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JANRIÊ RECK
ISBN: 978-65-5765-086-8
Informamos que é de inteira responsabilidade dos autores a emissão de conceitos publicados na obra. Ne-
nhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia auto-
rização da Editora Íthala. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei nº 9.610/98 e punido
pelo art. 184 do Código Penal.
CAROLINE MÜLLER BITENCOURT
JANRIÊ RECK
EDITORA ÍTHALA
CURITIBA – 2021
Para estudar a
Política Pública
O que é uma política pública? E por que importa a tentativa de conceituar política
pública?
É com essas duas indagações que se decidiu iniciar esta obra, por várias razões:
1) um crescimento muito grande na produção acadêmica envolvendo o tema das políticas
públicas, ou melhor, o debate sobre a abordagem7 das políticas públicas; 2) quando tudo
é política pública, nada é política pública, ou seja, compreender a distinção entre política
pública e outras categorias permite pensar uma regime adequado às políticas públicas; 3)
acredita-se que a reconstrução do Estado e do Direito Administrativo pós-pandemia deva
passar pela narrativa/filtro das políticas públicas, pensando-se, inclusive, em um plano
de emergência; 4) a fragmentação da observação sobre o conceito de políticas públicas,
especialmente, pelos diferentes campos científicos que estudam as políticas públicas, tais
como a economia, a política, o direito, assim como a observação de que cada conceito é
importante para especialidades, e com a visão de que o atual estado da arte científica peca
por uma falta de visão holística e complexa; 5) acredita-se que esse conceito contribui para
compreensão do Direito Administrativo entendido como instrumento de concretização do
Estado Democrático de Direito, ou seja, o Direito Administrativo Social; 6) dada a aderência
à noção de interesse público não como um comando vazio e autoritário desprovido de
conteúdo, mas como um fio condutor da ação estatal e com a noção de que as políticas
públicas estão ligadas ao interesse público; 7) pela compreensão de que há, no atual cená-
rio brasileiro, um ataque sistemático às políticas públicas e ao estado Social, desejando-se,
por isso, contribuir para o debate público, com argumentos racionais, pautados na crença
da missão científica, de trazer luzes ao obscuro contexto democrático brasileiro, o qual ca-
minha a passos largos para o autoritarismo e retrocessos sociais; e, 8) finalmente, porque
a hipótese de trabalho deste livro é a de que as políticas públicas respondem adequada-
mente ao compromissos assumidos pós-1988 com a dignidade humana, justiça social e
valores democráticos e republicanos.
7
Maria Paula Dallari Bucci propõe a compreensão da temática a partir do termo “abordagem das políticas públi-
cas” e não como campo ou subcampo: “A finalidade deste ensaio é especular sobre as bases metodológicas
da abordagem Direito e Políticas Públicas (DPP) , bem como sobre suas aplicações, isto é, suas aptidões
analíticas, de modo que o Direito possa dialogar com outras disciplinas ou mundos profissionais contribuindo
para a compreensão de problemas públicos amplos e complexos, em sua dimensão jurídica. BUCCI. Maria
Paula Dallari. Método e aplicações da abordagem DPP. Revista Estudos Institucionais, v. 5, n. 3, p. 791-832,
set./dez. 2019. Disponível em: https://estudosinstitucionais.com/REI/article/view/430/447.
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8
BUCCI. Maria Paula Dallari. Fundamentos para uma Teoria Jurídica das Políticas Públicas. São Paulo: Saraiva,
2013. p. 287: “O legado mais importante da corrente da policy analisis talvez tenha sido exatamente a incor-
poração da observação prática e da multidisciplinaridade. Em 1951, formou-se um grupo interdisciplinar na
Universidade de Chicago, sob a coordenação do Departamento de Psicologia, para uma discussão sobre os
problemas comuns em uma abordagem de sistemas nas ciências físicas, biológicas e sociais”.
9
LUHMANN Niklas. Organización y Decisión: Autopoiesis, acción y entendimiento comunicativo. Anthropos:
México, 1997. p. 12: “A diferença de las simples acciones, las decisiones tematizan su propia contingencia
y logran unidad por el hecho de que, no obstante, se definen de forma clara. Lo que actúa como unidad de la
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Ocorre que, antes de tudo, a política pública só pode ser a política pública da socie-
dade. A política pública é evidentemente uma categoria social, uma criação da sociedade e
não um fenômeno a-histórico ou que possa ser analisado de forma pura. Entender a política
pública significa entender a sociedade, de modo que as matrizes e formas mais complexas
de entendimento da sociedade podem ser transportadas, com as devidas adaptações (sen-
do precisamente este o desafio), para uma metodologia de exame das políticas públicas.
Nota-se como a política pública é necessária e naturalmente é um problema multi-
disciplinar. Se bem que qualquer problema pode ser analisado com base em diversos cam-
pos do conhecimento e, mesmo atravessando estes mesmos campos, no caso da política
pública, esta interdisciplinaridade é natural. Para se entender, ou, falando em outros termos,
para distinguir a política pública de outros fenômenos sociais e políticos é necessário um
ponto de vista indisciplinar que obtenha contribuições de todas aquelas disciplinas (Ciência
política, Sociologia, etc.), ou seja, uma Teoria das Políticas Públicas. Não é objetivo deste
livro traçar os limites de uma Teoria Geral das Políticas Públicas, muito embora alguns ele-
mentos desta teoria serão utilizados para a construção dos principais conceitos e distinção
que irão instrumentalizar as políticas públicas no Estado social e no Direito Administrativo
social. O ponto de vista deste livro é interdisciplinar, com enfoque no Direito. Trata-se tanto
de responder como o Direito se comporta nas políticas públicas como qual é o Direito das
políticas públicas. Neste trabalho o fenômeno das políticas públicas estará conectado ao
Estado social e ao Direito Administrativo social, com a ressalva de que as políticas públicas
não são exclusividade do Estado social.
