns dos casos de privatização mais escandalosos
da história de nosso país, sabendo que os que ficarão de fora não deixam de ter sua impor-
tância nesse complexo processo.
A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) inaugura o ciclo vicioso e criminoso das
privatizações em nosso país. A estatal foi “criada em 1941 por Getúlio Vargas como parte
do acordo com os Estados Unidos que levou o Brasil a entrar na Segunda Guerra Mundial
ao lado dos países aliados. A siderúrgica foi pedra fundamental no processo de indus-
trialização nacional” . No ano de 1992, no governo Collor, a estatal entrou no PND, “sua
desestatização era considerada estratégica para seu governo, por ser a maior indústria
siderúrgica da América Latina e por suas características de fortes movimentações sindicais
e sociais” . Foi privatizada no governo Itamar Franco, em 1993, em meio a protestos e re-
sistência de setores nacionalistas de nossa sociedade.
O caso da Telebras, fundada como monopólio telefônico estatal em 1972 – da fusão
de pelo menos 27 operadoras estaduais brasileiras – e leiloada em 1998 na Bolsa de Valo-
res do Rio de Janeiro, figura a privatização mais expressiva dentre as que já foram realiza-
das no Brasil, arrecadando R$ 22,058 bilhões pelos 20% das ações em poder do governo
na época. Desde 1991, sob a gestão de Fernando Collor (PRN), “o Banco Mundial pressio-
nava o governo brasileiro a assinar um acordo de privatização do sistema de telecomunica-
ções”, fato consumado sete anos mais tarde, no governo de seu xará, Fernando Henrique
Cardoso (PSDB). Mas a questão mais importante é que além de o sistema Telebras ter sido
altamente lucrativo, chegando, em 1998, a superar os lucros da Coca-Cola Internacional,
“o desenvolvimento tecnológico nacional para construção de fibra ótica, centrais telefônicas
digitais”, e todo um centro de pesquisa voltado às telecomunicações e à telemática foram
detonados a partir do início dos anos 90.
O setor elétrico também não passou ileso desse processo. Desde o governo FHC,
a Eletrobras, a maior empresa de energia da América Latina, vem sendo desmembrada e
sucateada em um movimento de subserviência ao imperialismo estadunidense, que, com
o intuito de garantir estrategicamente fontes de minerais e energia, visa também garantir
os maiores lucros do mercado para seus monopólios. A Eletrobras está na mira do ultra-
liberal Paulo Guedes desde que assumiu a cadeira de ministro da economia do governo
Jair Bolsonaro. “A privatização da área de energia começou nas empresas de distribuição,
“As massas populares conquistarão a verdadeira e definitiva independência do Brasil” URC 13
a partir de 1997, no governo de Fernando Henrique Cardoso”, e apesar de, nesse mesmo
período, a privatização das usinas de geração ter encontrado forte resistência dos traba-
lhadores das empresas públicas, hoje, 60% da geração de energia instalada no Brasil,
“39% da transmissão (que interliga o sistema) e 71% da distribuição (que entrega a energia
ao consumidor final)” está nas mãos de empresas privadas . A Light, que era uma grande
companhia federal de distribuição de energia no Rio de Janeiro, foi leiloada e privatizada
em 1996, na onda do Programa Nacional de Desestatização. José Serra (PSDB), Ministro
do Planejamento do governo FHC até pouco antes de a privatização da empresa ser con-
solidada, tratou de acelerar o processo (prática corrente dos signatários do PND e segui-
dores do Consenso de Washington) e, ainda em 1995, “respondendo a crescente crítica da
imprensa sobre a lentidão do PND, prometeu publicamente que a Light seria privatizada na
primavera de 1996” .
A privatização de segmentos de infraestrutura de transportes em nosso país data da
segunda metade dos anos 1990. Nesse caso específico, “os processos têm sido conduzi-
dos com arrendamento dos ativos e concessão da prestação do serviço por determinado
período de anos” , prática comum nas parcerias público-privadas, onde empresas privadas
competem por uma licitação pública que concede a empresa “ganhadora” o direito de ex-
ploração de determinado serviço. Em 1993, “cerca de 855 km da extensão da malha rodo-
viária que havia sido ‘pedagiada’ diretamente pelo Departamento Nacional de Estradas de
Rodagem (DNER) [extinto em 2001] foi concedida à iniciativa privada, por meio da licitação
de cinco trechos que deram início ao programa de concessão das rodovias no país” . No
setor ferroviário, a privatização também foi a opção do governo federal. Desde 1984 já
havia a separação institucional entre transporte de cargas e de passageiros, bem como
um conjunto de planos de demissão incentivada de trabalhadores (prática utilizada para
preparar o terreno para a privatização). Segundo dados do BNDES, “em 1997 terminou a
desestatização dos seis trechos da Rede Ferroviária Federal e, em 1998, com a venda da
Malha Paulista, encerrou-se uma fase importante da transferência de serviços públicos à
iniciativa privada. Foram arrecadados U$ 205,73 milhões com a venda desta última ferrovia
transitoriamente federalizada” .
A Embraer criada durante a Ditadura Militar em nome do “desenvolvimento da in-
dústria aeronáutica brasileira” conseguiu ter resultados positivos ao longo das décadas
de 70 e 80 e passou a se tornar competitiva no mercado internacional. Contudo, com o
desastre econômico gerado pelos governos militares, a empresa foi sucateada e já em
1994 foi privatizada em uma operação de meros 57 minutos na Bolsa de Valores de São
Paulo (Bovespa) por R$ 154,1 milhões (0,3% acima do valor mínimo), cujo valor foi pago
integralmente em títulos da dívida de estatais (“moedas podres”). Ainda que o Estado bra-
sileiro tenha ficado com uma “golden share”, uma ação preferencial que dá direito a veto a
decisões estratégicas, o prejuízo mais uma vez ficou evidente, com a empresa se tornando
uma das maiores do mundo graças aos aportes do BNDES, e com os lucros garantidos aos
acionistas privados, que nos últimos anos fomentam a possibilidade da entrega completa
da empresa à multinacional Boeing.
Todos esses números e fatos apontam para a questão de que os discursos favo-
ráveis a privatização, com a desculpa de que as empresas estatais só dão prejuízo ao
Estado, são uma grande e descarada mentira. Os altos custos e os péssimos serviços
oferecidos por essas empresas, que hoje estão nas mãos de monopólios privados, além
das humilhantes condições de trabalho as quais os trabalhadores dessas empresas estão
submetidos, são consequências desse programa de desestatização. A maioria das empre-
sas estatais privatizadas hoje são sociedades de economia mista e capital aberto que tem
seus lucros destinados a grande burguesia estrangeira, engordando cada vez mais o cofre
do imperialismo.
14 URC Revista NOVA CULTURA - www.novacultura.info
Essa acumulação foi empreendida por uma política de rapina que se aproveitou – e
se aproveita – de nossas abundantes riquezas naturais e das estruturas criadas aqui com
o esforço e o trabalho de nosso povo. Nos momentos em que esse processo foi barrado ou
adiado, também foi por meio da resistência popular. Em nosso país, esse processo ainda
está em curso e anda a passos largos, tendo como principal caudilho do imperialismo e ini-
migo do povo o atual ministro da economia, Paulo Guedes. Lutar pela soberania de nosso
país, por nossa verdadeira e definitiva independência se coloca na ordem do dia, pois as
diversas mudanças de gabinete ocorridas em nosso Estado desde a dita “redemocratiza-
ção” dos fins dos anos 1980, só reforçaram esse cenário.
Petrobras, ante 36% das ações preferenciais e 50,5% das ações ordinárias que são con-
troladas pela União. Assim, ainda que o Estado detenha a maioria das ações com direito
a voto, mantendo o controle da empresa, vimos que o Estado brasileiro é essencialmente
antinacional e pró-imperialista; ao mesmo tempo, os lucros gerados pelo trabalho de nosso
povo, que se realiza de modo tão brilhante na Petrobras, são majoritariamente transferidos
para acionistas estrangeiros.
Para coroar a onda até agora bem-sucedida de ataques contra nossa principal es-
tatal, o governo Bolsonaro vendeu em 2019 a TAG Distribuidora – outra subsidiária que
controla malhas de gasodutos em nosso país – e em 2020 a BR Distribuidora, empresa que
sempre foi um símbolo do sistema integrado da Petrobras. A primeira dessas empresas foi
vendida para um fundo de investimentos canadense, o Caisse de Dépôt et Placement du
Québec (CDPQ), e outro franco-belga, a Engie, por US$ 8,6 bilhões. Evidentemente, trata-
-se de outra mixaria, tendo em vista que é um valor que a Petrobras irá devolver para os
novos proprietários um valor muito maior do que esse para utilizar a infraestrutura que en-
tregou, repetindo o episódio vergonhoso da NTS Distribuidora. Sobre a BR Distribuidora, a
Petrobras entregou 30% de suas ações com direito a voto e perdeu, com isso, o controle da
empresa. As ações foram vendidas de forma pulverizada, com muitos compradores arreba-
tando os papéis, o que impossibilita traçar exatamente quais monopólios se apropriaram da
empresa.
