Você está na página 1de 33

CAROLINE MÜLLER BITENCOURT

JANRIÊ RECK

DIAGNÓSTICOS, DIRETRIZES E PROPOSTAS


© 2021 Editora Íthala
CONSELHO EDITORIAL
Alexandre Godoy Dotta – Doutor e mestre em Edu- Federal Fluminense e membro do corpo permanente
cação. Especialista em Administração, Metodologia do do Programa de Mestrado e Doutorado em Sociologia
Ensino Superior e em Metodologia do Conhecimento e Direito da mesma universidade.
e do Trabalho Científico. Licenciado em Sociologia e Ligia Maria Silva Melo de Casimiro – Doutora em Direi-
Pedagogia. Bacharel em Tecnologia. to Econômico e Social pela PUC-PR. Mestre em Direito
Ana Claudia Santano – Pós-doutora em Direito Público do Estado pela PUC-SP. Professora de Direito Adminis-
Econômico pela Pontifícia Universidade Católica do Pa- trativo da UFC-CE. Presidente do Instituto Cearense de
raná. Doutora e mestre em Ciências Jurídicas e Políticas Direito Administrativo - ICDA. Diretora do Instituto Bra-
pela Universidad de Salamanca, Espanha. sileiro de Direito Administrativo - IBDA e coordenadora
Daniel Wunder Hachem – Professor de Direito Cons- Regional do IBDU.
titucional e Administrativo da Universidade Federal do Luiz Fernando Casagrande Pereira – Doutor e mestre
Paraná e da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Coor-
Doutor e mestre em Direito do Estado pela UFPR. Co- denador da pós-graduação em Direito Eleitoral da Uni-
ordenador Executivo da Rede Docente Eurolatinoame- versidade Positivo. Autor de livros e artigos de processo
ricana de Derecho Administrativo. civil e direito eleitoral.
Emerson Gabardo – Professor Titular de Direito Admi- Rafael Santos de Oliveira – Doutor em Direito pela Uni-
nistrativo da PUC-PR. Professor Associado de Direito versidade Federal de Santa Catarina. Mestre e gradua-
Administrativo da UFPR. Doutor em Direito do Estado do em Direito pela UFSM. Professor na graduação e na
pela UFPR com Pós-doutorado pela Fordham University pós-graduação em Direito da Universidade Federal de
School of Law e pela University of California - UCI (EUA). Santa Maria. Coordenador do Curso de Direito e editor
Fernando Gama de Miranda Netto – Doutor em Direi- da Revista Direitos Emergentes na Sociedade Global e
to pela Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro. Pro- da Revista Eletrônica do Curso de Direito da mesma
fessor Adjunto de Direito Processual da Universidade universidade.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Bibliotecária: Maria Isabel Schiavon Kinasz, CRB9 / 626

Bitencourt, Caroline Müller


B624 O Brasil em crise e a resposta das políticas
públicas: diagnósticos, diretrizes e propostas
Caroline Müller Bitencourt, Janriê Reck – Curitiba: Íthala, 2021.
201p.: il.; 22,5cm

ISBN: 978-65-5765-086-8

1. Brasil – Política e governo. 2. Políticas públicas. I. Reck, Janriê.


I Título.
CDD 320.981 (22.ed)
CDU 32 (81)

Editora Íthala Ltda. Coordenação editorial: Eliane Peçanha


Rua Pedro Nolasko Pizzatto, 70 Capa: Felipe Müller Bitencourt
Bairro Mercês Revisão: Os autores
Diagramação: Eduarda Reolon
80.710-130 – Curitiba – PR
Fone: +55 (41) 3093-5252
+55 (41) 3093-5257
http://www.ithala.com.br
E-mail: editora@ithala.com.br

Informamos que é de inteira responsabilidade dos autores a emissão de conceitos publicados na obra. Ne-
nhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia auto-
rização da Editora Íthala. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei nº 9.610/98 e punido
pelo art. 184 do Código Penal.
CAROLINE MÜLLER BITENCOURT
JANRIÊ RECK

DIAGNÓSTICOS, DIRETRIZES E PROPOSTAS

EDITORA ÍTHALA
CURITIBA – 2021
Para estudar a
Política Pública

O que é uma política pública? E por que importa a tentativa de conceituar política
pública?
É com essas duas indagações que se decidiu iniciar esta obra, por várias razões:
1) um crescimento muito grande na produção acadêmica envolvendo o tema das políticas
públicas, ou melhor, o debate sobre a abordagem7 das políticas públicas; 2) quando tudo
é política pública, nada é política pública, ou seja, compreender a distinção entre política
pública e outras categorias permite pensar uma regime adequado às políticas públicas; 3)
acredita-se que a reconstrução do Estado e do Direito Administrativo pós-pandemia deva
passar pela narrativa/filtro das políticas públicas, pensando-se, inclusive, em um plano
de emergência; 4) a fragmentação da observação sobre o conceito de políticas públicas,
especialmente, pelos diferentes campos científicos que estudam as políticas públicas, tais
como a economia, a política, o direito, assim como a observação de que cada conceito é
importante para especialidades, e com a visão de que o atual estado da arte científica peca
por uma falta de visão holística e complexa; 5) acredita-se que esse conceito contribui para
compreensão do Direito Administrativo entendido como instrumento de concretização do
Estado Democrático de Direito, ou seja, o Direito Administrativo Social; 6) dada a aderência
à noção de interesse público não como um comando vazio e autoritário desprovido de
conteúdo, mas como um fio condutor da ação estatal e com a noção de que as políticas
públicas estão ligadas ao interesse público; 7) pela compreensão de que há, no atual cená-
rio brasileiro, um ataque sistemático às políticas públicas e ao estado Social, desejando-se,
por isso, contribuir para o debate público, com argumentos racionais, pautados na crença
da missão científica, de trazer luzes ao obscuro contexto democrático brasileiro, o qual ca-
minha a passos largos para o autoritarismo e retrocessos sociais; e, 8) finalmente, porque
a hipótese de trabalho deste livro é a de que as políticas públicas respondem adequada-
mente ao compromissos assumidos pós-1988 com a dignidade humana, justiça social e
valores democráticos e republicanos.

7
Maria Paula Dallari Bucci propõe a compreensão da temática a partir do termo “abordagem das políticas públi-
cas” e não como campo ou subcampo: “A finalidade deste ensaio é especular sobre as bases metodológicas
da abordagem Direito e Políticas Públicas (DPP) , bem como sobre suas aplicações, isto é, suas aptidões
analíticas, de modo que o Direito possa dialogar com outras disciplinas ou mundos profissionais contribuindo
para a compreensão de problemas públicos amplos e complexos, em sua dimensão jurídica. BUCCI. Maria
Paula Dallari. Método e aplicações da abordagem DPP. Revista Estudos Institucionais, v. 5, n. 3, p. 791-832,
set./dez. 2019. Disponível em: https://estudosinstitucionais.com/REI/article/view/430/447.
24 | CAROLINE MÜLLER BITENCOURT | JANRIÊ RECK

Propositalmente, escolheu-se elencar apenas oito razões, que, na verdade, ape-


nas representam o número infinito de combinações possíveis, sob a perspectiva política,
social, econômica e cultural que a teoria das políticas públicas oferece para a produção
das melhores respostas para a intensa crise que se apresenta. Mais do que as mazelas
decorrentes da desigualdade econômica, a atual crise demostrou que a sociedade está
mergulhada em uma crise ética e de fundamento moral, a qual deve fazer refletir sobre uma
necessária regeneração política e humanista das precárias relações sociais desvinculadas
de caracteres emancipatórios.
Inicia-se a argumentação, lembrando a dimensão política da política pública - polí-
tica pública é algo relacionado com decisões que vinculam toda uma comunidade, e, neste
sentido, há de se pensar como as decisões serão tomadas e qual/será seu conteúdo. A
política pública é, por esse ângulo, um conceito político – e sendo mais otimamente estu-
dada a partir da Ciência Política8.
Por outro lado, essas decisões - dado o modelo de Estado de Direito predominan-
te nos países ocidentais e mesmo orientais - terão uma forma e modelagem específicas
com base em linguagem e instrumentos jurídicos. As organizações, decisões e objetivos
envolventes terão ao mesmo tempo fonte e destino na forma de leis e atos administrativos.
A política pública é, assim, um fenômeno jurídico, e cabe ser estudada a partir das formas
jurídicas usuais.
Uma política pública, no âmbito do conceito jurídico de realização de direitos fun-
damentais, ocorre na e para a sociedade. Tem a ver com a forma a partir da qual se torna
possível atores cooperarem uns com os outros para a obtenção de resultados, se é pos-
sível produzir resultados sociais mediante planejamento e como os medir. Claramente, a
política pública é um problema sociológico.
Por outro lado, a política pública está inserida em um sistema de trocas universal.
Para fins de gerar decisões desejáveis, deve dispor de recursos e empregá-los de modo
efetivo. A política pública é, por este ângulo, uma questão econômica.
Finalmente, há de se pensar como se otimizar o funcionamento das decisões9 den-
tro das organizações públicas e privadas envolvidas com a política pública para que esta
seja efetiva. Assim, a política pública se torna um problema da ciência da administração.

8
BUCCI. Maria Paula Dallari. Fundamentos para uma Teoria Jurídica das Políticas Públicas. São Paulo: Saraiva,
2013. p. 287: “O legado mais importante da corrente da policy analisis talvez tenha sido exatamente a incor-
poração da observação prática e da multidisciplinaridade. Em 1951, formou-se um grupo interdisciplinar na
Universidade de Chicago, sob a coordenação do Departamento de Psicologia, para uma discussão sobre os
problemas comuns em uma abordagem de sistemas nas ciências físicas, biológicas e sociais”.
9
LUHMANN Niklas. Organización y Decisión: Autopoiesis, acción y entendimiento comunicativo. Anthropos:
México, 1997. p. 12: “A diferença de las simples acciones, las decisiones tematizan su propia contingencia
y logran unidad por el hecho de que, no obstante, se definen de forma clara. Lo que actúa como unidad de la
O BRASIL EM CRISE E A RESPOSTA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS | 25

Ocorre que, antes de tudo, a política pública só pode ser a política pública da socie-
dade. A política pública é evidentemente uma categoria social, uma criação da sociedade e
não um fenômeno a-histórico ou que possa ser analisado de forma pura. Entender a política
pública significa entender a sociedade, de modo que as matrizes e formas mais complexas
de entendimento da sociedade podem ser transportadas, com as devidas adaptações (sen-
do precisamente este o desafio), para uma metodologia de exame das políticas públicas.
Nota-se como a política pública é necessária e naturalmente é um problema multi-
disciplinar. Se bem que qualquer problema pode ser analisado com base em diversos cam-
pos do conhecimento e, mesmo atravessando estes mesmos campos, no caso da política
pública, esta interdisciplinaridade é natural. Para se entender, ou, falando em outros termos,
para distinguir a política pública de outros fenômenos sociais e políticos é necessário um
ponto de vista indisciplinar que obtenha contribuições de todas aquelas disciplinas (Ciência
política, Sociologia, etc.), ou seja, uma Teoria das Políticas Públicas. Não é objetivo deste
livro traçar os limites de uma Teoria Geral das Políticas Públicas, muito embora alguns ele-
mentos desta teoria serão utilizados para a construção dos principais conceitos e distinção
que irão instrumentalizar as políticas públicas no Estado social e no Direito Administrativo
social. O ponto de vista deste livro é interdisciplinar, com enfoque no Direito. Trata-se tanto
de responder como o Direito se comporta nas políticas públicas como qual é o Direito das
políticas públicas. Neste trabalho o fenômeno das políticas públicas estará conectado ao
Estado social e ao Direito Administrativo social, com a ressalva de que as políticas públicas
não são exclusividade do Estado social.
Assim, em um primeiro momento deste capítulo, será abordado o problema do
conceito de política pública. Em seguida, os elementos componentes da política pública,
assim como seus instrumentos, para, logo em seguida, delimitar a roupagem jurídica que
estes elementos componentes terão. Essas distinções são pontes para a operação seguin-
te, que é a de distinguir elementos de política pública de Estado/governo, para finalmente
se entender a política pública como sistema social.

