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#09 Revista de Cultura e Teoria Politica

O S D O P A R T I D O
50 AN NTERAS NEGRAS
DOS PA

chacina da lapa

SOBRE A GUERRA
CIVIL ESPANHOLA

O que e o Leninismo?
02 URC Revista NOVA CULTURA - www.novacultura.info

SUMÁRIO

EDITORIAL
“40 anos da Chacina da Lapa”
página 03

“50 anos do Partido dos Panteras Negras”


página 12

Sobre a Guerra Civil Espanhola


“O que somos e o que queremos os comunistas” (Jose Diaz)
página 26

“O que é Leninismo”
página 38

Figuras do Movimento Operário


página 51

NOVA CULTURA Nº 09 - NOVEMBRO/2016 Para entrar em contato conosco e ter


Revista teórica eletrônica, uma publicação da
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EDITORIAL: “O golpe de Estado e suas consequências: lutar contra a reação e construir o Partido Comunista” URC 03

40 ANOS DA CHACINA DA LAPA


As lições históricas para os comunistas brasileiros
04 URC Revista NOVA CULTURA - www.novacultura.info

Foi na noite dos chacais / Foi no Brasil dos generais


Morrendo pela revolução / Foi Pedro, Ângelo e João / Companheiros, sereis imortais.

Brasil, irmão / Teu povo vencerá


Para vingar a tua dor / O sangue em flor renascerá.

Grupo de Ação Cultural Vozes na Luta, de Portugal

O povo trabalhador brasileiro testemunhará, no mês de dezembro deste ano, os quarenta


anos que transcorreram desde a sangrenta Chacina da Lapa.
A Chacina da Lapa foi um dos mais terríveis atos de crueldade por parte dos militares fascis-
tas desde que estes usurparam o poder do Estado brasileiro em 31 de março de 1964 e iniciaram
sua campanha de terror contra o povo. Os comunistas e revolucionários, como genuíno núcleo
duro da resistência popular contra o regime militar-fascista, pró-imperialista, e da própria luta de
libertação nacional e social do povo brasileiro, não poderiam deixar de ser o principal alvo do terror
fascista levado a cabo pelos algozes da Nação. O sangrento episódio da Chacina da Lapa, assim,
se situa exatamente neste contexto dos comunistas como alvo principal da investida repressora
do velho Estado reacionário brasileiro. É de nossa opinião que este episódio de derramamento do
sangue generoso dos combatentes do povo possui um peso simbólico maior – no que diz respeito
ao peso que cumprira num conjunto de derrotas políticas impostas sobre o movimento popular –
em comparação com outros massacres e/ou chacinas perpetrados pelos militares reacionários
entre os anos 1964-1985. Por qual motivo?
À época do massacre da Lapa, o regime militar-fascista já havia logrado derrotar a grande
maioria das organizações revolucionárias e democráticas que intentavam derrubar, no Brasil, a
tirania dos imperialistas norte-americanos e militares fascistas mediante um processo de luta ar-
mada revolucionária. Alguns poucos grupos ou partidos que lograram sobreviver às duras penas à
onda repressiva dos ditos “anos de chumbo”, como o Partido Comunista Brasileiro e as Pastorais
camponesas e operárias mantidas por setores progressistas da Igreja Católica, por exemplo, já
estavam chafurdados no lamaçal do pacifismo burguês e do oportunismo, não constituindo assim
para a ditadura militar qualquer ameaça real, não obstante estes mesmos fossem também vítimas
da repressão fascista.
O Partido Comunista do Brasil (PCdoB), a despeito dos duros golpes que sofrera durante
os anos 1972-76, constituía ainda uma ameaça real ao poder político do imperialismo norte-ameri-
cano, dos grandes capitalistas e latifundiários, e seguia atuando clandestinamente entre os movi-
mentos de massas na batalha para retomar a Revolução Brasileira. Destruir o PCdoB, massacrar,
torturar e amedrontar seus quadros, militantes e simpatizantes era a condição básica, assim, para
impedir a curto e médio prazo qualquer retomada significativa da luta libertadora do povo brasileiro.
Era necessário jogar por terra a convicção revolucionária do Partido Comunista do Brasil e inibir
sua ação política revolucionária.
Após quarenta anos transcorridos desde o massacre, todos os otimistas que acreditavam
nesta retomada significativa das grandes lutas do povo brasileiro se viram decepcionados. Che-
gamos ao ano de 2016 com o movimento comunista brasileiro em frangalhos, incrustrado de todo
tipo de confusão de ideias oportunistas e revisionistas e carente de um partido único de vanguarda;
com um Golpe de Estado fascista e pró-imperialista tendo passado batido no cenário político na-
cional em 2016; e, por fim, com um conjunto de movimentos de massas operários e camponeses
sem a menor capacidade de mobilização do povo para resistir ao Golpe e à sangria de nosso país
pelo imperialismo norte-americano e os grandes capitalistas e fazendeiros locais, colaboradores e
lacaios dos verdugos estrangeiros.
Pensamos que investigar o acontecimento da Chacina da Lapa é de suma importância
para compreender os acontecimentos atuais, em torno das razões do imobilismo do movimento
EDITORIAL: “40 anos da Chacina da Lapa: as lições históricas para os comunistas brasileiros” URC 05

comunista e do próprio movimento popular. Possui um profundo significativo para a prática revolu-
cionária da classe operária em nosso país. Muito embora não tenhamos como objetivo descrever
os minuciosos detalhes do episódio em questão, talvez seja relevante dedicar as páginas do edi-
torial da Revista Nova Cultura a responder algumas importantes perguntas: o que foi a Chacina da
Lapa? Quais posições estavam em jogo no momento de seu acontecimento? Quais foram suas
consequências dentro do conjunto de derrotas históricas dos comunistas brasileiros? Quais foram
os acontecimentos políticos que lhe antecederam? Certamente há mais uma série de questões
que se possam levantar em torno deste acontecimento e que sejam relevantes de se investigar e
responder. Iniciemos nossas reflexões, porém, a partir destes questionamentos feitos.

Gorilas do regime militar-fascista abrem fogo contra reunião do Comitê Central do


Partido Comunista do Brasil e derramam sangue de históricos quadros comunistas
Em 16 de dezembro de 1976, em São Paulo, no bairro da Lapa, o Comitê Central do Parti-
do Comunista do Brasil reunia-se clandestinamente numa discreta casa da Rua Pio XI (atual Rua
Caativa). Na reunião, estavam presentes históricos militantes do Partido Comunista do Brasil e do
movimento comunista brasileiro, como Ângelo Arroyo, João Baptista Drummond, Pedro Pomar,
Aldo Arantes, Haroldo Lima e outros. Dirigentes comunistas como João Amazonas e Diógenes
Arruda Câmara encontravam-se na Albânia Socialista para se reunirem com quadros dirigentes do
Partido do Trabalho da Albânia, que desde o início se solidarizou com a luta do povo brasileiro con-
tra o imperialismo. A reunião da Lapa possuía importância determinante para os rumos que viriam
a ser tomados pelo Partido Comunista do Brasil a partir de então. Sua principal pauta era a reali-
zação de um balanço da derrota da experiência que ficou conhecida como Guerrilha do Araguaia,
embrião de um movimento armado revolucionário encabeçado pelo PCdoB a partir de 1966-68 na
região do Bico do Papagaio1.
Diante da grande polêmica em torno da questão da derrota da Guerrilha do Araguaia –
datada a partir de em torno de 1975 –, havia no seio do PCdoB inumeráveis divergências acerca
das razões da derrota e da maneira sobre como compreender seu legado histórico. Já era de se
prever que as divergências certamente não seriam resolvidas nesta reunião e que tenderiam, ao
contrário, a se estender por um longo período de tempo, postergando a necessária reorganização
das bases e organismos do Partido varridos pela ação repressiva do velho Estado brasileiro.
Através da delação de um notório renegado e traidor infiltrado no Partido, Jover Telles, as
agências de repressão do regime fascista brasileiro puderam saber antecipadamente que o Co-
mitê Central do PCdoB estaria se reunindo no bairro da Lapa na data citada. A delação de Jover
Telles mobilizou os militares fascistas para um único propósito: assassinar João Amazonas (presi-
dente do PCdoB à época) e outros dirigentes do PCdoB envolvidos no processo de autocrítica e
reorganização partidárias. Dezenas de viaturas e policiais fortemente armados foram mobilizados
para intervir na reunião do PCdoB. Como de praxe em qualquer Estado terrorista “de exceção”,
todos os tramites de abordagem típicos da legalidade burguesa foram jogados por terra: ao chegar
ao local da reunião, a polícia metralhou a casa do nº 767 da Rua Pio XI, onde dentro haviam tão
somente militantes revolucionários desarmados, sem qualquer capacidade de se defenderem das
rajadas de tiros disparadas pelos gorilas do regime militar-fascista. Uma ação covarde, terrorista,
de derramamento de sangue pura e simples.
Pedro Pomar e Ângelo Arroyo caíram imediatamente mortos pelos tiros após o abrir fogo da
polícia. João Baptista Drummond ficara gravemente ferido e seria torturado até a morte nos porões
do DOI-CODI, na madrugada do dia 16 para 17 de dezembro. Outros militantes presentes na reu-
nião, como Aldo Arantes e Haroldo Lima, foram também arrastados ao DOI-CODI e barbaramente
torturados para darem o paradeiro de outros camaradas militantes do PCdoB.
A dura derrota imposta pela reação contra o PCdoB durante a Guerrilha do Araguaia, que

[1] Bico do Papagaio é a região conhecida como a tríplice divisa entre Pará, Tocantins (na época da Guerrilha, norte do estado de Goiás) e Maranhão.
Por volta de meados da década de 1960 e início da década de 1970, quando o Partido Comunista do Brasil passou a enviar seus primeiros militantes
para a região, o Bico do Papagaio era alvo de muitas das campanhas de “colonização” dos “vazios demográficos” do Brasil por parte da ditadura
militar, e recebia todos os anos milhares camponeses sem terra de todo o país em busca de um pedaço de chão, ainda que durante o período em
que o Bico do Papagaio foi cenário das operações guerrilheiras do PCdoB se configurasse ainda como território de parco povoamento. Nos dias de
hoje, o povoamento do local se acentuou consideravelmente, tendo apenas a parte tocantinense do Bico do Papagaio uma população de mais de
200 mil habitantes. Atualmente, o Bico do Papagaio é no Brasil o principal cenário da contradição antagônica entre camponeses pobres e grandes
latifundiários, que quase sempre se manifestam, todos os anos, em violentos choques armados e no martírio de dezenas de lideranças camponesas.
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ceifara a vida de centenas de quadros medulares seus, como Maurício Grabois, e da juventude
revolucionária, como Helenira Rezende, Antônio Ribas, André Grabois e outros, repetir-se-ia agora
com a Chacina da Lapa. O novo golpe da Chacina da Lapa, porém, tomaria outro caráter, distinto
daquele tomado pelo Partido durante o período da Guerrilha do Araguaia. Agora, a ditadura militar-
-fascista lograria assassinar os quadros básicos do PCdoB que seriam os principais responsáveis
por manter o Partido no caminho revolucionário, evitando o oportunismo. Do golpe da Chacina da
Lapa, o PCdoB jamais conseguiria se recuperar em termos políticos e organizacionais. Marcharia
cada vez mais para a degeneração pelo revisionismo até se converter em mais um dos partidos da
velha ordem burguesa.

Antecedentes históricos da reunião da Lapa


As razões que explicam a existência, no Brasil, de várias organizações que se reivindicam
pelo nome de “Partido Comunista” ou “Partido Socialista” são ainda controversas. Porém, a existência
de dois Partidos Comunistas no Brasil a partir do início da década de 1960 – quando, anteriormente,
havia apenas um, o Partido Comunista do Brasil, com a sigla PCB – possui motivações visíveis.
No ano de 1956, realiza-se na União Soviética o famoso XX Congresso do Partido Comu-
nista da União Soviética, onde Nikita Khrushchev – então secretário-geral do PCUS após a morte
de Stálin em 1953 – revela ao mundo seu famoso “relatório secreto”. Neste documento, revelam-
-se os ditos “crimes de Stálin”, atribuindo ao heroico líder do Partido e do povo soviéticos supostas
negligências criminosas que este haveria cometido na condução da Grande Guerra Patriótica,
assim como crimes que este de fato não cometeu. Durante o XX Congresso do PCUS, também,
Khrushchev pôs a cabo suas famosas teses revisionistas devidamente sistematizadas como os
“Três Pacíficos” (Transição Pacífica, Coexistência Pacífica, Emulação Pacífica) e os “Dois Todos”
(Partido de Todo o Povo e Estado de Todo o Povo)2, teses estas aderidas em bloco pelos revisio-
nistas no seio do Partido Comunista do Brasil a partir da Declaração Política de Março de 19583.
A partir de então, a luta no seio do PCB entre Marxista-Leninistas e revisionistas, que sempre fora
constante ao longo da história do movimento comunista, tenderá a se acentuar. No ano de 1961,
o PCB altera seus Programa e Estatuto Partidários, retirando destes todas as referências ao Mar-
xismo-Leninismo e ao Internacionalismo Proletário, e alterando seu nome de Partido Comunista
do Brasil para Partido Comunista Brasileiro, porém mantendo a sigla PCB. Todas estas medidas
foram feitas com o objetivo de se legalizar o PCB para que este pudesse disputar eleições, trans-
formando em mera sigla eleitoral burguesa e esvaziando seu caráter de partido proletário revolu-
cionário e Marxista-Leninista.
Em 1962, cerca de cem militantes do PCB que se opuseram às manobras dos revisionistas
– na época, encabeçados pelo antigo líder Luís Carlos Prestes – para liquidar o Partido escrevem
a famosa Carta dos Cem, denunciando às massas e aos verdadeiro comunistas as atitudes admi-
nistrativas e antidemocráticas de Prestes e seu grupo. Como resultado disto, estes militantes – dos
quais estiveram à frente comunistas como Pedro Pomar, João Amazonas, Lincoln Oest, Ângelo
Arroyo, Maurício Grabois e outros – são expulsos do Partido pelos revisionistas. Iniciam, então,
um processo de autocrítica e debates que culminariam na reorganização do Partido Comunista do
Brasil enquanto destacamento de vanguarda da classe operária, agora, porém, com a sigla PCdoB
para se diferenciar do revisionista Partido Comunista Brasileiro, que mantinha ainda a sigla PCB.
A luta dos genuínos comunistas contra o revisionismo moderno que ascendeu ao poder na União
Soviética a partir de 1956 assumia um caráter, cada vez mais, internacional. Partidos Comunistas
que haviam ascendido ao poder mediante revoluções populares, como o Partido Comunista da