No final de 2019 o governo Bolsonaro também realizou o maior leilão em termos de
valores da história da indústria do petróleo, o da chamada cessão onerosa. Nesse leilão, o
excedente de petróleo e gás que havia sido entregue pela União para a Petrobras em troca
de ações da companhia, algo em torno de 10 bilhões de barris de petróleo, foram coloca-
dos à venda. Explicando melhor: quando o pré-sal foi descoberto, algumas das principais
áreas da Bacia de Santos foram entregues por contrato para a Petrobras, que deu em troca
para a União ações e uma compensação em dinheiro. No contrato, cedia-se o direito de
exploração de 5 bilhões de barris para a estatal, que era a quantidade de petróleo estima-
do existir naquelas áreas à época. Contudo, posteriormente foi descoberto que naquelas
áreas haviam até 15 bilhões de barris, um “excedente” de 10 bilhões que, na visão de Jair
Bolsonaro e Paulo Guedes, poderiam e deveriam ser entregues para os compradores de
sempre. Esse governo muito se esforçou para que esse petróleo fosse entregue para os
monopólios estadunidenses. Entretanto, foi a própria Petrobras a principal vencedora do
leilão, que arrematou, entre os 4 blocos que estavam sendo leiloados, 1 deles sozinha e o
outro em consórcio com as estatais chinesas CNOOC e CNODC, sendo que a Petrobras
arcou com 90% da operação e as empresas chinesas 5% cada uma. Outros 2 blocos per-
maneceram sem ofertas, em um leilão marcado inclusive pela ausência dos monopólios
estadunidenses e europeus.
O processo todo arrecadou R$ 69,9 bilhões para o Estado brasileiro. Nada disso pos-
sui nem o mínimo aspecto positivo, uma vez que as riquezas de nosso subsolo deveriam ser
inteiramente destinadas aos interesses imediatos e gerais do povo brasileiro e explorados
integralmente por sua principal estatal, a Petrobras, empresa mais apta para realizar essa
tarefa. Na exata contramão, contudo, o governo entreguista de Jair Bolsonaro já planeja no-
vas rodadas de leilões para 2021, desta vez garantindo que as condições sejam ainda mais
vantajosas para que possam atender às expectativas de seus amos do norte.
rais obteve perdas potenciais na casa de 16,9 bilhões de reais, isso entre os anos de 1997
até 2013, como consequência da isenção do ICMS para atividades que se enquadrassem
na tipificação de “serviços e os bens primários, manufaturados e semimanufaturados desti-
nados à exportação”, isso somado aos insuficientes mecanismos de “compensação” como
o que o governo federal destinou para essa perda, apenas 26% do total do valor, ou seja, o
déficit potencial ficou na casa de 12,5 bi de reais. No caso do Pará, no mesmo período, as
perdas potenciais chegaram ao valor de 11,9 bi de reais. Seguindo a mesma tendência de
MG, a União estabeleceu uma compensação de 21,2% do valor total, o que proporcionou
um prejuízo de 9,4 bilhões de reais ao estado do Pará. Fator importante para expor as con-
tradições que beneficiam os monopólios da mineração é o padrão de compensação impos-
to pela União aos estados, pois não acompanham as variações dos preços dos minérios,
ou seja, durante o período de alta dos valores – no contexto de boom das commodities –,
os estados não tiveram uma compensação equivalente.
Entre outros mecanismos, legais ou ilegais, das corporações monopolistas do setor
para abater o valor dos tributos pagos no processo de produção e circulação de mercado-
rias, segundo Charles Trocate e Tádzio Coelho, baseados em um estudo da Red Latindadd
e do Instituto de Justiça Fiscal, aponta que umas das principais maneiras das corporações
mineradoras para redução de gastos com tributos é o de preços de transferência. Esse pro-
cedimento ocorre por meio de comercialização de bens ou serviços de uma determinada
corporação para outras corporações, pertencentes ao mesmo grupo monopolista ou coli-
gadas de alguma forma, que estão sediadas em paraísos fiscais. No entanto, essa venda
é realizada a preços abaixo do mercado para, em um segundo momento, ser repassado
ao consumidor final a preços de mercado, o que, por sua vez, garante uma margem de
lucro maior para corporação exportadora por meio do aviltamento dos meios de compen-
sação (tributos e compensações socioambientais, por exemplo) pela sua atividade em um
determinado país. Sendo assim, identificam que, no que diz respeito a mineração no Bra-
sil, esse mecanismo se expressa na diminuição do valor pago de CFEM, pois como essa
compensação tem como base de cálculo a receita bruta e com a transferência de preços,
a receita bruta é diminuída no país de origem da atividade extração minerária. Segundo
esse mesmo estudo, estima-se que “(...) o subfaturamento das exportações de minério de
ferro ocasionou a saída indevida de 39,1 bilhões de dólares entre 2009 e 2015, uma perda
média de mais de 5,6 bilhões de dólares por ano. Para o mesmo período, esteve associa-
da uma perda de arrecadação tributária de 13,3 bilhões de dólares, o que significou em
média uma perda anual de 1,9 bilhão de dólares” aos cofres do Estado brasileiro. Outro
dado alarmante do estudo da Red Latindadd é que, pelo menos desde 2011, “mais de 80%
das exportações brasileiras de minério de ferro foram adquiridas por empresas sediadas
na Suíça”. Nesse caso, a Suíça não é o destino final da exportação, mas um paraíso fiscal
que serve como mediador para a chegada do minério de ferro para outros países de forma
a garantir um rebaixamento dos custos que as mineradoras teriam com tributos caso a ex-
portação fosse realizada de maneira direta para o país importador. Ainda sobre a questão
do subfaturamento das exportações: “(...)Segundo o estudo da Red Latindadd, entre 2009
e 2015, o subfaturamento das exportações adquiridas por este país totalizou 28,7 bilhões
de dólares”.
Estes mecanismos que visam garantir os superlucros dos monopólios imperialistas
que atuam na mineração em solo brasileiro não surgem de uma base meramente política-
-jurídica, o contexto que viabiliza uma realidade atrativa para as mineradoras tem relação
direta com as riquezas naturais nacionais. Se consultarmos informações sobre a capacida-
de de exportação mineral brasileira entre os anos de 2000 e 2010 veremos praticamente
duplicar de 163 milhões de toneladas para 321 milhões de toneladas exportadas. Ainda
sob o contexto do boom de commodities, mas com uma margem de análise mais ampla, o
“As massas populares conquistarão a verdadeira e definitiva independência do Brasil” URC 19
intelectual e estudioso da questão, o professor Bruno Milanez, afirma que se verificou que
as empresas que atuam no Brasil aproveitaram a elevação dos preços de minérios para
intensificar o processo de extração mineral para o atendimento da demanda, sobretudo,
internacional. Este crescimento se expressa tanto no sentido da produtividade quanto do
valor, principalmente, a partir de 2009. Como evidência deste fenômeno, observamos que
a atividade mineraria aumenta sua participação na receita das exportações que, em 2006,
era de 7%, para 18%, no ano de 2011. Ainda, como demonstração deste contexto, em
1997, a produção mineraria no Brasil se aproximava da marca de 150 milhões de tonela-
das de minérios exportados, o que gerava um valor de aproximadamente US$ 20 bilhões;
em 2011, a marca atingida de minérios exportados chegou à casa de aproximadamente
350 milhões de toneladas, com valor em quase US$ 45 bilhões. Neste processo de expan-
são da atividade de mineração no Brasil, corporações monopolistas como Vale S.A, BHP
Billiton, Anglo Gold Ashanti, Anglo American, KinRoss Brasil Mineração S.A, Gerdau etc.,
consolidaram suas atividades sob condições privilegiadas.
A questão da exportação de minérios, no caso do Brasil, é emblemática, pois tem-se
um aprofundamento da vulnerabilidade econômica em compasso com o ganho de prota-
gonismo chinês como principal comprador. A China, em 1990, importava cerca de 2% do
minério de ferro do Brasil. No entanto, em 2009, verificou-se um aumento significativo para
59% (2012, p.35). Ainda, segundo Milanez: “(...) a quantidade de minérios exportados para
a China é mais de quatro vezes superior àquela vendida para o Japão, o segundo país no
ranking dos destinos desses produtos. Esse grau de concentração coloca o Brasil em uma
situação de baixa segurança, uma vez que qualquer mudança na política econômica ou
industrial da China impactará diretamente a balança comercial brasileira, assim como as
regiões especializadas em extração mineral para exportação”.
Estabelecendo-se este contexto, as economias das colônias e das semicolônias, ao
deslocar sua estratégia de inserção na divisão internacional do trabalho a partir da especia-
lização produtiva baseada, sobretudo, em recursos naturais, compromete sua possibilidade
histórica de desenvolvimento que garanta mínima condição de soberania e ampliação de
direitos para o povo, garantindo autonomia e oposição mais sólida ao imperialismo. A lógica
da atividade de mineração tem no seu conteúdo a destruição dos territórios para viabilizar
um processo de exploração de “produtos de baixo valor agregado” que, por sua vez, não
retribui de maneira significativa para o desenvolvimento nacional e, em momentos de crise,
o setor de exploração minerária pouco contribui para retomada econômica das nações do
terceiro mundo.