Assim, em um primeiro momento deste capítulo, será abordado o problema do
conceito de política pública. Em seguida, os elementos componentes da política pública,
assim como seus instrumentos, para, logo em seguida, delimitar a roupagem jurídica que
estes elementos componentes terão. Essas distinções são pontes para a operação seguin-
te, que é a de distinguir elementos de política pública de Estado/governo, para finalmente
se entender a política pública como sistema social.
decisión (y en organizacones, como elementos del sistema) es por lo tanto la relación ajustada entre alternati-
vas. La identidade de um acto de decisión no se perfila, consecuentemente, sólo em la alternativa elegida, sino
también contra el horizonte de otras posibilidades de entre las cuales aquélla há sido proferida”.
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otimizam10 os fluxos decisórios. Quantos mais pontos de observação, menos pontos cegos
há – sendo que a existência de mais pontos de observação consome mais tempo. Distin-
ções11 simplórias, por outro lado, podem gerar a ilusão de ganho de tempo; entretanto,
dada a sua inutilidade, acabam por virar sua perda e retrabalho posterior. Nota-se que se
trata de distinguir fenômenos sociais, já que a política pública é um evento social. Logo,
política pública só pode ser comunicação, linguagem, e não algo presente no mundo físico
ou no meramente psicológico.
Os conceitos12 carregam distinções e são, assim, observações e construções da
sociedade. Se bem que se reconhece que os conceitos não são eventos comunicativos que
revelam a essência de algo, como os antigos clássicos da metafísica consideravam, já que
esta, a essência, inexiste, é bem verdade que o conceito13 possui um grau de generalidade,
ou, melhor dizendo, capacidade de enlace, que o faz desconectar de um episódio específi-
co. Ele possui capacidade de reutilização14.
Ademais, o conceito é uma construção social, um saber compartilhado, que facilita
a comunicação porque reduz complexidade. Ele simplifica. E esta simplificação permite a
distinção e o compartilhamento. Distinguir e compartilhar um conceito é fazer aquele objeto
do conceito existir para a sociedade. Um objeto existe, porque existe seu conceito como
compartilhamento social de uma informação – ao contrário do pensamento clássico, que
considera primeiro existir um objeto em sua forma ideal, servindo o conceito como uma
“revelação” daquela forma a priori.
10
Note-se que não foi caracterizado o que significa otimizar. Em nenhuma hipótese aqui, é defendido um conceito
de política pública “ótima” como aquela neoliberal ou que atinge resultados sem procedimentos ou participa-
ção da sociedade.
11
CLAM, Jean. Questões fundamentais de uma teoria da sociedade: contingência, paradoxo, só –efetuação.
São Leopoldo: Unisinos, 2006. p.112: Tais diferenciações são, por assim dizer, “sem por quê”: elas são “de-
cisões” e como tais atos de poder/violência [Gewalt].
12
LUHMANN, Niklas. El Derecho de la Sociedad. Universidad Iberoamericana: México, 2002. p.184. “Toda co-
municación fija el tiempo en el sentido que determina el estado del sistema desde el que habrá de partir la
siguiente comunicación. De esto hay que distinguir la fijación de sentido que se emplea en el uso destinado
a la repetición: el sentido de las palabras, de los conceptos, de las afirmaciones verdaderas. A esta fijación
de sentido de un sistema de comunicación que se destina al uso repetido conduce a consolidaciones en el
tempo”.
13
KOSELLECK, Reinhart. Futuro Pasado: para una semántica de los tiempos históricos. Barcelona: Paidós, 1993.
p. 116. “Cada concepto depende de una palabra, pero cada palabra no es un concepto social y político. Los
conceptos sociales y políticos contienen una concreta pretensión de generalidad y son siempre polisémicos –
y contienen ambas cosas no sólo como simples palabras para la ciencia de la história.
14
“El sentido es, entonces, a todas luces una forma de operación histórica, y sólo su utilización enlaza el sur-
gimiento contingente y la indeterminación de aplicaciones futuras”. LUHMANN, Niklas. La sociedad de la
sociedad. México: Herder, 2007. p. 30.
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15
CLAM, Jean. Questões fundamentais de uma teoria da sociedade: contingência, paradoxo, só –efetuação.
São Leopoldo: Unisinos, 2006. p.114: “Quando o mundo se organiza sem exclusões, ele incorre numa contí-
nua sobredeterminação de seus conteúdos.”
16
“[...] é tudo aquilo que os governos escolhem fazer ou não fazer.” DYE, Thomas R. Understanding the public
policy. New Jersey: Prentice-Hall, 1975. p.1-2.
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17
Sobre o significado de decisão: “Ya que, sin embargo, una de las alternativas debe ser distinguida por la
decisión (de lo contrário no sería decisión, cada decisión tiene una doble unidad, es decir: 1) la relación de la
diferencia de las alternativas y 2) la misma alternativa escogida. La decisión es ejecutada como sustitución de
una unidad por la otra, como sustitución de 2) por 1). Esta sustitución sólo se puede pensar temporalmente,
como una sucesión. Sin embargo, su temporalidad no es solamente tilla diferencia de posición en el tiempo de
manera que se dé una unidad antes y la otra después. Antes bien, mediante la decisión, es traspasada la unidad
de la diferencia de alternativas a la alternativa escogida, de tal manera que en el resultado de la decisión pen-
nanece como historia y contingencia, aparece y es constataqa como tal. En este sentido puede describirse el
decidir como converting uncertainty to risk”. LUHMANN Niklas. Organización y Decisión: Autopoiesis, acción
y entendimiento comunicativo. Anthropos: México, 1997. p. 10.