É possível falar em um conceito de políticas públicas?


As distinções geradas por uma teoria das políticas públicas precisam ser com-
plexas o suficiente para não perder dados operacionais o bastante para melhorar o fluxo
de decisões e simplesmente para evitar confusões. Analisar adequadamente as políticas
públicas significa criar distinções ou categorias, sendo que estas distinções e categorias

decisión (y en organizacones, como elementos del sistema) es por lo tanto la relación ajustada entre alternati-
vas. La identidade de um acto de decisión no se perfila, consecuentemente, sólo em la alternativa elegida, sino
también contra el horizonte de otras posibilidades de entre las cuales aquélla há sido proferida”.
26 | CAROLINE MÜLLER BITENCOURT | JANRIÊ RECK

otimizam10 os fluxos decisórios. Quantos mais pontos de observação, menos pontos cegos
há – sendo que a existência de mais pontos de observação consome mais tempo. Distin-
ções11 simplórias, por outro lado, podem gerar a ilusão de ganho de tempo; entretanto,
dada a sua inutilidade, acabam por virar sua perda e retrabalho posterior. Nota-se que se
trata de distinguir fenômenos sociais, já que a política pública é um evento social. Logo,
política pública só pode ser comunicação, linguagem, e não algo presente no mundo físico
ou no meramente psicológico.
Os conceitos12 carregam distinções e são, assim, observações e construções da
sociedade. Se bem que se reconhece que os conceitos não são eventos comunicativos que
revelam a essência de algo, como os antigos clássicos da metafísica consideravam, já que
esta, a essência, inexiste, é bem verdade que o conceito13 possui um grau de generalidade,
ou, melhor dizendo, capacidade de enlace, que o faz desconectar de um episódio específi-
co. Ele possui capacidade de reutilização14.
Ademais, o conceito é uma construção social, um saber compartilhado, que facilita
a comunicação porque reduz complexidade. Ele simplifica. E esta simplificação permite a
distinção e o compartilhamento. Distinguir e compartilhar um conceito é fazer aquele objeto
do conceito existir para a sociedade. Um objeto existe, porque existe seu conceito como
compartilhamento social de uma informação – ao contrário do pensamento clássico, que
considera primeiro existir um objeto em sua forma ideal, servindo o conceito como uma
“revelação” daquela forma a priori.

10
Note-se que não foi caracterizado o que significa otimizar. Em nenhuma hipótese aqui, é defendido um conceito
de política pública “ótima” como aquela neoliberal ou que atinge resultados sem procedimentos ou participa-
ção da sociedade.
11
CLAM, Jean. Questões fundamentais de uma teoria da sociedade: contingência, paradoxo, só –efetuação.
São Leopoldo: Unisinos, 2006. p.112: Tais diferenciações são, por assim dizer, “sem por quê”: elas são “de-
cisões” e como tais atos de poder/violência [Gewalt].
12
LUHMANN, Niklas. El Derecho de la Sociedad. Universidad Iberoamericana: México, 2002. p.184. “Toda co-
municación fija el tiempo en el sentido que determina el estado del sistema desde el que habrá de partir la
siguiente comunicación. De esto hay que distinguir la fijación de sentido que se emplea en el uso destinado
a la repetición: el sentido de las palabras, de los conceptos, de las afirmaciones verdaderas. A esta fijación
de sentido de un sistema de comunicación que se destina al uso repetido conduce a consolidaciones en el
tempo”.
13
KOSELLECK, Reinhart. Futuro Pasado: para una semántica de los tiempos históricos. Barcelona: Paidós, 1993.
p. 116. “Cada concepto depende de una palabra, pero cada palabra no es un concepto social y político. Los
conceptos sociales y políticos contienen una concreta pretensión de generalidad y son siempre polisémicos –
y contienen ambas cosas no sólo como simples palabras para la ciencia de la história.
14
“El sentido es, entonces, a todas luces una forma de operación histórica, y sólo su utilización enlaza el sur-
gimiento contingente y la indeterminación de aplicaciones futuras”. LUHMANN, Niklas. La sociedad de la
sociedad. México: Herder, 2007. p. 30.
O BRASIL EM CRISE E A RESPOSTA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS | 27

A partir do conceito se pode distinguir15. Esta é a função do conceito de política


pública: bem distinguir. Com o conceito, as pessoas conseguem identificar os mesmos fe-
nômenos e coordenarem suas ações entre si. O conceito pode fluir da linguagem ordinária
para a linguagem científica e vice-versa, sendo que o mais comum é isso se configurar
como um processo de retroalimentação contínuo. Se a coisa é o conceito e se os conceitos
são eventos comunicativos, pode-se dizer que as coisas são produzidas na sociedade, e
sendo óbvio que assim se passa com a política pública. A política pública, contudo, como
objeto de uma construção científica, pode ter o seu conceito criticado, trabalhado e talhado
para fins de uma complexidade adequada.
Justamente para o estabelecimento de uma complexidade adequada que se inau-
gura o primeiro elemento que ajuda no entendimento do que vem a ser a política pública.
Se está correto que a política pública está relacionada com ações estatais, é certo também
dizer, por outro lado, que não se trata de qualquer ação estatal16. Se se utilizar esse raciocí-
nio, seriam centenas de milhares as políticas públicas. O que é política pública tem de ser
um agrupamento de ações conforme algum critério: algo que tenha início, meio e fim e que
tenha algum grau de generalidade. Supondo-se, por exemplo, que existam ações estatais
destinadas a regular o preço do tomate e do morango, não faz sentido dizer que são duas
políticas públicas. Elas podem muito bem ser agrupadas.
A proposta de caracterização e conceituação de políticas públicas deste trabalho
inserem o elemento “tempo” e o elemento “direito fundamental” como formas de redução
adequada de complexidade para o entendimento das políticas públicas. De fato, quer-se
evitar a excessiva fragmentação das políticas públicas. A política pública torna-se mais
visível quando conectada a seu nível de generalidade com o direito fundamental. Assim, por
exemplo, a política pública será a política pública de saúde, já que o direito a ser realizado é
a saúde; o grau de generalização adequado para falar de educação será política pública de
educação, já que o direito efetivado é o direito à educação, e assim sucessivamente. Com
isso, afasta-se da fragmentação. Por exemplo, seria incorreto dizer que a entrega de livros
didáticos ou a aplicação de vacinas é uma política pública. Trata-se, isto sim, de ações
dentro das políticas públicas. Repita-se, vacinar alguém é agir dentro da política de saúde
e não a política pública em si. Com este nível de generalidade, ganha-se em capacidades
descritivas, uma vez que simplifica e diminui a quantidade de políticas públicas, já que
se distancia a péssima consequência de se ter milhares de políticas públicas ao invés de
algumas dezenas (tantos quantos forem os direitos fundamentais).

15
CLAM, Jean. Questões fundamentais de uma teoria da sociedade: contingência, paradoxo, só –efetuação.
São Leopoldo: Unisinos, 2006. p.114: “Quando o mundo se organiza sem exclusões, ele incorre numa contí-
nua sobredeterminação de seus conteúdos.”
16
“[...] é tudo aquilo que os governos escolhem fazer ou não fazer.” DYE, Thomas R. Understanding the public
policy. New Jersey: Prentice-Hall, 1975. p.1-2.
28 | CAROLINE MÜLLER BITENCOURT | JANRIÊ RECK

Quando se mantém a observação no nível de complexidade dos direitos funda-


mentais, obtém-se mais um ganho, a saber, a possibilidade de se medir o sucesso, ou,
de modo mais preciso, a efetividade das políticas públicas. São diversos os instrumentos
disponíveis para a política pública, descritos no próximo capítulo, os quais, atuando de for-
ma conjunta, realizam os direitos fundamentais. Seria possível, caso o objetivo da política
pública seja preciso o suficiente, mensurar o seu sucesso tanto na totalidade como nas
suas ações individuais ou nos programas.
Ainda, o ganho analítico advém também da observação de diversos instrumentos
e suas interações para o atingimento dos objetivos. Por exemplo, o objetivo “realizar o di-
reito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado” pode ser alcançado com
a utilização conjunta de diversos instrumentos, como o poder de polícia ambiental e as
intervenções do Estado na propriedade privada.
Ainda, o elemento tempo. A partir da generalidade aqui proposta (políticas públicas
de educação, saúde, infraestrutura, meio ambiente, proteção ao trabalho etc.), o tempo
se insere como aquele necessário para a realização de um direito fundamental. Dado que
um direito fundamental, ao contrário dos direitos subjetivos de caráter pessoal, nunca se
esgota, isto é, é constantemente exigível (por exemplo, a obrigação do poder público de
realizar o direito à saúde nunca está satisfeita, já que sempre são necessárias medidas
preventivas e curativas, o mesmo valendo para a segurança, que sempre exigirá medidas
de policiamento), o tempo das políticas é um tempo estendido. Em realidade, faz parte da
política pública sua quase permanência.
Não se pode falar em tempo como sinônimo de permanência, porque efetivamente
a lista de direitos fundamentais se altera, razão pela qual se prefere o termo “tempo exten-
so”. Entretanto, isso pode significar décadas, talvez, até, centenas de anos. Obviamente
que uma política desenhada há 100 anos já não é mais mesma, mas é certo que suas
modificações não alteram seu objetivo geral e principal e, quiçá, não alterem muito o dese-
nho decisório17. Por exemplo, se se quer evitar a venda de alimentos estragados, sempre
será necessário poder de polícia e algum modo de inspeção nos alimentos, mesmo que a
tecnologia para tanto mude.

17
Sobre o significado de decisão: “Ya que, sin embargo, una de las alternativas debe ser distinguida por la
decisión (de lo contrário no sería decisión, cada decisión tiene una doble unidad, es decir: 1) la relación de la
diferencia de las alternativas y 2) la misma alternativa escogida. La decisión es ejecutada como sustitución de
una unidad por la otra, como sustitución de 2) por 1). Esta sustitución sólo se puede pensar temporalmente,
como una sucesión. Sin embargo, su temporalidad no es solamente tilla diferencia de posición en el tiempo de
manera que se dé una unidad antes y la otra después. Antes bien, mediante la decisión, es traspasada la unidad
de la diferencia de alternativas a la alternativa escogida, de tal manera que en el resultado de la decisión pen-
nanece como historia y contingencia, aparece y es constataqa como tal. En este sentido puede describirse el
decidir como converting uncertainty to risk”. LUHMANN Niklas. Organización y Decisión: Autopoiesis, acción
y entendimiento comunicativo. Anthropos: México, 1997. p. 10.
O BRASIL EM CRISE E A RESPOSTA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS | 29

Dado o “tempo extenso” de uma política pública, será fundamental a criação de


episódios. O tempo do episódio é algo arbitrário: pode ser um mês, um ano, dez anos.
Ocorre que os episódios são necessários para o planejamento das políticas públicas18. Por
meio do planejamento, realizam-e previsões e prognósticos dos efeitos de determinados
instrumentos19. O planejamento pode ser caracterizado como a unidade entre instrumentos,
resultados, previsões/prognósticos e riscos. Com o elemento tempo, tem-se um parâmetro
no qual se espera que a utilização dos instrumentos realize os objetivos das políticas públi-
cas. Os episódios são ainda necessários para os processos de avaliação política e técnica
das políticas públicas. De fato, por meio dos episódios, será possível observar se deter-
minado objetivo foi alcançado pela utilização dos instrumentos. Se tal não aconteceu, será
inevitável reavaliar a política pública. Mesmo que se adote uma perspectiva de avaliação20
concomitante de políticas públicas, a concomitância exigirá um episódio menor. Todos
esses pontos serão analisados de forma mais detalhada adiante.
Com a argumentação desenvolvida até aqui, analisou-se a relação entre política
pública, tempo e direitos fundamentais. Há outros elementos da política, os quais são es-
tudados no próximo tópico.
Para se chegar ao primeiro conceito de política pública, há de sempre se entender
que a organização compreende propriedades emergentes. Significa dizer que há algo novo
que surge quando se combinam elementos conhecidos dentro de uma determinada forma.
A política pública é isto: uma novidade que surge da combinação de elementos que já são
tradicionalmente conhecidos a partir de uma determinada organização.