Para exemplificar esse contexto, em texto intitulado COVID-19 e a instrumentaliza-
ção da morte na atividade minerária publicado no NOVACULTURA.info nos mostra que,
em uma conjuntura de crise do capitalismo e em meio a pandemia do coronavírus, a única
saída possível para o imperialismo garantir seus interesses é a promoção da barbárie,
intensificando a produção com alto custo ambiental e, sobretudo, social, na medida em
que coloca trabalhadores e trabalhadoras em condições cada vez mais deterioradas de
trabalho. Muitas vezes fazendo com que a classe trabalhadora seja constrangida a oferecer
as suas próprias vidas, em um contexto sem alternativas econômicas de fazer isolamento
social, às piores condições possíveis para garantir seu ganha-pão. Conforme o texto citado
“no dia 28/04, Bolsonaro impõe-nos um decreto que estabelece a mineração como ativi-
dade essencial e, assim, expondo trabalhadores, comunidades inteiras e até municípios a
um ritmo de propagação do Covid-19 que beira a promoção de um genocídio. Assim, mi-
neradoras como a Vale S.A perpetuam sua sanha pelo aumento da margem de lucro sem
qualquer entrave à sua produção, ainda que isso custe, de maneira mais acentuada, vidas
de trabalhadores e trabalhadoras”. É simbólico o fenômeno da mineração no Brasil, pois
evidencia com profundidade o caráter semicolonial e semifeudal da realidade brasileira e
20 URC Revista NOVA CULTURA - www.novacultura.info
Podemos observar assim que, nos países dominados, a agricultura é uma alavanca
utilizada pelo imperialismo para arrancar a mais-valia produzida localmente, deixando como
rejeitos deste saque classes dominantes parasitárias e produtores diretos (camponeses ou
trabalhadores assalariados) extremamente mal pagos. Massas imensas da mais-valia que
poderiam ser investidas localmente para o progresso econômico e social são drenadas
para o exterior sob formas de remessas de lucros, importações e demais.
Vejamos aqui no aspecto da comercialização. Somente a estadunidense ADM ex-
portou, no ano de 2017, 7,6 milhões de toneladas de soja, a terceira maior empresa do país
em exportações, atrás apenas da também estadunidense Cargill e da holandesa Bunge.
A corporação imperialista tem avançado no controle logístico local, por exemplo, por meio
do consórcio com, além das duas empresas mencionadas, a francesa Louis Dreyfus Com-
modities e a brasileira Amaggi para investir 12 bilhões de reais na construção da ferrovia
Ferrogrão, que interligará por aproximadamente mil quilômetros o município de Sinop (MT)
ao porto de Miritituba (PA), facilitando o escoamento das lavouras de exportação, principal-
mente da soja. Atualmente, a norte-americana Cargill controla, no Brasil, 22 fábricas, seis
portos e 192 armazéns de logística, galgando no ano de 2016 uma receita de cerca de 33
bilhões de reais por meio de suas operações no Brasil. Recentemente, investiu 700 milhões
de reais para a construção de um porto no município de Barcarena (PA) para facilitar o es-
coamento da produção de soja.
Qualquer semelhança das condições atuais que prevalecem no Brasil com o assédio
das potências externas aos portos brasileiros após a chamada “Abertura dos Portos para
as Nações Amigas” de 1808 não é mera coincidência. Trata-se de uma natureza colonialis-
ta que prosseguiu de lá para cá.
Mas as grandes corporações imperialistas não alçam superlucros somente por meio
da comercialização e industrialização da produção rural brasileira. Enriquecem também
por meio da venda de meios de produção a preços de monopólio, pilhando o campesinato
brasileiro com tais preços extorsivos e compelindo os fazendeiros e capitalistas agrários a
transferirem o ônus dos preços de monopólio sobre o proletariado rural e o campesinato.
Eis aqui mais um traço do imperialismo: conseguem alçar superlucros por meio da
venda a preços de monopólio de mercadorias que não são aceitas nos mercados metropo-
litanos de seus países. À medida que a legislação – principalmente dos países europeus
– passa a “fechar o cerco” para o uso de agrotóxicos que prejudicam gravemente a saúde
humana, tais corporações têm no Brasil e demais semicolônias fontes seguras de lucros
de monopólio. Evidentemente, às expensas da saúde do trabalhador rural brasileiro e das
populações urbanas.
Como por exemplo, ao analisarmos a tabela elaborada pela AENDA – Associação
Brasileira de Defensivos Pós-Patente – sobre as vinte maiores empresas do Brasil em
termos de vendas de agroquímicos no ano de 2017, observamos que dessas maiores
empresas que responderam por praticamente todo faturamento da venda de agroquímicos
no Brasil no ano de 2017, quinze são estrangeiras (Nortox, Ourofino, CCAB e Leme são
empresas nacionais, sendo a Sipcam-Nichino uma empresa de capital misto brasileiro-
-nipônico). Somente vendendo agrotóxicos no mercado brasileiro, as grandes corporações
estrangeiras logram arrancar do couro dos brasileiros até 8 bilhões de dólares.
Estas são apenas algumas amostras da magnitude da dominação estrangeira na
agricultura e seu potencial para entravar o desenvolvimento nacional. Há muitos outros que
mereceriam ser objeto de estudo posterior.
Essas medidas, tendentes à socialização das riquezas do país, só serão efetivadas com
uma mudança radical da correlação de forças na sociedade em favor do proletariado e seus
aliados, com a conquista do poder de Estado e sua transformação socialista em transição para
o comunismo.
A execução de um programa como esse será o resultado de um processo de acúmulo de
forças, alicerçado nas lutas de resistência que ocorrem no atual período da luta de classes, em
todas as frentes: ideológica, política, sindical, popular (saúde, educação, moradia, etc.), contra
a discriminação racial, sexual, regional, etc.
Tal acúmulo de forças deverá, para a consecução desse programa, levar à conquista de
um governo revolucionário, que desempenhe as tarefas de transição do capitalismo ao socialis-
mo e deste ao comunismo.
Tal governo, nas suas diferentes fases, será a expressão da aliança do proletariado e dos
camponeses, bem como de outras classes ou frações de classe que se somem, em cada etapa
da luta, à concretização do programa revolucionário. Será, portanto, a expressão de um bloco
das classes dominadas no capitalismo, em oposição ao bloco das classes dominantes que há
séculos exercem o poder no Brasil.
Como essa proposta poderá se desenvolver?
Nos propomos a desenvolver uma campanha em torno da questão nacional, aprovei-
-tando a aproximação dos 200 anos da nossa independência, envolvendo organizações e mi-
litantes não organizados que tenham acordo com essa proposta, com os quais a mesma deve
ser discutida.
Objetivos
Todos esses debates que necessitamos fomentar, seja sobre a conjuntura, a tática e a
estratégia; sobre o programa, etc., tem como objetivo avançar nas condições subjetivas para
a Revolução Brasileira. Aqui é importante resgatar o evidente descasamento entre a revolução
social e a revolução política em nossa história. Existiram os que agentes que quiseram incluir
nos programas da independência, ou da república, a melhoria nas condições de vida dos explo-
rados da terra, mas esses não tiveram a compreensão e força suficiente para se impor àqueles
que trabalharam para que as coisas mudassem para continuar como estavam.
Em termos comparativos, enquanto o processo de independência na maior parte das
26 URC Revista NOVA CULTURA - www.novacultura.info
colônias espanholas acabou também com a escravidão, no Brasil ainda convivemos por 66
anos com o sistema escravista legal após a independência. E a escravidão ainda persiste nas
relações de trabalho, sendo designadas pelo ministério público como “condições análogas à
escravidão”. As reformas regressivas, recentemente aprovadas, agravam tal situação.
O profundo rebaixamento programático representado pela hegemonia petista no movi-
mento operário, sindical e popular no Brasil, coadjuvado pelo PC do B e outros, que fez com
que muitos defendessem políticas compensatórias orientadas pelo Banco Mundial como se fos-
sem grandes conquistas, além de outros contrabandos reformistas, tem uma relação histórica
com os processos anteriormente citados e precisa ser debatido e superado.
Neste aspecto, não se tratou, como ainda pensam alguns, de erros cometidos pelo PT e alia-
dos, mas de um caminho conscientemente escolhido e resolutamente trilhado. O que o PT
fez no governo federal, é preciso dizer uma vez mais, já tinha feito em prefeituras e governos
estaduais, como demonstração à classe dominante de que o partido estava pronto para fazer
o serviço por ela esperado. Os efeitos aí estão e devem ser enfrentados. Parte dessa tarefa é a
reelaboração e defesa de um programa revolucionário, a ser conquistado pelo proletariado e
seus aliados na luta, posto que, o caminho da conciliação de classes, mais uma vez está pro-
vado, não serve a esse fim.