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18
“Em primeiro lugar, sequências passadas de medidas políticas deram-lhe conhecimento sobre as consequên-
cias prováveis de passos adicionais semelhantes dados em relação ao futuro. Em segundo lugar, ele não
precisa tentar saltos enormes ruma a suas metas, avanços que exijam dele previsões que vão além de seu
conhecimento ou do conhecimento de qualquer outra pessoa, pois ele jamais alimenta a expectativa de que
sua decisão irá representar a solução final de um problema. Em terceiro lugar, ele tem efetivamente condições
de testar suas previsões anteriores, à medida que se movimento no sentido dos passos seguintes. Finalmente,
ele pode, com frequência, remediar erros passados com razoável rapidez – mais rapidamente do que o faria se
a política procedesse por passos mais distintos, extensamente distanciados no tempo”. LINDBLOM, Charles
E. Muddling Through 1: a ciência da decisão incremental. In: HEIDEMANN, Francisco; SALM, José Francisco.
Políticas Públicas e Desenvolvimento: Bases epistemológicas e modelos de análise. 3ª ed. Brasília: UNB,
2014. p. 185.
19
CHRISPINO, Alvaro. Introdução ao Estudo das Políticas Públicas: uma visão interdisciplinar e contextualizada.
Rio de Janeiro: FGV Editora, 2016. p. 155.
20
“Na verdade, como assinalam Donaldson e Lipsey (2006), a conceituação de teoria da avaliação encerra um
confuso mix de conceitos sobre como a avaliação poderia ser praticada, bem como de estruturas exploratórias
para fenômeno da ciência social e assunção referentes a como os programas funcionam ou estão supostos
para funcionar. E apontam, logo em seguida, termo intercambiáveis como teorias da prática, avaliação e teoria
da mudança e modelo lógico. E em seguida ainda lembram outros temas intercambiáveis na literatura da aval-
iação, como theory-driven evaluation, theory-based evaluation, program theory-driven evaluation, intervening
mechanism evaluation, theoretically relevant evaluation research, program theory, program logic e logic mod-
eling”. SOUZA, Lincoln Moraes de. Aspectos Teóricos da Avaliação de Políticas Públicas. Curitiba: CRV, 2019.
p. 22.
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21
Ao contrário das concepções realistas de conceito: “No pensamento jurídico prevalecem as teses realistas
a respeito do significado das palavras [...] nas ciências dogmáticas do Direito tem grande vigor a suposição
de que os conceitos normativos refletem uma conexão necessária e essencial com a realidade, de que as
definições do campo jurídico se obtêm mediante uma intuição intelectual de natureza intrínseca dos fenô-
menos denotados. [...] Esta concepção ontológica é, inclusive, sustentada em relação àquelas palavras que
pretendem designar valores, tais como justiça, honestidade, proibido, etc”. WARAT, Luis Alberto. A Definição
Jurídica: suas técnicas. Porto Alegre: Atrium, 1977. p.14:
22
NAFARRATE, Javier Torres. Luhmann: la política como sistema. México: UNAM, 2004. p.143. “[...] entonces
no queda más que definir la función de la política como mantener la capacidad de tomar decisiones que
vinculen coletivamente”.
23
LUHMANN, Niklas. La sociedad de la sociedad. México: Herder, 2007. p. 278. “[...] el mismo poder político
puede ser también sometido al derecho, de manera que pude utilizar sus propios médios de coacción unica-
mente si media el derecho, e incluso puede cambiar al propio derecho tan sólo si se sujeta a los requerimientos
establecidos para ello por el sistema jurídico. La designación habitual para estos logros es “rule of law” o
Estado de derecho”.
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tos e prazos pelo Direito. Finalmente, quinta e última, as alternativas das decisões que serão
tomadas em termos de políticas estão condicionadas pelo Direito. Do mesmo modo que
não se pode decidir de qualquer forma em políticas públicas, não se pode decidir qualquer
tema ou caso em termos de políticas públicas, já que o Direito estabelece condicionantes
ou premissas para a decisão. Conjugando-se tudo isso, pode-se seguramente dizer que o
Direito é o modelador das políticas públicas.
Em se retomando outro aspecto da política pública, ainda no campo do Direito
como coordenador de ações, as decisões24 estão conectadas umas outras. As políticas
públicas são formadas por uma rede de decisões políticas e jurídicas ao mesmo tempo.
Rede esta que adquire densidade por suas ligações. Trata-se de decisões políticas, porque
vinculam a comunidade, e jurídicas, porque se expressas na linguagem25, sendo, então,
além da institucionalização nas organizações públicas26. Esta rede decisões possui uma
determinada organização ou propriedades emergentes, que se caracterizam precisamente
em se organizarem de forma planejada para alcançarem objetivos.
Assim, o primeiro conceito provisório de políticas públicas é: rede de decisões com
função política de uma dada comunidade, com expressão e premissas jurídicas, de caráter
reflexivo, que estão organizadas em torno do planejamento, ligando o manejo de instru-
mentos da Administração Pública a objetivos desejáveis (como principalmente a realização
de direitos fundamentais) e, com isto, demandando tempo. Na próxima rodada de carac-
terização das políticas públicas, serão expostos os modelos de modo a ilustrar o conceito.
24
“una mayor profundidad en la comprensión de la realidad mediante el aumento del número de decisiones, ya
que esto se dar a través de decisiones” LUHMANN, Niklas. Organización y Decisión. Autopoiesis, acción y
entendimiento comunicativo. Anthropos: México, 1997. p.24.
25
LUHMANN, Niklas. La Sociedad de la Sociedad. México: Herder, 2007. p. 278. “[...] el mismo poder político
puede ser también sometido al derecho, de manera que pude utilizar sus propios médios de coacción unica-
mente si media el derecho, e incluso puede cambiar al propio derecho tan sólo si se sujeta a los requerimientos
establecidos para ello por el sistema jurídico. La designación habitual para estos logros es “rule of law” o
Estado de derecho”.
26
“É justamente por isso (restrição do arcabouço institucional analisado; da totalidade do Estado ao aparelho
de Estado) que nossa escolha conceitual do que é política pública segue a lógica do agente. Se o governo é
o protagonista, ele assim como mecanismo diretivo do próprio aparelho do Estado”. REISMAN, Leonardo; DE
TONI, Jackson. A Formação do Estado brasileiro e o impacto sobre as políticas públicas. In: MENDES, Gilmar;
PAIVA, Paulo. Políticas Públicas no Brasil: uma abordagem institucional. São Paulo: Saraiva, 2017.p. 17.