[2] As teses revisionistas de Khrushchev acerca dos “Três Pacíficos” manifestava que: a existência do campo socialista diminuiria o caráter
agressor do imperialismo-capitalismo, o que por sua vez acabaria por abrir a possibilidade de uma forma pacífica de transição do capitalismo para
o socialismo, sem armas e sem a tomada violenta do poder pela classe operária; o desenvolvimento incessante da economia socialista condicio-
nava a necessidade da “Emulação Pacífica” onde o desenvolvimento econômico sob o socialismo, por si só, atestaria a superioridade do socia-
lismo sobre o capitalismo e levaria as próprias burguesias dos respectivos países capitalistas a abraçar o socialismo; a Coexistência Pacífica ma-
nifestava a necessidade de as forças revolucionárias evitarem choques frontais com as forças do imperialismo em prol da manutenção das boas
relações destes com a União Soviética. Os “Dois Todos”, por sua vez, manifestam supostamente não ser mais necessária a existência de um
Estado enquanto órgão de dominação de uma classe por outra na União Soviética, diante do fato de já haverem sido supostamente extinguidas
as classes sociais, portanto, o Estado soviético não seria mais o Estado da ditadura da classe operária sobre a burguesia, mas um Estado de todo
o povo. O mesmo valeria para o Partido Comunista, agora um “partido de todo o povo” e não mais o destacamento de vanguarda do proletariado.
[3] A Declaração de Março de 1958 superestimou o papel da burguesia nacional na revolução democrática, relegando a segundo plano a neces-
sidade absoluta da hegemonia do proletariado na luta de libertação nacional e passando a adotar a possibilidade de transição pacífica para o so-
cialismo, bem como a possibilidade de realizar as tarefas democráticas, antiimperialistas e antifeudais da revolução brasileira de forma pacífica.
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China e o Partido do Trabalho da Albânia, assumiam uma postura aberta em condenar o revi-
sionismo moderno de Khrushchev e suas nefastas consequências políticas. No Brasil, o PCdoB
aproximava-se cada vez mais de ambos estes partidos, fortalecendo seus laços fraternos com os
mesmos e estreitando a colaboração revolucionária.
Desde o momento em que os verdadeiros comunistas brasileiros reorganizaram seu Par-
tido de vanguarda no ano de 1962, as questões em torno de quais caminhos deveriam tomar a
Revolução Brasileira, qual seria o caráter desta revolução, suas tarefas imediatas, futuras, etc., to-
maram o centro do debate interno. A despeito das polêmicas travadas internamente, uma série de
documentos foram escritos com o fim de centralizar a posição do PCdoB acerca de qual caminho
deveria ser seguido pela Revolução Brasileira.
O documento Guerra Popular: O Caminho da Luta Armada no Brasil, datado de janeiro de
1969, sintetiza os anos de debates realizados no seio do PCdoB acerca de problemas fundamentais
em torno da Revolução Brasileira. Ficam evidentes em diversos pontos deste documento a influência
positiva e decisiva que a linha militar formulada pelo Pensamento Mao Tsé-Tung no decurso da vito-
riosa Revolução Chinesa teria sobre o PCdoB. Entre estes pontos, se evidencia a crítica à “teoria do
foco”, hegemônica entre as organizações revolucionárias na época, que desprezava a necessidade
da direção absoluta do Partido do proletariado sobre o Exército Popular e relegava a segundo plano
a organização de fortes movimentos de massas abertos e legais para servirem à luta armada. Aqui,
ao contrário, a construção do Partido de vanguarda da classe operária como instrumento fundamen-
tal para dirigir o Exército Popular e uma ampla Frente única de forças democráticas e patrióticas
para se derrubar o velho Estado é enfatizada. Este verdadeiro manifesto avança também no sentido
de compreender o caráter profundamente desigual da economia brasileira, marcada pelo monopólio
da terra por parte de um punhado de grandes fazendeiros e pelo predomínio econômico das corpo-
rações imperialistas estrangeiras. A combinação entre as forças imperialistas externas e as forças
domésticas do latifúndio e do capital comprador acabariam por determinar a discrepância segundo
a qual coexistiriam, no Brasil, algumas poucas grandes cidades e zonas urbanizadas de relativo
desenvolvimento econômico e cultural em conjunto com as vastas áreas rurais agrilhoadas pelas
relações feudais, semifeudais e semiescravistas de produção, estagnadas em seu desenvolvimento:
“Embora dispondo de imensas riquezas naturais, o Brasil encontra-se num estágio de subdesen-
volvimento. Nele coexistem alguns centros industriais adiantados, como São Paulo e Guanabara, e
numerosas regiões cuja economia e sistema de vida pouco diferem da época colonial. [...] Apesar de
ser uma nação única, o Brasil contém de fato dois Brasis: o Brasil das grandes cidades, com relativo
desenvolvimento econômico e cultural, e o Brasil do interior, quase totalmente abandonado. Dois
terços da população brasileira encontram-se nas regiões próximas do litoral.”
O documento tenderia a superar outro erro histórico dos comunistas brasileiros, acerca de
sempre relegar a segundo plano e desprezar o papel fundamental das massas camponesas na
Revolução. Em A Guerra Popular, se avança no sentido de relacionar corretamente a dominação
imperialista, o atraso econômico interno permeado pelas sobrevivências feudais e pré-capitalistas
no geral e a desigualdade no plano econômico e político com a necessidade central de se edificar
a aliança operário-camponesa dirigida pela classe operária, transferindo para as regiões rurais os
quadros revolucionários proletários com o fim de se mobilizar as grandes massas camponesas
para a luta revolucionária.
Ficava evidente, segundo o manifesto político do PCdoB em questão, que a luta armada
no Brasil tomaria a forma de Guerra Popular Prolongada. Isto é, não apenas a desigualdade no
plano político e econômico, como também a enorme desigualdade na correlação de forças entre
revolução e contrarrevolução excluíam qualquer possibilidade de vitória rápida das forças revolu-
cionárias do povo dirigidas pelo Partido Comunista do Brasil. As forças da contrarrevolução, por
um lado, seriam poderosíssimas do ponto de vista militar, logístico, financeiro e organizacional.
Possuíam larga experiência na repressão de revoltas e levantes populares e eram apoiadas pela
superpotência econômica e militar do imperialismo norte-americano. As forças da revolução, por
outro lado, seriam numericamente muito inferiores à da contrarrevolução, providas tão somente de
um armamento parco e primitivo, muito menos experientes e com capacidade logística e organiza-
cional inferior às forças do velho Estado brasileiro. Ainda que pudesse receber apoio dos comunis-
tas do exterior e de países socialistas como China e Albânia, os revolucionários se apoiavam fun-
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damental nas próprias forças e na própria experiência. Em termos táticos, portanto, as forças da
revolução seriam fracas, e as da contrarrevolução de um poder incalculável, devendo-se portanto
levar em plena conta taticamente o monstruoso poder bélico do inimigo para não se experimentar
possíveis derrotas. Em termos estratégicos, contudo, as forças da contrarrevolução se assenta-
vam na defesa de um regime terrorista, semicolonial, semifeudal, odiado pelo povo e bancado pelo
imperialismo norte-americano que, a cada dia, caminhava cada vez mais para a crise econômica e
a bancarrota inevitável. Este regime determinava a miséria para as massas populares, a carestia,
o desemprego e o atraso. As forças da revolução, por outro lado, emanavam sua força da defesa
dos interesses das massas fundamentais do povo, da construção de uma nova sociedade socia-
lista e comunista livre da opressão e da exploração do homem pelo homem. A nível internacional e
doméstico, lutavam contra o sistema capitalista que massacrava os povos, contra este regime que
a cada dia manifestava seu esgotamento e putrefação. Apoiavam-se nas lutas de emancipação
nacional contra o imperialismo e o colonialismo dos povos oprimidos, lutas estas que apenas cres-
ciam. Estrategicamente, portanto, as forças domésticas da contrarrevolução eram nada mais que
um tigre de papel pronto a ser liquidado pela revolução popular. Esta discrepância entre o tático e
o estratégico – onde o inimigo é taticamente poderosíssimo mas estrategicamente fraco –, entre a
fraqueza da revolução de um lado e o poderio da contrarrevolução de outro, condicionavam o ca-
ráter prolongado da revolução brasileira e a forma que tomaria como Guerra Popular Prolongada.
Levando em conta o princípio de desprezar o inimigo estrategicamente mas leva-lo em total
conta taticamente, a primeira etapa da Guerra Popular seria a etapa onde a luta armada tomaria
a forma de guerra de guerrilhas. Aqui, a construção dos movimentos de massas no campo e a
edificação de bases de apoio rurais de forma coordenada com a conclusão da revolução agrária
(expropriando os grandes latifúndios e dando terras aos camponeses pobres e assalariados agrí-
colas) e da luta armada guerrilheira assume o aspecto principal da luta revolucionária, enquanto
que a luta nas grandes cidades, através principalmente da classe operária, dos estudantes e dos
pobres semiproletários assume um caráter também importante, porém, secundário e defensivo,
com o objetivo exatamente de fornecer apoio para a luta armada que se desenvolve no campo. A
libertação das grandes cidades seria possível apenas na etapa final da Guerra Popular, quando
então as forças revolucionárias concentrariam seus esforços nas áreas urbanas com o intuito de
se organizar insurreições para a tomada final do poder em todo o país. A tarefa de realizar a guerra
de guerrilhas no campo deriva da constatação da fraqueza inicial das forças revolucionárias e da
necessidade de as mesmas acumularem forças antes de realizarem combates frontais com os
braços militares do Estado reacionário.
A linha militar da guerra de guerrilhas como aspecto principal da Guerra Popular em sua
etapa inicial leva em conta, também, a necessidade de se evitar combates com forças inimigas
superiores e que, ao contrário, deve-se apoiar na superioridade relativa de utilizar um grande con-
tingente numérico de combatentes vermelhos guerrilheiros para golpear um número pequeno de
tropas do exército inimigo, tendo em vista assegurar a certeza da vitória nos diversos combates
que serão realizados no decurso do processo revolucionário armado.
Guerra Popular: O Caminho da Luta Armada no Brasil não se limita meramente a enunciar
princípios corretos do ponto de vista ideológico, programático ou militar. Vai a fundo no sentido de
se fazer um balanço crítico de outras experiências de luta militar do povo brasileiro para se extrair
destas as devidas lições para a prática.
Ao enviar militantes seus para a região do Bico do Papagaio a partir de meados da década
de 1960, o Partido Comunista do Brasil possuía como objetivo exatamente de iniciar o processo
de Guerra Popular e de construir, ali, o núcleo do futuro Exército Popular. Dever-se-ia, a partir
desta mobilização, acumular forças para marchar em forma de ondas para a libertação futura das
grandes cidades, conquistando o poder político para a classe operária em aliança com os campo-
neses pobres demais massas trabalhadoras. Em termos programáticos, as tarefas democráticas
da Revolução (conclusão da reforma agrária, eliminação dos tratados desiguais entre o Brasil e as
potências estrangeiras, conclusão da industrialização nacional e adoção de uma política externa
independente e consequente) deveriam ser realizadas e, a partir daí, marchar para a etapa da
Revolução socialista, edificando o socialismo e o comunismo.
Para varrer a tentativa de resistência popular iniciada pelos comunistas e revolucionários, o
EDITORIAL: “40 anos da Chacina da Lapa: as lições históricas para os comunistas brasileiros” URC 09

reacionário Exército Brasileiro realizou a segunda maior mobilização militar sua desde a Segunda
Guerra Mundial, enviando para a região cerca de 25 mil tropas para combater três pequeníssimos
destacamentos guerrilheiros (os Destacamentos A, B e C que, em seu conjunto, constituíam as
Forças Guerrilheiras do Araguaia) que, ao todo, em seu auge, possuíam cerca de 90 combatentes,
em sua maioria estudantes vindos das grandes cidades para servirem no campo como revolucio-
nários proletários genuínos.
Não obstante os grandes planejamentos e debates realizados, as Forças Guerrilheiras do
Araguaia terminaram derrotadas após três campanhas de cerco e aniquilamento empreendidas
pelo Exército Brasileiro entre 1972 e 1975. Não apenas quadros medulares do Partido Comunista
do Brasil foram mortos e torturados, como inclusive centenas de camponeses e moradores da
área onde operou a guerrilha foram também assassinados, torturados ou perseguidos pelo braço
armado do velho Estado brasileiro.
A derrota desta importante experiência forçava uma apreciação crítica dos fatos, tendo em
vista reorganizar as forças do campo revolucionário para novamente se lançarem à luta. Uma reu-
nião de balanço era uma necessidade urgente.