▪ Criando cineclubes, para exibição de filmes sobre nossa realidade, seguidos de deba-
tes sobre o mesmo. Indicamos a seguir alguns filmes:
Março/2019
Em 2019, a URC juntamente com a Célula Comunista de Trabalhadores (CCT) e
28 URC Revista NOVA CULTURA - www.novacultura.info
Manifesto da campanha
BRASIL: PELA SEGUNDA E DEFINITIVA INDEPENDÊNCIA
petróleo cru e minério bruto. A indústria que é o setor que oferece mais
e melhores empregos começa a desaparecer. A exploração de recur-
sos naturais sem controle tem um alto custo social e ambiental, sendo
Brumadinho um caso exemplar.
Em prol do que há de mais atrasado no agronegócio, o governo
descumpre e estimula o descumprimento da legislação ambiental. A
devastação cresce exponencialmente. Ameaça entregar as terras indí-
genas à exploração das mineradoras estrangeiras.
O objetivo dos círculos da alta finança, do capital estrangeiro, no-
tadamente estadunidense, e das classes dominantes é transformar o
país em mero produtor de bens agrícolas e minerais e fornecedor de
mão-de-obra barata. Destruir o sistema educacional, universitário e de
ciência e tecnologia é central para a consecução desse objetivo.
Para impor as políticas neoliberais, há um recrudescimento da
repressão às lutas populares. Militantes sociais são encarcerados. Ma-
nifestações são reprimidas a bombas e tiros. A violência policial perde
qualquer limite, assumindo um caráter de genocídio. Lideranças in-
dígenas, de trabalhadores rurais, negros e pobres são assassinados
cotidianamente.
O governo Bolsonaro é um governo de traição nacional! Entrega
as riquezas do Brasil. Rebaixa a força de trabalho e desarticula o mer-
cado de trabalho em nosso país. Entrega o comando forças armadas
ao Pentágono, como denota a nomeação do Brasil como aliado extra-
-OTAN. Entrega a Base de Alcântara. Afasta o Brasil dos seus parcei-
ros naturais, inviabilizando a integração latino-americana e deixando
de lado a parceria BRICS. Estabelece acordos danosos à economia
nacional, como o acordo Mercosul e União Europeia e como se anun-
cia acordo similar com os EUA.
A luta pela soberania nacional, pelos direitos sociais e do trabalho
é urgente e cada vez mais necessária. Os frutos do trabalho dos brasi-
leiros devem ser revertidos em benefício dos brasileiros. O povo brasi-
leiro deseja viver em paz no mundo, respeitando a autodeterminação
de todos os povos. Quer emprego e condições dignas de vida para os
seus filhos. Os brasileiros querem acesso à cultura e à educação, ter
direito à livre criação artística, científica e filosófica. Quer viver em um
país diverso, em que as raízes africanas e dos povos originários sejam
respeitadas e cultuadas. Quer ter pleno direito à sua identidade, onde
ser Nordestino, Amazônida, Paulista, Gaúcho, Mineiro ou Carioca seja
expressão da brasilidade, reduzindo as desigualdades regionais.
A independência não foi para os trabalhadores e o povo. É hora
do povo brasileiro tomar o seu destino em suas mãos. É chegada a
hora da Segunda e Definitiva Independência!
30 URC Revista NOVA CULTURA - www.novacultura.info
O XX CONGRESSO DO PCUS E A
CRISE DO MOVIMENTO COMUNISTA
por Icaro Leal Alves
[1] O PCB chamou-se Partido Comunista do Brasil desde sua fundação em 1922 até o ano de 1961, quando mudou seu nome para Partido Comunista Brasileiro.
“O XX congresso do PCUS e a crise do Movimento Comunista” URC 33
[14] MARTENS, Ludo. A URSS e a Contrarrevolução de Veludo – São Paulo: Raízes da América, 2016. p. 28.
[15] MARTENS. Ibidem, p.28-9.
[16] KRUSHCHEV. Informe secreto. – Buenos Aires: Editorial La Causa, 1956. P.38.
[17] KRUSHCHEV. Ibidem, p.39.
[18] KRUSHCHEV. Informe do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética. Op. Cit. P.3.
[19] KRUSHCHEV. Ibidem, p.3.
[20] KRUSCHEV. Ibidem, p.2.
[21] BABY, Jean. As Grandes Divergências do Mundo Comunista. – São Paulo: Editora Senzala, s/d. p.18-19
“O XX congresso do PCUS e a crise do Movimento Comunista” URC 35
mentos de sua direção eram contrários as novas ideias e as novas práticas.[22] O quadro era
agravado pelo método utilizado por Khrushchev, que apresentou seu relatório em uma sessão
a portas fechadas e impedira que esse fosse publicado pela imprensa soviética.[23]
Baby considera que o Relatório Secreto não forneceu “explicações satisfatórias sobre as
condições nas quais o “culto de personalidade” de Stalin havia podido desenvolver-se e resultar
nos abusos que acabavam de ser revelados”[24]. Mesmo um autor como Elleinstein, segundo
o qual, “O mérito de Kruchtchev perante a história é imenso”, afirma que: “devemos interrogar-
-nos sobre o modo como procedeu”, completando que, “o relatório levantava mais problemas
do que resolvia”. E diz ainda: “Ao ‘foi graças a Stalin’ opunha-se, como situando-se no mesmo
plano, na mesma estrutura, o ‘foi por culpa de Stalin’”[25]. No XX Congresso, Khrushchev afir-
mou: “Durante todos esses anos, o Partido manteve desfraldada a grande bandeira do imortal
Lenin. A fidelidade ao leninismo é a base de todos os êxitos de nosso Partido”[26]. Nenhuma
palavra sobre o papel de Stalin na manutenção dessa fidelidade. Ele considera que Stalin de-
sempenhou um papel positivo na luta contra os trotskistas, direitistas e nacionalistas burgueses
durante os anos 1920[27], mas seu papel encerra-se aí. A se julgar pelo informe secreto, todas
as realizações na edificação do socialismo se dão a despeito de uma ditadura tão absoluta
quanto a de Stalin.
Segundo Baby, os chineses mostraram-se mais prudentes que os soviéticos[28]. O fato
é que o Partido Comunista da China foi o primeiro a apresentar uma interpretação própria do
problema. Em abril de 1956, o Birô Político do PC da China publica Sobre a Experiência Histó-
rica da Ditadura do Proletariado. Ao tratar do papel de Stálin, afirma-se que ele “cometeu certos
erros sérios nos últimos anos de seu trabalho”[29]. Porém, os chineses reconhecem em Stalin
uma parcela significativa dos méritos nas realizações do socialismo na URSS. “Na luta para rea-
lizar os princípios leninistas o Comitê Central do PCUS, por sua firme direção, alcançou grande
mérito, e neste mérito uma parte destacada coube a Stalin”[30]. No XX Congresso do PCUS,
Mikoian foi o único orador a pronunciar o nome de Stalin.[31] É uma postura bem diferente da-
quela assumida pelos comunistas chineses, que consideram necessário até mesmo continuar a
estudar suas obras: “Com relação a isto é preciso salientar que os trabalhos de Stalin devem
ser ainda como antes, seriamente estudados e que nós devemos aceitar, como um legado his-
tórico importante, tudo o que há de valioso neles, especialmente aqueles muitos trabalhos em
que ele defendeu o leninismo e, resumiu corretamente a experiência da construção da União
Soviética. Não fazer isso, seria um erro. Mas há duas maneiras de estudar essas obras, a for-
ma marxista e a forma doutrinária. Algumas pessoas tratam os escritos de Stalin de uma forma
doutrinária. O resultado é que não podem analisar e ver o que é correto e o que não é correto,
e mesmo aquilo que é correto é tratado como uma panaceia e aplicado indiscriminadamente.
Inevitavelmente, essas pessoas cometem erros.”[32]
O PC chinês elogia, entretanto, as resoluções soviéticas contra o culto à personalidade.
“A luta contra o culto à personalidade, lançada pelo XX Congresso é uma grande e corajosa luta
dos comunistas e do povo soviético para remover os obstáculos ideológicos que se antepõem
ao seu avanço”. E pretendem lutar eles mesmos contra esse culto. “O Partido Comunista da
China tem lutado constantemente nas suas fileiras revolucionárias contra a exaltação da pessoa
e contra o heroísmo individualista, porque ambos significam isolamento das massas”[33]. Mas é
inegável que as divergências entre o PCC e o PCUS começavam a se desenrolar. Khrushchev
rejeitara a teoria stalinista da luta de classes sob o socialismo. Os chineses afirmaram, “Algu-
mas ideias ingénuas parecem sugerir que não há mais contradições numa sociedade socialis-
ta”[34] Não é uma crítica aberta, todavia, demonstra como os chineses possuíam uma visão
[22] ELLEINSTEIN, Jean. História da U.R.S.S., vol. 4. A U.R.S.S. Contemporânea. – Lisboa, Editora Europa-América, 1976. P. 99
[23] ELLEINSTEIN, Jean. Ibidem. P.96
[24] BABY, Jean. Op. Cit. P.18-19
[25] ELLEINSTEIN, Jean. Ibidem. P.96, 99 e 97.