18
“Em primeiro lugar, sequências passadas de medidas políticas deram-lhe conhecimento sobre as consequên-
cias prováveis de passos adicionais semelhantes dados em relação ao futuro. Em segundo lugar, ele não
precisa tentar saltos enormes ruma a suas metas, avanços que exijam dele previsões que vão além de seu
conhecimento ou do conhecimento de qualquer outra pessoa, pois ele jamais alimenta a expectativa de que
sua decisão irá representar a solução final de um problema. Em terceiro lugar, ele tem efetivamente condições
de testar suas previsões anteriores, à medida que se movimento no sentido dos passos seguintes. Finalmente,
ele pode, com frequência, remediar erros passados com razoável rapidez – mais rapidamente do que o faria se
a política procedesse por passos mais distintos, extensamente distanciados no tempo”. LINDBLOM, Charles
E. Muddling Through 1: a ciência da decisão incremental. In: HEIDEMANN, Francisco; SALM, José Francisco.
Políticas Públicas e Desenvolvimento: Bases epistemológicas e modelos de análise. 3ª ed. Brasília: UNB,
2014. p. 185.
19
CHRISPINO, Alvaro. Introdução ao Estudo das Políticas Públicas: uma visão interdisciplinar e contextualizada.
Rio de Janeiro: FGV Editora, 2016. p. 155.
20
“Na verdade, como assinalam Donaldson e Lipsey (2006), a conceituação de teoria da avaliação encerra um
confuso mix de conceitos sobre como a avaliação poderia ser praticada, bem como de estruturas exploratórias
para fenômeno da ciência social e assunção referentes a como os programas funcionam ou estão supostos
para funcionar. E apontam, logo em seguida, termo intercambiáveis como teorias da prática, avaliação e teoria
da mudança e modelo lógico. E em seguida ainda lembram outros temas intercambiáveis na literatura da aval-
iação, como theory-driven evaluation, theory-based evaluation, program theory-driven evaluation, intervening
mechanism evaluation, theoretically relevant evaluation research, program theory, program logic e logic mod-
eling”. SOUZA, Lincoln Moraes de. Aspectos Teóricos da Avaliação de Políticas Públicas. Curitiba: CRV, 2019.
p. 22.
30 | CAROLINE MÜLLER BITENCOURT | JANRIÊ RECK

O conceito é distinção socialmente partilhada21. A partir do conceito, a sociedade


consegue distinguir. Para bem distinguir o conceito, é preciso acionar elementos de distin-
ção. Isso se conecta com a proposição anterior da seguinte forma: o conceito de política
terá por conteúdo o que faz o conjunto de elementos que formam uma política pública ser
diferente de outros conceitos do Direito.
Além das questões relacionadas ao tempo e a direitos fundamentais, há de se
entender que uma política pública é, precisamente, política22. O elemento político da polí-
tica pública tem por sentido a noção de que a política pública se refere a decisões que se
estendem a toda uma comunidade. Dado o fato de que existem certos objetivos a se alcan-
çar, é oportuno apontar que a política pública é, também, planejada e reflexiva, isto é, um
planejamento da comunidade sobre ela mesma. Assim, a política pública está relacionada
a um planejamento que gera decisões vinculantes para toda uma comunidade. Esse plane-
jamento envolve instrumentos. Assim, mediante planejamento e tempo, a política pública
consegue realizar objetivos.
Outro elemento essencial do conceito de política pública é o seu caráter jurídico.
O caráter jurídico aparece a partir de cinco ligações. A primeira delas é a de que o Direito,
como sistema de ação, precisamente consegue, por meio de conquistas evolutivas, coor-
denar ações. Assim, a política pública é um medium do Direito23, e isso está conectado
em outro aspecto com o Direito. Para que a política pública possa coordenar ações – de-
cisões, para uniformizar a terminologia utilizada neste livro –, ela deve se expressar na
forma jurídica. A política pública se expressa juridicamente na forma de atos legislativos
e administrativos. Como a política pública se expressa juridicamente, ela se conecta tanto
com a característica do Direito em ser coordenador de ações como também com a própria
legitimidade do Direito, sendo esta a terceira ligação. O sistema jurídico como um todo tem
certa legitimidade, e esta legitimidade no sistema jurídico acaba sendo aproveitada pela
política pública. A quarta ligação refere-se ao procedimento das decisões, que também é
juridicamente formatado: as decisões são regradas em termos de procedimento, forma, ri-

21
Ao contrário das concepções realistas de conceito: “No pensamento jurídico prevalecem as teses realistas
a respeito do significado das palavras [...] nas ciências dogmáticas do Direito tem grande vigor a suposição
de que os conceitos normativos refletem uma conexão necessária e essencial com a realidade, de que as
definições do campo jurídico se obtêm mediante uma intuição intelectual de natureza intrínseca dos fenô-
menos denotados. [...] Esta concepção ontológica é, inclusive, sustentada em relação àquelas palavras que
pretendem designar valores, tais como justiça, honestidade, proibido, etc”. WARAT, Luis Alberto. A Definição
Jurídica: suas técnicas. Porto Alegre: Atrium, 1977. p.14:
22
NAFARRATE, Javier Torres. Luhmann: la política como sistema. México: UNAM, 2004. p.143. “[...] entonces
no queda más que definir la función de la política como mantener la capacidad de tomar decisiones que
vinculen coletivamente”.
23
LUHMANN, Niklas. La sociedad de la sociedad. México: Herder, 2007. p. 278. “[...] el mismo poder político
puede ser también sometido al derecho, de manera que pude utilizar sus propios médios de coacción unica-
mente si media el derecho, e incluso puede cambiar al propio derecho tan sólo si se sujeta a los requerimientos
establecidos para ello por el sistema jurídico. La designación habitual para estos logros es “rule of law” o
Estado de derecho”.
O BRASIL EM CRISE E A RESPOSTA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS | 31

tos e prazos pelo Direito. Finalmente, quinta e última, as alternativas das decisões que serão
tomadas em termos de políticas estão condicionadas pelo Direito. Do mesmo modo que
não se pode decidir de qualquer forma em políticas públicas, não se pode decidir qualquer
tema ou caso em termos de políticas públicas, já que o Direito estabelece condicionantes
ou premissas para a decisão. Conjugando-se tudo isso, pode-se seguramente dizer que o
Direito é o modelador das políticas públicas.
Em se retomando outro aspecto da política pública, ainda no campo do Direito
como coordenador de ações, as decisões24 estão conectadas umas outras. As políticas
públicas são formadas por uma rede de decisões políticas e jurídicas ao mesmo tempo.
Rede esta que adquire densidade por suas ligações. Trata-se de decisões políticas, porque
vinculam a comunidade, e jurídicas, porque se expressas na linguagem25, sendo, então,
além da institucionalização nas organizações públicas26. Esta rede decisões possui uma
determinada organização ou propriedades emergentes, que se caracterizam precisamente
em se organizarem de forma planejada para alcançarem objetivos.
Assim, o primeiro conceito provisório de políticas públicas é: rede de decisões com
função política de uma dada comunidade, com expressão e premissas jurídicas, de caráter
reflexivo, que estão organizadas em torno do planejamento, ligando o manejo de instru-
mentos da Administração Pública a objetivos desejáveis (como principalmente a realização
de direitos fundamentais) e, com isto, demandando tempo. Na próxima rodada de carac-
terização das políticas públicas, serão expostos os modelos de modo a ilustrar o conceito.

Elementos e Instrumentos das políticas públicas


Se a política pública é um sistema27, este possui uma unidade com propriedades
emergentes. Esta constatação científica da existência de propriedades emergentes não se
aplica somente aos conceitos, mas também aos sistemas aos quais os conceitos estão

24
“una mayor profundidad en la comprensión de la realidad mediante el aumento del número de decisiones, ya
que esto se dar a través de decisiones” LUHMANN, Niklas. Organización y Decisión. Autopoiesis, acción y
entendimiento comunicativo. Anthropos: México, 1997. p.24.
25
LUHMANN, Niklas. La Sociedad de la Sociedad. México: Herder, 2007. p. 278. “[...] el mismo poder político
puede ser también sometido al derecho, de manera que pude utilizar sus propios médios de coacción unica-
mente si media el derecho, e incluso puede cambiar al propio derecho tan sólo si se sujeta a los requerimientos
establecidos para ello por el sistema jurídico. La designación habitual para estos logros es “rule of law” o
Estado de derecho”.
26
“É justamente por isso (restrição do arcabouço institucional analisado; da totalidade do Estado ao aparelho
de Estado) que nossa escolha conceitual do que é política pública segue a lógica do agente. Se o governo é
o protagonista, ele assim como mecanismo diretivo do próprio aparelho do Estado”. REISMAN, Leonardo; DE
TONI, Jackson. A Formação do Estado brasileiro e o impacto sobre as políticas públicas. In: MENDES, Gilmar;
PAIVA, Paulo. Políticas Públicas no Brasil: uma abordagem institucional. São Paulo: Saraiva, 2017.p. 17.
27
Um dos tantos conceitos de sistema: “Conjunto de elementos em interação”. BERTALANFFY, Ludwig von.
Teoria Geral dos Sistemas: fundamentos, desenvolvimento e aplicações. Petrópolis: Vozes, 2013. p. 63.
32 | CAROLINE MÜLLER BITENCOURT | JANRIÊ RECK

ligados. Significa dizer: o todo é maior que a soma das partes. É possível analisar a política
pública como sistema e, com isto, tem-se a vantagem de observá-la no todo, mas também
se pode decompô-la em suas partes e, com isto, ganha-se em detalhamento. Não é correto
pensar que a visão macro é mais correta que a micro e vice-versa. A questão é a formação
de observações adequadas para determinada situação e determinados fins.
Neste tópico, serão abordados elementos e instrumentos das políticas públicas.
Novamente, quando estes elementos são reunidos, tem-se uma emergência, isto é, a for-
mação de um todo que é maior que a soma das partes, formando a diferença entre o que
está dentro e o que está fora28. Os elementos se diferenciam dos instrumentos.
A composição de destes elementos e instrumentos leva à conclusão de que as po-
líticas públicas só podem ser adequadamente observadas quando tomadas no todo29 e não
como ações específicas. Decidir sobre um currículo escolar, sobre o uso de uma estrada,
sobre o financiamento de moradias, nada disso é uma política pública. São, isto sim, ações
que se valem de instrumentos de uma política pública. A melhor saída é relacionar o todo
com o objetivo e com o direito fundamental. Assim, o nível correto de análise das políticas
públicas é aquele que estabelece algum grau de generalização e corte temático. O melhor
grau de generalização e que corresponde à prática das políticas públicas nas administra-
ções modernas é o que se conecta aos direitos fundamentais. Propõe-se, assim, o uso no
singular, política pública de “...”, em vez de políticas públicas, conforme já fundamentado
anteriormente.
Os instrumentos são também unidades. São esquemas de decisão dentro do todo
maior de decisão que precisamente é a política pública. Os instrumentos estão disponíveis
na tradição do Direito Administrativo e constituem-se nas formas tradicionais de serviço
público e poder de polícia, entre outros, os quais serão analisados de forma mais detalhada
ainda neste tópico.
Os elementos da política pública formam o sistema “política pública”. Segue racio-
cínio acerca dos elementos que compõem a política pública.