Divergências políticas e ideológicas no seio do Partido Comunista do Brasil


Como já falado, a reunião da Lapa foi realizada em 16 de dezembro de 1976 com o intuito
de se discutir as razões da derrota da Guerrilha do Araguaia. Haviam no Partido, então, duas vi-
sões predominantes e divergentes sobre como conceber a questão: a visão de Pedro Pomar e a de
Ângelo Arroyo. Mais futuramente, num processo posterior de degeneração do PCdoB, as opiniões
de Pedro Pomar seriam jogadas no esquecimento pelos dirigentes revisionistas e parte conside-
rável das posições de Arroyo seriam deturpadas com o intuito de se conseguir votos para o futuro
PCdoB revisionista legalizado.
Na reunião da Lapa, foi apresentado o famoso “Relatório Arroyo”. Este continha as posições
do dirigente comunista acerca das razões da derrota da Guerrilha do Araguaia, num detalhado
informe que descreve pormenorizadamente os detalhes das “três campanhas” feitas pelo Exército
Brasileiro para destruir as forças revolucionárias da região do Araguaia. Arroyo terminará por con-
cluir que, muito embora a experiência tenha sofrido uma derrota, seu legado foi no geral positivo
por haver mostrado a capacidade de luta e mobilização das massas camponesas, bem como a
justeza da linha política do Partido Comunista do Brasil acerca da questão do caráter prologando
da Guerra Popular no Brasil e da concepção da revolução em duas etapas. Todavia, ainda que o
Relatório Arroyo fosse um documento excelentemente escrito e com detalhes importantes para se
pensar melhor acerca das razões do fracasso da Guerrilha, este tendeu a superestimar o papel
dos erros militares neste processo, em detrimento de deficiências de ordem ideológica ou progra-
mática. Da mesma forma, o relatório de Arroyo pouco avança no sentido das novas perspectivas
para o PCdoB após a derrota da experiência do Araguaia.
Pedro Pomar apresentará um ponto de vista bastante diferente daquele de seu camarada
Arroyo. No lugar de se superestimar os aspectos positivos da Guerrilha e dos erros militares na
derrota da mesma, Pomar apresentará uma postura profundamente autocrítica no sentido de con-
siderar a Guerrilha do Araguaia como um processo que, não obstante, foi coberto de profundos
erros políticos do início ao fim, numa infinidade de aspectos. Tratava-se então, para Pomar, de
colocar corretamente quais seriam estes erros para que o Partido pudesse reorganizar suas forças
e partir novamente para o ataque contra as forças do inimigo. Segundo o dirigente comunista, hou-
veram erros no que se dizia respeito à aplicação prática da concepção da Guerra Popular Prolon-
gada. Não foi dada a devida atenção ao princípio da direção do Partido sobre o Exército Popular,
tampouco quanto à questão de se construir sólidas bases e movimentos de massas representati-
vos dos camponeses pobres para então mobilizá-los para a luta revolucionária. Se é verdade que
a União pela Liberdade e pelos Direitos do Povo – ULDP fora criada pelo PCdoB exatamente para
servir como base para a construção de um movimento de massas revolucionária para dar suporte
à luta armada, tampouco se pode considerar que a ULDP tenha adquirido prestígio suficiente como
movimento de massas para iniciar a Guerra Popular nas condições de um imenso país com uma
imensa população como o Brasil. Pode-se observar que entre o ano em que se começou a enviar
os primeiros militantes do PCdoB para a região do Araguaia e o ano em que se começaram os pri-
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meiros confrontos militares, 1966-72, se passaram apenas seis anos, período demasiado pequeno
para a construção de sólidos movimentos de massas que realmente deem conta de dar apoio à
Guerra Popular.
Deste erro, derivou outro de grande peso, segundo Pedro Pomar, que foi o erro acerca
do local escolhido para se deflagrar as ações armadas. Tríplice divisa entre Pará, Goiás (atual
Tocantins) e Maranhão, o Bico do Papagaio constituía na época uma área de parco povoamento,
difícil transporte e fraca tradição de luta camponesa. Seu povoamento era feito quase que exclu-
sivamente por posseiros sem-terra vindos de outras regiões, trazendo consigo uma mentalidade
errante e com uma fraca ligação com a terra em relação a outras regiões do país. A posição de
Pomar orientava que as primeiras ações armadas deveriam ser iniciadas em áreas que cumpris-
sem os seguintes critérios: 1) densidade populacional relativamente alta e de povoamento antigo,
com uma quantidade numérica relativamente grande de massas a serem mobilizadas para a luta;
2) que já possuam forte tradição de lutas camponesas e operárias, com movimentos de massas já
organizados para que os comunistas possam realizar entre estes o devido trabalho revolucionário.
Haviam, no Brasil, regiões de povoamento antigo que se encaixavam perfeitamente em tais
critérios. Na zona da mata do nordeste brasileiro, desde a década de 1950 atuavam as Ligas Cam-
ponesas – demonstrando grande tradição de lutas camponesas – de Francisco Julião, numa área
de grande densidade populacional e antigo povoamento. Nas regiões do Baixo São Francisco do
agreste do estado de Alagoas, Ligas Camponesas já travavam processos de guerras de guerrilhas
desde a década de 1930 nesta área de povoamento também antigo, numa experiência de luta já
estudada inclusive pelo comunista alemão Harry Berger (Arthur Ewert), que viera na época para o
Brasil sob orientação da Internacional Comunista para orientar o povo brasileiro em sua luta liberta-
dora. No sertão da Bahia, norte do Paraná e sul do Rio Grande do Sul, tradicionais movimentos de
massas camponeses já vinham se desenvolvendo também há algumas décadas. Ainda assim, a di-
reção do Partido Comunista do Brasil cometera o erro de iniciar os trabalhos de massas numa área
que cumpria poucos critérios favoráveis para o desenvolvimento de uma experiência guerrilheira.
Os diversos erros militares cometidos pela Guerrilha do Araguaia se manifestaram também
como erros de concepção política. Os choques armados iniciados em 1972 entre os guerrilhei-
ros e as tropas do Exército Brasileiro não foram frutos de ofensivas táticas da guerrilha, mas da
ofensiva do próprio exército reacionário. Houveram debilidades no que tange à segurança e aos
segredos do início de operações guerrilheiras que se traduziram no envio de dezenas de milhares
de soldados preparados para combates destacamentos guerrilheiros de menos de uma centena.
Enfrentar um contingente militar tão grande com pouquíssimos guerrilheiros violaria frontalmente
os princípios da concepção militar da Guerra Popular. A situação que se impôs demandou um
processo organizado de fuga dos guerrilheiros, o que terminou não acontecendo. É verdade que
relatos feitos na época dão conta de nos informar que Osvaldão (Osvaldo Orlando da Costa), mili-
tante do PCdoB e comandante do Destacamento B das Forças Guerrilheiras do Araguaia, junto a
outros guerrilheiros, já vinha organizando uma organizada rota de fuga emergencial pelo Rio Xin-
gu, traçando trilhas e escondendo alimentos que pudessem abastecer a guerrilha num processo
eventual de fuga. Esta rota, porém, não foi concluída pois ainda estava em progresso quando os
combatentes revolucionários foram pegos de surpresa pela incursão do exército reacionário na re-
gião no começo dos anos 1970. Na última reunião realizada entre comandantes dos três destaca-
mentos das Forças Guerrilheiras do Araguaia anteriormente à derrota completa desta experiência
pelo Exército Brasileiro, quando não haviam sobrado mais que alguns pouquíssimos guerrilheiros,
decidiu-se por resistir às ofensivas do Exército reacionário ao invés de se estudar um plano mais
detalhado de fuga, o que manifestou por sua vez, também, mais um erro de concepção política.
É certo que as várias debilidades manifestadas pelo PCdoB neste processo era reflexo,
antes de tudo, da dificuldade que este Partido manifestou em assimilar de maneira correta os prin-
cípios do Marxismo-Leninismo-Pensamento Mao Tsé-tung, bem como de se entender de forma
realmente profunda as concepções militares do proletariado e de leva-las à prática. Tais incom-
preensões se acumularam em erros mais graves que levariam à bancarrota completa do Partido
Comunista do Brasil enquanto organização revolucionária.
EDITORIAL: “40 anos da Chacina da Lapa: as lições históricas para os comunistas brasileiros” URC 11

O uso do Araguaia como “capital político” dos oportunistas do atual “PCdoB”


A morte do presidente Mao Tsé-tung em setembro de 1976, a Chacina da Lapa e aconteci-
mentos posteriores acabaram por deixar no Partido Comunista do Brasil militantes vacilantes e pouco
decididos acerca da justeza das políticas adotadas. Influenciados pelas concepções oportunistas de
esquerda de Enver Hoxha, dirigente do Partido do Trabalho da Albânia que começa a atacar Mao Tsé-
-Tung após sua morte, o grupo encabeçado por João Amazonas inicia um processo de guinada po-
lítica rumo ao oportunismo de tipo “esquerdista”. Amazonas escreveria em 1978 o pomposo panfleto
“Pensamento Mao Tsé-Tung, Teoria Antimarxista”, chafurdado de confusões ideológicas e premissas
políticas revisionistas devidamente aplicadas na prática e que levaram o PCdoB ao abismo. Embora
atacando o Pensamento Mao Tsé-tung sob uma retórica pretensamente revolucionária e antirrevio-
nista, as posições de Amazonas manifestaram-se mais tarde com um fundo realmente direitista. De
“verdadeiramente revolucionário”, o PCdoB passa a endossar a campanha reformista das “Diretas Já”
intentando alçar desde então o “lugarzinho rendoso” no Estado burguês brasileiro e realizando desde
então as aliança mais estapafúrdias que deixariam de cabelo em pé até mesmo os mais escolados
revisionistas. Data desta época, de meados da década de 1980, o apoio à candidatura para presi-
dência do feudal José Sarney por parte do PCdoB e outros absurdos feitos no período do movimento
sindical, aliando-se com notórios pelegos da época. Esta guinada nas concepções políticas do PCdoB
refletir-se-iam na maneira de conceber, também, a experiência da Guerrilha do Araguaia.
No ano de 1996, em depoimento dado numa audiência pública da Comissão de Direitos Hu-
manos na Câmara dos Deputados, João Amazonas emite uma série de posições falsas acerca dos
acontecimentos da Guerrilha do Araguaia. “O Araguaia não era um movimento subversivo, como
dizia a repressão, não visava implantar o socialismo no Brasil. Destinava-se a organizar a resistên-
cia armada contra a ditadura, já que não havia espaço para outras formas de luta nas cidades.”,
e continua “O Partido Comunista do Brasil não faz proselitismo em função do Araguaia. Nosso
Partido acha que cumpriu seu dever de procurar, em condições difíceis, o caminho da resistência,
preparando o fim do regime de tirania implantado no Brasil.” Em entrevista realizada no ano de
2004, o então presidente revisionista do PCdoB, Renato Rabelo, endossaria posições semelhan-
tes absurdas: “Embora derrotada militarmente, a Guerrilha do Araguaia foi vitoriosa politicamente.
[...] A Guerrilha foi atacada por todos os meios, porque a ditadura sentiu o golpe.”
Se é verdade, por um lado, que de fato a experiência guerrilheira do Araguaia não tinha
como horizonte imediato (porém, ao contrário do que dizem com más intenções os revisionistas,
esta tinha como horizonte futuro, sim, construir o socialismo e o comunismo no Brasil) a construção
do socialismo, mas a conquista do poder político pela classe operária e a edificação de um governo
democrático-popular mediante uma Revolução, também é mais verdade ainda que a luta por este
arremedo de democracia burguesa que existe hoje no Brasil esteve muito, mas muito longe dos
verdadeiros planos da Guerrilha do Araguaia. O “direito ao voto”, a “cidadania”, que hoje os revi-
sionistas exaltam como uma espécie de fina flor da democracia, já fora rejeitada pelos genuínos
comunistas que reorganizaram o Partido no ano de 1962. Tampouco algumas possíveis e verda-
deiras conquistas democráticas como a liquidação da grande propriedade rural ou a limitação do
capital estrangeiro na economia não foram conquistadas. Os alaridos do atual PCdoB segundo a
qual a Guerrilha do Araguaia lutaria por esta “democracia” não passam de devaneios. Daí derivam
também os absurdos ditos por Rabelo acerca da “derrota militar” da Guerrilha, a despeito de sua
suposta “vitória política” na “luta pela democracia”.
Nos dias de hoje, até mesmo militantes que estavam presentes no episódio da Chacina da
Lapa deixaram para um passado muito distante qualquer telha de Revolução para se entregarem
à administração do Estado burguês-latifundiário e à politicagem, a exemplo do entreguista Haroldo
Lima, nos dias de hoje nada mais que um boneco a serviço das companhias estrangeiras petro-
leiras para o saque de nossas riquezas naturais pelo imperialismo. Embora não tenhamos como
objetivo aqui estudar profundamente a degeneração do PCdoB pelo revisionismo, pode-se dizer de
fato que a Chacina da Lapa feita pelos militares reacionários cumpriu papel neste sentido. Dentre as
várias lições históricas a serem tiradas deste episódio significativo, certamente a vigilância política
contra a repressão fascista e o revisionismo será a maior delas.

UNIÃO RECONSTRUÇÃO COMUNISTA


12 URC Revista NOVA CULTURA - www.novacultura.info

50 ANOS D
DOS PANTER por Gabrie
“50 anos do Partido dos Panteras Negras” URC 13

“O Black Panther Party cresceu do Movimento


Black Power, mas o Partido transformou a
ideologia do Black Power, em uma ideologia
socialista, uma ideologia Marxista-Leninista”
Huey p. Newton

DO PARTIDO
RAS NEGRAS
el Duccini
14 URC Revista NOVA CULTURA - www.novacultura.info

No que tange a posição dos Marxista-Leninistas no século XXI, uma das tarefas que se
impõe após a contrarrevolução que levou a cabo a queda do socialismo na URSS e no Leste
Europeu, é a de retomar legados importantes dentro da tradição do movimento comunista,
combatendo a autofobia e o revisionismo, e propagando este legado histórico. No processo
ocorrido desde as confusões revisionistas no seio dos movimentos revolucionários, até a hege-
monização de um “marxismo” catedrizado, ocorre que o que a narrativa dominante toma como
Marxismo, é a sua versão domesticada para os interesses da burguesia, fazendo assim com
que importantes movimentos revolucionários orientados pelo Marxismo-Leninismo se tornem
esquecidos, ou sejam lembrados se removendo sua essência revolucionária e deixando o que
é “aceitável” para a Burguesia. A narrativa em torno do Black Panther Party é uma demonstra-
ção deste processo.
Consideramos que estudar a história do BPP é particularmente importante para o movi-
mento comunista tendo em vista que:
A defesa de um legado histórico, de uma determinada tradição, da qual os comunistas
estão inseridos e devem divulgar estas lutas históricas, se tratando de um movimento que,
se vendo como uma parte da revolução proletária mundial, aplicou de maneira viva a teoria
marxista-leninista para as experiências concretas do povo negro; A luta contra a deformação
de sua história, combatendo as narrativas que removem seu conteúdo revolucionário;
Se tratando de um movimento que encontrou as respostas para o problema do povo
negro na teoria marxista-leninista, assim nos dando ensinamentos importantes para o comba-
te à opressão racial sob os princípios do marxismo-leninismo. Tal aspecto é essencialmente
significativo para os comunistas no Brasil, onde o racismo ainda faz parte da superestrutura,
mantendo o negro na subalternização, sendo assim a superação deste problema racial uma
das tarefas da revolução brasileira. O que não significa que a apreensão dos ensinamentos
da experiência histórica do BPP se dá de maneira mecanicista e dogmática, mas sim em um
processo dialético, compreendendo as particularidades brasileiras.