[26] KRUSCHEV. Informe ao XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética. Op. Cit. P.1
[27] KRUSCHEV. Op. Cit. 1956. P.16-17
[28] BABY, Jean. Op. Cit. P.15
[29] Birô Político do Partido Comunista da China. Sobre a Experiência Histórica da Ditadura do Proletariado. Voz Operária. – Nº 392 – Rio de Janeiro – 17/11/1956, p.4
[30] Birô Político do Partido Comunista da China. Ibidem. P.4
[31] ELLEINSTEIN, Jean. Op. Cit. P.96
[32] Birô Político do Partido Comunista da China. Op. Cit. P.5
[33] Birô Político do Partido Comunista da China. Ibidem. P.4
[34] Birô Político do Partido Comunista da China. Ibidem. P.4
36 URC Revista NOVA CULTURA - www.novacultura.info
[35] MAO, Tsé-Tung. Discurso Pronunciado na Segunda Sessão Plenária do Oitavo Comitê Central do Partido Comunista da China. In____________. Obras Escolhidas de
Mao Tsé-Tung, vol. 5. – 3º ed. – São Paulo: Editora Alfa-Omega, 2012. P.407-408.
[36] MAO. Ibidem. P.408
[37] MARTENS, Ludo. Sobre Alguns Aspectos da Luta Contra o Revisionismo. In_____________. Balanço do Colapso da URSS e outros escritos. – São Paulo: Editora Raízes
da América, 2016. P.198-199
[38] TITO, Josip Broz. As Fábricas para os Operários. In __________. Documentos, Discursos e Mensagens. – Lisboa: Publicações Europa América, 1977. P.42
[39] MARTENS, Ludo. Sobre Alguns Aspectos da Luta Contra o Revisionismo. Op. Cit. P.200
[40] TITO, Josip Broz. A Revolução foi para mim o impulso de toda vida (Entrevista à Radiotelevisão de Belgrado). Op. Cit. P.19
[41] TITO, Josip Broz. As Fábricas para os Operários. Op. Cit. P.39 e 52
[42] MARTENS, Ludo. Sobre Alguns Aspectos da Luta Contra o Revisionismo. Op. Cit. P.202
“O XX congresso do PCUS e a crise do Movimento Comunista” URC 37
com outros países”[64]. Por outro lado, o programa econômico de Gomulka assemelha-se ao
de Tito, anteriormente analisado. Gomulka orienta-se para a dissolução das fazendas coletivas,
a autonomia das empresas socialistas e o desenvolvimento da indústria artesanal privada.[65]
Na Hungria, entretanto, os acontecimentos tiveram um desfecho sangrento. A direção
do Partido Húngaro dos Trabalhadores encontrava-se dividida desde 1953. Em 1955, o seu
secretário-geral, Matias Rakosi conseguiu afastar o presidente do Conselho, Imre Nagy. Depois
do XX Congresso, Rakosi se recusou a adotar a nova orientação, sendo substituído, em julho,
por Erno Geröe, também recalcitrante. Um grupo de estudantes e intelectuais organiza, então,
o Círculo Petöfi, que inicia uma campanha em favor da liberalização. A repercussão dos acon-
tecimentos da Polônia levou ao desencadeamento de manifestações, em 23 de outubro, em
Budapeste, nas quais escutam-se palavras de ordem anticomunistas e horthystas. Imre Nagy
é novamente nomeado presidente do Conselho.[66] Em 24, eclode a insurreição, organizada
por Ferenc Nagy, líder do antigo Partido dos Pequenos Proprietários, e contando com o apoio
dos círculos estrangeiros. Antigos fascistas húngaros exilados retornavam em massa através
da fronteira austro-húngara, contando com a inação do governo Nagy em reprimir o levante.
[67] O caráter perfeitamente coordenado das ações armadas contra os alvos militares e esta-
tais provam que não se tratou de um tumulto espontâneo, como em Poznan, mas de uma ação
planejada por agentes bem treinados.[68]
Seguem-se os assassinatos de membros do partido. Ellenstein escreve, “Verdadeiros
bandos de fascistas massacram os comunistas”[69]. Mesmo Fernando Claudín, que nega o ca-
ráter contrarrevolucionário do levante, admite a realidade dos massacres empreendidos pelas
forças rebeldes: “Grupos de pessoas exasperadas, às quais se misturam elementos duvidosos,
caçam os membros da polícia política que participaram nos combates ao lado das tropas sovi-
éticas, provocando cenas de linchamentos e execuções sumárias. Entre as vítimas estão tam-
bém pessoas totalmente inocentes ou comunistas cujas responsabilidades deveriam ter sido
elucidadas com todas as garantias de imparcialidade”.[70]
Em meio a tais cenas, o governo húngaro solicitou o auxílio de tropas soviéticas, que
então se limitam a marcha sobre a capital sem combater. Geröe é substituído no posto de secre-
tário-geral por Janos Kadar, que anuncia a formação de um governo de coalizão com os antigos
partidos camponês, pequeno-proprietários e comunistas antes proscritos. Desencadeiam-se os
primeiros combates entre rebeldes e tropas soviéticas que ainda hesitam[71].
Moscou anuncia em 30 de outubro: “Com o objetivo de garantir a segurança mútua aos
países socialistas, o Governo soviético está preparado para examinar, com os demais países
socialistas membros do Tratado de Varsóvia, a questão das forças soviéticas estacionadas nos
territórios daqueles países”.[72] Porém, os massacres continuaram. Em 1 de Novembro, Kadar
anuncia a dissolução do PHT e a formação do Partido Operário Socialista Húngaro. No mesmo
dia, Imre Nagy declara a Hungria um país neutro e anuncia sua retirada do Pacto de Varsóvia.
No dia 3, Kadar conforma um governo paralelo, solicitando novamente a ajuda soviética. Estes
dominam Budapeste, enquanto Nagy se refugia na embaixada iugoslava. No dia 9, a luta arma-
da havia cessado em todo território húngaro.[73]
Baby escreve que o caráter separatista e contrarrevolucionário do levante se tornara patente.
[74] Para Ellenstein, aqueles eventos punham em evidência a complexidade da situação na
Europa oriental assim como as “dificuldades encontradas na aplicação da orientação decida no
XX Congresso”[75].
Teerã e qualificou suas teses como um revisionismo do marxismo, que se manifestava na ideia
da paz de classes a longo prazo. O artigo foi discutido pela Comissão Política da Associação,
em Maio de 1945, e a linha de Browder saiu derrotada por dois terços daquela reunião e ele foi
substituído dias depois no posto de secretário-geral por um triunvirato composto por William Z.
Foster, Eugene Dennis e John Williamson. O XIII Congresso Extraordinário, reunido entre 26-28
de Julho, realizou uma rigorosa autocrítica da orientação browderista e reassumiu o nome de
Partido Comunista.[82]
Kurt Gosswelier sintetiza dessa maneira as linhas gerais do revisionismo browderiano:
“a) O abandono da concepção leninista de partido; b) a dissolução do Partido Comunista numa
frente nacional antifascista;c) A negação da contradição antagónica entre o imperialismo e o
socialismo e a orientação para uma parceria perene num trabalho confiante de cooperação e
ajuda mútua”.[83]
A linha browderiana promoveu comoções e cisões nos partidos comunistas da América
Latina, mas não teve grande repercussão na Europa. Nos EUA, ela não desapareceu totalmen-
te, voltando a ganhar força em 1956, quando se apoiou nas tendências khrushchevistas. Não
por acaso, o Partido americano seria o primeiro dos partidos ocidentais a assimilar comple-
tamente a linha do XX Congresso. Como na época de Browder, em 1956, o Partido dos EUA
foi um dos principais representantes da linha revisionista no interior do Movimento Comunista
Internacional. O então secretário-geral, Eugene Dennis, publicaria o artigo O PC dos Estados
Unidos e o Relatório Especial de Nikita Khrushchev. Diferente de outros partidos, que tentam
analisar os erros de Stalin em uma perspectiva histórica, os comunistas americanos não reco-
nhecem qualquer necessidade histórica para eles. “Os crimes e brutalidades que assinalaram o
último período da liderança de Stálin são inesquecíveis. Nem houve para eles qualquer “neces-
sidade” histórica ou política”[84] Ele tratou de rejeitar completamente a teoria da luta de classe
sobre o socialismo, afirmando: “Nos começos de 1930, quando o socialismo tinha sido construí-
do – apesar de todas as pressões e ataques do exterior – Stalin elaborou uma tese e uma linha
de ação que minaram a nova Constituição socialista e facilitaram as lamentáveis violações que
somente agora estão sendo corrigidas. Tratava-se da teoria de que com a vitória do socialismo,
o desesperado inimigo de classe se tornaria ainda mais perigoso, organizaria uma crescente
resistência interna, e penetraria em todos os escalões do Estado Soviético, da economia do
país, e mesmo no Partido e em sua direção”.[85]
Também a tese da via pacífica foi facilmente assimilada no Partido Comunista americano.
