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MOUNK, Yascha.

O povo contra a democracia: por que nossa liberdade


corre perigo e como salvá-la. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
Capítulo 3 - a democracia está se desconsolidando.

Tendo em vista esses níveis estratosféricos de insatisfação com o sistema


político, não deve surpreender que muitos americanos jovens simplesmente
não queiram saber de política. Mesmo assim, é impressionante como o
interesse na política diminuiu rápido (MOUNK, p. 123).

Por toda a América do Norte e a Europa Ocidental, em suma, os cidadãos


passaram a confiar menos nos políticos. Eles estão perdendo a confiança nas
instituições democráticas. E têm uma visão cada vez mais negativa de seus
governos. Tudo isso é preocupante. Mas talvez o sinal mais notável dos
tempos em que vivemos seja algo bem menos tangível: enquanto os políticos
sempre tiveram de aguentar o desagrado do público, a intensidade da
desconfiança, aversão e intimidação que hoje enfrentam diariamente é inédita
(p. 124).

Quando seu rival oferece uma solução simplista para uma questão de política
pública complexa e você responde com uma explicação elaborada, a maioria
dos eleitores presume que é você que está tentando lhes passar a perna (p.
125).

Há muito tempo os cientistas políticos estão conscientes de que a confiança


nas instituições democráticas diminuiu; de que as avaliações dos políticos
estão negativas; e de que os índices de aprovação dos representantes eleitos e
das instituições estão em queda (p.125-126).

Como Lynn Vavreck afirmou no verão de 2015, “parte do recente declínio [na
confiança] talvez tenha menos a ver com o modo como o governo tem
decepcionado as pessoas e mais com a ampliação do conhecimento de como
o governo funciona” (p. 126).

Por um lado, é difícil imaginar que pessoas comuns possam se voltar de forma
tão radical contra governos particulares — e assumir uma visão tão negativa do
funcionamento diário de suas instituições — sem criticar ainda mais o próprio
sistema. Por outro, a evidência de que a democracia está sob ataque só faz
crescer (p. 126-127).

Gostaria de sugerir pelo menos três coisas que a meu ver teriam de ser
verdade para acharmos que a democracia é a única opção — e, por dedução,
que continua tão segura quanto a maioria dos cientistas políticos imagina: • A
maioria dos cidadãos teria de ser fortemente comprometida com a democracia
liberal. • A maioria dos cidadãos teria de rejeitar alternativas autoritárias à
democracia. • Os partidos políticos e movimentos com poder real teriam de
concordar com a importância das regras e normas democráticas básicas (p.
127-128).

Se os melhores dados disponíveis revelam que muitos cidadãos criticam não


só seus governos como também a própria democracia, isso dá crédito real ao
medo de que a democracia não seja mais a única opção (p. 128).

Uma maneira direta de medir o grau de apego dos cidadãos a seu sistema
político é perguntar-lhes até que ponto é importante para eles viver numa
democracia. Se as pessoas estão profundamente comprometidas com a
democracia, devem achar inaceitável viver numa ditadura (p. 130).

A maioria das pessoas mais velhas parece ter uma ligação mais fervorosa com
a democracia (p. 131).

Em alguns países com histórico recente de governo autoritário, o envolvimento


dos jovens com a democracia não é significativamente inferior ao dos mais
velhos. Mas na maioria das democracias antigas, sobretudo no mundo
anglófono, os millennials estão igualmente desiludidos (p. 131).

Uma coisa é os cidadãos serem indiferentes à vida numa democracia,


observaram os críticos, mas outra bem diferente é rejeitarem a democracia
como sistema político (p. 131).
A população hoje é muito mais crítica da democracia do que no passado e que
os jovens estão particularmente propensos a dar menos importância a viver
numa democracia (p.132).

Uma maneira de avaliar em que medida as pessoas estão abertas a


alternativas autoritárias é perguntar se acham que um líder autoritário que não
tenha de se incomodar com parlamento ou eleições seria um bom sistema de
governo (p. 132).

Um líder forte, desobrigado de eleições, e que não necessita do apoio de uma


legislatura, seria, exceto no nome, um ditador (p. 132).

Quando a democracia é estável, é porque os principais atores políticos estão


dispostos a aderir às regras básicas do jogo democrático na maior parte do
tempo. Algumas dessas regras são formais: um presidente ou primeiro-ministro
permite ao judiciário investigar os delitos de membros do governo, em vez de
exonerar o promotor público. Ele aguenta as críticas da imprensa, em vez de
mandar fechar jornais e perseguir jornalistas. Quando perde uma eleição, deixa
o gabinete pacificamente, em vez de se aferrar ao poder (p. 138).