Primeiros anos
No dia 15 de outubro de 1966, foi fundado, em Oakland, Califórnia, por Huey P. Newton
e Bobby Seale, o Black Panther Party, o Partido dos Panteras Negras. A fundação do Partido
se dá logo depois de uma série de revoltas espontâneas por parte das massas negras dos
Estados Unidos, a partir de 1964(inicialmente contra a lei Jim Crow da segregação racial). Um
dos auges dessa revolta foi a rebelião de Detroit de agosto de 1967. Mesmo após a fundação
do Partido, antes de sua massificação e expansão para outros Estados, ainda era sob este
panorama histórico que ele conseguiria se estabelecer enquanto vanguarda do povo negro dos
Estados Unidos, onde em abril de 1968, a rebelião explodiu em 125 cidades dos Estados Uni-
dos. Mao comentou este período que vai de 1964-68 se referindo a ele como “Uma tempestade
nunca antes vista na história daquele país. Demonstra que existe uma força revolucionária
extremamente poderosa nos mais de vinte milhões de negros dos Estados Unidos”, em sua
declaração de apoio à luta dos afro-americanos “Uma nova tempestade contra o Imperialismo”.
É nesse período também que são assassinados tanto Malcolm X como Martin Luther King.
Nesse contexto, inspirados pela prática de Malcolm X e orientados pelo nacionalismo
negro radical, surge o Black Panther Party. A noção de “ganhar a liberdade por quaisquer meios
necessários” de Malcolm X deixou profundas raízes entre os fundadores do Black Panther Par-
ty se vendo como, nas palavras de Newton, “um testamento vivo para o trabalho de Malcolm
X quando era vivo”. Assim, o partido surge propondo a autodefesa armada das comunidades,
em resposta à frequente violência policial que as comunidades negras sofriam. Assim, a um
primeiro momento o BPP surge advogando de que as rebeliões espontâneas das massas
negras se convertessem em autodefesa armada organizada. Junto da fundação, Huey tomou
a iniciativa de escrever o programa do Partido. Huey afirmou, antes de escrever o programa:
“Precisamos de um programa. Nós temos que ter um programa para o povo. Um programa
que se relacione com o povo. Um programa que o povo possa entender. Um programa que o
“50 anos do Partido dos Panteras Negras” URC 15

povo possa ler e enxergar, e que expresse suas aspirações e necessidades ao mesmo tempo.
Tem de se relacionar com o significado filosófico de para onde no mundo estamos indo, mas o
significado filosófico também terá que se relacionar com alguma coisa específica.”
Assim, Huey escreveu o programa do BPP com base no “o que queremos” (as deman-
das concretas e imediatas) e “no que acreditamos” (as aspirações):

1. Queremos liberdade. Queremos o poder para determinar o destino de nossa Comunidade Negra.Nós
acreditamos que o povo preto não será livre até que nós sejamos capazes de determinar nosso destino.
2. Queremos emprego para nosso povo. Nós acreditamos que o governo federal é responsável e obri-
gado a dar a cada homem emprego e renda garantida. Nós acreditamos que se o homem de negócios
americano branco não nos dá emprego, então os meios de produção devem ser tomados dos homens
de negócios e ser colocados na comunidade de modo que o povo da comunidade possa organizar e
empregar todas as pessoas e dar-lhes um padrão elevado de vida.
3. Precisamos acabar com a exploração do homem branco na Comunidade Negra. Nós acreditamos
que este governo racista tem nos explorado e agora nós estamos demandando a quitação do débito de
quarenta acres de terra e duas mulas. Quarenta acres e duas mulas foram prometidos 100 anos atrás
em restituição pelo trabalho escravo e assassinato em massa do povo preto. Nós aceitaremos o pa-
gamento em moeda corrente, que será distribuída às nossas muitas comunidades. Os Alemães estão
agora reparando os Judeus em Israel pelo genocídio do povo Judeu. Os Alemães assassinaram seis
milhões de Judeus. O Racista Americano tomou parte no massacre de mais de vinte milhões de pes-
soas pretas; consequentemente, nós sentimos que esta é uma demanda modesta que nós fazemos.
4. Nós queremos moradia, queremos um teto que seja adequado para abrigar seres humanos. Nós
acreditamos que se os senhores de terra brancos não dão moradia descente para a nossa comunida-
de negra, então a moradia e a terra devem ser transformadas em cooperativas de maneira que nossa
comunidade, com auxílio governamental, possa construir e fazer casas descentes para as pessoas.
5. Nós queremos uma educação para nosso povo que exponha a verdadeira natureza da decadente so-
ciedade Americana. Queremos uma educação que nos mostre a verdadeira história e a nossa importân-
cia e papel na atual sociedade americana. Nós acreditamos em um sistema educacional que dê a nossos
povos um conhecimento de si mesmo. Se um homem não tiver o conhecimento de si mesmo e de sua po-
sição na sociedade e no mundo, então tem pouca possibilidade relacionar-se com qualquer outra coisa.
6. Nós queremos que todos os homens negros sejam isentos do serviço militar. Nós acreditamos que
o povo preto não deve ser forçado a lutar no serviço militar para defender um governo racista que não
nos protege. Nós não lutaremos e mataremos os povos de cor no mundo que, como o povo preto,
estão sendo vitimizados pelo governo racista branco da América. Nós nos protegeremos da força e da
violência da polícia racista e das forças armadas racista, por todos os meios necessários.
7. Nós queremos o fim imediato da brutalidade policial e assassinato do povo preto.Nós acreditamos
que nós podemos terminar a brutalidade da polícia em nossa comunidade preta organizando grupos
pretos de autodefesa que são dedicados a defender nossa comunidade preta da opressão e da bruta-
lidade racista da polícia. A segunda emenda da Constituição dos Estados Unidos dá o direito de portar
armas. Nós acreditamos consequentemente que todo o povo preto deve se armar para a autodefesa.
8. Nós queremos a liberdade para todos os homens pretos mantidos em prisões e cadeias federais,
estaduais e municipais. Nós acreditamos que todas as pessoas pretas devem ser liberadas das mui-
tas cadeias e prisões porque não receberam um julgamento justo e imparcial.
9. Nós queremos que todas as pessoas pretas quando trazidos a julgamento sejam julgadas na corte
por um júri de pares do seu grupo ou por pessoas de suas comunidades pretas, como definido pela
Constituição dos Estados Unidos. Nós acreditamos que as cortes devem seguir a Constituição dos
Estados Unidos de modo que o povo negro receba julgamentos justos. A 14ª emenda da Constituição
dos ESTADOS UNIDOS dá a um homem o direito de ser julgado por pares de seu grupo. Um par é
uma pessoa com um acumulo econômico, social, religioso, geográfico, ambiental, histórico e racial
similar. Para fazer isto a corte será forçada a selecionar um júri da comunidade preta de que o réu
preto veio. Nós fomos, e estamos sendo julgados por júris todo-brancos que não têm nenhuma com-
preensão “do raciocínio do homem médio” da comunidade preta.
10. Nós queremos terra, pão, moradia, educação, roupas, justiça e paz. E como nosso objetivo político
principal, um plebiscito supervisionado pelas Nações-Unidas a ser realizado em toda a colônia preta
no qual só serão permitidos aos pretos, vítimas do projeto colonial, participar, com a finalidade de
determinar a vontade do povo preto a respeito de seu destino nacional

Além do Black Panther Party for Self Defense, em São Francisco surgiu um outro gru-
po, no mesmo ano, chamado Black Panther, o The Black Panther Party of Northern California.
Quando ficaram sabendo disso, Huey e Bobby foram averiguar e marcaram uma reunião aonde
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Huey perguntou a eles “O que vocês estão fazendo pela comunidade no que tange a luta re-
volucionária? Se estão fazendo algo pela comunidade na luta revolucionária, nos juntaremos a
suas fileiras, mas não vemos vocês fazendo isso, então nos deixem em paz”.
Para o BPP, este outro grupo era ligado ao que chamavam pejorativamente de “nacio-
nalismo cultural”. David Milliard, e posteriormente todos os outros panteras naquele tempo,
passaram a chamar este outro grupo de “Panteras de Papel” em alusão à expressão de Mao
sobre os “tigres de papel”.
As contradições entre os “nacionalistas culturais” e o BPP se tornou mais aguda quando
Betty Shabazz, esposa de Malcolm X, viajou para Oakland para a Conferência em memória
de Malcolm X. O BPP entrou em contato com os “Panteras de papel” para assegurar segu-
rança para Betty Shabazz. Na reunião de discussão sobre como se daria isso, as primeiras
contradições começaram quando Huey falava sobre a necessidade da linha política e de que
a violência policial contra o povo negro nos Estados Unidos se dava a partir de um todo único
inseparável da política norte-americana. Nesta reunião ficou evidente que os “Panteras de
papel” separavam o aspecto político da autodefesa armada, ao passo que para o BPP e para
Huey, isso era impossível de se separar.
Quando viram a Conferência começar, consideraram que as contradições existentes ali
eram contradições antagônicas, dada a ausência de um caráter de fato político, e o oportu-
nismo de querer se passar por líderes da comunidade negra mas sem realmente levar a cabo
concretamente a noção de autodefesa armada nas comunidades, focando apenas no identita-
rismo cultural. Em artigo publicado em Fevereiro de 1969 em seu jornal “Black Panther”, Linda
Harrison coloca a crítica sobre o que chamavam de “nacionalistas culturais”: “O nacionalis-
mo cultural se manifesta em várias formas, mas todas estas manifestações se fundamentam
essencialmente um em fato: uma negação universal e o ato de ignorar as atuais realidades
econômicas, políticas e sociais e a concentração no passado como quadro referencial. Este
fenômeno não é único nesta etapa da revolução da qual nos encontramos: tampouco é único
para a luta por liberdade dos ‘cidadãos’ negros dos Estados Unidos. Frantz Fanon - em Con-
denados da Terra- disse sobre esse fenômeno: ‘Não existe nenhuma ofensiva, e nenhuma
redefinição das formas de se relacionar. Existe simplesmente uma crispação em um núcleo
da cultura cada vez mais estreito, que está se tornando mais e mais inerte e vazio.’(..) E por-
que o nacionalismo cultural nao possui doutrina política como orientação geral- os limites de
ser Black and Proud, são imediatos.(...) Como pode um nacionalista cultural afirmar amar um
país- e um continente que sofreu com centenas de anos de colonialismo e escravidão, e ainda
sofre sob as formas inteligentemente disfarçadas e abertas destas instituições. Como ele pode
negar a realidade política de sua própria vida nos EUA ao se vestir com um aventual ganês
de maternidade(todo colorido e brilhante) para participar da cultura de um povo mergulhado
em revolução e revolta? Como pode um nacionalista cultural afirmar aderir à cultura de África,
quando esta cultura é uma cultura revolucionária? A solidariedade com todos os povos revolu-
cionários do mundo trouxe uma cultura comum para povos que nada sabem uns dos outros ex-
ceto o fato que sofrem sob sistemas semelhantes de exploração, degradação e racismo. Que
seu povo passou pelas mesmas mudanças e que de maneira nenhuma seu povo irá recuperar
sua dignidade e encontrar sua liberdade a não ser através de um confronto de igual para igual
e de cara a cara através de tática e ação revolucionárias. Uma cultura revolucionária é a única
cultura válida para os oprimidos!”
O Partido se viu expandindo para outros Estados e ganhando dimensões nacionais
após a ida para o Capitólio do Estado, ao protestarem contra a lei de proibição do porte de
armas, que afetaria imediatamente a política de autodefesa armada nas comunidades. A par-
tir de sua expansão, o Partido passa a oferecer programas de café de manhã de graça para
as crianças nas comunidades em que atuava (breakfast for school children), além de serviço
médico gratuito, programas de educação e alfabetização, ambulâncias, atendendo assim às
necessidades básicas e demandas concretas da população em seus locais de atuação, ten-
tando colocar isso dentro da perspectiva de seu programa máximo. Eram os programas Serve
“50 anos do Partido dos Panteras Negras” URC 17

the People. Huey P. Newton comenta sobre o caráter deles:

“Reconhecemos que a fim de trazer as pessoas para o nível de consciência necessário para elas
seria necessário servir aos seus interesses de sobrevivência desenvolvendo programas que as aju-
dariam a atender suas necessidades diárias. Por muito tempo, tivemos tais programas não apenas
por sobrevivência, mas também por motivos organizacionais. (...) Todos estes programas satisfazem
as profundas necessidades da comunidade mas eles não são as soluções para nossos problemas.
É por isso que chamamos eles de programas de sobrevivência, ou seja, a sobrevivência pendente
de revolução. Dizemos que o programa de sobrevivência do Black Panther Party é como o kit de
sobrevivência de um marinheiro de pé em uma jangada. Ajuda ele a se sustentar até que ele consiga
sair completamente daquela situação. Então os programas de sobrevivência não são respostas ou
soluções, mas eles nos ajudarão a organizar a comunidade em torno de uma verdadeira análise e
entendimento de sua situação. Quando a consciência e a compreensão se elevar para um nível su-
perior então a comunidade irá aproveitar o tempo e se livrará da bota de seus opressores.”

Assimilação do Marxismo-Leninismo
O Partido desde sua fundação, se expandiu muito rapidamente, até ganhar dimensões
nacionais, como se vê no livro Black Against Empire: “Até o Final de Fevereiro de 1968, o
BPP ainda era uma pequena organização regional. Mas, até dezembro o Partido havia aberto
escritórios em vinte cidades… e até 1970, o Partido havia aberto escritórios em 68 cidades”.
Conforme este processo de expansão nacional ia se desenvolvendo, também iam moldando a
sua linha política e teórica, seu norte ideológico.
A partir de 1968 o Partido passa a adotar o Marxismo-Leninismo como ideologia oficial
do Partido, conforme Kathlen Cleaver, Secretária da Comunicação do Partido, coloca: “Como
Marxista-Leninistas, o Partido dos Panteras Negras defende a luta revolucionária para esta-
belecer uma sociedade socialista. Os Panteras se voltaram para o Marxismo-Leninismo como
guia na oposição do Partido ao racismo, sexismo e ao capitalismo. Por exemplo, os princípios
do socialismo ditavam a igualdade de gênero entre os membros do Partido assim como a
solidariedade Interracial e internacional. Bobby Seale explicava, ‘A luta contra o chauvinismo
masculino é uma luta de classes - isso é difícil para as pessoas entenderem’. Estes princípios
também orientaram o Partido dos Panteras Negras para a noção de Partido de Vanguarda
de [Vladimir] Lenin. Os membros do Partido dos Panteras Negras obviamente se viam como
disciplinados, revolucionários profissionais comprometidos na mobilização de apoio para uma
revolução socialista.”
A assimilação do pensamento Mao Tsé-tung pelo Partido, a transformação do partido
em um Partido Revolucionário de Vanguarda, começa em 1968, quando começam a colocar o
livro vermelho de Mao não apenas para vender para arrecadar fundos, mas como leitura obri-
gatória, junto de Frantz Fanon e a autobiografia de Malcolm X, além de obras de Che Guevara
e outros revolucionários. A partir disso, passam a ler outros clássicos do socialismo científico.
Huey P. Newton já havia estudado as obras escolhidas de Mao na faculdade e para ele foi o
ponto de sua partida para ter se tornado um comunista, mesmo tendo estudado a teoria mar-
xista na faculdade, e foi por iniciativa dele que tais leituras passaram a ser leituras do Partido
e que a partir dali se sistematizaria no âmbito teórico sua prática revolucionária. Bobby Seale
relata em conversa com Huey que “Huey fez um ponto que os princípios revolucionários tão
concisamente citados no Livro Vermelho deveriam ser aplicados onde pudesse. Ou seja, onde
quer que pudessem ser aplicados dentro da margem deste sistema. Huey dizia ‘Bem, este
princípio não é aplicável à nossa situação neste momento’. Onde o livro dizia ‘O povo chinês
do Partido Comunista’, Huey diria ‘Mude isto para Partido dos Panteras Negra. Mude de povo
chinês para povo negro’. Quando ele via um princípio particular sendo esclarecido em termos
chineses, ele iria mudá-lo para aplicá-lo para nós”. Continuando, ele cita uma conversa que
Huey teve com ele: “Bobby, você e eu sabemos que os princípios neste livro são válidos, mas
nossos irmãos e companheiros negros não, e eles não vão pagar nem um dólar nem trinta
centavos pelo livro. Então, o que temos que fazer é chegar nos revolucionários brancos que
são intelectualmente interessados no livro, vendê-lo, arrecadar o dinheiro, comprar as armas e
18 URC Revista NOVA CULTURA - www.novacultura.info