Dennis afirma: “Certamente nós, comunistas americanos, advogamos e lutamos por um curso
de transformações socialistas, democrático, constitucional e pacífico, através do qual a maioria
do povo americano posteriormente se moverá adiante e estabelecerá um novo sistema social à
base das necessidades e experiências, tradições e relações políticas trabalhistas democráticas
da América”.[86]
Na Europa Ocidental, os partidos comunistas francês e italianos eram os mais numero-
sos e influentes. Ambos haviam participado do governo de seu país entre 1945 e 1947 e eram
os únicos partidos do mundo capitalista a participar no Kominform. As condições criadas na
Europa Ocidental após o fim da Segunda Guerra Mundial favoreciam a difusão dos pontos de
vista revisionistas. A liquidação das leis fascistas e outras medidas restritivas adotadas pelas
burguesias ocidentais após a vitória da Revolução Russa, o estabelecimento de uma democra-
cia mais ou menos ampla, com a legalização de todos os partidos, com exceção do fascista.
Também o aumento considerável do nível de vida da classe trabalhadora e o início da revolução
científica e tecnológica. Sob tais circunstâncias, os programas dos partidos comunistas foram
se transformando em programas mínimos: a estratégia cedeu lugar a tática, que se transformou
em linha geral.
Ao estalar a segunda guerra, a maioria dos quadros do PC italiano encontrava-se na
França, onde foram colhidos pela polícia. Seu trabalho no interior do país começaria em mea-
[82] GOSSWELIER, Kurt. Ibidem. P.31-32
[83] GOSSWELIER, Kurt. Ibidem. P.27
[84] DENNIS, Eugene. Os EE.UU. e o Relatório Especial de Nikita Kruschiov. Voz Operária – Nº 373 – Rio de Janeiro – 07/07/1956. P.3
[85] DENNIS, Eugene. Os EE.UU. e o Relatório Especial de Nikita Kruschiov. Ibidem. P.3
[86] DENNIS, Eugene. Os EE.UU. e o Relatório Especial de Nikita Kruschiov. Ibidem. P.4
42 URC Revista NOVA CULTURA - www.novacultura.info
dos de 1942 e, em março de 1943, já haviam logrado a realização de poderosas greves. De-
pois do golpe de Estado do Rei Vittorio Emanuele e de Badoglio contra Mussolini, a resistência
antifascista do povo italiano cresceu rapidamente, sobretudo no Norte, sob ocupação alemã,
onde o Partido Comunista organizou a luta de libertação nacional, aglutinando operários, cam-
poneses e intelectuais. Nesse período, a maioria das formações guerrilheiras era dirigida pelos
comunistas, porém, os comunistas não reivindicavam então a tomada do poder, ou a derrota da
monarquia e de Badoglio, mas somente a formação de um governo forte e com autoridade. Em
1944, quando retornou da União Soviética, o secretário-geral, Palmiro Togliatti adotou uma linha
de colaboração com os partidos Democrata-Cristão e outros. Os comunistas italianos ocuparam
duas pastas ministeriais, em 1945-1947. Já então, Togliatti falava em um “novo partido de mas-
sas”, diferente do partido de tipo leninista.
Diferente do que nos indica Claudín[87], as decisões do PCI e de Togliatti não eram di-
tadas de fora por Moscou. Já em janeiro de 1951, Togliatti rejeitara decididamente a proposta
de Stalin de desloca-lo a Praga para que assumisse as funções de direção do Kominform[88] e,
em julho de 1954, liquidou da direção do Partido o antigo dirigente “stalinista” Secchia[89]. Em
1956, o PC italiano assimilou mais rápido a linha revisionista que os demais partidos da Europa,
porém, igualmente, de forma independente. Toglitatti aprovou as críticas de Khrushchev a Stalin
e a via pacífica ao socialismo[90]. Ele foi até mais longe em dois pontos: 1) ao afirmar que os
erros de Stalin haviam criado formas de degeneração do socialismo e que esses erros ainda
não tinham sido de tudo superados[91]; 2) ao avançar a sua teoria do policentrismo. Sobre
este último, Togliatti afirma que: “[...] podemos encontrar um impulso para o socialismo e uma
orientação mais ou menos clara no sentido de reformas e de transformações econômicas de
tipo socialista até mesmo em países onde os partidos comunistas não apenas não participam
do poder, mas por vezes não são forças significativas.”[92] Fala também possibilidade do plu-
ripartidarismo no socialismo e da possibilidade da dissolução do Partido Comunista nos países
socialistas: “Admitimos sem dificuldade que, numa sociedade onde se constrói o socialismo,
possam existir diversos partidos, alguns dos quais colaborem com essa construção. Admitimos
que o estímulo no sentido de transformações de índole socialista possa provir de diversos par-
tidos, que cheguem a um entendimento a fim de poder realizar essas transformações. Quanto
a isso, as perspectivas que se abrem são certamente múltiplas. Pode-se chegar (e, se não me
engano, os dirigentes de um grande país hoje dirigido por comunistas estão discutindo sobre
isso) a considerar a própria extinção dos partidos em consequência da afirmação de uma socie-
dade socialista unitária, como resultado de um processo que envolva igualmente tanto o partido
comunista quanto os demais partidos que com ele colaboram.”[93]
Daí ele concluir que: “O conjunto do sistema torna-se policêntrico; e, no próprio movi-
mento comunista, não se pode falar de um guia único, mas de um progresso que se realiza
segundo caminhos frequentemente diversos”[94]. Marco Mondaini concede grande interesse e
novidade a essas teses, afirmando que, “[...] pela sua amplitude, não seria exagerado afirmar
que a tese do ‘policentrismo’ contém in nuce os principais elementos do eurocomunismo, que
marcou a estratégia comunista italiana (e, em menor medida, a estratégia dos comunistas fran-
ceses e espanhóis) nos anos 1970.”[95]
As reações do Partido Comunista Francês seriam relativamente distintas das do PC Ita-
liano, porém, ele também não foi um mero fantoche dos ditames de Moscou. Sua influência no
Movimento Comunista Internacional cresceu enormemente pelo seu papel decisivo na forma-
ção da Frente Popular e heroísmo durante a Resistência à ocupação nazista[96]. Em 1956, o
Partido Comunista Francês assumiu uma postura crítica com relação aos partidos comunistas
da União Soviética e das Democracias Populares.
[87] CLAUDÍN, Fernando. A Crise do Movimento Comunista. – 2º ed. – São Paulo: Editora Expressão Popular, 2013. P.417
[88] MONDAINI, Marco. Do Stalinismo à Democracia: Palmiro Togliatti e a via italiana ao socialismo. – Brasília: Fundação Astrojildo Pereira/Rio de Janeiro: Editora Contra-
ponto, 2011. P.115
[89] MONDAINI, Marco. Ibidem. P.129
[90] TOGLIATTI, Palmiro. O caminho italiano para o socialismo. In ______________. Socialismo e Democracia: Obras Escolhidas – 1944-1964. – Rio de Janeiro: Ilha Livraria
Editora LTDA, 1980. P.146 e 148
[91] TOGLIATTI, Palmiro. Entrevista sobre o “culto à personalidade” [Texto integral da entrevista concedida à revista Nuovi Argomenti]. Ibidem. P.103-104
[92] TOGLIATTI, Palmiro. O caminho italiano para o socialismo. Ibidem. P.137
[93] TOGLIATTI, Palmiro. O caminho italiano para o socialismo. Ibidem. P.149
[94] TOGLIATTI, Palmiro. Entrevista sobre o “culto à personalidade” [Texto integral da entrevista concedida à revista Nuovi Argomenti]. Ibidem. P.125
[95] MONDAINI, Marco. Op. Cit. P.148
“O XX congresso do PCUS e a crise do Movimento Comunista” URC 43
Em Junho de 1956, uma resolução do Bureau Político do PCF criticou os métodos com
os quais Khrushchev tratou a questão de Stalin no XX Congresso: “O Bureau Político lamen-
ta, entretanto, que em virtude das condições em que o informe do camarada Khrushchev foi
apresentado e divulgado a imprensa burguesa tenha podido publicar fatos que os comunistas
franceses ignoravam. Um tal estado de coisas não é favorável à discussão normal destes pro-
blemas no Partido. Facilita, pelo contrário, as especulações e as manobras dos inimigos do
comunismo.”[97]
Também o conteúdo do relatório secreto de Khrushchev contra o culto à personalidade
de Stalin é criticado pelo PC Francês: “As explicações dadas até agora sobre os erros de Stalin,
sua origem, as condições em que eles se produziram, não são satisfatórias. É indispensável
uma análise marxista aprofundada para determinar o conjunto das circunstâncias em que o
poder pessoal de Stalin pode exercer-se.” “Era errôneo, quando Stalin estava vivo, dirigir-lhe
elogios laudatórios e atribuir-lhe o mérito exclusivo por todos os êxitos alcançados na União
Soviética em virtude de uma linha geral justa, a serviço da construção do socialismo. Esta ati-
tude contribuía para desenvolver o culto à personalidade e para influenciar num mau sentido o
movimento operário internacional. Hoje, não é justo atribuir somente a Stalin tudo o que houve
de negativo na atividade do Partido Comunista da União Soviética.”[98]
Os comunistas franceses foram ainda mais incisivos na crítica aos partidos comunistas