28
A partir da interação de elementos (no caso das políticas públicas, decisões político-jurídicas), é possível
o surgimento uma organização, isto é, de um sistema. “as interações são ações recíprocas que modificam
o comportamento ou a natureza dos elementos, corpos, objetos ou fenômenos que estão presentes ou se
influenciam. Considera a interação, a noção – placa giratória entre ordem, desordem e organização (o nó
górdio), termos ligados via interações (um termo não pode ser concebido fora da referência do outro). As
interações: 1. supõem elementos, seres ou objetos materiais, que podem encontrar-se; 2. supõem condições
de encontro, ou seja, agitação, turbulência, fluxos contrários, etc; 3. obedecem a determinações/imposições
que dependem da natureza dos elementos, objetos ou seres que se encontram; 4. tornam-se, em certas
condições, interrelações, associações, combinações, comunicação, ou seja, dão origem a fenômenos de
organização)”. MORIN, Edgar. O método 1: a natureza da natureza. Porto Alegre: Sulina, 2002. p. 53-55.
29
MORIN, Edgar. O método 1: a natureza da natureza. Porto Alegre: Sulina, 2002. p. 136: “O sistema possui algo
mais do que os seus componentes considerados de modo isolado ou justaposto: sua própria organização; sua
própria unidade global (o todo); as qualidades e propriedades novas emergentes da organização da unidade
global”.
O BRASIL EM CRISE E A RESPOSTA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS | 33

• Função: por função, entende-se o que a política pública faz, o que é diferente de sua
finalidade, a qual neste trabalho está mais conectada com os objetivos. Enquanto
a função do sistema da política é a geração de decisões vinculantes para toda a
coletividade, por outro lado, dado que na política pública se encontram disponíveis
os meios do Direito, é necessária certa especificação: a política pública é o ele-
mento de materialização das decisões vinculantes para toda uma coletividade30.
Possui, portanto, essa função de operacionalizar as decisões vinculantes para toda
comunidade (mediante mais decisões vinculantes para toda a coletividade). Trata-
-se, desse modo, de uma especificidade da política31. Se a política pública possui
esta função política, pode-se dizer, em conclusão, que se trata de uma espécie de
programação da própria comunidade. A política pública é uma forma de uma dada
comunidade atuar sobre ela mesma – claro que mediada sempre pela política e
pelas organizações. Isso remete a um outro problema, que é o da formação de-
mocrática das políticas públicas, mas que não vem ao caso tratar neste momento.

• Tempo: dado que uma política pública se dá em uma relação de instrumentos e


atingimento de objetivos, isso só será tornado possível em uma linha do tempo.
Significa dizer que uma política pública nunca é instantânea. Toda política pública
demanda tempo para que a ação dos instrumentos realize objetivos e possa ser
visualizada.

• Objetivos: por objetivo, entende-se o estado desejado de um determinado sistema,


ou, de modo mais simples, um estado desejado de coisas. Como a sociedade é di-
nâmica, raramente se pode dizer que um objetivo de políticas públicas foi realizado
de uma só vez para sempre. Por exemplo, se se tem como objetivo específico de
uma política pública a vacinação de um determinado percentual de população, após
um breve período a vacinação terá de ser repetida, dada a renovação da população.
O objetivo geral de uma política geralmente será a realização de um ou mais direitos

30
NAFARRATE, Javier Torres. Luhmann: la política como sistema. México: UNAM, 2004. p. 144. “Con la función
de mantener la capacidad de tomar decisiones que vinculen colectivamente no queda fijado ningún contenido
en la decisión. No se trata de un principio constitucional, ni de un valor fundamental a partir del cual se pudieran
regular las desviaciones. Ni tampoco se trata de la tesis de hacer que lo arbitrario se haga posible. Precisamen-
te para que la contingencia de la decissión quede asegurada, se necesita el condicionamento de los límites: la
universalización de la contingencia exige un frame, exige un marco de condiciones de posibilidad dentro del
cual se pueda reconocer si se tarta de comunicaciones políticas (o no). No todo lo que se comunica como
decisión tiene valor político: con una confusión de esse tamaño ya se podría tomar ninguna decisión. A partir
de aquí se puede entender por qué el proceso evolutivo ‘elige’ esta función que corresponde a un problema que
la sociedad (con o sin política diferenciada) debe resolver: la necesidad de asegurar la vinculación colectiva
más allá de la divergencia o fluctuación de opinión de los afectados”.
31
SECCHI, Leonardo. Modelos organizacionais e reformas da Administração Pública. Revista Administração
Pública. Rio de Janeiro, v. 43, n. 2, p. 347-369, abr. 2009. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S0034-76122009000200004&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 03 jan. 2019.
p. 5: “política pública é uma diretriz elaborada para enfrentar um problema público”.
34 | CAROLINE MÜLLER BITENCOURT | JANRIÊ RECK

fundamentais. Aliás, conforme foi exposto anteriormente, é precisamente a vincu-


lação com um direito fundamental que fundamenta o nível de generalização para a
definição de uma política pública. Os objetivos específicos são aqueles objetivos
que levam à realização do objetivo geral. Se o objetivo geral é a realização do direito
fundamental – por exemplo a saúde –, ter-se-ão múltiplos objetivos específicos em
uma dada janela de tempo (alcançar alto percentual de habitantes vacinados em
determinado tempo; distribuir remédios, evitar crimes etc.). Esses múltiplos objeti-
vos, unidos em interação, têm por finalidade realizar o objetivo geral.

• Modelo decisório: por modelo decisório, compreende-se um padrão previamente


descrito e normatizado de fluxo de decisões32 possíveis no âmbito de uma deter-
minada política pública. As ações dentro das políticas públicas ocorrem a partir de
unidades de decisões. As opções possíveis estão tanto dadas como possibilitadas
pelo marco legal. O Direito não só limita, mas também possibilita as decisões, tanto
no conteúdo como na forma, por meio de regras, tais como as de competência,
forma e procedimento. As normas permitem a formação de padrões de decisões
disponíveis ao administrator. Ao se deparar com determinado problema33, prog-
nóstico ou ação necessária, o modelo dará as opções ao administrador34. Essas
opções são fruto de um trabalho científico e das normas. Não só o modelo estabe-
lece o padrão para uma decisão pontual, mas muito mais importante, estabelece o
fluxo de decisões, inclusive com suas bifurcações/trifurcações ou mais ainda mais
opções. O modelo decisório estabelece um workflow jurídico-político de decisões.
Faz parte do modelo o que acontecerá a partir de uma decisão x. Se se tomar deter-
minada decisão, abre-se um leque de outras decisões possíveis. Mas não qualquer
decisão e, sim, as decisões possíveis dentro de um marco legal. O Direito, assim,
não é veículo somente para as decisões pontuais, também o é para o estabeleci-
mento de um fluxo de decisões que, juntas, formam a política pública. O modelo
decisório é tão importante que praticamente é visto como sinônimo de política
pública. Em analogia com Kelsen, pode-se pensar em política pública de forma
estática aqui, como modelo, ao contrário da política pública em forma dinâmica,
como movimento. Com base no modelo decisório, é possível tentar programar

32
LUHMANN Niklas. Organización y Decisión: Autopoiesis, acción y entendimiento comunicativo. Anthropos:
México, 1997. p. 9: “[...] las decisiones no tienen su identidade em el desarrollo de um acontecer determinado,
sino em la elección entre varias posibilidades (alternativas), que sólo se documenta em la alternativa elegida
(pero que no consiste em la alternativa elegida)”.
33
“La génesis de una política pública implica el reconocimiento de un problema” PARSONS, Wayne. Políticas
Públicas: una introducción a la teoria y la prática de análisis de políticas públicas. México: Flacso, 2007. p. 119
34
“Modelo institucional significa um determinado padrão de arranjo institucional, passível de aplicação e replica-
ção em contextos semelhantes. Pode-se utilizar o modelo no sentido de replicar, em escala ampla, um padrão
de arranjo institucional, para um fim específico”. BUCCI. Maria Paula Dallari. Fundamentos para uma Teoria
Jurídica das Políticas Públicas. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 238.
O BRASIL EM CRISE E A RESPOSTA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS | 35

todo um futuro – evidentemente que esta proposição comporta muitas objeções,


não sendo o caso de explorá-las agora – via planejamento, pois se pode antecipar
as decisões disponíveis ou praticáveis do administrador, assim como antecipar as
consequências de suas ações em termos de realização de objetivos em políticas
públicas.

• Modelo organizacional35: o modelo organizacional quase equivale ao arranjo ins-


titucional36. Significa a reflexão sobre quais organizações estão envolvidas com a
existência e implementação das políticas públicas. As políticas públicas operam
a partir de determinadas organizações, as quais terão determinadas capacidades
institucionais e especializações funcionais. Fazem parte do modelo organizacional,
assim, o desenho de quais organizações irão tomar decisões e que tipos de deci-
sões serão tomadas, assim como a estrutura interna dessas organizações, suas
relações com procedimentos democráticos como finalmente as relações entre as
organizações37, o que é chamado de cooperação institucional.

• Poder: o poder38, a par de atualmente estar conectado com as organizações pú-


blicas, pode também ser caracterizado como um meio de comunicação simboli-
camente generalizado. De forma mais simples, o poder é um estímulo à comuni-
cação. A partir do poder, comandos e comportamentos que usualmente poderiam
encontrar dificuldades em ser efetivados acabam se realizando (por exemplo, limite
ao uso da propriedade, já que a tendência é o uso sem limites da propriedade, a
não ser que exista poder em contrário). As decisões levadas a efeito dentro dos

35
Aqui é diferente do que fundamenta SECCHI, Leonardo. Modelos organizacionais e reformas da Administração
Pública. Revista Administração Pública. Rio de Janeiro. , v. 43, n. 2, p. 347-369.,Abril de Apr. 2009. Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-76122009000200004&lng=en&nrm=-
iso>. Acesso em: 10 jan. 2021. A diferença ocorre, uma vez que neste artigo o autor toma por modelos
organizacionais as diferentes teorias sobre administração pública.
36
Geralmente por arranjo institucional entende-se um conceito que mistura modelo organizacional e decisório,
o que este trabalho divide: “Arranjo institucional é locução que conota o agregado de disposições, medidas e
iniciativas em torno da ação governamental, em sua expressão exterior, com um sentido sistemático”. BUCCI.
Maria Paula Dallari. Fundamentos para uma Teoria Jurídica das Políticas Públicas. São Paulo: Saraiva, 2013.
p. 237.
37
Sobre o conceito de organização: “Los sistemas organizacionels son sistemas sociales constituídos por deci-
siones y que atan decisiones mutuamente entre sí”. LUHMANN Niklas. Organización y Decisión: Autopoiesis,
acción y entendimiento comunicativo. Anthropos: México, 1997. p. 14.
38
LUHMANN, Niklas. Sistemas Sociais: esboço de uma teoria geral. Petrópolis: Vozes, 2016. p. 168. “Deno-
minaremos de simbolicamente generalizados aqueles meios que empregam generalizações para simbolizar
a conexão entre seleção e motivação, quer dizer, para representá-lo como unidade. Exemplos importantes
são verdade, amor, propriedade/dinheiro, poder/direito [...] linguagem, meios de difusão e meios de comu-
nicação simbolicamente generalizados são, portanto, conquistas evolucionárias que, interdependentemente,
fundamentam e aumentam as prestações do processamento de informação que podem ser produzidas pela
comunicação social”.
36 | CAROLINE MÜLLER BITENCOURT | JANRIÊ RECK

modelos decisórios se valem do poder e, assim, acabam se efetivando, em regra


pelo menos39.

• Símbolo40 da unidade: é necessário que a política pública seja visualizada como


uma coisa só, e, portanto, um símbolo de unidade entre todos seus elementos e
instrumentos é necessário. A política pública opera-se por uma relação entre obje-
tivos que são alcançados por determinados instrumentos. Este símbolo da unidade
que surge da relação entre todos os elementos e instrumentos é uma emergência,
é algo a mais que a mera soma destes dados. Conforme será observado na se-
quência abaixo, os instrumentos são regidos pelos modelos decisórios e orga-
nizacionais. Essa relação entre instrumentos e objetivos (por exemplo, por meio
de sanções ambientais, evitar-se comportamentos poluidores) torna visível tanto
o dado tempo, como o aspecto processual e de fluxo da política pública, como
também as suas possibilidades de avaliação e efetividade.