ir para as ruas com as armas. Iremos proteger uma mãe, um irmão, e proteger a comunidade
dos policiais racista. E em troca, os irmãos irão querer entrar na organização e irão se relacio-
nar com o livro vermelho. Irão se relacionar com a igualdade social, política e econômica em
defesa da comunidade”.
Nesse processo, a forma que viam a questão da opressão racial nos Estados Unidos
também passa por algumas mudanças, indo além do nacionalismo revolucionário. Sua aná-
lise então passou a se aproximar muito da visão dos comunistas negros dos Estados Unidos
dos anos 30 ao analisarem a supremacia branca e a Jim Crow, que também era a visão do
Komintern, inclusive com documento sobre escrito pelo principal líder negro do CPUSA, Harry
Haywood, com apoio de Lenin. Para Haywood, a questão negra nos Estados Unidos se tratava
de uma questão colonial, de um “colonialismo interno”, que se baseava na região do Cinturão
Negro, no Sul dos EUA, onde majoritariamente residiam os negros, que basicamente eram os
ex-escravos que foram trabalhar nas plantações de algodão. Os negros, com a diáspora, fo-
ram excluídos tanto de sua identidade de cada região que residiam no continente africano ao
serem levados para serem escravos nas colônias, como, no processo da formação nacional
estadunidense, foram excluídos da identidade nacional dos “americanos” a partir das leis de
segregação da Jim Crow, sendo relegados à condição de cidadãos de segunda classe, subal-
ternizados. Por isto, as palavras de ordem de “autodeterminação” na região do Cinturão Negro,
na época, levada a cabo pelo CPUSA.
Na época que o BPP surge, a situação em torno do Cinturão Negro mudou, com a mi-
gração em massa dos negros do Sul para os Estados do Norte após a II Guerra Mundial, mu-
dando também da vida rural para vida urbana. Ainda assim, os panteras ainda consideravam
que a questão dos negros nos Estados Unidos era uma questão colonial e nacional, sendo
uma luta fundamentalmente de libertação nacional (que se ligava com o socialismo), onde os
guetos negros seriam parte de uma minoria nacional colonizada internamente por uma po-
tência imperialista e racista. Assim, eles se referem aos guetos negros onde se organizavam,
como “colônias negras”, onde podemos ver essas referências à “colônia do Harlem”, por exem-
plo. Podemos ver um dos panfletos distribuídos nas comunidades que atuavam:

“Em nossa luta por Libertação Nacional, estamos agora na etapa de libertação das comunidades. Para
libertar nossas comunidades negras do controle imperialista exercido sobre elas pelos grupos racistas
e exploradores no interior das comunidades brancas, para libertar nosso povo, trancado nas Masmor-
ras Urbanas, do imperialismo dos bairros brancos. A nossa luta é contra o Imperialismo nas Comunida-
des. Nossas comunidades negras são colonizadas e controladas por fora, e é este controle que neces-
sita ser esmagado, quebrado, despedaçado, por quaisquer meios necessários. A política nas nossas
comunidades é controlada por fora, a economia nas nossas comunidades é controlada por fora, e nós
mesmos somos controlados pela polícia racista que vem de fora às nossas comunidades e as ocupa,
patrulha, aterroriza, e brutaliza nosso povo como um exército estrangeiro numa terra conquistada.”

Em outro documento, divulgado em seu jornal: “O povo negro na América possui o direi-
to moral de afirmar sua nacionalidade, porque somos um povo colonizado. Mas a história não
permitirá nos afirmar enquanto nação, porque concedeu a nós uma obrigação; levar o desen-
volvimento socialista até sua etapa final, livrar o mundo da ameaça imperialista, a ameaça dos
capitalistas e dos warmongers. Uma vez que ele é destruído, então não haverá necessidade
de nações, porque as nações não precisarão se defender do Imperialismo”
Em um documento onde escrevem sobre a coalizão entre o Partido Peace and Freedom
(Paz e Liberdade) e o BPP, Elridge Cleaver, Ministro da Informação do Partido usa o termo
“Revolução na Metrópole branca, libertação nacional na colônia negra” para atender à esta po-
sição tendo em vista a derrubada do capitalismo-Imperialismo nos EUA. Apesar de tudo, deve
se lembrar que esta posição de que o povo negro, dentro dos limites territoriais dos Estados
Unidos era uma nação oprimida que sofria de “colonialismo interno”, antes dos Panteras, tam-
bém fora retomada por Malcolm X, que exerceu grande influência sobre o Partido.
Assim então o Partido dos Panteras Negras se enxergava não apenas como uma parte
da revolução proletária mundial, mas também que estava na mesma condição dos povos opri-
“50 anos do Partido dos Panteras Negras” URC 19

midos do Terceiro Mundo, da Ásia, África e América Latina, e que então também faziam parte
do mesmo processo que fazia estes povos pegarem em armas contra o domínio colonial, se
vendo então como uma parte da revolução anticolonial tricontinental. Nisto, passam a divulgar
as lutas de libertação nacional, principalmente da África, em seus veículos e documentos. Tam-
bém passam a procurar contatos internacionais e organizar viagens. Nestes contatos, focavam
nos países recém libertados, com governos progressistas (Argélia, por exemplo), e os países
socialistas, particularmente a China, Coreia, e Vietnã. No que tange a URSS, consideravam
que ela estava se degenerando em social-imperialismo a partir do processo de consolidação
do revisionismo na direção do Partido. Huey em particular, concebia a URSS não como uma
potência imperialista que competia com os EUA, mas como um satélite do imperialismo norte-
-americano no Leste Europeu.
Neste processo, cada vez mais se viam textos de revolucionários como Ho Chi Minh,
Fidel Castro, Kim Il Sung e principalmente Mao Tsé-tung, em seus jornais. Stalin chegava a ser
citado também em alguns textos de lideranças (David Hilliard, Chefe de Gabinete do Partido
mantinha um quadro de Stalin em seu escritório e chegou a defendê-lo publicamente em en-
trevista). Nisso, os Panteras chegaram até mesmo a oferecer tropas negras suas para a Frente
Nacional para a Libertação do Vietnã e seu Governo Provisório Revolucionário da República
do Vietnã do Sul. Nguyen Thi Din, Vice-Comandante da Frente chegou a enviar uma carta em
resposta à iniciativa dos Panteras:

Estamos profundamente movidos por sua oferta… Esta notícia foi comunicada à todos os quadros e
combatentes da FNLV no Vietnã do Sul; tão valentes como vocês, no próprio território dos Estados
Unidos. Consideramos-na como uma grande contribuição...um importante evento... No espírito da
solidariedade internacional, vocês levaram adiante a responsabilidade com a história, com a necessi-
dade de ações unidas, compartilhando alegrias e tristezas, participando na luta contra o Imperialismo
norte-americano... Nos últimos anos, a sua justa luta nos EUA nos estimulou a fortalecer a unidade,
e a avançar rumo a maiores sucessos.

Apesar da principal influência dos Panteras evidentemente ser o pensamento de Mao


Tsé-tung, é interessante analisar a forma como viam a Coreia Popular e Kim il Sung. Elridge
Cleaver, em particular era um entusiasta da República Popular Democrática da Coreia, Kim Il
Sung, e da ideia Juche e chegou a viajar algumas vezes para lá. Para Cleaver, a Coreia era
um “farol na vanguarda das massas em luta no mundo”, e a ideia Juche uma “posição criativa,
desenvolvendo e aplicando o Marxismo-Leninismo nas suas próprias condições revolucioná-
rias”, e chegou a afirmar que “Após investigação criteriosa do cenário internacional, é nossa
opinião que é ninguém menos que o Camarada Kim il Sung que fornece brilhantemente a aná-
lise Marxista-Leninista, estratégia e método tático mais profundos para a total destruição do
Imperialismo e a libertação dos povos oprimidos de nosso tempo”. Cleaver chegou a editar um
livro com textos selecionados de Kim Il Sung, escrevendo o prefácio e alegando que para ele,
o livro deveria ser lido por todos os revolucionários dos Estados Unidos.
Os discursos e textos de Kim Il Sung e a história da revolução coreana passaram a ser
leitura obrigatória nas aulas de Educação Política do Partido. Nisto, a Coreia passou a divulgar
a luta dos Panteras para o povo coreano também; em 6 de Julho de 1970, um veículo coreano
publicou uma manchete falando que a prisão de centenas dos membros do BPP “represen-
ta uma barbaridade fascista sem pudor contra os trinta milhões de negros americanos e um
obstáculo intolerável e nefasto para as forças progressistas dos Estados Unidos e os povos
revolucionários de todo o mundo”. O próprio Kim Il Sung, chegou a enviar uma carta para o
Partido desejando “sucessos em sua justa luta para abolir o maldito sistema de discriminação
racial dos Imperialistas norte-americanos e ganhar liberdade e emancipação”.
A viagem de Huey P. Newton para a China Popular de Mao, em 1972 também marcou
bastante a sua visão sobre a questão negra nos EUA, como ele afirma:

“Eu vi, com meus próprios olhos, como podemos começar a reduzir o tipo de conflitos que estamos
tendo aqui. Eu vi um exemplo disso na China… o que eu vi foi o seguinte: quando eu fui para lá, eu
20 URC Revista NOVA CULTURA - www.novacultura.info

estava muito não esclarecido e eu achava que sabia algo sobre a China. Eu pensava, como tanto já
foi dito, que a China seria um tipo homogêneo de território étnico/racial. Então eu descobri que 50%
do território chinês é ocupado por uma população de 54% de minorias nacionais, grandes minorias
étnicas. Eles falam idiomas diferentes, eles parecem muito diferentes, e comem comidas diferentes.
Ainda assim, não há nenhum conflito. Eu observei um dia que cada região—podemos chamá-las
de cidades— é realmente controladas por essas minorias étnicas, mas elas ainda são chinesas…
Estou falando de uma condição geral na China, onde as minorias étnicas que eu observei, controlam
todas suas regiões. Elas possuem o direito de ter representação no Partido Comunista da China. Ao
mesmo tempo, eles têm seus próprios princípios ... As cidades deste país poderiam ser organizadas
desse modo, com o controle da comunidade. Ao mesmo tempo, não o controle negro de modo que
brancos não pudessem entrar, nenhum chinês pode entrar. Eu estou dizendo que haveria democra-
cia no interior da cidade. A administração deve refletir os povos que ali vivem”.

Apesar de terem os chamado para alianças na época da “Frente Única contra o Fascis-
mo”, também combatiam o revisionismo do CPUSA, que os atacava a partir do oportunismo
de direita. Cleaver disse que o CPUSA “desafiava o direito do BPP de adotar o Marxismo-
-Leninismo - poderíamos fazê-lo apenas se estivéssemos em seus bons escritórios. Então,
este princípio do Juche, reforçou a nossa própria autoconfiança. Quando um revolucionário
começa a utilizar o Marxismo-Leninismo, se ele não é cuidadoso ele pode ser levado a sentir
que ele está roubando alguma coisa ou que ele não realmente tem o direito daquilo, e este tipo
de coisa leva a abotrdagem dinâmica que você precisa.”
Além disso, William Patterson, dirigente negro do CPUSA, chegou a escrever um artigo
defendendo que os Panteras se focassem mais em seus programas de Serve the People do
que na autodefesa armada(que para ele, era algo “infantil”), eles estariam mais maduros. Huey
respondeu a ele:

“Ele é um revisionista e se opõe à luta armada… Ele afirma que porque a nossa linha é provocativa,
então se dá à ordem estabelecida uma desculpa para nos matar. Bem, qual desculpa o povo vietna-
mita lhe deu?... Patterson diz que ‘os Panteras aprenderam que nem os negros e nem as massas
brancas dos EUA estão prontas para a arma como um instrumento de liberdade, ou para a guerra
de guerrilhas, e nem estava a liderança dos Panteras’. Concordo com ele; aparentemente todos não
estão prontos para as armas. Mas eu também perguntaria se ele quer dizer que deveríamos parar de
falar sobre as armas? Deveríamos parar de nos defender? Ele está dizendo que a arma não é uma
ferramenta que eventualmente teremos que usar? Não deve ser introduzida para o povo? Se a sua
resposta à estas questões forem afirmativas, então se segue que o PCUSA deveria largar a sua linha
Marxista-Leninista e começar uma nova linha. E suponho que a sua nova linha seria a linha política
eleitoral democrática burguesa que o Partido Comunista Americano abraçou. Os Panteras levam sua
teoria para a prática(...) [O resultado foi que] as massas negras deram aos Panteras a maior base de
massas que qualquer organização revolucionária dos Estados Unidos já teve. Na festa de aniversário
para Huey, o auditório de Oakland abrigou muitas milhares de pessoas negras em aplausos, incluin-
do não apenas a juventude lumpen, mas famílias, velhos, crianças pequenas, operários, trabalhado-
res. Em maio de 1969, dezenas de milhares de negros, junto com muitos brancos, latinos e asiáticos,
protestaram para exigir que Huey fosse solto. Seguraram o livro vermelho e gritaram ‘Liberdade para
Huey, fora os porcos!”, e proclamaram que as duas principais ferramentas de libertação eram a arma
e o livro vermelho. Ao levarem adiante a arma, os Panteras despertaram a consciência das massas
para o Marxismo-Leninismo, e abriram o caminho para derrotar o social-pacifismo não apenas na
nação negra, mas também na nação Chicana, Porto Rico e até mesmo entre os brancos.”