húngaros e poloneses. Etienne Fajon, membro do Bureau Político do CC do PCF, denuncia a
atuação dos elementos burgueses no interior desses partidos: “Essa atuação dos elementos
burgueses manifestou-se, de um lado, no plano ideológico, nas colunas de certos jornais contro-
lados pelo Partido ou em certos círculos intelectuais portanto animados por ele, onde pudemos
ver reivindicações e palavras de ordem burguesas exprimirem-se sob o disfarce da correção de
erros da democracia socialista”. “A crítica do marxismo, a condenação da ditadura do proletaria-
do, a renúncia à palavra de ordem de edificação do socialismo, a negação do internacionalismo
proletário, o anti-sovietismo, tais são alguns dos temas que puderam encontrar eco em vários
artigos da imprensa polonesa, notadamente no órgão da União dos Escritores Poloneses. No
que se refere à Hungria, deve lembrar que os ataques anti-comunistas do Círculo Petoefi e da
União dos Escritores Húngaros estavam recentemente no primeiro plano.”[99]
Os comunistas franceses são críticos tanto ao governo de Imre Nagy quanto a direção
de Janos Kadar sobre o partido. Na verdade, são particularmente duros com relação a ambos:
“Notaremos somente o fato de que Kadar, feito primeiro secretário do Partido dos Trabalhadores
Húngaros, vem de abandonar, pura e simplesmente, as fileiras desse Partido, imitado nisso pelo
presidente do Conselho, Nagy, que cobre com sua autoridade a S. Bartolomeu de comunistas
dos quais se livram os fascistas húngaros. Está assim demonstrado que esses personagens
não falam em “liberalizar” o Partido dos Trabalhadores Húngaros senão para ocultar uma em-
presa com o objetivo de destruí-lo.”[100]
L’Humanité, órgão central do PC Francês se recusou a publicar o Informe de Gomulka ao
8º Plenum do CC do Partido Operário Unificado Polonês, assim como, os editoriais do Szabad
Nép, órgão do Partido Húngaro dos Trabalhadores. Sobre isso Fajon comenta: “‘L’Humanité’
não publicou o informe do camarada Gomulka porque várias de suas passagens estão em con-
tradição com as teses democraticamente elaboradas por nosso Congresso. Não citou “Szabad
Nep” para não condenar seus leitores a nada compreenderem dos acontecimentos na Hun-
gria.”[101]
Não cabe aqui analisar o desdobramento posterior da história do Partido Comunista na
França, que progressivamente iria aceitar as teses revisionistas. Pelo que foi dito, está suficien-
temente demonstrado que a altura da crise de 1956, parecia que o Partido Comunista Francês
lutaria contra o revisionismo de Khrushchev.
BOLÍVIA:
DO GOLPE
ÀS ELEIÇÕES por Luiz Henrique
46 URC Revista NOVA CULTURA - www.novacultura.info
país, pôde-se dar início, a partir de 2006, à implementação das principais promessas feitas por
Evo durante a campanha: a estatização dos hidrocarbonetos e a implementação da Assembleia
Constituinte. Assim, após três meses de mandato, Evo deu início as promessas a partir do decre-
to de nacionalização do dia 1 de abril de 2006. O governo de La Paz aumentou o imposto sobre
a exploração do gás de 50% para 82%, enviando militares para os principais campos de gás do
país que passavam, então, a ser propriedade do Estado, abrindo negociações com as empresas
estrangeiras que operavam o gás natural boliviano por meio da assinatura de novos contratos, já
que os contratos anteriores não tramitaram no congresso antes de serem assinados.
Com o Decreto, de nº 28.701, estipulou-se que as empresas que não assinassem os
novos contratos reconhecendo o controle estatal sobre os campos de gás natural teriam que
deixar o país. Os principais pontos do decreto eram os seguintes: o Estado recupera a proprie-
dade, a posse e o controle total e absoluto dos recursos hidrocarburíferos; a partir da data do
decreto, as empresas operadoras ficam obrigadas a entregar toda a sua produção à Yacimien-
tos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB), estatal petrolífera da Bolívia. Assim, a YPFB assu-
me a comercialização dos combustíveis, definindo condições, volumes e preços, tanto para o
mercado interno quanto para a exportação e industrialização; só podem continuar operando no
país as empresas que acatem imediatamente as novas normas e firmem novos contratos em
um prazo de 180 dias. O Ministério de Hidrocarbonetos passou, então, a realizar auditorias das
empresas operadoras como base para a definição de novos contratos; as ações de empresas
produtoras mistas - como Chaco e Andina, bem como a transportadora Transredes e as refi-
narias que eram propriedades da Petrobrás - ficaram parcialmente nacionalizadas, para que,
assim, a YPFB assumisse 51% do controle destas.
No dia 6 de fevereiro de 2006 o governo de Evo Morales enviou a proposta de lei convo-
catória para a realização da Assembleia Constituinte, dando o primeiro passo para a reforma do
Estado burguês boliviano; em julho do mesmo ano, seus membros foram eleitos com a missão
de criar a nova Constituição da Bolívia. O texto foi aprovado em dezembro de 2007, sofreu al-
gumas modificações em outubro de 2018 e passou por aprovação popular por referendum em
janeiro de 2009, quando foi aprovado por 61,43% dos votos e tomou o lugar da velha Consti-
tuição de 1967. A nova Constituição passava a referenciar e garantir pela primeira vez – pelo
menos no papel – alguns direitos da população indígena do país.
do mercado interno e gerando melhorias imediatas nas condições de vida da população trabalha-
dora. No entanto não destaca, em nenhum momento, a questão da necessária revolução social,
via de superação qualitativa da ordem dominante vigente, que pode solucionar pela raiz as con-
tradições sobre as quais está alicerçada a sociedade boliviana. Assim, a linha política demonstra
que sua abordagem teórica não está para além dos marcos democrático-burgueses. Isso fica
elucidado por exemplo, nas palavras pronunciadas por Evo em seu discurso de posse em 2006:
“Não queremos mudar a Bolívia com bala, mas com voto, e essa é a revolução democrática”.
Tomando o plano econômico como objeto de análise, a Bolívia deu um importante salto
de desenvolvimento durante os mandatos de Evo Morales. Entretanto, por não se amparar em
uma linha política e ideológica balizada no socialismo científico, esse desenvolvimento causou
um desvio economicista em vários níveis do governo, bem como em diversas lideranças dos
movimentos sociais, desvio este que resultou no distanciamento das massas populares da par-
ticipação e do controle da política, um dos pontos importantes que facilitaram o golpe de Estado.
Durante os mandatos de Evo Morales, a ideologia pequeno-burguesa por detrás das po-
líticas sociais e econômicas se intensificou, bem como a própria pequena-burguesia, oriunda de
períodos anteriores e que se perpetuou nas instituições, passou a exercer um papel importante
nas decisões políticas. Os movimentos sociais e principalmente seus dirigentes converteram-se
em influências negativas para manutenção do processo de reformas; portanto, com o aumento
do temor decorrente do crescimento do bloco de oposição ao governo, algumas políticas inter-
nas e externas passaram a ser revistas por Evo. No plano internacional, principalmente a partir
de 2016, o governo de Evo buscou uma certa desvinculação e um certo distanciamento de
Cuba e Venezuela como forma de não desagradar o imperialismo estadunidense, na tentativa
de evitar alguns possíveis efeitos da reorientação política imperialista para a América Latina.
No plano interno, nas mobilizações chamadas pelo MAS, destacava-se a ausência, em grande
medida, de organizações sociais que outrora estavam presentes e a presença cada vez maior
de funcionários públicos, uma grande parte destes procedentes da burocracia que seguiu os
governos neoliberais. Essas constatações realçam uma vez mais o caráter do partido, que nem
de longe representava uma vanguarda destacada das camadas trabalhadoras assoladas mais
incisivamente pela contradição entre o capital e o trabalho. Soma-se a essas condições a insa-
tisfação das classes dominantes bolivianas – reacionárias, como demonstra a história do país,
e extremamente racistas em relação aos povos indígenas - e a necessidade do imperialismo
estadunidense de reorientar sua política de dominação na América Latina, daí que o desenvol-
vimento dessa contradição se desenrolou num Golpe de Estado.
A PANDEMIA NO GOLPE
Com a chegada da pandemia do novo coronavírus, a fascistização no país seguiu em
escalada - a violência e a violação de direitos democráticos não diminuiu, mas se estendeu sob
a patota de enfrentamento da crise sanitária. A golpista Jeanine aproveitou a pandemia como
justificativa para tentar conter os protestos; dessa forma, aprovou um toque de recolher, o adia-
mento das eleições e deu continuidade na repressão contra os bolivianos.