Além de tudo isso, há ainda as decisões, que seriam as menores unidades possí-
veis de análise. Preferiu-se não colocar a decisão como elemento da política pública. Isso
porque a decisão seria a menor partícula. Seria a menor parte componente e, portanto,
estaria circulando por toda a política pública.
Ressalte-se que aqui é possível introduzir a distinção políticas públicas de Estado e
políticas públicas de governo. A distinção entre políticas públicas de Estado e de Governo
está conectada com apenas três dos elementos citados anteriormente, a saber, os modelos
decisórios, os modelos organizacionais e os objetivos de políticas públicas. Esta distinção
será explicitada no próximo tópico.
Volta-se à descrição dos instrumentos de políticas públicas. Como observado, os
instrumentos fazem parte da tradição do Direito e são usualmente estudados no campo do
Direito Administrativo. Pode-se conceituar instrumentos de políticas públicas como aque-
les esquemas de decisão jurídica que são instrumentais à realização dos objetivos das
políticas públicas. Essa instrumentalização significa a mudança no estado de coisas na

39
NAFARRATE, Javier Torres. Luhmann: la política como sistema. México: UNAM, 2004. p. 49-50. “El poder
funciona solamente cuando Ego se somete voluntariamente a Alter. Si Ego se somete sin necesidad de ser
sometido a la voluntad de Alter, se le puede atribuir una ventaja a Alter con respecto a Ego; a esse proceso se
le podría denominar autosujeción voluntaria, dinámica que pone en evidencia la alta disposición asimétrica que
sustenta la cooperación. En síntesis, el poder depende de la capacidad de ponderar varias alternativas y de
seleccionar una de ellas por medio de la decisión.”
40
LUHMANN, Niklas. La Sociedad de la Sociedad. México: Herder, 2007. p. 181. Un símbolo no es solo un
signo – como por ejemplo una palabra. Un símbolo no sólo designa la unidad, sino que la efectúa. La paradoja
subyacente se oculta en lugares exactos. Por eso, los símbolos de ningún modo pueden reemplazarse por
conceptos, pues llevaría a una contradicción en el concepto”
O BRASIL EM CRISE E A RESPOSTA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS | 37

sociedade41. Os instrumentos, assim, são as formas de atuação das políticas públicas na


sociedade e, inclusive, admitem múltiplas recalibragens no ciclo avaliativo das políticas
públicas. Com base na avaliação, pode-se alterar aqui e ali a intensidade com que os ins-
trumentos serão utilizados. Os instrumentos são uma forma específica de disposição dos
modelos decisório e organizacional e servem, é claro, aos objetivos das políticas públicas,
valendo-se dos meios do Direito e do poder.
Há de se lembrar que, em um sistema, como é o caso das políticas públicas, existe
uma unidade emergente, isto é, algo novo que surge da combinação das partes. Uma
emergência, ou seja, um dado novo que surge da combinação dos elementos, possível de
ser descrita também na política pública. Trata-se da possibilidade de alteração consciente/
programada/deliberada da sociedade. Precisamente este é o seu sentido político, isto é, o
estabelecimento de programas vinculantes para toda a sociedade que mudam o próprio
estado da sociedade. A política pública pode ser vista como um sistema que visa a mudar,
de forma consciente, reflexiva42 e intencional (por meio do planejamento), mediante atuali-
zações e correções constantes, a totalidade da sociedade.
As políticas públicas usualmente se valem de mais de um instrumento. Espera-se
que, da conjugação das decisões tomadas nos instrumentos, alcancem-se os objetivos
das políticas públicas. Essa é a razão pela qual arquitetar as políticas públicas significa
fazer um bom uso dos instrumentos não só de forma isolada, mas também de forma
coordenada.
Os instrumentos que compõem as políticas públicas serão analisados a seguir.

• Serviços públicos, entendidos como complexos de contínuas decisões organi-


zadas em favor de algum destinatário, seja indivíduo ou grupo. Muito embora o
serviço público possa ser acompanhado da entrega de algum bem, com ou sem
transferência de propriedade, o núcleo do serviço público é efetivamente o com-
plexo de decisões materiais em relação ao destinatário. O serviço público é um
dos principais instrumentos da política pública – uma vez que a política pública

41
Estas mudanças podem-se se dar tanto por meio de grandes saltos como de forma incremental: “Além do
mais, na política, o incrementalismo, em princípio, não é lento. Ele não é, portanto, necessariamente uma tática
conservadora. Uma sequência rápida de pequenas mudanças pode produzir alteração drástica no status quo
de uma forma mais rápida do que o faria uma grande mudança política, implementada apenas uma vez ou
outra. Se a velocidade da mudança é o produtor do tamanho do passo pela frequência do passo, as configu-
rações de mudança incremental constituem, em circunstâncias ordinárias, o método mais rápido de mudança
de que se dispõe”. LINDBLOM, Charles E. Muddling Through 2: a ubiquidade da decisão incremental. In:
HEIDEMANN, Francisco; SALM, José Francisco. Políticas Públicas e Desenvolvimento: Bases epistemológicas
e modelos de análise. 3ª ed. Brasília: UNB, 2014. p. 198.
42
SCHMIDT, João Pedro. Para estudar políticas públicas: aspectos conceituais, metodológicos e abordagens
teóricas. Revista do Direito, Santa Cruz do Sul, v. 3, n. 56, p. 119-149, set./dez. 2018. DOI: 10.17058/rdunisc.
v3i56.12688. Disponível em: https://online.unisc.br/seer/index.php/direito/article/view/12688. Acesso em: 25
jun. 2021.
38 | CAROLINE MÜLLER BITENCOURT | JANRIÊ RECK

tem como objetivo a realização de um direito fundamental, e, assim, é certo que


decisões organizadas em favor de um usuário irão preencher a maior parte do re-
ferido objetivo. Ressalta-se que os serviços públicos se configuram em complexos
contínuos de decisões. Os serviços públicos não se realizam de uma vez por todas.
Obviamente, os serviços públicos podem mudar, mas eles se caracterizam por
uma certa estabilidade, continuidade e repetição. Por exemplo, o serviço público
de educação repete-se sempre como disponibilidade de escola e professores con-
forme determinados padrões; o ônibus, como bem empregado no serviço público
de transporte urbano, sempre passará no mesmo horário, a rua será sempre limpa,
e assim continuamente.

• Fomento, sendo caracterizado por uma decisão das organizações públicas que fa-
cilitam a decisão do destinatário. No fomento43, a política pública é capaz de induzir
a realização de ações desejadas por meio de facilitações, como é o caso do meio
de comunicação socialmente generalizado e indutor de comportamentos, que é
o dinheiro. Com o fomento, diminuem-se os riscos do destinatário. Por exemplo,
tendo bolsas de estudo, o estudante decide realizar seu ensino superior; via trans-
ferências de recursos, o ente privado dispõe-se a proteger o patrimônio cultural, e
assim sucessivamente.

• Obras públicas. As obras públicas geralmente redundam em bens públicos. Por


meio de obras públicas, pode-se obter tanto a utilidade direta, que é o bem público,
como utilidades indiretas, como o atingimento de determinados objetivos econômi-
cos, a exemplo do surgimento abrupto de postos de trabalho.

• Bens públicos. Novamente um poderoso instrumento de política pública. Os bens


públicos podem surgir de obras públicas, tais como ruas e praças, ou se tornarem
disponíveis para o público por meio processos jurídicos, como a desapropriação,
ou ainda podem sê-lo por inerência constitucional, a exemplo das praias, rios e
mares. De fato, existem múltiplos regimes de uso dos bens públicos, podendo eles
estar empregados para o uso exclusivo das organizações públicas ou para a popu-
lação em geral, com ou sem restrições, e com ou sem pagamento. Da combinação
de diferentes formas de se usar os bens públicos, por exemplo, restrições nas es-
tradas, esgotos, abertura de espaços de lazer etc. obtêm-se resultados desejados
que podem atingir os objetivos das políticas públicas.

43
Concorda-se com Schier, a afirmar que o fomento está vinculado ao desenvolvimento e aos objetivos da
Constituição de 1988. Não se trata de substituir a atividade estatal dos serviços públicos, mas ao lado dessa
atividade, o fomento como uma atividade de realização de direitos fundamentais também suscetível a controle
e vinculação com a construção do Estado Social. Ver a obra: SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. Fomento:
Administração Pública, Direitos Fundamentais e Desenvolvimento. 1. ed. Curitiba: Íthala, 2019.
O BRASIL EM CRISE E A RESPOSTA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS | 39

• Poder de polícia, como decisões voltadas às atividades de fiscalização das ativi-


dades dos particulares, induzindo a decisões que implicam um fazer/não-fazer por
parte do fiscalizado.

• Sanção penal, cuja característica se liga ao sancionamento criminal, permitindo


a indução a comportamentos como forma de evitar punições; o comportamento
desejado geralmente é um reforço aos objetivos da política pública.

• Intervenção do Estado na propriedade. Trata-se de decisões das organizações pú-


blicas que têm por expectativa a influência de particulares ou outras organizações
políticas no que toca ao manejo da propriedade. Dada a centralidade da catego-
ria “propriedade” nos modernos Estados capitalistas, a intervenção do Estado da
propriedade significa o uso do poder especificadamente para alterar o campo de
decisões possíveis dos proprietários. Os proprietários não podem decidir tudo, em
sociedade, relacionado à coisa, pois seu campo de decisões se estreita. Dessa
forma, terão de, por exemplo, dar uso à propriedade, construir calçadas, não cons-
truir acima de determinada altura, sofrer desapropriação e assim sucessivamente.

• Atividade empresarial do Estado. A atividade empresarial do Estado será um com-


ponente fundamental das diversas políticas públicas. Muito embora, no Brasil, a
atividade empresarial do Estado seja subsidiária, a urgência demandada pelo caos
propiciado pelo neoliberalismo e pela pandemia de COVID-19 implica responsa-
bilidade dos agentes políticos e cientistas do Direito, de modo que neste trabalho
é oferecido um modelo decisório juridicamente formatado, pelo menos em linhas
gerais, para o uso deste instrumento.

Em outro corte analítico, é possível encontrar os seguintes instrumentos também.

• Programas gerais. Existem determinadas unidades dentro da unidade. Se a polí-


tica pública alcança objetivos mediante um complexo de ações materializado em
instrumentos, como a política de saúde, dentro da política de saúde, é possível
alcançar complexos de decisões esperadas que possuem uma unidade própria.
Assim ocorre, por exemplo, com a vacinação. A vacinação é um complexo, um
modelo decisório/normativo, que não se explica como sendo uma ação isolada.
Ela é uma expressão do serviço público de saúde. Mas ao mesmo tempo em que a
vacinação possui dignidade própria a ponto de possuir identidade, por outro lado,
não se constitui como uma política pública. Assim, é melhor criar uma categoria
nova para se alocarem programas tais, isto é, complexos de decisões queridas/
esperadas que realizam determinados objetivos dentro de um marco maior das
políticas públicas. Não há se confundir programas aqui com a fase intermediária do
planejamento (plano, programação, projeto).
40 | CAROLINE MÜLLER BITENCOURT | JANRIÊ RECK

• Ações individuais. As políticas públicas também se materializam em ações indivi-


duais, as quais estão conectadas com o todo das políticas públicas, mas que não
se amoldam a um programa voltado a um objetivo.

Importante dizer que esses instrumentos tradicionais não esgotam as possibilida-


des das políticas públicas. As políticas públicas podem e devem incorporar novos instru-
mentos, e isso faz parte da pressão evolutivo pela qual passam as políticas públicas. Uma
vez que se espera que as políticas públicas preencham seus objetivos, é claro que seus
formuladores precisarão elaborar novos instrumentos. A situação de urgência – como será
tratado mais adiante – provoca uma pressão evolutiva maior e, com isso, o conservado-
rismo na elaboração das políticas públicas se afastada em prol de uma atuação que seja
aberta ao risco.