Esta mudança também alterou as leituras obrigatórias do Partido nas aulas de Edu-
cação Política (P.E). Junto da autobiografia de Malcolm X, Condenados da Terra, de Frantz
Fanon, mas também textos de Mao, Che Guevara, Lenin, Marx e Engels, Nkrumah, etc. Entre
a direção as leituras obrigatórias eram de 6 livros de Mao ou sobre a Revolução Chinesa, três
de ou sobre Malcolm X, e um de cada de Huey P. Newton, Fanon e Marx. Em seguida, cada
membro deveria auxiliar o outro membro a compreender estes textos.
Criticaram também o que chamavam de “esquerda branca”, que eram os setores majo-
ritariamente ligados ao movimento hippie da época que denunciavam o Marxismo-Leninismo
e os países socialistas: ”Muitos destes mesmos provocadores culturais também denunciam
“50 anos do Partido dos Panteras Negras” URC 21

Democracias Populares como China, Cuba, Albânia, Coreia Democrática, e o Vietnã Demo-
crático porque estes países defendem uma cultura proletária revolucionária e não uma cultura
contrarrevolucionária, liberal burguesa do ‘faça o que você quiser’ que certos ‘esquerdistas’
nos EUA advogam.”
Assim o partido deixou de ser um partido baseado apenas na autodefesa das comunida-
des oprimidas e no nacionalismo negro revolucionário, e se tornou um Partido Revolucionário
de Vanguarda, orientado pelo Marxismo-Leninismo aplicado de maneira viva às suas condições
concretas, tal como coloca Elridge Cleaver: “Nós afirmamos: a ideologia do Black Panther Party
é a experiência histórica do povo negro e a sabedoria ganha por ele em sua luta de 400 anos
contra o sistema de opressão racista e exploração econômica, interpretado através do prisma da
análise Marxista-Leninista feita pelo nosso Ministro de Defesa, Huey p. Newton (...) Quando di-
zemos que somos Marxista-Leninistas significa que estudamos e compreendemos os princípios
clássicos do Socialismo Científico e que adaptamos estes princípios à nossa própria situação”

Fred Hampton e a Coalizão Arco-Íris


O estabelecimento de alianças, tanto com grupos “brancos” como com outros partidos e
organizações, foi um dos aspectos que marcou a história do BPP. Uma de suas primeiras coalizões
foi com o Partido Paz e Liberdade, inclusive com o BPP lançando candidatos eleitorais pelo Par-
tido. Em uma Conferência de três dias chamada de Comitê Nacional contra o Fascismo chamada
em Julho de 1969, fizeram esforços em juntar os principais partidos e organizações de esquerda
da época, chamando inclusive o Partido Comunista, como mencionamos anteriormente.
Entre os grupos majoritariamente brancos(principalmente ligados ao movimento estu-
dantil, com exceção do Young Patriots e do Rising Up Angry) que trabalharam conjuntamente
com os panteras estavam o Peace and Freedom Party, o Young Patriots, o Rising Up Angry,
Students for a Democratic Society, Patriot Party, White Panther Party, etc. O BPP orientava o
grosso desses grupos a organizarem os brancos em suas comunidades e educar o povo de
maneira antirracista. A âmbito organizacional, brancos não eram permitidos nas fileiras do Par-
tido, mas asiáticos e latinos sim; estes de forma geral possuíam suas próprias organizações
nacionalistas(Young Lords, Red Guards, La Raza Unida, etc.) que cooperavam com o BPP,
mas existe o caso bastante conhecido de Richard Aoki, o único não-negro que fazia parte da
direção do Partido. Apesar de tudo, ainda assim a aliança com grupos brancos gerou contradi-
ções dentro do Partido, como por parte de Stokely Carmichael que se desligou do Partido por
conta dessas divergências, afirmando que ele temia que o “Partido poderia se tornar as tropas
de choque negras da nova esquerda e da contracultura”. Huey respondeu aos membros que
eram contra estas alianças: “Enquanto o ponto de vista(de trabalhar estritamente com negros)
era compreensível, falhou em levar em consideração as limitações de nosso poder. Precisá-
vamos de aliados, e acreditávamos que a aliança com operários e estudantes brancos valia o
risco… Em alguns anos, quase metade da população americana seria composta de jovens, e
se nós desenvolvêssemos alianças fortes e significativas com a juventude branca, eles iriam
apoiar nossos objetivos e trabalhar contra o Establishment”. Huey prossegue: “Os jovens bran-
cos revolucionários se juntaram ao coro pela retirada das tropas do Vietnã, de tirar as mãos
da América Latina, contra a ingerência na República Dominicana e também pela retirada da
comunidade negra ou colônia negra. Então você tem uma situação onde os jovens revolucio-
nários brancos estão tentando se identificar com os povos oprimidos das colônias e contra o
explorador”. Exprimindo a linha de Huey, Fred Hampton fez um discurso onde coloca que “o
nosso programa de dez pontos está em processo de ser mudado agora mesmo, porque usa-
mos a palavra ‘branco’ quando deveríamos ter usado a palavra ‘capitalista’.”
Acreditamos que o ponto mais alto destas alianças, bem como o momento mais avan-
çado do movimento revolucionário estadunidense, tomou forma na Coalizão Arco-íris(Rainbow
Coallition), levada a cabo por Fred Hampton, dirigente do Partido de apenas 20 anos em Illi-
nois, Chicago. Partindo da análise dos Estados Unidos como uma prisão de nações, onde se
encontravam várias minorias nacionais oprimidas em torno de uma nação, se tentou juntar os
22 URC Revista NOVA CULTURA - www.novacultura.info

vários grupos nacionalistas radicais que organizavam estas minorias nacionais em torno de
uma frente única. Também se juntaram organizações “brancas”, como o White Panther Party
e os Young Patriots, organização dos brancos pobres da região de Appalachia, que inclusive
usava a bandeira confederada(é sobre eles que Huey P. Newton fala quando diz positivamente
sobre “poder branco para o povo branco” em um discurso bem conhecido).
Entre os grupos que se juntaram na frente fundada por Hampton, estavam os Young Lords,
grupo portorriquenho, Brown Berets, de chicanos, Red Guard, de chineses, American Indian Move-
ment, dos povos originários, e etc. Para além de uma frente multirracial, era uma frente que unia os
diversos grupos de nacionalidades oprimidas em torno de uma unidade programática que visava a
derrubada do capitalismo-imperialismo nos Estados Unidos e pela construção do socialismo.
Como parte da perseguição do FBI ao Black Panther Party, Fred Hampon é fuzilado en-
quanto dorme pela polícia de Chicago em colaboração com o FBI, quando entraram pela janela
em seu quarto. De seu lado também dormia a sua esposa, grávida, que saiu ferida, e seu filho
sobreviveu. Na mesma casa, também estavam outros membros do Partido. Mark Clark, de 17
anos também é assassinado enquanto dormia em uma cadeira na sala da casa. Os outros mem-
bros sobrevivem mas também ficam feridos. Segundo documentos do Júri federal, foram dispa-
rados 90 tiros no apartamento aquela noite, sendo apenas um de algum pantera. Com a morte
de Hampton, os esforços dentro da Coalizão Arco-íris continuam, mas sem o mesmo ritmo.

Lumpensinato enquanto sujeito histórico


As tentativas de desenvolvimento da aplicação do Marxismo-Leninismo às condições
e experiência concreta do povo negro nos EUA, também implicaram na elaboração de quais
sujeitos levariam a cabo a revolução socialista, tanto as forças principais como as forças diri-
gentes. Isso levou ao BPP a fazer uma reavaliação do papel do Lumpensinato na revolução.
O grosso das massas que o BPP mobilizou e organizou era a massa de pobres urbanos,
da qual um contingente importante era composta de “lumpens”. Muitos inclusive eram antigos
criminosos e bandidos, da qual o BPP reeducava(Fred Hampton mesmo reeducava muitos ex-
-criminosos para organizá-los pelo Partido em Illinois) para trazê-los para suas fileiras.
Sobre as análises marxista-leninistas com relação ao lumpensinato, existiam dois tre-
chos de textos de Mao que colocam a questão de maneira distinta da que Marx trata no 18
de Brumário; em Análise das Classes na Sociedade chinesa, Mao diz: “A atitude com relação
a esse grupo constitui um dos problemas difíceis que se apresentam à China. Tais indivíduos
são capazes de lutar com a maior coragem, mas são propensos a ações destrutivas. Condu-
zidos de maneira correta, podem converter-se numa força revolucionária.” Em outro texto, A
Revolução Chinesa e o Partido Comunista da China: “A situação de colónia e semi-colónia deu
lugar na China ao aparecimento duma multidão de desempregados, no campo e nas cidades.
Sendo-lhes recusados os meios de levar uma vida honesta, muitos deles veem-se forçados
a recorrer a meios ilícitos, entregando-se a pilhagem, banditismo, mendicidade e prostituição,
assim como a exploração profissional da superstição. Essa camada social é instável. Enquanto
uns se mostram capazes de ser assoldados pelas forças reacionárias, outros são suscetíveis
de aderir a revolução. Tais indivíduos não têm espírito construtivo, são mais aptos a destruir
do que a construir. Quando intervêm na revolução, convertem-se em fonte da mentalidade de
bando rebelde errante e anarquismo no interior das fileiras revolucionárias, razão por que pre-
cisamos de saber remodelá-los, guardando-nos contra o seu espírito destrutivo.”
Fanon, que era uma influência considerável para o BPP, pegou estes pontos de Mao e
desenvolveu sobre o papel do Lumpen nas revoluções anticoloniais. Para Fanon, o Lumpen
tanto abre margem para ser massa de manobra dos colonialistas, sendo uma força contrarre-
volucionária, como também por conta do que Mao chama de “capacidade de lutar com maior
coragem”, pode ser ponto importante de apoio para as forças revolucionárias, principalmente
na cidade como como forma de apoio ao movimento revolucionário no campo.
Por conta do processo de colonização interna, as massas negras dos Estados Unidos
sofriam do mesmo processo que o grosso dos povos do terceiro mundo sofriam, de empobreci-
“50 anos do Partido dos Panteras Negras” URC 23

mento e pauperização em massa, gerando uma massa de lumpens numerosa, com condições
de vida muito inferiores ao grosso da classe operária estadunidense, da qual existia um setor
bem considerável dela como parte da aristocracia operária.
Assim, Huey P. Newton presta bem atenção e revisita o papel do lumpensinato na revolução.
Para Huey, o lumpensinato negro nos Estados Unidos não era apenas os criminosos e ex-crimino-
sos, e desempregados, mas também aqueles que estavam em subempregos e alguns que trabalha-
vam na construção civil e até mesmo alguns setores da indústria. Ou seja, os setores mais pobres
do povo que ficam de fora da economia formal ou setores mais baixos desta economia formal.
Algumas análises marxistas consideram que isto levou a uma “ideologia lumpen” como
hegemônica dentro do Partido, e que este foi o principal fator da derrota do BPP. Consideramos
tais visões errôneas. De fato, é evidente que a ideologia lumpen, dada a base social do Partido,
possa ter exercido alguma influência dentro da linha política do Partido, no processo natural da
luta de linhas. Mas a compreensão hegemônica sempre foi a de que esta base lumpen(que dado
o contexto, era mais semelhante ao lumpensinato que Mao e Fanon se referem) estava subme-
tida à orientação ideológica do Partido, assim ao invés de fazer os lumpens, como Mao conside-
rou acertadamente, serem autodestrutivos, mas eles estavam sendo conduzidos por uma linha
correta, o que faz esta base ser inclusive remodelada. Além disso, o BPP mobilizava tanto vastos
setores de trabalhadores negros, como camadas médias, e pequena burguesia além do lumpen,
sendo os pequenos criminosos uma minoria do Partido, e que era reeducada e remodelada.
Se observarmos os principais discursos de Fred Hampton, por exemplo, veremos que a
sua posição é nitidamente uma posição proletária, como em seu famoso discurso de “Eu sou
um revolucionário, eu sou o proletariado, e vocês tem que entender a diferença, eu não sou o
porco.” Em um discurso feito na Igreja de Olivet em 69, ele fala abertamente:

“Temos que encarar alguns fatos. Que as massas são pobres, que as massas pertencem a o que se
chama de classe mais baixa, e quando eu falo das massas, estou falando das massas brancas, estou
falando das massas negras, e das massas latinas e massas amarelas também. Temos que encarar o
fato que algumas pessoas dizem que se luta fogo melhor contra fogo, mas dizemos que se combate
o fogo com água. Dizemos que não se combate o racismo com racismo. Vamos combater o racis-
mo com solidariedade. Vamos dizer que não se combate o capitalismo com o capitalismo negro; se
combate o capitalismo com o socialismo.(...) Não vamos lutar contra porcos reacionários que andam
pra lá e pra cá pelas ruas sendo reacionários; vamos organizar e nos dedicar para o poder político
revolucionário e ensinar a nós mesmos as necessidades específicas de resistir à estrutura de poder,
nos armas, e combater os porcos reacionários com REVOLUÇÃO PROLETÁRIA MUNDIAL. É assim
que tem que ser. O povo tem que ter o poder; ele pertence ao povo.”

E em outro discurso: “Sabe, muitas pessoas se desligam do Partido porque o Partido


fala de uma luta de classes. Dizemos primariamente que a prioridade desta luta é a classe.
Que Marx e Lenin e Che Guevara e Mao Tsé-tung e qualquer outro que já disse ou sabia ou
praticou qualquer coisa sobre revolução sempre disse que uma revolução é uma luta de clas-
ses. Era uma classe - os oprimidos, e aquela outra classe - o opressor. E isso deve ser um fato
universal. Aqueles que não admitem isso são aqueles que não querem se envolver em uma
revolução, porque sabem que enquanto estiverem lidando com uma questão apenas de raça,
nunca se envolverão em uma revolução.”
Hampton coloca evidentemente o ponto de vista da classe operária, de maneira desta
dirigindo as outras demais classes que podem vir a ter um papel na revolução socialista. Apesar
disso, podemos colocar que o Partido errou ao colocar que o lumpen estava substituindo o pa-
pel do proletariado. O lumpen é uma classe que não pode se portar enquanto classe indepen-
dente. Como é uma classe impossível de se manter independente, ela deve assumir ligações
com uma classe superior, e esta pode ser tanto a linha política do proletariado revolucionário
como da burguesia, a auxiliando na contrarrevolução. O determinante no processo de organi-
zação do lumpen por parte do BPP era justamente a sua submissão à uma linha que exprimia a
missão histórica do proletariado, que é o Marxismo-Leninismo. O BPP, assimilando o Marxismo-
-Leninismo, e apreendendo os escritos de Fanon e Mao, conseguiu dar o direcionamento corre-
24 URC Revista NOVA CULTURA - www.novacultura.info

to para organizar o lumpen, superando seus aspectos destrutivos e contrarrevolucionários.