27
Um dos tantos conceitos de sistema: “Conjunto de elementos em interação”. BERTALANFFY, Ludwig von.
Teoria Geral dos Sistemas: fundamentos, desenvolvimento e aplicações. Petrópolis: Vozes, 2013. p. 63.
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ligados. Significa dizer: o todo é maior que a soma das partes. É possível analisar a política
pública como sistema e, com isto, tem-se a vantagem de observá-la no todo, mas também
se pode decompô-la em suas partes e, com isto, ganha-se em detalhamento. Não é correto
pensar que a visão macro é mais correta que a micro e vice-versa. A questão é a formação
de observações adequadas para determinada situação e determinados fins.
Neste tópico, serão abordados elementos e instrumentos das políticas públicas.
Novamente, quando estes elementos são reunidos, tem-se uma emergência, isto é, a for-
mação de um todo que é maior que a soma das partes, formando a diferença entre o que
está dentro e o que está fora28. Os elementos se diferenciam dos instrumentos.
A composição de destes elementos e instrumentos leva à conclusão de que as po-
líticas públicas só podem ser adequadamente observadas quando tomadas no todo29 e não
como ações específicas. Decidir sobre um currículo escolar, sobre o uso de uma estrada,
sobre o financiamento de moradias, nada disso é uma política pública. São, isto sim, ações
que se valem de instrumentos de uma política pública. A melhor saída é relacionar o todo
com o objetivo e com o direito fundamental. Assim, o nível correto de análise das políticas
públicas é aquele que estabelece algum grau de generalização e corte temático. O melhor
grau de generalização e que corresponde à prática das políticas públicas nas administra-
ções modernas é o que se conecta aos direitos fundamentais. Propõe-se, assim, o uso no
singular, política pública de “...”, em vez de políticas públicas, conforme já fundamentado
anteriormente.
Os instrumentos são também unidades. São esquemas de decisão dentro do todo
maior de decisão que precisamente é a política pública. Os instrumentos estão disponíveis
na tradição do Direito Administrativo e constituem-se nas formas tradicionais de serviço
público e poder de polícia, entre outros, os quais serão analisados de forma mais detalhada
ainda neste tópico.
Os elementos da política pública formam o sistema “política pública”. Segue racio-
cínio acerca dos elementos que compõem a política pública.
28
A partir da interação de elementos (no caso das políticas públicas, decisões político-jurídicas), é possível
o surgimento uma organização, isto é, de um sistema. “as interações são ações recíprocas que modificam
o comportamento ou a natureza dos elementos, corpos, objetos ou fenômenos que estão presentes ou se
influenciam. Considera a interação, a noção – placa giratória entre ordem, desordem e organização (o nó
górdio), termos ligados via interações (um termo não pode ser concebido fora da referência do outro). As
interações: 1. supõem elementos, seres ou objetos materiais, que podem encontrar-se; 2. supõem condições
de encontro, ou seja, agitação, turbulência, fluxos contrários, etc; 3. obedecem a determinações/imposições
que dependem da natureza dos elementos, objetos ou seres que se encontram; 4. tornam-se, em certas
condições, interrelações, associações, combinações, comunicação, ou seja, dão origem a fenômenos de
organização)”. MORIN, Edgar. O método 1: a natureza da natureza. Porto Alegre: Sulina, 2002. p. 53-55.
29
MORIN, Edgar. O método 1: a natureza da natureza. Porto Alegre: Sulina, 2002. p. 136: “O sistema possui algo
mais do que os seus componentes considerados de modo isolado ou justaposto: sua própria organização; sua
própria unidade global (o todo); as qualidades e propriedades novas emergentes da organização da unidade
global”.
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• Função: por função, entende-se o que a política pública faz, o que é diferente de sua
finalidade, a qual neste trabalho está mais conectada com os objetivos. Enquanto
a função do sistema da política é a geração de decisões vinculantes para toda a
coletividade, por outro lado, dado que na política pública se encontram disponíveis
os meios do Direito, é necessária certa especificação: a política pública é o ele-
mento de materialização das decisões vinculantes para toda uma coletividade30.
Possui, portanto, essa função de operacionalizar as decisões vinculantes para toda
comunidade (mediante mais decisões vinculantes para toda a coletividade). Trata-
-se, desse modo, de uma especificidade da política31. Se a política pública possui
esta função política, pode-se dizer, em conclusão, que se trata de uma espécie de
programação da própria comunidade. A política pública é uma forma de uma dada
comunidade atuar sobre ela mesma – claro que mediada sempre pela política e
pelas organizações. Isso remete a um outro problema, que é o da formação de-
mocrática das políticas públicas, mas que não vem ao caso tratar neste momento.
30
NAFARRATE, Javier Torres. Luhmann: la política como sistema. México: UNAM, 2004. p. 144. “Con la función
de mantener la capacidad de tomar decisiones que vinculen colectivamente no queda fijado ningún contenido
en la decisión. No se trata de un principio constitucional, ni de un valor fundamental a partir del cual se pudieran
regular las desviaciones. Ni tampoco se trata de la tesis de hacer que lo arbitrario se haga posible. Precisamen-
te para que la contingencia de la decissión quede asegurada, se necesita el condicionamento de los límites: la
universalización de la contingencia exige un frame, exige un marco de condiciones de posibilidad dentro del
cual se pueda reconocer si se tarta de comunicaciones políticas (o no). No todo lo que se comunica como
decisión tiene valor político: con una confusión de esse tamaño ya se podría tomar ninguna decisión. A partir
de aquí se puede entender por qué el proceso evolutivo ‘elige’ esta función que corresponde a un problema que
la sociedad (con o sin política diferenciada) debe resolver: la necesidad de asegurar la vinculación colectiva
más allá de la divergencia o fluctuación de opinión de los afectados”.