A modelagem jurídica das Políticas Públicas


A modelagem jurídica das políticas públicas é a forma gerada a partir da unidade
dos modelos decisórios, dos modelos organizacionais e dos objetivos. Significa dizer que
os modelos de decisões possíveis e desejadas, os modelos organizacionais e os objeti-
vos das políticas públicas estão materializados em forma jurídica. A combinação destas
expressões jurídicas é, precisamente, o regime jurídico das políticas públicas, ou sua mo-
delagem jurídica.
Não se quer dizer, com isso, que os modelos decisórios e organizacionais sejam
simplesmente um sinônimo de decisões jurídicas, mas que, dada a forma como as organi-
zações governamentais decidem, pode-se dizer que tanto as organizações estão formata-
das juridicamente e pressupõem uma história jurídica, como, finalmente, decidem na forma
jurídica44. Para ilustrar melhor essa ideia, parte-se de uma decisão muito simples: quando
um prefeito ordena a um subordinado que proceda a reparos em um buraco em uma rua,
essa decisão do prefeito é uma decisão da organização município, portanto, uma decisão
de caráter burocrático-administrativa; é, também, uma decisão política, pois vincula a cole-
tividade; é, por outro lado, uma decisão com conteúdo econômico, bem como, finalmente,
se expressa na forma de ato administrativo – uma categoria do Direito. O conteúdo da
decisão será múltiplo, mas sua forma será jurídica.
Falar-se em modelagem jurídica das políticas significa, então, ter em mente essa
riqueza de conteúdos e possibilidades da política pública, mas com foco nos aspectos jurí-

44
Para Luhmann, a programação do Direito é sempre condicional (a programação finalística torna-se possível
por meio dos programas condicionais). Como diz Luhmann, sua “forma básica é a seguinte: se forem preen-
chidas determinadas condições (se for configurado um conjunto de fatos previamente definidos), deve-se ado-
tar uma determinada decisão”. LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
1985. p.28.
O BRASIL EM CRISE E A RESPOSTA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS | 41

dicos. O Direito, para Kelsen, consiste em comportamentos devidos. Estes comportamen-


tos devidos são reforçados pela sanção. Luhmann lança um olhar para o futuro e comenta
sobre expectativas normativas, isto é, expectativas de comportamento padrão. Finalmente,
Habermas aborda coordenação de ação. Este último conceito de Direito será utilizado aqui,
mas sem abandonar os mencionados anteriormente.
Pode-se dizer que o Direito é um sistema de coordenação de ações. Com base em
decisões jurídicas, coordena-se a ação/decisão em um ou outro sentido. É isto que é o
Direito: uma grande forma de coordenar decisões45, de ligar uma decisão querida/desejada
à outra. A maneira pela qual se liga uma ação à outra é por meio de normas. Mediante
quadros normativos, aumenta-se a possibilidade de cooperação pela formação de redes de
decisões46. Com a norma, além de haver uma certa segurança na forma da decisão futura,
existe, também, alguma segurança com relação ao conteúdo da decisão. Com isso, é pos-
sível planejar e efetivamente criar cadeias de decisões, umas ligadas à outra. Precisamente,
isto é o modelo decisório normativo: um corpo de normas pelas quais é possível antecipar
e planejar. Em um modelo, tem-se uma unidade emergente, ou seja, um todo que é maior
que a soma das partes. Este todo é justamente a possibilidade de planejar.
As políticas públicas sem dúvida nenhuma ganham possibilidades analíticas se
for inserido o médium do Direito. A partir da linguagem jurídica, ou seja, de expectativas
normativas estabelecidas ou na forma de programas condicionais se x-y ou na forma de
programas finalísticos, torna-se possível planejar a ação futura dos agentes47. O planeja-
mento48, é sabido, é central para as políticas públicas e de algum modo também para o
próprio Direito, já que é constituído por expectativas normativas. A linguagem do direito

45
HABERMAS, Jürgen. Facticidade e Validade. São Paulo: Editora Unesp, 2020. p. 163: “O Direito é ao mesmo
tempo um sistema de saber e um sistema de ação; ele pode ser entendido tanto como um texto repleto de
proposições e interpretações normativas quanto como uma instituição, isto é, como um complexo de regula-
mentações da ação”.
46
LUHMANN, Niklas. Organización y Decisión. Autopoiesis, acción y entendimiento comunicativo. Anthropos:
México, 1997. p. 17: “Las decisiones deben cotematizar la selectividad de su relación com otras decisiones.
Esto han de hacerlo entonces com uma perspectiva doble de selección: eligen no sólo uma de varias alterna-
tivas, sino que hacen esto em vistas a que, a través de ello, éstas producen o impiden relaciones com otras
decisiones”.
47
LUHMANN, Niklas. Essays on Self-Reference. New York: Columbia Press, 1990. p.179-180. As expectativas
“[...] comportamentais podem referir-se a pessoas concretas, a determinados papéis, a determinados pro-
gramas (fins, normas), ou a determinados valores”. LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito I. Tradução de
Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1983. p. 99.
48
“No society so far has been able to organize itself, that is, to choose its own structures and to use them as
rules for admitting and dismissing members. Therefore no society can be planned. This is not only to say that
planning does not attain its goal, that it has unanticipated consequences, or that its costs will exceeds it use-
fulness […] Planning society is also impossible because the elaboration and implementation of plans always
have to operate as processes within the societal system. Trying to plan the society would create a state in
which planning and other forms of behavior exist side by side and mutually influence each other. Planners have
to use a description of the system, and will thus introduce a simplified version of the complexity of the system
into the system”. LUHMANN, Niklas. Essays on Self-Reference. New York: Columbia Press, 1990. p.179-180.
42 | CAROLINE MÜLLER BITENCOURT | JANRIÊ RECK

não só é útil para coordenar ações devido à sua forma escrita e muitas vezes em redação
técnica, mas também pela sua institucionalização, seja por meio de sanções, seja por meio
das obrigações funcionais dos servidores envolvidos. Enfim, quando se utiliza a linguagem
do Direito como forma para os modelos decisórios e organizacionais (os quais, repita-se,
limitam e abrem o campo das opções possíveis e estabelecem os fluxos necessários de
decisões), consegue-se atingir objetivos pela prospecção e análise das decisões. Assim,
se o modelo decisório se expressa juridicamente, é necessário também uma observação
jurídica deste modelo, daí a razão pela qual o Direito é um espaço privilegiado para as
políticas públicas.

Políticas Públicas de Estado e de Governo


A distinção política pública de Estado49/Governo é tradicional no campo das políti-
cas públicas. Detectou-se, contudo, que a referida distinção é insuficiente diante da com-
plexidade exigida para o entendimento e reforma das políticas públicas. Tradicionalmente,
a distinção Estado/governo implica, na sequência, uma lógica de interesse geral versus
interesses de grupo; estabilidade versus dinâmica e fixação na Constituição versus esta-
belecimento na legislação, tendo por consequência a obrigação de governos seguirem ne-
cessariamente as políticas de Estado, mas podendo alterar as políticas de governo, sendo
que as primeiras poderiam inclusive ser exigíveis judicialmente.
A distinção política pública de governo e política pública50 de Estado é frágil diante
da constatação de que as políticas públicas geralmente possuem características tanto de
Estado como de governo. Significa dizer que, em uma mesma política pública, há tanto
governo como Estado. Isto faz com a distinção seja inútil, já que nada ela é capaz de distin-
guir. Por exemplo, observe-se a política pública de educação: ao mesmo tempo em que os
objetivos e modelos organizacionais e decisórios estão na Constituição e são considerados
como de Estado, como a autonomia universitária, tem-se, também, na educação, decisões
claramente de governo, como o vencimento dos professores previsto no orçamento da-
quele ano.
Nota-se, assim, que as decisões podem ser de Estado ou de governo. Assim, é
necessário reflexões adicionais para se entender a diferença entre um e outro e, com isso,
aumentar o grau de complexidade da observação e permitir a ligação com diferentes regi-
mes jurídicos.

49
LUHMANN, Niklas. Essays on Self-Reference. New York: Columbia Press, 1990. p.166-167: “[…] we can see
the formula state as a self-description of the political system […] The state, then, is not a subsystem of the
political system. It is not the public bureaucracy. It is not only the legal fiction of a collective person to which
decisions are attributed. It is the political system reintroduced into the political system as a point of reference
for political action.”
50
Neste trabalho, não se discute a polêmica Polity, Policy e Politics. FREY, Klaus. Políticas públicas: um debate
conceitual e reflexões referentes à prática da análise de políticas públicas no Brasil. Planejamento e Políticas
Públicas, Brasília, n. 21, p. 211-259, jun. 2000.
O BRASIL EM CRISE E A RESPOSTA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS | 43

Conforme elaborado anteriormente, a distinção Estado/Governo vai caber no cam-


po dos elementos (1) objetivos, (2) modelo organizacional e (3) modelo decisório. Trata-se
de uma questão não de presença ou ausência de determinados requisitos, mas sim uma
observação a partir da intensidade e da hierarquia. O dado “Estado” exige uma um valor
hierarquicamente superior de planejamento (não significando que os elementos de governo
não o possuam), de representação democrática (estando na Constituição), uma maior es-
tabilidade na efetivação das mudanças, uma maior intensidade na ponderação dos riscos
envolvidos e finalmente de superação dos interesses de grupos, ou seja, da diferença go-
verno/oposição51, pois a política pública de Estado nem sempre considera essa distinção,
dados seus objetivos de alto cunho moral.
Passa-se a abordar pontualmente sobre cada um dos elementos, iniciando pelo
ponto 1, isto é, os objetivos. Para fins de maior complexidade na observação das políti-
cas públicas, propõe-se a distinção entre objetivo geral e objetivos específicos. O objetivo
geral de uma política pública será quase sempre a realização de um direito fundamental,
muito embora o que signifique a realização de um direito fundamental seja algo polêmico
por conta própria (ver, adiante, tópico sobre esta questão). Neste caso, pelo menos o as-
pecto do objetivo geral será sempre de Estado. Por outro lado, no que toca aos objetivos
específicos, estes podem ser de Estado e de governo. Lembrando: os objetivos de Estado
possuem um valor hierárquico mais alto no que toca ao tempo, planejamento, riscos pos-
síveis e distinção governo/oposição. Os objetivos específicos estabelecem uma finalidade,
um determinado estado de coisas a ser alcançado. Se o objetivo geral é a realização de um
direito fundamental, os objetivos específicos são dimensões deste objetivo mais geral. Por
exemplo, no caso da saúde, é objetivo de Estado a segurança nutricional, e pode ser um
objetivo de governo.
Passa-se agora a abordar o ponto 2, isto é, modelo decisório de Estado e modelo
decisório de governo. Os modelos decisórios consistem na arquitetura das decisões das
políticas públicas.
Modelos decisórios não significam decisões efetivamente tomadas, muito embora
o contínuo exercício da decisão possa levar a um modelo. Modelo decisório significa a
pré-formatação de decisões em uma forma específica, ou, em outros termos, o workflow
de decisões, com os eventos de entrada, saída, bifurcações etc. Essa forma específica gera
uma unidade emergente, um todo, isto é, o todo adquire propriedades próprias maiores do
que a mera soma das partes. Esta unidade é formada pela relação, estabelecida em lei, de:
- forma da decisão; - procedimento da decisão; - e agentes e organizações responsáveis
por determinada decisão.