Intercomunalismo revolucionário
A aplicação do Marxismo-Leninismo para a sua realidade concreta também levou Huey
P. Newton, a partir do método dialético a desenvolver aspectos novos para a verdade geral do
socialismo científico tendo em vista seu caráter vivo. Huey assim coloca: “O Black Panther Party
é um Partido Marxista-Leninista porque seguimos o método dialético e também integramos a
teoria com a prática. Não somos Marxistas mecânicos. Algumas pessoas pensam que são mar-
xistas, quando na verdade estão seguindo o pensamento de Hegel. Algumas pessoas pensam
que são Marxista-Leninistas mas se recusam a serem criativos, e portanto estão amarrados ao
passado. Se amarram à uma retórica que não mais se aplica às atuais condições.Se amarram
a uma gama de pensamentos que se aproximam de dogma - o que chamamos de ‘servilismo’.”
Huey então desenvolve, a partir do Marxismo-Leninismo, o que chama de “Intercomu-
nalismo revolucionário”. Para Huey, este termo exprimia a contradição se desenvolvendo entre
o “pequeno circulo que controla e se enriquece do Império dos EUA e os povos que querem
determinar seu próprio destino”. Para Huey, o “Imperialismo não pode existir sem explorar co-
lônias e forçadamente mantê-las dentro do panorama do ‘todo integral’; porque o Imperialismo
pode trazer nações juntas apenas pelos meios da anexação e conquistas coloniais, sem a qual
o Imperialismo é, de maneira geral, inconcebível”.
Para Huey então, com o processo de hegemonização dos EUA como potência impe-
rialista de primeira ordem, os limites nacionais estavam cada vez menos evidentes, sendo as
nações se tornando “comunidades” da qual os EUA estariam submetendo os povos oprimidos
do mundo a um domínio neocolonial, com um Imperialismo mais centralizado. Huey concebe
que as posições da burguesia nacional seriam impossíveis de serem concretizadas no marco
deste Imperialismo, dado que a posição dos EUA no cenário mundial faria o mundo todo estar
interligado, e a saída era ou o “intercomunalismo reacionário” que era a posição do domínio
global dos EUA, ou o “intercomunalismo revolucionário”, que seria a unidade entre as “comuni-
dades” oprimidas contra este Imperialismo, e em defesa de uma ditadura do proletariado global
que derrubasse esse poder político e construísse o socialismo e o comunismo.

Conclusão
O Black Panther Party, desde sua fundação, foi alvo da repressão das classes dominan-
tes do Imperialismo norte-americano. Edgar Hoover, diretor do FBI, classificou o BPP como a
“maior ameaça à segurança interna do país”. O FBI na época, em 67 criou o COINTELPRO,
programa destinado a “neutralizar” grupo “nacionalistas negros”. Seus objetivos eram coloca-
dos abertamente:

“Prevenir uma coalizão de grupos nacionalistas negros


Prevenir a ascensão de um messias que poderia unificar e eletrificar o movimento nacionalista mi-
litante… Martin Luther King, Stokely Carmichael e Elijah Muhammad, todos aspiram a esta posição
Prevenir violência por parte de grupos nacionalistas negros
Prevenir grupos nacionalistas negros militantes e líderes de ganharem respeito ao desonrá-los
Prevenir o crescimento a longo alcance de organizações nacionalistas negras militantes, principal-
mente entre a juventude

Após 1969, os Panteras Negras foram o principal alvo, com inúmeros de seus mem-
bros assassinados ou presos a partir deste programa. Além disso, forjaram cartas e infiltra-
ram membros a fim de semear confusão nas fileiras do partido. Quando Huey estava preso,
forjaram cartas suas alegando a necessidade do fim da luta armada, e que o foco deveria ser
exclusivamente nos programas de café da manhã e outros programas de “Serve the People”.
Elridge Cleaver, que estava exilado na Argélia, também recebeu várias cartas falsas de supos-
tos panteras, criticando a direção de Huey e clamando para que voltasse para tomar a direção
do Partido. Após Huey ter saído da prisão, em um programa de TV em entrevista com Cleaver,
da Argélia, acusa o programa do café da manhã para crianças de reformista e ataca os atuais
“Sobre a Guerra Civil Espanhola” URC 25

rumos do Partido. Como resposta, é expulso do Comitê Central, e sai do Partido.


Outra forma de destruição do BPP que o FBI usou, foi a difusão de drogas pesadas (prin-
cipalmente heroína) nas comunidades que o Partido controlava. Dado o problema com depen-
dência em drogas ser uma constante nos bairros que atuavam, o Partido enfatizava a crítica às
drogas como uma “praga contra o povo”, que semeava a autodestruição para o povo negro.
Huey se exila em Cuba em 1973 para fugir de mais uma condenação. A partir dali, Elai-
ne Brown estaria na direção do Partido, fazendo o Partido focar de maneira mais profunda nos
programas de sobrevivência, em contraste com as aspirações de Huey, que queria um modelo
de Partido militarizado. Quando volta em 77, não consegue mais a hegemonia dentro do Par-
tido. Larga a vida dentro do BPP e vira viciado em cocaína e heroína. Morreu em 1989 assas-
sinado por um traficante. Elridge Cleaver voltou do exílio em 75 com visões mais próximas de
Martin Luther King e se declara culpado pelo tiroteio com a polícia em 1968, do qual estava
sendo acusado. Também se tornou dependente de cocaína.
Este processo, que termina de maneira trágica foi uma experiência breve, mas cheia de
ensinamentos e com muitas posições avançadas do ponto de vista da questão negra enxer-
gada sob o prisma do Marxismo-leninismo, e que deve ser efetuado um balanço com base na
luta em defesa da emancipação do povo negro e sob a ótica do Marxismo-leninismo.
Do ponto de vista da luta contra o racismo, tendo em vista a superação não apenas da
opressão racial, mas também do capitalismo e pelo socialismo, a apreensão correta do Marxis-
mo-Leninismo, em seu processo de sistematização, de luta contra as tendências chauvinistas
e social-imperialistas da II Internacional, da elaboração de um verdadeiro internacionalismo,
em defesa dos povos coloniais e enquanto Marxismo da época do Imperialismo, além das ex-
periências históricas das revoluções coreana e chinesa, implica necessariamente na luta con-
tra o racismo colonial, em defesa da unidade dos povos, como fator fundamental para todos os
revolucionários marxista-leninistas.
Nesse sentido que podemos compreender a assimilação do marxismo-leninismo por
parte do BPP, de maneira que deu ao povo negro um norte ideológico que pudesse levar a
cabo até as últimas consequências as aspirações de seu povo por emancipação, e como parte
da revolução proletária mundial. Nesse sentido podemos conceber a experiência estabeleci-
da pelo BPP, ainda que curta, como uma tentativa extremamente avançada de desenvolver o
Marxismo-Leninismo se moldando enquanto vanguarda do povo negro nos EUA.

BIBLIOGRAFIA

Black Against Empire:


The History and Politics
of the Black Panther Party
Joshua Bloom,
Waldo E. Martin Jr.

Seize The Time


Bobby Seale

Revolutionary Suicide
Huey P. Newton

Jornal Black Panther


26 URC Revista NOVA CULTURA - www.novacultura.info

Sobre a Guerra
Em 18 de julho deste ano, completaram-se 80 anos da fa
tendeu por todo o território espanhol e tivera como princ
General Francisco Franco e que recebiam suporte logístico
tivamente, e, do outro lado, as forças republicanas, constit
tavam dispostos a lutar contra a ameaça fascista, socialist
e pelas Brigadas Internacionais. A luta revolucionária levad
das Internacionais contra o fascismo nos mostra que contr
alcançar a vitória, que é senão o da organização da classe
rio. A Revista Nova Cultura apresenta a tradução do impor
nistas”, realizado em maio de 1937 pelo Secretário-
“Sobre a Guerra Civil Espanhola” (José Díaz) URC 27

Civil Espanhola
amigerada Guerra Civil Espanhola, conflito este que se es-
cipais forças beligerantes os fascistas, encabeçados pelo
o da Itália e da Alemanha de Mussolini e de Hitler respec-
tuídas por elementos republicanos e democráticos que es-
tas e comunistas, que eram apoiados pela União Soviética
da a cabo pelos republicanos e pelos combates das Briga-
ra o imperialismo e seus lacaios só há um caminho para se
e operária, da luta armada e do internacionalismo proletá-
rtante discurso “O que somos e o que queremos os comu-
-geral do Partido Comunista da Espanha, José Díaz.
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Camaradas antifascistas de toda a Espanha!


Quero explicar, em primeiro lugar a finalidade da reunião de hoje. Viemos aqui, uma vez mais, porque
queremos que você saiba, que todo o povo antifascista da Espanha saiba, quem somos, o que nós
propomos e para onde caminhamos. Queremos também que sejam vocês, o povo, frente a situação
pela qual atravessa a Espanha, é quem julgue, é quem determine sobre a justeza da linha política,
da tática e da atividade de nosso Partido. Que seja o povo, não somente os comunistas, mas sim
todo o povo antifascista, que decida. Mas, ao mesmo tempo, que queremos que sejais aquele que
julgue os atos de nosso Partido, queremos também que sejais aquele que julgue os atos dos demais.

A guerra e a revolução são inseparáveis


Toda uma campanha sistemática e pérfida de ataques contra nosso Partido, encaminhada a
fim de debilitar a Frente Popular e que constitui, portanto, um grave perigo para uma vitória rápida,
nos obriga hoje a sair para a tribuna, uma vez mais, para definir nossa posição frente aos proble-
mas da guerra e da revolução. Nosso partido trabalha sem descanso, fazendo todos os esforços
e sacrifícios necessários para ganhar a guerra, porque ganhando esta – e eu não creio que seja
necessário repetir muitas vezes –, ganhamos a revolução. Não se ganha a guerra, não há possi-
bilidade para a revolução. Ambas as coisas são inseparáveis. São dois aspectos do mesmo fenô-
meno. Mas, repetimos, se não se ganha a guerra, não há porque pensar em revolução. Estamos
já fartos de jogos de palavras. Queremos feitos, e vamos demonstrar quais são os nossos e como
procedem os demais.

Nossa orientação revolucionária


E, como existem alguns que questionam a nossa história revolucionária, nos vemos obriga-
dos a destacar nossa trajetória e nossa prática na revolução, para demonstrar como nosso partido
vem seguindo desde sempre uma linha consequentemente revolucionária, ainda que a tática tenha
que ter se adaptada – como tem que adaptar-se sempre, se se quer ser eficaz e traduzir-se em con-
quistas práticas – às realidades de cada situação dada. Sobre a trajetória de nosso partido sobre a
guerra e a revolução, é necessário explica-la ainda que seja passo a passo, para que todo o povo
veja a justeza de nossa política. Infelizmente, o que nós dizemos, será implementado em seis meses
ou um ano, que é o tempo necessário para que as demais forças antifascistas compreendam. Mas
hoje não é possível que isto possa continuar assim. Vamos demonstrar a razão de nossa política
justa. Queremos que, se antes se demorava em reconhecer o que dizíamos em meses inteiros,
agora se reconheça rapidamente, porque temos o inimigo nas trincheiras e no interior, porque há de
se aniqula-lo, se é que de verdade queremos ganhar a guerra depois de tantas vítimas como tem
custado esta ao nosso povo, povo heroico que serve de exemplo ao mundo inteiro.

O Partido Comunista, forjador da Frente Popular


Para demonstrar isto, para demonstrar como nosso Partido tem sabido sempre adaptar sua
tática às mudanças operadas na situação, vou referir-me brevemente à situação criada em nosso
país depois do movimento de outubro de 1934. Aquele movimento foi derrotado depois do grande
sacrifício do proletariado da Espanha, do povo espanhol. E quando muitos acreditavam que coisa
estava perdida para os antifascistas, para os trabalhadores da Espanha; e quando, como consequ-
ência da derrota, houve aquela repressão selvagem, poucos dias depois, quando ainda o sangue
manchava as ruas da Espanha, especialmente nas Astúrias, levantou-se uma voz potente. Não re-
cordais? A voz que soou naqueles momentos trágicos, a voz que em tais momentos se levantou, a
voz do Partido Comunista. (Ovação) Dizíamos em um manifesto: “A coisa não está perdida para os
trabalhadores.” Dizíamos isto. E, além disso, quem não se lembra das ruas da Espanha – não houve
outro caso igual – naqueles momentos trágicos de grande repressão? As ruas da Espanha estava,
repletas de panfletos, manifestos e de jornais clandestinos. De qual partido? De qual organização?
Do Partido Comunista. (Ovação)
Nós dizíamos – e permitam-me que os recorde, para chegar a conclusões práticas para hoje
–, através de toda aquela literatura ilegal, de todos os procedimentos possíveis, que tiveram confian-
ça das massas, aquelas massas a quem muitos acreditavam estarem derrotadas. E aproveitamos
um momento em que, como consequência de um trabalho tenaz, as massas iam se despertando e
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começavam a reagrupar-se e a compreender a necessidade de que os operários devem se juntar


com todas as forças antifascistas, como já havíamos colocado naquele manifesto. Aproveitamos o
momento em que o inimigo ia se debilitando como consequência do ressurgimento do movimento
operário, naquele encontro célebre do Monumental Cinema, a julho de 1935, quando pela primeira
vez se pôde falar ao povo de Madrid, que era falar a todo o povo da Espanha, para dizer que se tra-
tava somente de uma derrota momentânea, que era necessário reagrupar as forças em um só bloco,
não somente as de operários e camponeses, mas também de todos os antifascistas no geral.
E o Partido Comunista, naquele encontro, apresentou a questão nos seguintes termos: “Tra-
balhadores da Espanha e todos os antifascista – disse então nosso Partido: uma solução está para
sair desta grave situação e esta é a da união de todos numa frente única, aglutinando todos os tra-
balhadores, e que todos estes unam-se também com todos os antifascistas, com os republicanos,
com toda a pequena burguesia, com tudo o que seja antifascista na Espanha, porque está é a única
maneira de fazer frente à situação e sair vitoriosos desta.” E lançamos a consigna da Frente Popular.
E se nos contestou – porque não se compreendia a importância deste feito – que era uma manobra
comunista, como agora se diz de outras coisas que nós propusemos.
Mas os feitos, demonstraram que não era tal manobra, mas sim uma necessidade imperiosa
para fazer frente a uma situação grava, em momentos em que a reação dominava a Espanha. E em
momentos até mesmo mais trágicos, quando tal reação estava no poder, e ao elevar-se o nível do
movimento operário espanhol, tivemos que concorrer as eleições, foi quando se compreendeu que o
Partido Comunista tinha razão e que a Frente Popular era uma necessidade. Porque se tivéssemos
ido concorrer desunidos nas eleções, como fomos nas de 1933, a coisa era bem clara para todos, e
poderia também ter sido trágica a todos. O inimigo, a reação, o fascismo, haveria triunfado nas elei-
ções e a estas horas, atirado na miséria o povo espanhol, assim como fora o povo alemão e italiano
e todos os povos onde domina o fascismo!
E, como consequência da unidade, de ação destas formas, com um governo que favorecia a
reação, que perseguia as forças da Frente Popular e favorecia aos nossos inimigos, apesar de tudo
isso, como este grande povo heroico da Espanha, este grande povo de alto nível político, compre-
endendo qual era a situação, colocou-se a favor da Frente Popular e assim tivemos aquele grande
triunfo como consequência do Bloco Antifascista, que tantos benefícios tem trazido ao proletariado e
que tanta glória está dando ao povo espanhol.
E depois, os mesmos que antes não haviam compreendido a importância da Frente Popular
para a luta contra o fascismo, disseram: “Bem, triunfamos sobre a reação. A missão da Frente Po-
pular terminou. Agora a Frente Popular não tem nada que fazer na Espanha.” Mas nós, do Partido
Comunista, dizíamos na imprensa, nos manifestos, nos encontros: “Camaradas do Partido Socialis-
ta, camaradas republicanos, anarquistas, todos antifascistas: Como é possível que cosidereis que já
temos ganhado a batalha contra a reação somente com o triunfo eleitoral? Não compreendeis que,
apesar deste triunfo, a reação é forte e somente na medida em que destruamos as bases materiais
e sociais da reação é que poderemos ir nos livrando deste perigoso inimigo?” E com grandes dificul-
dades, trabalhando muito nesta direção, mantivemos a Frente Popular. Mas, apesar disto, o inimigo
pôde lançar-se em assalto, a 18 de julho, com as armas que a mesma República havia posto em
suas mãos, para implantar o fascismo na Espanha.