31
SECCHI, Leonardo. Modelos organizacionais e reformas da Administração Pública. Revista Administração
Pública. Rio de Janeiro, v. 43, n. 2, p. 347-369, abr. 2009. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S0034-76122009000200004&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 03 jan. 2019.
p. 5: “política pública é uma diretriz elaborada para enfrentar um problema público”.
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32
LUHMANN Niklas. Organización y Decisión: Autopoiesis, acción y entendimiento comunicativo. Anthropos:
México, 1997. p. 9: “[...] las decisiones no tienen su identidade em el desarrollo de um acontecer determinado,
sino em la elección entre varias posibilidades (alternativas), que sólo se documenta em la alternativa elegida
(pero que no consiste em la alternativa elegida)”.
33
“La génesis de una política pública implica el reconocimiento de un problema” PARSONS, Wayne. Políticas
Públicas: una introducción a la teoria y la prática de análisis de políticas públicas. México: Flacso, 2007. p. 119
34
“Modelo institucional significa um determinado padrão de arranjo institucional, passível de aplicação e replica-
ção em contextos semelhantes. Pode-se utilizar o modelo no sentido de replicar, em escala ampla, um padrão
de arranjo institucional, para um fim específico”. BUCCI. Maria Paula Dallari. Fundamentos para uma Teoria
Jurídica das Políticas Públicas. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 238.
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35
Aqui é diferente do que fundamenta SECCHI, Leonardo. Modelos organizacionais e reformas da Administração
Pública. Revista Administração Pública. Rio de Janeiro. , v. 43, n. 2, p. 347-369.,Abril de Apr. 2009. Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-76122009000200004&lng=en&nrm=-
iso>. Acesso em: 10 jan. 2021. A diferença ocorre, uma vez que neste artigo o autor toma por modelos
organizacionais as diferentes teorias sobre administração pública.
36
Geralmente por arranjo institucional entende-se um conceito que mistura modelo organizacional e decisório,
o que este trabalho divide: “Arranjo institucional é locução que conota o agregado de disposições, medidas e
iniciativas em torno da ação governamental, em sua expressão exterior, com um sentido sistemático”. BUCCI.
Maria Paula Dallari. Fundamentos para uma Teoria Jurídica das Políticas Públicas. São Paulo: Saraiva, 2013.
p. 237.
37
Sobre o conceito de organização: “Los sistemas organizacionels son sistemas sociales constituídos por deci-
siones y que atan decisiones mutuamente entre sí”. LUHMANN Niklas. Organización y Decisión: Autopoiesis,
acción y entendimiento comunicativo. Anthropos: México, 1997. p. 14.
38
LUHMANN, Niklas. Sistemas Sociais: esboço de uma teoria geral. Petrópolis: Vozes, 2016. p. 168. “Deno-
minaremos de simbolicamente generalizados aqueles meios que empregam generalizações para simbolizar
a conexão entre seleção e motivação, quer dizer, para representá-lo como unidade. Exemplos importantes
são verdade, amor, propriedade/dinheiro, poder/direito [...] linguagem, meios de difusão e meios de comu-
nicação simbolicamente generalizados são, portanto, conquistas evolucionárias que, interdependentemente,
fundamentam e aumentam as prestações do processamento de informação que podem ser produzidas pela
comunicação social”.
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Além de tudo isso, há ainda as decisões, que seriam as menores unidades possí-
veis de análise. Preferiu-se não colocar a decisão como elemento da política pública. Isso
porque a decisão seria a menor partícula. Seria a menor parte componente e, portanto,
estaria circulando por toda a política pública.
Ressalte-se que aqui é possível introduzir a distinção políticas públicas de Estado e
políticas públicas de governo. A distinção entre políticas públicas de Estado e de Governo
está conectada com apenas três dos elementos citados anteriormente, a saber, os modelos
decisórios, os modelos organizacionais e os objetivos de políticas públicas. Esta distinção
será explicitada no próximo tópico.
Volta-se à descrição dos instrumentos de políticas públicas. Como observado, os
instrumentos fazem parte da tradição do Direito e são usualmente estudados no campo do
Direito Administrativo. Pode-se conceituar instrumentos de políticas públicas como aque-
les esquemas de decisão jurídica que são instrumentais à realização dos objetivos das
políticas públicas. Essa instrumentalização significa a mudança no estado de coisas na
39
NAFARRATE, Javier Torres. Luhmann: la política como sistema. México: UNAM, 2004. p. 49-50. “El poder
funciona solamente cuando Ego se somete voluntariamente a Alter. Si Ego se somete sin necesidad de ser
sometido a la voluntad de Alter, se le puede atribuir una ventaja a Alter con respecto a Ego; a esse proceso se
le podría denominar autosujeción voluntaria, dinámica que pone en evidencia la alta disposición asimétrica que
sustenta la cooperación. En síntesis, el poder depende de la capacidad de ponderar varias alternativas y de
seleccionar una de ellas por medio de la decisión.”
40
LUHMANN, Niklas. La Sociedad de la Sociedad. México: Herder, 2007. p. 181. Un símbolo no es solo un
signo – como por ejemplo una palabra. Un símbolo no sólo designa la unidad, sino que la efectúa. La paradoja
subyacente se oculta en lugares exactos. Por eso, los símbolos de ningún modo pueden reemplazarse por
conceptos, pues llevaría a una contradicción en el concepto”
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41
Estas mudanças podem-se se dar tanto por meio de grandes saltos como de forma incremental: “Além do
mais, na política, o incrementalismo, em princípio, não é lento. Ele não é, portanto, necessariamente uma tática
conservadora. Uma sequência rápida de pequenas mudanças pode produzir alteração drástica no status quo
de uma forma mais rápida do que o faria uma grande mudança política, implementada apenas uma vez ou
outra. Se a velocidade da mudança é o produtor do tamanho do passo pela frequência do passo, as configu-
rações de mudança incremental constituem, em circunstâncias ordinárias, o método mais rápido de mudança
de que se dispõe”. LINDBLOM, Charles E. Muddling Through 2: a ubiquidade da decisão incremental. In:
HEIDEMANN, Francisco; SALM, José Francisco. Políticas Públicas e Desenvolvimento: Bases epistemológicas
e modelos de análise. 3ª ed. Brasília: UNB, 2014. p. 198.