51
NAFARRATE, Javier Torres. Luhmann: la política como sistema. México: UNAM, 2004. p.159. “El valor positivo
“gobierno” es el valor de designación del sistema; el valor negativo “oposición” es el valor de reflexión del
sistema.”
44 | CAROLINE MÜLLER BITENCOURT | JANRIÊ RECK

Esses elementos geram aspectos externos à decisão. O modelo decisório, con-


tudo, contém ainda aspectos internos em cada decisão. São os aspectos: - opções de
conteúdos possíveis da decisão; - e ligação entre pressupostos da decisão e alternativa
escolhida. Finalmente, como último elemento analítico tem-se os fluxos decisórios. Cada
decisão tomada irá abrir um campo possível de novas decisões. Significa dizer que o en-
cadeamento de uma decisão em outra faz parte do modelo decisório e pode ser planejado,
antecipado e modificado. Mas é importante ressaltar que geralmente o encadeamento não
é de uma decisão com necessariamente outras, mas sim que a tomada de uma decisão
abre diferentes possibilidades de tomada de decisão. Existem múltiplas decisões possíveis,
mas não são infinitas e talvez sejam em pequeno número, a depender da situação.
Há, desse modo, uma tecnificação, já que o modelo decisório diminui o elemento
pessoal e político (que não é eliminado por óbvio) e aumenta a impessoalidade. A tecnifi-
cação permite a reprodutibilidade. Situações parecidas poderão receber a mesma solução
dentro do modelo decisório. Isso ajuda na própria identidade da política pública. O modelo
decisório pode ser observado em diferentes organizações, ou, por outro lado, pode-se al-
terar os agentes envolvidos com as decisões e manter o mesmo tipo de decisão. Decisões
podem ser programadas nos modelos – evidentemente não se desconhecendo aqui as
dificuldades para tanto quando se trata de envolvimento de personalidade e comunicação52.
O modelo decisório, assim, diminui a incerteza, já que muitas decisões possíveis
(mas, provavelmente inviáveis) restam excluídas pelos elementos de forma, procedimen-
tos, conteúdos etc. O modelo decisório aumenta a previsibilidade pela padronização, per-
mitindo tanto a simulação dos resultados, como também a reavaliação e readequação
dos fluxos de decisão. Enquanto, por um lado, a complexidade diminui pela exclusão de
opções, as quais foram pensadas pelo modelador das políticas públicas, não pelo executor,
por outro lado, a quantidade de decisões aumenta exponencialmente, pelo incremento de
eficiência. Finalmente, o modelo decisório permite medir o risco das decisões, antecipan-
do, mesmo que de forma parcial, possíveis efeitos indesejados. Esses temas são melhor
analisados abaixo.
Os modelos decisórios podem ser de Estado e de governo. Os modelos decisórios
de Estado terão por característica a proteção perante considerações de situação/oposição.
Os governos, a situação, tendem à alteração dos modelos decisórios, para fins de imprimir
seu estilo de governar. Dado que os modelos decisórios de Estado simbolizam o interesse
geral, com pretensão de representação da totalidade da comunidade, o grupo específico
que ocupa os cargos de direção das organizações políticas terá de decidir, pelo menos

52
“The peculiar character possessed by our human social environment belongs to it by virtue of the peculiar
character of human social activity; and that character, as we have seen, is to be found in the process of com-
munication, and more particularly in the triadic relation on which the existence of meaning is based […] The
social situation and process of behavior are here presupposed by acts of the individual organisms implicated
therein”. MEAD, Georg Herbert. Mind, Self & Society. Chicago: Chicago University, 2005. p. 145.
O BRASIL EM CRISE E A RESPOSTA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS | 45

simbolicamente, quando não factualmente, no interesse geral. Decisões esperadas que,


em tese, se sobrepõem à distinção governo/oposição, mesmo que realizadas pelo governo,
são decisões de Estado.
Os modelos de Estado mantêm sua identidade mesmo com o novo governo. Caso
o modelo decisório seja alterado, é o caso de invocação do controle jurisdicional de políti-
cas públicas. Além disso, como os modelos decisórios são formados por decisões espe-
radas e, caso essas decisões não sejam tomadas, novamente será o caso de controle das
políticas públicas. Este controle, além de poder se feito via jurisdição, também pode ser
tutelado administrativamente.
Finalmente, chega-se ao ponto 3, relacionado aos modelos organizacionais de Es-
tado e governo. Entenda-se por modelo organizacional a relação entre decisão, organização
e especialização da organização, bem como a relação entre as organizações e ainda final-
mente quais organizações (públicas e privadas) estão envolvidas com determinada política
pública. Detalha-se.
As organizações são sistemas capazes de manter sua identidade, sua diferença
para com o exterior. Essa diferença entre o que faz parte da organização e o que não faz
parte da organização, por exemplo, a diferença Município/não município, é possibilitada
pela rede de decisões hierarquizadas e com remissões recíprocas à identidade que a for-
mam. Novamente, utilizando-se de exemplo, o Município está constantemente decidindo,
sendo que as decisões sempre se referem ao próprio Município. Este constante movimento
de remissões recíprocas forma a identidade das organizações políticas. Estas organizações
possuem uma função política, a saber, a geração e implementação de decisões vinculantes
para toda a coletividade.
O modelo organizacional implica estudar e planejar a especialização das decisões
por meio das organizações. Um sinônimo de modelo organizacional é arranjo institucional.
Significa dizer, em outras palavras, que as organizações estão especializadas em matérias
e tipos de decisões. No Direito, quem cumpre este papel para as organizações políticas é
o conceito de competência. Tendo-se em vista o conceito de competência, a organização
volta a sua atenção para problemas específicos e, mediante tipos específicos de decisão,
evita a perda de atenção e energia com outros problemas e outros tipos de decisão. Por
tipo de decisão, compreende-se o perfil jurídico da decisão, a qual pode se dar via Lei (lei
ordinária, complementar, etc) e atos administrativos (decretos, portarias, etc). O contínuo
exercício de uma competência por uma organização política ajuda em sua identidade, mas
principalmente em sua eficiência pela aprendizagem, já que existe a formação de memória
na organização. As organizações do tipo ente federativo acabam tendo múltiplas compe-
tências e, portanto, múltiplas especializações.
Há de se conceber, ainda, o conceito de organizações de organizações. Uma
organização pode ser formada por diversas organizações internas. Visualize-se um Es-
46 | CAROLINE MÜLLER BITENCOURT | JANRIÊ RECK

tado-membro e seus três poderes, os quais também podem ser analisados a partir da
perspectiva das organizações. As organizações relacionam-se com outras organizações.
Estas relações dão-se de diversas formas, mas novamente todas mediadas pelo Direito.
Pode ocorrer de a política pública ser totalmente executada com base em uma organização
específica, mas o normal é a política pública ser trespassada por diversas organizações,
inclusive privadas.
Há modelos organizacionais de Estado e Governo. A diferença53 entre Estado/go-
verno aqui reside na estabilidade de:

• existência da organização: a organização do casos dos modelos de Estado


será mais difícil de ser extinta (ex.: defensoria pública);

• especialização das decisões da organização;

• ordenação interna/hierarquia das organizações;

• tipos de decisões tomadas pelas organizações;

• relações entre organizações;

Em todas estas dimensões do modelo organizacional de Estado, o governo não po-


derá alterar sua configuração, ou, se o fizer, a reconfiguração ocorrerá em menor proporção
e com mais cautela ante os riscos. No caso das políticas públicas de governo, a criação
e a extinção das organizações, assim como o perfil e tipo de suas decisões, poderão ser
reordenadas mais rapidamente e a partir do uso dos valores governo/oposição – valores
estes que não podem ser utilizados quando se tratar de um modelo organizacional de Esta-
do. Ainda, em se tratando de modelos organizacionais de Estado, existe a possibilidade de
tutela judicial/controle jurisdicional das políticas públicas. Significa dizer que modificações
em profundidade no modelo organização são vetadas. Além disso, pode implicar obrigar a
organização a decidir, mesmo que os agentes destas organizações resolverem pela inação.
Políticas públicas não são sinônimo de serviço público e direitos sociais e tam-
pouco de Estado social. Embora não exista uma única definição acerca do que pode ser
chamado de Estado de bem-estar Social, é fato que independente de suas possíveis clas-
sificações, elas têm em comum o traço de que, em algum nível, o Estado se encarregará
direta ou indiretamente na prestação de alguns serviços e ações na tentativa de produzir
melhores condições de justiça social.
Também não é verdade que as políticas públicas são instrumentalizadas apenas
em Estados que se intitulem sociais. Em verdade, o berço da teoria das políticas públicas
é estadunidense, o qual é consenso que está longe de configurar um Estado Social. Nada

53
“A diferença não determina o que tem que ser selecionado, mas antes o fato de que se tem de fazer a seleção”.
LUHMANN, Niklas. Sistemas Sociais: esboços de uma teoria geral. Petrópolis: Vozes, 2016. p. 51.
O BRASIL EM CRISE E A RESPOSTA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS | 47

impede, contudo, que possam promover políticas de bem-estar social a sua população ou
também se possa falar em concepções do investimento social54. No entanto, quando se
trata de Estado social, a expectativa extraída pelo sentido do termo, histórica e socialmente,
pressupõe um empenho e coordenação por parte do Estado, via políticas públicas, na rea-
lização de direitos coletivos garantidores da condição de dignidade humana, uma espécie
de compromisso assumido e concretizado via políticas públicas. Um entrelaçamento entre
o ideal e sua forma de operacionalização, uma relação necessária e umbilical.
Ademais, está correto também afirmar que falar em Estado Social é falar em direito
social e, também, em serviços públicos55. É comum a confusão terminológica, bastante
justificável pela evolução do próprio debate no campo doutrinário e mesmo normativo,
entre direitos sociais, políticas sociais, serviços públicos e políticas públicas. A pretensão
aqui não é trazer diferentes visões sobre esses conceitos e nem mesmo reproduzir aqui a
evolução conceitual, mas sim mostrar que, apesar de seus inúmeros entrelaçamentos, há
diferenças, e são as diferenças que neste momento se quer destacar. Afinal, qual será o
impacto no campo dos serviços públicos de uma mudança na política pública de saúde?
Como a redução de servidores públicos ou a “transferência” da prestação desses para
concessionárias ou para parceria com OCIPS ou OSSs podem impactar no desenho insti-
tucional de uma política pública e sua execução? Como os retrocessos no reconhecimento
ou justicialidade de direitos sociais podem refletir na toada das políticas públicas ou mesmo
na oferta e na acessibilidade da prestação de serviços públicos? A pandemia serviu como
reforço e alerta para a importância dessas questões.

54
A noção de investimento social surgiu no discurso político e académico após meados da década de 1990, na
ala da ambição de modernizar o Estado Providência e assegurar a sua sustentabilidade a longo prazo, diante do
envelhecimento demográfico, tornando os sistemas de política social mais favoráveis ao emprego. O conceito
de investimento social é: “social investment shift in policy paradigm, understood as a coherent set of ideas,
relating causal understanding of social risk change and effective policy responses, the political mobilization
behind legitimate priorities of social risk mitigation, together with a governance structure that allows welfare
policymaking to be conducted in an internally consistent fashion. HEIMERICIJK, Anton. Social Investiment and
Its Critics. In: The Uses of Social Investment. United States of America by Oxford University Press 198 Madison
Avenue, New York, NY 10016, United States of America, 2017. Falta a página da citação.
55
Primeiramente, tratando-se de serviço público, inúmeras serão as correntes que se dividirão para a definição
dos serviços públicos: uns defendendo o critério orgânico; outros, o critério material; outros, o regime jurídico;
e, ainda, há os que combinem esses elementos. Essa questão de fato não é tão relevante a este trabalho,
mas importa referir que, dada a opção pelo direito administrativo social, é o conceito de serviço público do
professor Celso Antônio Bandeira de Mello que se alinha à perspectiva constitucional. Indicar a fonte do autor.
Por serviço público lato sensu, segundo Justin Filho, entende-se “(...) uma intervenção estatal no domínio
econômico. (...) a prestação do serviço público pressupõe a utilização de recursos limitados para a satisfação
de necessidades entre si excludentes. Isso envolve a utilização de recursos econômicos.” JUSTEN FILHO,
Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 483. Já para Bandeira de Mello: Sabe-se
que certas atividades (consistentes na prestação de utilidade ou comodidade material) destinadas a satisfazer
a coletividade em geral são qualificadas como serviços públicos quando, em dado tempo e lugar, o Estado
reputa que não convém relegá-las simplesmente à livre iniciativa; ou seja, que não é socialmente desejável que
fiquem tão só assujeitadas à fiscalização e controles que exerce sobre a generalidade das atividades privadas
(fiscalização e controles estes que se constituem no chamado “poder de polícia”). BANDEIRA DE MELLO,
Celso Antonio. Curso de direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 619.
48 | CAROLINE MÜLLER BITENCOURT | JANRIÊ RECK

Em um trabalho inédito sobre a abordagem das relações do direito e das políticas


públicas, que nos últimos anos teve um exponencial crescimento no âmbito da pesquisa
e produção científica, Bucci chama destaca que mesmo o aumento dessa produção não
resultou necessariamente em condições mais propícias ao seu desenvolvimento e ações
governamentais coordenadas: “(...) a falta de um tratamento sistemático ou estruturado
tende a reverberar a dispersão de ângulos de visão e temáticas, o que dificulta o aproveita-
mento coletivo do conhecimento acumulado”56.
O tema das políticas públicas, para ser estudado no Brasil, especialmente com a
promulgação da Constituição de 1988 e todo cenário de reconstrução democrática e valo-
rização dos direitos fundamentais e sociais, implica mais do que reconhecer determinados
direitos, requer investigar uma maior aproximação com a agenda política e com os atores
políticos, e, para isso, é preciso compreender também a estrutura e as capacidades institui-
ções de colocar os compromissos constitucionalmente assumidos em prática. No Brasil,
a área de estudos de políticas públicas nasce com a transição para a democracia, no início
dos anos 1980, mas é com a Constituição de 1988, que será iniciado um processo de re-
construção e diálogo com a sociedade de forma a enfrentar os resquícios do autoritarismo
dos mais de 20 anos de ditadura no Brasil57.
Sabe-se o que são direitos sociais, conhece-se também o que são políticas públi-
cas , mas quais são suas aproximações e diferenciações?
58

As políticas públicas, para Bucci, corresponderiam a uma espécie de diretriz e


também de meios, contendo normas de um tipo especial porque sua finalidade seria a
concretização de normativas que ficam “prejudicadas” por atributos de generalidade ou
abstração. Tal categoria seria de difícil acomodação na pirâmide Kelsiana segundo Bucci59.
Essa compreensão explicaria um pouco a forma com que as políticas públicas serão trata-
das no Texto Constitucional, não aparecendo sempre como uma unidade em específico, um
capítulo próprio, ou um dispositivo constitucional em específico, que trata de seu conteúdo,
bem como justificaria de certa forma suas aparições fragmentadas, especialmente quando
se trata da realização de direitos sociais, ora aparecendo somente com o termo “políticas”,
ora como “políticas públicas”.

