Você está na página 1de 4

‘Elites têm de ter coragem de romper com os populistas’, diz historiador - Internacional - Estadão 18/01/2021 14:40

‘Elites têm de ter coragem de


romper com os populistas’, diz
historiador
Estudioso da democracia, Jan-Werner Müller diz
que só fazer oposição a líderes autoritários não
basta, é preciso também apontar saídas para a
sociedade
A derrota eleitoral do presidente Donald Trump e sua saída do governo
são um golpe para populistas que o tinham como referência, mas estes
grupos só podem ser evitados com o fortalecimento de instituições e a
oposição unida.

A avaliação é do cientista político alemão Jan-Werner Müller, autor do


livro O que é Populismo?, publicado em 2016, uma referência na
discussão sobre o avanço desse movimento em diferentes países.

Müller, professor da Universidade de Princeton, também defende que os


líderes democráticos precisam oferecer soluções que respondam aos
problemas reais das pessoas e não apenas fazer oposição a governos
autoritários.

A ideia de “como as democracias morrem” tornou-se famosa depois


do livro de Levitsky e Ziblatt, de 2018, e muito se fala sobre ela. Mas
o que as democracias devem fazer para sobreviver?

Três fatores importam: primeiro, a ampla mobilização em favor de ideais


democráticos básicos. Ao mesmo tempo, não é suficiente dizer “não
somos Donald Trump ou algum outro autoritário”. É preciso oferecer uma
visão positiva que responda aos problemas reais das pessoas. Nesse

https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,elites-tem-de-…r-coragem-de-romper-com-os-populistas-diz-historiador,70003583948 Página 1 de 4
‘Elites têm de ter coragem de romper com os populistas’, diz historiador - Internacional - Estadão 18/01/2021 14:40

sentido, Joe Biden realmente não se saiu tão bem. Em segundo lugar, as
elites privadas precisam ter a coragem de romper com os populistas. Isso
não é apenas uma questão de psicologia individual. É preciso entender
que será cobrado um preço por concordar com um líder autoritário. Em
terceiro, a renovação do que chamo de infraestrutura crítica da
democracia, principalmente dos partidos políticos e da mídia. Essa é uma
questão para uma reforma estrutural de longo prazo.

O que pode ser feito pelos sistemas democráticos para conter e


prevenir o populismo?

O populismo nunca pode ser completamente evitado. Além do ponto


óbvio de que as preocupações dos cidadãos devem ser tratadas, ajuda
ter um sistema partidário funcional e um ambiente midiático no qual a
mídia não lucre com a polarização das sociedades. O que, segundo Alexis
de Tocqueville [intelectual francês], poderíamos chamar de “poderes
intermediários” – partidos e mídia – permanecem cruciais para o
funcionamento da democracia representativa.

O que a derrota de Donald Trump significa para o populismo e os


populistas em todo o mundo?

É um golpe. Mas, assim como a vitória de Trump há quatro anos não


significava que agora havia uma onda populista impossível de ser detida,
sua derrota não significa que tudo vai para a direção contrária. Os
contextos nacionais ainda são muito importantes. Se alguém opta por um
partido de extrema direita no Leste Europeu, por exemplo, tem pouco a
ver com o que acontece nos Estados Unidos.

Para Entender
O que está acontecendo com a democracia no mundo?

Ascensão de grupos extremistas, tentativas de golpes, eleições

https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,elites-tem-de…r-coragem-de-romper-com-os-populistas-diz-historiador,70003583948 Página 2 de 4
‘Elites têm de ter coragem de romper com os populistas’, diz historiador - Internacional - Estadão 18/01/2021 14:40

questionadas: como está o sistema democrático em diferentes países

Como o sistema de freios e contrapesos da democracia americana


facilita ou torna mais difícil o crescimento do populismo?

O presidencialismo pode realmente gerar populismo. Os freios e


contrapesos dos Estados Unidos, sob Trump, revelaram-se mais frágeis
do que muitos pensavam. Ainda assim, o Judiciário não foi capturado da
maneira que outros populistas de extrema-direita fizeram. O federalismo
dispersa o poder e coloca um freio real no trumpismo.

Como poderíamos diferenciar o populismo americano do de outros


países – se de fato, existe essa diferença?

Na minha avaliação, todos os populistas afirmam que apenas eles


representam o que muitas vezes chamam de “pessoas reais”, com a
consequência de que outros políticos têm sua legitimidade negada, mas
também que os cidadãos que não se enquadram ou não concordam com
o entendimento populista são excluídos. O que varia é a descrição de
“pessoas reais”.

E a que o sr. atribui a derrota de Trump?

Honestamente, é cedo para dizer. Não temos evidências empíricas


suficientes sobre por que as pessoas votaram da maneira que votaram.
Se alguém confiar nas pesquisas de opinião, uma coisa é surpreendente:
os cidadãos continuaram confiando em Trump na economia, pensando
que ele seria bom para liderar uma recuperação pós-pandemia. Os
democratas, um pouco como em 2016, pareciam não ter uma mensagem
ou símbolo convincente sobre as questões econômicas.

Os democratas decidiram por um centrista como Biden e não por


uma figura mais à esquerda como Bernie Sanders para disputar a
eleição. Essa escolha serve de inspiração para outros movimentos de

https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,elites-tem-de…r-coragem-de-romper-com-os-populistas-diz-historiador,70003583948 Página 3 de 4
‘Elites têm de ter coragem de romper com os populistas’, diz historiador - Internacional - Estadão 18/01/2021 14:40

oposição?

A oposição ao populismo de extrema-direita precisa ser unida. Mas há


outra variável: diante de uma catástrofe nacional como a covid-19, que
expõe tantos problemas estruturais, uma estratégia mais ambiciosa
também é bastante plausível.

Como o sr. vê o futuro da democracia na União Europeia quando há


dois países – Polônia e Hungria – liderados por populistas e onde
alguns partidos de extrema-direita ganharam força nas últimas
eleições?

Este não é um problema apenas dos Estados-membros em questão, ao


contrário do que por vezes alegam políticos e comentaristas. Se a
democracia e o Estado de Direito deixarem de funcionar num Estado, o
funcionamento da União Europeia no seu todo – que depende do
reconhecimento mútuo das decisões dos tribunais nacionais – fica em
perigo. Além desse aspecto prático, a ascensão das autocracias
enfraquece a capacidade da Europa de ser uma força para a democracia
no mundo e trai as promessas feitas aos aspirantes a Estados-membros
desde os anos 70, a de que ajudaria a transformá-los em democracias
consolidadas.

https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,elites-tem-de…r-coragem-de-romper-com-os-populistas-diz-historiador,70003583948 Página 4 de 4

Você também pode gostar