42
SCHMIDT, João Pedro. Para estudar políticas públicas: aspectos conceituais, metodológicos e abordagens
teóricas. Revista do Direito, Santa Cruz do Sul, v. 3, n. 56, p. 119-149, set./dez. 2018. DOI: 10.17058/rdunisc.
v3i56.12688. Disponível em: https://online.unisc.br/seer/index.php/direito/article/view/12688. Acesso em: 25
jun. 2021.
38 | CAROLINE MÜLLER BITENCOURT | JANRIÊ RECK
• Fomento, sendo caracterizado por uma decisão das organizações públicas que fa-
cilitam a decisão do destinatário. No fomento43, a política pública é capaz de induzir
a realização de ações desejadas por meio de facilitações, como é o caso do meio
de comunicação socialmente generalizado e indutor de comportamentos, que é
o dinheiro. Com o fomento, diminuem-se os riscos do destinatário. Por exemplo,
tendo bolsas de estudo, o estudante decide realizar seu ensino superior; via trans-
ferências de recursos, o ente privado dispõe-se a proteger o patrimônio cultural, e
assim sucessivamente.
43
Concorda-se com Schier, a afirmar que o fomento está vinculado ao desenvolvimento e aos objetivos da
Constituição de 1988. Não se trata de substituir a atividade estatal dos serviços públicos, mas ao lado dessa
atividade, o fomento como uma atividade de realização de direitos fundamentais também suscetível a controle
e vinculação com a construção do Estado Social. Ver a obra: SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. Fomento:
Administração Pública, Direitos Fundamentais e Desenvolvimento. 1. ed. Curitiba: Íthala, 2019.
O BRASIL EM CRISE E A RESPOSTA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS | 39
44
Para Luhmann, a programação do Direito é sempre condicional (a programação finalística torna-se possível
por meio dos programas condicionais). Como diz Luhmann, sua “forma básica é a seguinte: se forem preen-
chidas determinadas condições (se for configurado um conjunto de fatos previamente definidos), deve-se ado-
tar uma determinada decisão”. LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
1985. p.28.
O BRASIL EM CRISE E A RESPOSTA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS | 41
45
HABERMAS, Jürgen. Facticidade e Validade. São Paulo: Editora Unesp, 2020. p. 163: “O Direito é ao mesmo
tempo um sistema de saber e um sistema de ação; ele pode ser entendido tanto como um texto repleto de
proposições e interpretações normativas quanto como uma instituição, isto é, como um complexo de regula-
mentações da ação”.
46
LUHMANN, Niklas. Organización y Decisión. Autopoiesis, acción y entendimiento comunicativo. Anthropos:
México, 1997. p. 17: “Las decisiones deben cotematizar la selectividad de su relación com otras decisiones.
Esto han de hacerlo entonces com uma perspectiva doble de selección: eligen no sólo uma de varias alterna-
tivas, sino que hacen esto em vistas a que, a través de ello, éstas producen o impiden relaciones com otras
decisiones”.
47
LUHMANN, Niklas. Essays on Self-Reference. New York: Columbia Press, 1990. p.179-180. As expectativas
“[...] comportamentais podem referir-se a pessoas concretas, a determinados papéis, a determinados pro-
gramas (fins, normas), ou a determinados valores”. LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito I. Tradução de
Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1983. p. 99.
48
“No society so far has been able to organize itself, that is, to choose its own structures and to use them as
rules for admitting and dismissing members. Therefore no society can be planned. This is not only to say that
planning does not attain its goal, that it has unanticipated consequences, or that its costs will exceeds it use-
fulness […] Planning society is also impossible because the elaboration and implementation of plans always
have to operate as processes within the societal system. Trying to plan the society would create a state in
which planning and other forms of behavior exist side by side and mutually influence each other. Planners have
to use a description of the system, and will thus introduce a simplified version of the complexity of the system
into the system”. LUHMANN, Niklas. Essays on Self-Reference. New York: Columbia Press, 1990. p.179-180.
42 | CAROLINE MÜLLER BITENCOURT | JANRIÊ RECK
não só é útil para coordenar ações devido à sua forma escrita e muitas vezes em redação
técnica, mas também pela sua institucionalização, seja por meio de sanções, seja por meio
das obrigações funcionais dos servidores envolvidos. Enfim, quando se utiliza a linguagem
do Direito como forma para os modelos decisórios e organizacionais (os quais, repita-se,
limitam e abrem o campo das opções possíveis e estabelecem os fluxos necessários de
decisões), consegue-se atingir objetivos pela prospecção e análise das decisões. Assim,
se o modelo decisório se expressa juridicamente, é necessário também uma observação
jurídica deste modelo, daí a razão pela qual o Direito é um espaço privilegiado para as
políticas públicas.
49
LUHMANN, Niklas. Essays on Self-Reference. New York: Columbia Press, 1990. p.166-167: “[…] we can see
the formula state as a self-description of the political system […] The state, then, is not a subsystem of the
political system. It is not the public bureaucracy. It is not only the legal fiction of a collective person to which
decisions are attributed. It is the political system reintroduced into the political system as a point of reference
for political action.”
50
Neste trabalho, não se discute a polêmica Polity, Policy e Politics. FREY, Klaus. Políticas públicas: um debate
conceitual e reflexões referentes à prática da análise de políticas públicas no Brasil. Planejamento e Políticas
Públicas, Brasília, n. 21, p. 211-259, jun. 2000.
O BRASIL EM CRISE E A RESPOSTA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS | 43
51
NAFARRATE, Javier Torres. Luhmann: la política como sistema. México: UNAM, 2004. p.159. “El valor positivo
“gobierno” es el valor de designación del sistema; el valor negativo “oposición” es el valor de reflexión del
sistema.”