56
BUCCI. Maria Paula Dallari. Método e aplicações da abordagem DPP. Revista Estudos Institucionais, v. 5, n. 3,
p. 791-832, set./dez. 2019. Disponível em: https://estudosinstitucionais.com/REI/article/view/430/447. Inserir
data de acesso
57
BUCCI. Maria Paula Dallari. Método e aplicações da abordagem DPP. Revista Estudos Institucionais, v. 5, n. 3,
p. 791-832, set./dez. 2019. Disponível em: https://estudosinstitucionais.com/REI/article/view/430/447. Inserir
data de acesso
58
Aqui, ressalta-se que não contribui para uma observação complexa da temática a confusão que costuma
acontecer na doutrina entre políticas públicas e serviço público.
59
BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito. In: _____. Políticas Públicas: reflexões
sobre o conceito jurídico. Saraiva: São Paulo, 2006. p. 22.
O BRASIL EM CRISE E A RESPOSTA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS | 49

As políticas públicas objetivam a realização de uma finalidade, obviamente con-


tornada pela Constituição. Para tanto, vai se valer de uma série de instrumentos para sua
realização. O serviço público tende a estar ligado com a política pública, que encontra no
serviço público mecanismo de sua realização. Os direitos sociais são esses compromis-
sos que são assumidos com a sociedade e quem para serem concretizados, dependerão
de uma série de atuação do Estado e, também, da própria sociedade. Basta pensar que o
direito à educação acaba sendo concretizadas via serviço público de educação gratuito,
mas também a educação se realiza por meio da iniciativa privada e que também família
e sociedade se comprometem com ela e contribuem à sua concretização. Já a política
pública de educação deve ser pensada e gerida pelo Estado, com participação da socie-
dade, e vai prever uma série de ações, instrumentos, agentes, planejamento, com devida
previsão e coordenação entre si para a tomada de múltiplas decisões. Assim como se pode
compreender que, dentro da política pública de saúde, estarão os serviços públicos, cons-
tata-se que também poderia estar o fomento para iniciativas com a sociedade civil, como
financiamento de bolsas de estudos pelo CNPQ.
Uma outra conclusão possível seria no sentido de traçar uma linha divisória mais
rígida entre as políticas, tal como aparecem nos textos normativos e as políticas públicas,
verdadeiros programas de ação governamental, despindo-se de suas roupagens jurídicas.
Nem tudo o que a lei chama de política é política pública. A exteriorização da política pú-
blica está muito distante de um padrão jurídico uniforme e claramente apreensível pelo
sistema jurídico. Essa característica dificulta muito o trabalho sistemático do cientista do
direito na abordagem das políticas públicas, uma vez que seu objeto é multiforme e com
grandes áreas de intersecção com outros domínios científicos. No plano prático, coloca-se
o problema da vinculatividade dos instrumentos de expressão das políticas – o seu caráter
cogente em face de governos e condições políticas que mudam – além da dificuldade da
difícil solução de controle das políticas públicas, isto é, os modos de exigir o seu descum-
primento em juízo60.
Duas questões de ordem prática. Uma refere-se a um problema imposto à própria
Teoria do Direito, em relação ao objeto das políticas públicas, e outra é a possibilidade
de se estar diante de uma nova categoria jurídica resultante da sistematização de outras
que integram a ordem jurídica tradicional, assim como a conexão com outros fenômenos,
como a Economia, a Política e mesmo as representações sociais e culturais gerais de uma
dada sociedade61.
No entanto, a política pública é uma categoria complexa que ora fará ligação com
a realização de um serviço público (ou um serviço público ajuda a executar uma política
pública), ora concretizará direitos sociais. Se toda a política pública talvez não possa ser

60
BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito. In: _____. Políticas Públicas: reflexões
sobre o conceito jurídico. Saraiva: São Paulo, 2006. p. 22-23.
50 | CAROLINE MÜLLER BITENCOURT | JANRIÊ RECK

controlada como uma norma jurídica, certamente algumas de suas operações serão. Logo:
“(...) uma lei editada no quadro de determinada política pública pode ser inconstitucional
sem que esta última o seja”61. Em sentido contrário, também temos que observar que:
“determinada política, em razão da finalidade por ela perseguida, pode ser julgada incom-
patível com os objetivos constitucionais que vinculam a ação do Estado sem que nenhum
dos atos administrativos, ou de nenhuma das normas que a regem, sejam, em si mesmos,
inconstitucionais”62.
Para Comparato63, especialmente quando trata da finalidade dos atos que envolvem
uma política pública, a primeira distinção a ser feita diz respeito à ideia de política como um
programa de ação governamental, o que é de ordem negativa. Negativa, pois não é amol-
dável à categoria de norma jurídica, visto que seus elementos são distintos das operações
habitualmente praticadas pelos juristas. Logo, a categoria das políticas públicas poderá ser
observável como atividade, uma vez que a política aparece antes de tudo como um con-
junto que engloba normas e atos tendentes à realização de um objetivo que é determinado.
Tal conceito, segundo o autor, constitui hoje o cerne da moderna noção de serviço público,
procedimento administrativo e direção estatal da economia. Sobre isso, vale o alerta de que
o conceito de atividade incidiria sobre fatos e normas; portanto, não se estaria diante de
um novo regime jurídico, mas, sim, da atividade judicial que comporta o controle desses.
Assim, configuraria apenas uma perspectiva de agregação para a análise do direito, um
pouco mais amplo, então: “o entendimento de política pública como atividade administrati-
va redunda, no que diz respeito à sindicabilidade judicial, no conhecido tema de controle da
discricionariedade administrativa, como também seus conhecidos problemas e limites”63.
Ainda, caso se busque a análise de políticas públicas também como uma atividade
do Estado ou mesmo apenas como um conceito mais largo para além dos atos e fatos,
importa pensar a qual poder incumbe essa tarefa. Aqui, também se pode dizer que, quando

61
COMPARATO, Fábio Konder. O Ministério Público na Defesa dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. In:
GRAU, Eros Roberto; CUNHA, Sérgio Sérvuloda Cunha (Coord.). Estudos de Direito Constitucional em home-
nagem a José Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 247.
Idem. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. Revista de Informação Legislativa, Bra-
sília, n. 138, p.40-47, abr./jun. 1998. Ainda, no mesmo sentido, mas aprofundando algumas de suas reflexões:
Idem. O Ministério Público na Defesa dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. In: GRAU, Eros Roberto;
CUNHA, Sérgio Sérvulo da Cunha (Coord.). Estudos de Direito Constitucional em homenagem a José Afonso
da Silva. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 245-260.
62
COMPARATO, Fábio Konder. O Ministério Público na Defesa dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. In:
GRAU, Eros Roberto; CUNHA, Sérgio Sérvuloda Cunha (Coord.). Estudos de Direito Constitucional em home-
nagem a José Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 247.
Idem. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. Revista de Informação Legislativa, Bra-
sília, n. 138, p.40-47, abr./jun. 1998. Ainda, no mesmo sentido, mas aprofundando algumas de suas reflexões:
Idem. O Ministério Público na Defesa dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. In: GRAU, Eros Roberto;
CUNHA, Sérgio Sérvuloda Cunha (Coord.). Estudos de Direito Constitucional em homenagem a José Afonso
da Silva. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 245-260.
63
BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito. In: _____. Políticas Públicas: reflexões
sobre o conceito jurídico. Saraiva: São Paulo, 2006. p. 25.
O BRASIL EM CRISE E A RESPOSTA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS | 51

se trata de políticas públicas, o titular da ação é o Estado, que não poderá delegar a terceiro,
isso porque se acredita que, quando o Estado prevê uma espécie de incentivo fiscal dentro
de uma política de desenvolvimento, os objetivos, as metas o controle quanto a sua sele-
ção, forma de execução, mecanismo e instrumentos continuam sendo responsabilidade do
Estado. Se uma política pública deve conter metas, diretrizes, programas, fins, ligados a
questões relacionadas ao interesse público, o Estado está sempre obrigado ao seu acom-
panhamento, fiscalização e controle.
Por todas essas razões apresentadas, tratar política pública como serviço público
ou como direito social dificulta a análise dos aspectos a serem observados nas múltiplas
decisões e de seus limites, que acabam de fato constituindo uma política pública.

As ondas do Estado social: há um único sentido a ser atribuído ao


Estado social?
O que é o Estado social?64 A primeira e mais intuitiva resposta é a de que se trata
de um Estado orientado a direitos sociais. Esta será uma linha base que será utilizada neste
trabalho, mas que precisa ser melhor detalhada. Antes deste detalhamento, contudo, anali-
sam-se as demais alternativas, assim como a epistemologia da questão.
Chamar um determinado Estado de social é distingui-lo dos demais modelos de
Estado. Há de se ter critérios de quando determinados indicadores pertencem ao Estado
social. Alguns fatos listados por Lessa auxiliam este debate a partir de um estudo compara-
do entre diferentes regimes. Ele elenca 15 fatos estilizados sobre o que se pode considerar
welfare state:

O welfare state apoia e promove a atividade econômica (ou: existe um anti-trade


off entre equidade e eficiência). Políticas universais reduzem mais a pobreza e a
desigualdade que políticas focalizadas. A inclusão da classe média no consumo dos
serviços sociais garante maior financiamento e melhor qualidade dos serviços. Ser-
viços públicos de educação precoce/creches de qualidade diminuem a desigualdade
intergeracional. A desfamiliarização (serviços de cuidado e benefícios monetários

64
HABERMAS, Jürgen. Diagnósticos do tempo: seis ensaios. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2005, p. 16:
“Como reação às sequelas da Primeira Guerra Mundial e à crise econômica mundial, as correspondentes
correntes políticas se impuseram: o comunismo da União Soviética na Rússia; o corporativismo autoritário na
Itália fascista, na Alemanha nazista e na Espanha falangista; e o reformismo social-democrata nas democra-
cias de massa do Ocidente. Somente esse projeto de Estado social se apropriou da herança dos movimentos
de emancipação burgueses, a qual se cristalizou no Estado constitucional democrático. Mesmo tendo saído da
tradição social-democrata, não foi seguido apenas por governos regidos pelo modelo social-democrata. Após
a Segunda Guerra Mundial, todos os partidos que chegaram ao governo nos países ocidentais obtiveram, mais
ou menos, sua maioria à luz das metas do Estado social. Entretanto, desde meados dos anos 70, tornam-se
mais claros os limites do projeto do Estado social – mesmo que até agora não se desenhe nenhuma alternativa
clara”.

Você também pode gostar