No dia 25 de março foi anunciado um novo Decreto, elaborado pelos ministros do go-
verno e assinado por Jeanine, estabelecendo diretrizes para o enfrentamento da pandemia. O
artigo 13 do Decreto nº 4200 apontava para medidas que deveriam ser tomadas em respeito
ao controle de informações e estabelece que “as pessoas que incitem o não cumprimento do
Decreto Supremo, desinformem ou gerem incertezas à população serão sujeitas às denúncias
penais por supostos delitos contra a saúde pública”. O Decreto se transformou, então, em um
instrumento de legitimação da perseguição e prisão de opositores. Desde então, muitos ativis-
tas políticos foram acusados de participar de “movimentos de desestabilização, desinformação
e de guerra virtual”, identificados através das “cyber-patrulhas” da Polícia do Estado, onde mui-
tos destes já foram julgados e sentenciados à condenação através de processos abreviados.
50 URC Revista NOVA CULTURA - www.novacultura.info
Muitas denúncias vêm sendo feitas sobre irregularidades do governo provisório em rela-
ção à pandemia - dentre elas estão a compra de respiradores a preços superfaturados e o não
fornecimento de material hospitalar para tratar os pacientes internados. O número de leitos nos
hospitais públicos da Bolívia também é preocupante: no Hospital Norte da cidade de El Alto, o
hospital público que mais recebe pacientes é de aproximadamente 0,14 leitos para cada 1000
pacientes. Claramente notamos, por meio destes dados, aonde repousa a preocupação do su-
posto “governo democrático”.
AS ELEIÇÕES
Após a consolidação do golpe da Bolívia, a nova eleição foi marcada para o dia 3 de
maio, que, no entanto, foi cancelada pelo TSE com a chegada da pandemia e remarcada para
acontecer no dia 6 de junho. Após muitas tentativas, o governo golpista conseguiu prorrogá-la
novamente para o dia 18 de outubro. O adiamento das eleições motivou diversos protestos e
denúncias - como a de Evo, que acusou a prorrogação da eleição como uma tentativa de ga-
nhar tempo para dar seguimento às perseguições políticas contra os dirigentes do MAS, e com
a finalidade de impossibilitar que estes participassem da eleição.
Os dirigentes do MAS seguiram apostando suas fichas em uma saída pelas vias lega-
listas eleitorais, mesmo após terem sofrido um golpe de Estado. Tanto o fizeram que, após a
consumação do golpe, sua posição foi exposta pelos constantes pedidos de seus dirigentes
pela contenção das mobilizações populares. Os ataques e perseguições do governo transitório
contra opositores e a escalada midiática de denúncias contra o MAS e seus apoiadores foram
apenas algumas das ações que visaram minar a possibilidade de Luis Arce ser eleito. No início
de setembro, a presidenta golpista Jeanine Áñez admitiu que contratou, no final de 2019, a CLS
Strategies, empresa de lobby estadunidense acusada pelo Facebook de promover campanhas
de notícias falsas para desvirtuar o debate democrático. Em nota de esclarecimento, Jeanine
disse que a atribuição da CLS era apoiar a democracia na Bolívia.
No dia 23 de setembro, veio a público um documento em que a Capitã Silvia Sandoval
Paredo, chefa da Força Especial de Luta Contra o Crime (FELCC), denuncia a perseguição polí-
tica e as ameaças que vem sofrendo por apontar 11 casos para investigação onde atos irregula-
res foram cometidos pelo Coronel Iván Rojas del Caripo, Diretor Nacional da FELCC, acusado de
orquestrar, em diferentes ocasiões, processos contra políticos e militantes do MAS, encabeçan-
do o grupo operativo de perseguição política na Bolívia. Os informes da oficial apontam que, em
variados casos, foram executadas ordens de apreensão, invasão de domicílio e operações de
forma ilegal por ordens do Coronel Iván Rojas. Ela também denuncia a existência de um acordo
entre o Coronel e autoridades do Governo de Áñez. A capitã Sandoval afirma que após ter feito
as denúncias, passou a receber ameaças através de outros oficiais, apontando que se ela se-
guisse com as denúncias sua vida correria perigo; relata, também, que em episódio recente os
freios de sua motocicleta foram cortados, em uma clara tentativa de atentar contra sua vida.
Documentos disponibilizados pela Red de Comunicación Popular (REDCOM) apresen-
tam diversos nomes de militares da ativa e da reserva que estariam incumbidos de realizar
ações violentas caso fosse necessário, criando “falsos positivos” para incriminar o MAS e seus
apoiadores para impedir que as eleições acontecessem. Os objetivos das ações dos militares
seriam: boicotar a realização das eleições e criar uma demanda massiva pela suspenção ou
“Bolívia: do Golpe às Eleições” URC 51
anulação delas; desencadear uma condenação da população e dos meios de comunicação pe-
los danos causados contra civis nos atentados; e pressionar para que as eleições fossem con-
vocadas para um ano depois, com o argumento de que não existem garantias no país devido a
violência organizada do MAS.
Com as pesquisas eleitorais mostrando a possibilidade de Luis Arce ser eleito no pri-
meiro turno das eleições, os candidatos opositores tentaram acordar retiradas de candidatura
com o intuito de formar um bloco capaz de freia-lo. Após Jeanine retirar sua candidatura, com
o discurso de que seria uma honra poder impedir a volta dos masistas ao poder, no dia 11 de
outubro, o ex-presidente Jorge Quiroga também se retirou do pleito com discurso parecido de
Áñez, buscando concentrar os votos dos opositores ao MAS. Contudo, as diversas frações da
direita golpista não lograram uma unidade que possibilitasse a vitória eleitoral frente a “Lucho”
Arce. Assim, um dia após a eleição, as pesquisas de boca de urna já davam como certa a vitória
de Arce, que foi confirmada oficialmente no dia 23 de outubro.
Antes mesmo do resultado oficial, a presidenta golpista Áñez e Carlos Mesa reconhe-
ceram a vitória do MAS e diversos países elogiaram o processo “pacífico” e “transparente” no
qual se desenrolou a “festa da democracia” sob a chancela da OEA. Por outro lado, os fascistas
de Santa Cruz - encabeçados por Luis Fernando Camacho - até agora não reconheceram o
resultado da eleição, e no dia 21 de outubro, por meio de uma nota intitulada “Manifesto a Bolí-
via assinada por Rómulo Calvo Bravo (presidente do comitê cívico pro Santa Cruz), voltaram a
exigir o cancelamento das eleições por supostas fraudes e manipulações dos resultados. Dias
depois, Rómulo veio a público denunciar a traição de Mesa e Áñez que, ao reconhecerem a vi-
tória de Arce, dão sinais de que um acordo de benefício político mútuo já foi traçado entre estes
e o MAS, deixando os cruceñistas sozinhos na luta pela “democracia” boliviana.
A questão agora é a de como se dará o governo de Arce, ex-ministro da economia de Evo
que sempre compôs a ala à direita dentro do partido, foi eleito com 55% dos votos e já acena
para um governo para “todos”, que dialoga com todos os setores, mudando as políticas do MAS
para uma “nova direção”. Isso implica negociar com todos os atores do bloco golpista, desde os
candidatos opositores até às forças armadas e à polícia que reprimiram o povo boliviano duran-
te o período em que os golpistas estiveram à frente do governo nacional da Bolívia. Do outro
lado, os golpistas já acenam para novas ações caso o novo governo busque o justiçamento
daqueles que reprimiram e derramaram o sangue do povo. O ministro do governo golpista, Artur
Murilo, já declarou que se houver “perseguições políticas” contra a polícia e o exército haverão
represarias e mobilizações.
Sem poder contar com um partido revolucionário munido da ideologia e da ciência do
proletariado, capaz de direcionar a luta dos trabalhadores em prol dos interesses da classe, a
oposição ao governo golpista foi levada a cabo nas ruas de forma espontânea pelas camadas
populares. Entretanto, os dirigentes do MAS lograram a todo custo desviar a luta nas ruas para
as urnas, demonstrando uma vez mais o caráter revisionista e legalista do partido. As massas
trabalhadoras se mostram mais consequentes a defender sua soberania por meio das orga-
nizações de massa, dos movimentos sociais do que o partido de turno eleito, portanto, agora
consolidada a vitória eleitoral, os próximos meses demonstrarão para qual caminho seguirá a
Bolívia masista - se defenderá realmente a soberania de seu povo ou se fará parte da nova
agenda imperialista para América Latina.
www.novacultura.info/jornal
URC
UNIÃO RECONSTRUÇÃO COMUNISTA
A União Reconstrução Comunista (URC) visa ser um polo aglutinador
de todos os militantes revolucionários e ativistas descontentes com os
rumos tomados pelo movimento comunista em nosso país, destruído
e corroído pelo revisionismo e oportunismos de direita e esquerda.
Após longos estudos e debates e um ano da fundação do Coletivo Ban-
deira Vermelha, conquistamos, enfim a base da unidade orgânica que
deve nortear nossa prática: a unidade ideológica na teoria do proleta-
riado desenvolvida por Marx, Engels, Lenin, Stalin e Mao; a luta pela
refundação do Partido Comunista com base na teoria revolucionária
do proletariado; a necessidade de se levar a cabo a Revolução Prole-
tária dentro das condições concretas de nosso país.
www.uniaoreconstrucaocomunista.org