44 | CAROLINE MÜLLER BITENCOURT | JANRIÊ RECK
52
“The peculiar character possessed by our human social environment belongs to it by virtue of the peculiar
character of human social activity; and that character, as we have seen, is to be found in the process of com-
munication, and more particularly in the triadic relation on which the existence of meaning is based […] The
social situation and process of behavior are here presupposed by acts of the individual organisms implicated
therein”. MEAD, Georg Herbert. Mind, Self & Society. Chicago: Chicago University, 2005. p. 145.
O BRASIL EM CRISE E A RESPOSTA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS | 45
tado-membro e seus três poderes, os quais também podem ser analisados a partir da
perspectiva das organizações. As organizações relacionam-se com outras organizações.
Estas relações dão-se de diversas formas, mas novamente todas mediadas pelo Direito.
Pode ocorrer de a política pública ser totalmente executada com base em uma organização
específica, mas o normal é a política pública ser trespassada por diversas organizações,
inclusive privadas.
Há modelos organizacionais de Estado e Governo. A diferença53 entre Estado/go-
verno aqui reside na estabilidade de:
53
“A diferença não determina o que tem que ser selecionado, mas antes o fato de que se tem de fazer a seleção”.
LUHMANN, Niklas. Sistemas Sociais: esboços de uma teoria geral. Petrópolis: Vozes, 2016. p. 51.
O BRASIL EM CRISE E A RESPOSTA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS | 47
impede, contudo, que possam promover políticas de bem-estar social a sua população ou
também se possa falar em concepções do investimento social54. No entanto, quando se
trata de Estado social, a expectativa extraída pelo sentido do termo, histórica e socialmente,
pressupõe um empenho e coordenação por parte do Estado, via políticas públicas, na rea-
lização de direitos coletivos garantidores da condição de dignidade humana, uma espécie
de compromisso assumido e concretizado via políticas públicas. Um entrelaçamento entre
o ideal e sua forma de operacionalização, uma relação necessária e umbilical.
Ademais, está correto também afirmar que falar em Estado Social é falar em direito
social e, também, em serviços públicos55. É comum a confusão terminológica, bastante
justificável pela evolução do próprio debate no campo doutrinário e mesmo normativo,
entre direitos sociais, políticas sociais, serviços públicos e políticas públicas. A pretensão
aqui não é trazer diferentes visões sobre esses conceitos e nem mesmo reproduzir aqui a
evolução conceitual, mas sim mostrar que, apesar de seus inúmeros entrelaçamentos, há
diferenças, e são as diferenças que neste momento se quer destacar. Afinal, qual será o
impacto no campo dos serviços públicos de uma mudança na política pública de saúde?
Como a redução de servidores públicos ou a “transferência” da prestação desses para
concessionárias ou para parceria com OCIPS ou OSSs podem impactar no desenho insti-
tucional de uma política pública e sua execução? Como os retrocessos no reconhecimento
ou justicialidade de direitos sociais podem refletir na toada das políticas públicas ou mesmo
na oferta e na acessibilidade da prestação de serviços públicos? A pandemia serviu como
reforço e alerta para a importância dessas questões.
54
A noção de investimento social surgiu no discurso político e académico após meados da década de 1990, na
ala da ambição de modernizar o Estado Providência e assegurar a sua sustentabilidade a longo prazo, diante do
envelhecimento demográfico, tornando os sistemas de política social mais favoráveis ao emprego. O conceito
de investimento social é: “social investment shift in policy paradigm, understood as a coherent set of ideas,
relating causal understanding of social risk change and effective policy responses, the political mobilization
behind legitimate priorities of social risk mitigation, together with a governance structure that allows welfare
policymaking to be conducted in an internally consistent fashion. HEIMERICIJK, Anton. Social Investiment and
Its Critics. In: The Uses of Social Investment. United States of America by Oxford University Press 198 Madison
Avenue, New York, NY 10016, United States of America, 2017. Falta a página da citação.
55
Primeiramente, tratando-se de serviço público, inúmeras serão as correntes que se dividirão para a definição
dos serviços públicos: uns defendendo o critério orgânico; outros, o critério material; outros, o regime jurídico;
e, ainda, há os que combinem esses elementos. Essa questão de fato não é tão relevante a este trabalho,
mas importa referir que, dada a opção pelo direito administrativo social, é o conceito de serviço público do
professor Celso Antônio Bandeira de Mello que se alinha à perspectiva constitucional. Indicar a fonte do autor.
Por serviço público lato sensu, segundo Justin Filho, entende-se “(...) uma intervenção estatal no domínio
econômico. (...) a prestação do serviço público pressupõe a utilização de recursos limitados para a satisfação
de necessidades entre si excludentes. Isso envolve a utilização de recursos econômicos.” JUSTEN FILHO,
Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 483. Já para Bandeira de Mello: Sabe-se
que certas atividades (consistentes na prestação de utilidade ou comodidade material) destinadas a satisfazer
a coletividade em geral são qualificadas como serviços públicos quando, em dado tempo e lugar, o Estado
reputa que não convém relegá-las simplesmente à livre iniciativa; ou seja, que não é socialmente desejável que
fiquem tão só assujeitadas à fiscalização e controles que exerce sobre a generalidade das atividades privadas
(fiscalização e controles estes que se constituem no chamado “poder de polícia”). BANDEIRA DE MELLO,
Celso Antonio. Curso de direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 619.
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56
BUCCI. Maria Paula Dallari. Método e aplicações da abordagem DPP. Revista Estudos Institucionais, v. 5, n. 3,
p. 791-832, set./dez. 2019. Disponível em: https://estudosinstitucionais.com/REI/article/view/430/447. Inserir
data de acesso
57
BUCCI. Maria Paula Dallari. Método e aplicações da abordagem DPP. Revista Estudos Institucionais, v. 5, n. 3,
p. 791-832, set./dez. 2019. Disponível em: https://estudosinstitucionais.com/REI/article/view/430/447. Inserir
data de acesso
58
Aqui, ressalta-se que não contribui para uma observação complexa da temática a confusão que costuma
acontecer na doutrina entre políticas públicas e serviço público.