Em suma, políticos com envolvimento real no sistema talvez pensem na política


como um esporte de contato em que todos os participantes lutam para obter
vantagem sobre os adversários. Mas também estão agudamente cientes de
que deve haver limites na busca de seus interesses partidários; que vencer
uma grande eleição ou aprovar uma lei urgente é menos importante do que
preservar o sistema; e que a política democrática jamais deve degenerar na
guerra total (p. 138-139).

Os políticos precisam respeitar a diferença entre um inimigo e um adversário. O


adversário é alguém que você quer derrotar. O inimigo é alguém que você quer
destruir (p. 139).

A ascensão de novas figuras na política é provavelmente tanto um sinal de


saúde e vigor democráticos como de enfermidade iminente. Os sistemas
políticos se beneficiam de uma competição ampla de ideias e da troca regular
de uma elite dominante por outra. Novos partidos podem ajudar de duas
maneiras: ao obrigar a inclusão de questões há muito negligenciadas na
agenda política, eles aumentam a representatividade do sistema político. E ao
catapultar ao poder uma nova safra de políticos, injetam sangue novo no
sistema (p. 139).

A razão para populistas e novos políticos serem tão inclinados a desafiar as


normas democráticas básicas é, em parte, estratégica: sempre que os
populistas violam essas normas, eles atraem a inequívoca condenação do
establishment político. E isso sem dúvida prova que, tal como anunciado, os
populistas de fato representam uma nítida ruptura com o statu quo (p. 141).

Uma vez que alguns membros do sistema político estão dispostos a violar as
regras, os demais têm grande incentivo para fazer o mesmo (p. 141).

O cidadão nunca esteve menos comprometido com a democracia, nem mais


receptivo a alternativas autoritárias. O respeito pelas normas e regras
democráticas caiu de forma vertiginosa. Não sendo mais a única opção, a
democracia está se desconsolidando (p. 147).

Não são apenas partidos de extrema esquerda que lucram com o desencanto
juvenil em relação à democracia. Em muitos países, os jovens também têm
maior tendência do que os mais velhos a apoiar os populistas da extrema
direita (p. 149).

Uma possível explicação para o desencanto de tantos jovens com a


democracia é que eles têm pouca noção de como seria viver num sistema
político diferente. Indivíduos nascidos nas décadas de 1930 e 1940
conheceram a ameaça do fascismo quando eram crianças, ou foram criados
por pessoas que o combateram ativamente (p. 150).

Quando alguém lhes pergunta se é importante viver numa democracia, eles


têm alguma noção do que a alternativa pode significar (p. 150).
O mero fato de que jovens façam tão pouca ideia do que significaria viver em
um sistema diferente os inclina a abraçar a experimentação política.
Acostumados a ver e criticar as (inegáveis) injustiças e hipocrisias do sistema
em que cresceram, muitos equivocadamente deixaram de valorizar seus
aspectos positivos (p. 151).

Uma parcela crescente dos cidadãos tem visão negativa da democracia ou crê
que ela não seja particularmente importante. Uma parcela menor, mas de
crescimento mais acelerado, está aberta a alternativas inequivocamente
autoritárias, com déspotas no poder ou ditaduras militares (p. 152).

Em uma monarquia, o rei se eleva acima dos súditos pelo acaso de sua origem
nobre. Numa democracia, pelo contrário, todo cidadão tem direito ao voto,
independentemente da cor da pele ou da posição social de seus ancestrais (p.
158).

Enquanto o dinheiro puder comprar poder com facilidade, é compreensível que


muitos cidadãos sintam que a igualdade política continua sendo uma promessa
vã. E, enquanto a necessidade econômica restringir radicalmente o tipo de
escolhas que podem fazer, muitos cidadãos sintam que a liberdade que lhes foi
prometida não se materializou (p. 159).

Para ficar à altura das afirmações mais exaltadas de seus partidários, a


democracia liberal precisa estar entranhada em um contexto mais amplo de
justiça socioeconômica — e fazer os cidadãos sentirem que de fato têm poder
(p. 159).

Conforme se mostram menos aptas a atender às necessidades de seus


cidadãos, as democracias liberais conhecem uma profunda “crise de
desempenho”. Os movimentos populistas em crescimento no mundo todo
atualmente exploram essa crise para desmantelar elementos cruciais do
sistema (p. 160).
Há poucos precedentes históricos para nos dizer o que acontece com as
instituições de uma democracia supostamente consolidada quando ela para de
entregar o que promete ao cidadão (p. 160).

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