59
BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito. In: _____. Políticas Públicas: reflexões
sobre o conceito jurídico. Saraiva: São Paulo, 2006. p. 22.
O BRASIL EM CRISE E A RESPOSTA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS | 49
60
BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito. In: _____. Políticas Públicas: reflexões
sobre o conceito jurídico. Saraiva: São Paulo, 2006. p. 22-23.
50 | CAROLINE MÜLLER BITENCOURT | JANRIÊ RECK
controlada como uma norma jurídica, certamente algumas de suas operações serão. Logo:
“(...) uma lei editada no quadro de determinada política pública pode ser inconstitucional
sem que esta última o seja”61. Em sentido contrário, também temos que observar que:
“determinada política, em razão da finalidade por ela perseguida, pode ser julgada incom-
patível com os objetivos constitucionais que vinculam a ação do Estado sem que nenhum
dos atos administrativos, ou de nenhuma das normas que a regem, sejam, em si mesmos,
inconstitucionais”62.
Para Comparato63, especialmente quando trata da finalidade dos atos que envolvem
uma política pública, a primeira distinção a ser feita diz respeito à ideia de política como um
programa de ação governamental, o que é de ordem negativa. Negativa, pois não é amol-
dável à categoria de norma jurídica, visto que seus elementos são distintos das operações
habitualmente praticadas pelos juristas. Logo, a categoria das políticas públicas poderá ser
observável como atividade, uma vez que a política aparece antes de tudo como um con-
junto que engloba normas e atos tendentes à realização de um objetivo que é determinado.
Tal conceito, segundo o autor, constitui hoje o cerne da moderna noção de serviço público,
procedimento administrativo e direção estatal da economia. Sobre isso, vale o alerta de que
o conceito de atividade incidiria sobre fatos e normas; portanto, não se estaria diante de
um novo regime jurídico, mas, sim, da atividade judicial que comporta o controle desses.
Assim, configuraria apenas uma perspectiva de agregação para a análise do direito, um
pouco mais amplo, então: “o entendimento de política pública como atividade administrati-
va redunda, no que diz respeito à sindicabilidade judicial, no conhecido tema de controle da
discricionariedade administrativa, como também seus conhecidos problemas e limites”63.
Ainda, caso se busque a análise de políticas públicas também como uma atividade
do Estado ou mesmo apenas como um conceito mais largo para além dos atos e fatos,
importa pensar a qual poder incumbe essa tarefa. Aqui, também se pode dizer que, quando
61
COMPARATO, Fábio Konder. O Ministério Público na Defesa dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. In:
GRAU, Eros Roberto; CUNHA, Sérgio Sérvuloda Cunha (Coord.). Estudos de Direito Constitucional em home-
nagem a José Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 247.
Idem. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. Revista de Informação Legislativa, Bra-
sília, n. 138, p.40-47, abr./jun. 1998. Ainda, no mesmo sentido, mas aprofundando algumas de suas reflexões:
Idem. O Ministério Público na Defesa dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. In: GRAU, Eros Roberto;
CUNHA, Sérgio Sérvulo da Cunha (Coord.). Estudos de Direito Constitucional em homenagem a José Afonso
da Silva. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 245-260.
62
COMPARATO, Fábio Konder. O Ministério Público na Defesa dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. In:
GRAU, Eros Roberto; CUNHA, Sérgio Sérvuloda Cunha (Coord.). Estudos de Direito Constitucional em home-
nagem a José Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 247.
Idem. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. Revista de Informação Legislativa, Bra-
sília, n. 138, p.40-47, abr./jun. 1998. Ainda, no mesmo sentido, mas aprofundando algumas de suas reflexões:
Idem. O Ministério Público na Defesa dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. In: GRAU, Eros Roberto;
CUNHA, Sérgio Sérvuloda Cunha (Coord.). Estudos de Direito Constitucional em homenagem a José Afonso
da Silva. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 245-260.
63
BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito. In: _____. Políticas Públicas: reflexões
sobre o conceito jurídico. Saraiva: São Paulo, 2006. p. 25.
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se trata de políticas públicas, o titular da ação é o Estado, que não poderá delegar a terceiro,
isso porque se acredita que, quando o Estado prevê uma espécie de incentivo fiscal dentro
de uma política de desenvolvimento, os objetivos, as metas o controle quanto a sua sele-
ção, forma de execução, mecanismo e instrumentos continuam sendo responsabilidade do
Estado. Se uma política pública deve conter metas, diretrizes, programas, fins, ligados a
questões relacionadas ao interesse público, o Estado está sempre obrigado ao seu acom-
panhamento, fiscalização e controle.
Por todas essas razões apresentadas, tratar política pública como serviço público
ou como direito social dificulta a análise dos aspectos a serem observados nas múltiplas
decisões e de seus limites, que acabam de fato constituindo uma política pública.
64
HABERMAS, Jürgen. Diagnósticos do tempo: seis ensaios. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2005, p. 16:
“Como reação às sequelas da Primeira Guerra Mundial e à crise econômica mundial, as correspondentes
correntes políticas se impuseram: o comunismo da União Soviética na Rússia; o corporativismo autoritário na
Itália fascista, na Alemanha nazista e na Espanha falangista; e o reformismo social-democrata nas democra-
cias de massa do Ocidente. Somente esse projeto de Estado social se apropriou da herança dos movimentos
de emancipação burgueses, a qual se cristalizou no Estado constitucional democrático. Mesmo tendo saído da
tradição social-democrata, não foi seguido apenas por governos regidos pelo modelo social-democrata. Após
a Segunda Guerra Mundial, todos os partidos que chegaram ao governo nos países ocidentais obtiveram, mais
ou menos, sua maioria à luz das metas do Estado social. Entretanto, desde meados dos anos 70, tornam-se
mais claros os limites do projeto do Estado social – mesmo que até agora não se desenhe nenhuma alternativa
clara”.