Por que foi possível a sublevação fascista?


“Por que isto foi possível? Porque tampouco se teve em conta o que dizia nosso partido: a
necessidade de acabar com o perigo fascista, liquidando as bases materiais da reação. Destacamos
esta necessidade dentro da Frente Popular e também no Governo. Quem não se recorda de nossos
discursos daquela época no Parlamento, e sobretudo do célebre discurso da camarada Dolores?
Nós dizíamos: “O inimigo não está vencido. Por que? Porque ainda os latifundiários são do-
nos da terra, os banqueiros ainda são donos dos bancos e manipulam grandes capitais contra os
interesses do povo; porque ainda a Igreja é um poder econômico e polítco, com sua intervenção em
todas as direções dos destinos do país.” E nós também dizíamos: “Esta república democrática, re-
conquistada pelo povo nas eleições, deve ter em conta a experiência da República de 1931, que por
não haver arrancado totalmente as bases materiais e sociais da reação, pode oprimir novamente o
povo e os antifascistas espanhóis.”
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E naturalmente, como se acreditava que então era um extremismo do Partido Comunista a


exigência de se liquidar os latifundiários, os banqueiros, os magnatas da Igreja e dos bancos, isto
não foi feito, e eles, nossos inimigos, inimigos do povo, puderam, com o dinheiros destes bancos,
com a intervenção e o dinheiro dos latifundiários e da Igreja, com tudo isso, combinado com os milita-
res fascistas, prepararam o golpe de 18 de julho, que tanto sangue leva às custas do povo espanhol.

Os corvos da revolução
Por que é necessário recordar tudo isso? Porque agora, quando aqueles que antes o nega-
vam, se veem obrigados agora a reconhecer a justeza das questões apresentadas por nosso Parti-
do, vão se criando as condições e se vislumbram as perspectivas da vitória, já começam a se revoltar
os corvos da revolução para tomar uma parte do processo para si, sem ter em conta os interesses do
povo espanhol. Por que? Porque consideram que a coisa já está ganha. Não, camaradas. Há ainda
um longo caminho a percorrer.
O inimigo é forte e poderoso, e somente na medida em que nós sejamos capazes de organi-
zar nossas forças e nossos recursos, de fortalecer e disciplinar nosso Exército, estaremos em con-
dições de ganhar a guerra. E os que, agora lutam contra o partido e nos acusam de fazer trabalho
de “proselitismo”, pretendem apropriar-se de tudo o que povo espanhol está conquistando. Mas nós
lhes dizemos: se vocês creem que tudo está ganho e agora tratam de liquidar o Partido Comunista,
para ter as mãos livres, entendam bem: vocês vão falhar, porque contra o Partido Comunista não se
pode enfrentar impunemente. Por que? Porque nem nós o consentiremos, nem o consentirá tampou-
co a grande massa de espanhóis, que sabe o que é que representa para seus interesses o Partido
Comunista. (Aplausos.)

Lutamos por uma revolução popular


Por uma lado, se quer apresentar o Partido Comunista como um partido que quer desvirtu-
ar a revolução, como um partido que quer, sim, ganhar a guerra; mas que deixa a segundo plano
a revolução, separando a guerra desta última, como se isso fosse possível. E isto o dizem porque
apresentamos as reivindicações que correspondem ao caráter democrático da revolução, porque
expusemos claramente o que é e o que representa a revolução de nosso país.
Eu quero recordar a todos estes pedantes quais são as reivindicações que caracterizam
uma revolução popular. E quero faze-la com um texto de Lenin, para que não digam, como dizem,
que nos voltamos de costas aos nossos grandes professores da estratégia e tática revolucionárias.
“Revoluções populares – disse Lenin em “O Estado e a Revolução” – são aquelas em que a massa
do povo, a imensa maioria do povo, atua de um modo ativo, com suas próprias reivindicações eco-
nômicas e políticas...”

A revolução nas fábricas


E eu pergunto: não é isto o que está se realizando na Espanha? É verdade que a prática
da revolução se pode separar da necessidade de ganhar a guerra, ou mesmo do desenvolvimento
desta? Quando se fala de que não se quer fazer a revolução, ao mesmo tempo que a guerra, eu
pergunto: onde estão em nosso territórios os grandes latifundiários, os grandes capitalistas, os gran-
des banqueiros, onde estão aqueles que se levantaram contra a República, contra o povo? Ainda os
grandes industriais sublevados contra o povo seguem sendo donos das fábricas? Não, desaparece-
ram, e estas fábricas devem passar para as mãos do Estado, que estarão em mãos dos operários,
controladas pelos sindicatos que, desgraçadamente, em muitas fábricas, o fazem muito mal. Isto não
é fazer revolução? Estas não são as conquistas democráticas, revolucionárias?
Ou se disse por acaso que não somos revolucionários porque pedimos que as grandes fábri-
cas sejam nacionalizadas e que a produção seja controlada por comitês eleitos democraticamente
pelos operários? O que querem que sejam as fábricas? Se querem, por acaso, que sejam fábricas
de um ramo determinado, de um grupo, de algumas pessoas, de uma organização em específico?
As fábricas que foram expropriadas dos sublevados contra a República pertencem ao Estado, são
do povo, de todo o povo e não de uma determinada organização ou de um algum grupo. Tudo o
que venha de expropriações de fascistas, dos grandes industriais inimigos do povo, pertence a este
último. O que não se pode consentir é que tais fábricas, como pretendem aqueles que tanto falam
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de “revolução”, caiam em maõs de um destes comitês que se constituem por aí para explorar os
operários... (Aplausos.)

A revolução no campo
A revolução no campo. É possível que, no território em que controlamos, mesmo com uma
lupa, algumas pessoas sejam capazes achar algum grande proprietário de terras? É verdade que as
terras expropriadas dos sublevados contra a República não tem sido repartidas entre os campone-
ses e os operários agrícolas para que as trabalhem individual ou coletivamente, segundo seu próprio
interesse e vontade? Querem mais revolução e mais democracia do que aquele que, depois de re-
partir entre os trabalhadores do campo as terras dos inimigos da República, se lhes dão os elemen-
tos necessários para trabalha-las coletiva ou individualmente, e ajudado-lhes, também, o Estado,
com sementes, dinheiro para que possam fazer produzir a terra? O que se quer, ao parecer, é que
para haver uma autêntica “revolução”, as terras devem passar também para as maõs de um grupo
ou de uma organização para explorar os operários que antes eram explorados pelos caciques e lati-
fundiários. (Muito bem!). Isto não é tal revolução: na “revolução” está o Partido Comunista. O Partido
Comunista quer a autêntica revolução. A revolução onde o camponês desfruta da terra e a trabalha
porque é sua. Uma terra que foi expropriada de grandes latifundiários e agora está a disposição do
povo, porque tudo o que é expropriado passa a pertencer a este. Mas vieram alguns em nome de um
comunismo libertário ou de um anarquismo entendido a sua maneira, a fazer o que lhes agrada que
é a tal “revolução”... (Ovação, que impede ouvir o final do parágrafo.)
Nós queremos o mesmo que os camponeses e trabalhadores do campo: que sejam eles quem de-
cidam como devem ser cultivadas as suas terras, se individual ou coletivamente, que seja, o povo
trabalhador quem diga a última palavra nestas questões. E digo o povo, porque como sempre se fala
de soberania popular, e é agora que se deve levar à prática esta soberania, numa realidade onde
está faltando que o povo julgue os que fazem o bem e os que fazem o mal.

O Exército é hoje do povo


A revolução e a guerra. Se olharmos a composição do Exército ontem e a composição deste
hoje, nos daremos conta da revolução que foi feita. Quem mandava no exército antigo, o exército
dos grandes capitalistas e dos latifundiários? Quem mandava nele era uma casta privilegiada de
pederastas degenerados, uma casta de monárquicos, de fascistas de todos os tipos, porque, na-
turalmente, aquele exército era o que defendia os interesses destas classes, dos capitalistas, ban-
queiros e latifundiários. Quem manda no exército hoje? Os comandantes militares daquele exército
inimigo do povo e que existia para lutar contra este foram substituídos por comandantes oriundos
verdadeiramente das entranhas do povo e temperados nas trincheiras da luta contra os inimigos dos
trabalhadores. Quem manda neste exército? Infelizmente, ainda há que se depurar bastante. Tam-
bém falaremos um pouco disto. Mas temos já a garantia de que as armas estão nas mãos da classe
operária, do campesinato e de que uma grande parte destes comandantes são oriundos do povo,
que não podem de modo algum enganá-lo.
São comandantes que tem aparecido em todas as frentes, e muito especialmente na de Ma-
drid. Vocês conhecem, para citar somente alguns, Lister, Modesto, o “Camponês” e a tantos outros
chefes militares que saíram do seio do povo. Há também muitos militares profissionais que compre-
enderam o que representa nossa luta e estão identificados com a causa do povo, como o general
(o público se adianta, dando grandes vivas ao general Miaja)... Sim, o general Miaja, que encarna e
simboliza toda uma série de militares que estão em sintonia com a causa do povo. (Grandes aplau-
sos). E eu pergunto: Se houve essa mudança de forças neste sentido, de tal modo que o que antes
era um exército de capitalistas e latifundiários é agora um exército do povo, que luta em defesa de
seus interesses, eu creio que isso é fazer uma revolução. Agora bem, se a “revolução” é criar grupos
armados a serviço de um ou outro interesse especial, para fazer sua “revolução” especial, como tem
ocorrido em alguns povos da região de Levante e recentemente na Catalunha, isso não... (Ovação.)

Lutamos pelo bem-estar do povo


Por isso, quando se fala na imprensa, nos encontros ou onde quer que seja, essas ninharias
de que os comunistas querem separar a guerra da revolução, nós replicaremos que não podemos
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separar o inseparável. A revolução está sendo feita, a revolução democrática popular está se fazen-
do ao mesmo tempo em que se desenvolve a guerra, mas não podemos fazer tal revolução se não
ganharmos a guerra. Por isso dizemos: o decisivo é ganhar a guerra, porque ganhando a guerra,
ganharemos a revolução. (Ovação.) O que nós queremos é que todas as conquistas arrancadas pelo
povo durante a guerra sejam para o povo e que estas se consolidem e ampliem. O que nós quere-
mos é que haja uma verdadeira economia coordenada que satisfaça as necessidades da frente e da
retaguarda. O que nós queremos – como dizia o camarada Uribe – é que, sobretudo, não passem
fome nem o que lutam nas frentes nem os que trabalham na retaguarda. Deve-se dedicar a isto a
máxima atenção. E porque queremos uma economia nestas condições e queremos também uma
retaguarda que esteja em consonância com a atitude heroica de nossos combatentes nas frentes,
é nos dito que não queremos a revolução, que queremos estrangula-la. Não, o que nós queremos
estrangular, e estrangularemos, são os fascistas, os do campo inimigo, e aos que estão instalados
no nosso. (Ovação.)

Os trotskistas, agentes do fascismo


E já que falamos dos inimigos instalados em nosso campo, será bom que, aos dez meses
de guerra – guerra que tanto tem custado ao povo espanhol – examinemos minuciosamente quem
são os que criam dificuldades, entravando a conquista rápida da vitória. Para isto, deve-se analizar
o que há por trás das belas frases, alegadamente “revolucionárias”. É preciso destacar com clareza
quem são os inimigos fundamentais, os que tratam de semear a discórdia entre as organizações que
querem e necessitam unir-se rapidamente. Quem semeia esta discórdia para fazer romper a Frente
Popular? Quem vai contra o governo da Frente Popular e contra todo o labor dos antifascistas? Exis-
te, por um lado, os fascistas que não somente trabalham ou lutam contra nós desde as trincheiras,
sendo que também sabem muito bem o que representa desorganizar a retaguarda, que pode repre-
sentar a divisão do movimento operário, da Frente Popular e lutar contra o governo. Nosso inimigo
principal é o fascismo, são os fascistas. Mas os fascistas tem seu agente trabalhando. Naturalmente,
que se os agentes que trabalham com eles dizessem: “Somos fascistas e queremos trabalhar com
vocês para criar dificuldades”, imediatamente seriam eliminados por nós. Por isso eles utilizam outro
nome. Se colocam nomes distintos. Uns se chamam trotskistas. É o nome sob o qual trabalham mui-
tos fascistas enrustidos, que falam de revolução para semear o desnorteamento. E eu digo: se isto
todos o sabem e também sabe o governo, o que faz o governo que não os trata como a tais fascistas
e os extermina sem consideração? (Enorme ovação.)
Nós denunciamos muitas vezes os trotskistas como um grupo contrarrevolucionário a serviço
do fascismo. Havia organizações que acreditavam que os atacávamos sentimentalmente, por se
tratarem de elementos expulsos de nossas fileiras. Os fatos estão nos dando razão.
Todos os operários devem conhecer o processo que vem se desenvolvendo na URSS contra
os trotskistas. É Trotski em pessoa que tem dirigido esta quadrilha de bandidos que descarrilham os
trens da URSS, praticam a sabotagem nas grandes fábricas, e fazem todo o possível para descobrir
segredos militares para entrega-los a Hitler e aos imperialistas do Japão. E quando isso foi desco-
berto no processo e os trotskistas declararam que o que faziam conjuntamente com Hitler, com os
imperialistas do Japão, sob a direção de Trotski, eu pergunto: não está totalmente claro que isso não
é uma organização política ou social como uma determinada tendência, como os anarquistas, os
socialistas ou os republicanos, mas sim um bando de espiões e provocadores a serviço do fascismo
internacional? Há que varrer os provocadores trotskistas! Por isso eu dizia em meu discurso diante
do Pleno do Comitê Central, recentemente realizado, que não somente na Espanha deve ser dis-
solvida essa organização, suspendida sua imprensa e liquidada como tal, mas sim que o trotskismo
deve ser varrido de todos os países civilizados, se se quer de verdade liquidar esses animais que,
incrustados no movimento operário, fazem tanto dano aos próprios operários que dizem defender.
Deve-se acabar com esta situação.
Na Espanha, quem se não os trotskistas, tem sido inspiradores do golpe criminoso de Catalu-
nha? O jornal “A Batalha” do 1 de maio está repleta de incitações descaradas ao golpe. Entre outras
coisas, se diz que “a política da Frente Popular está conduzindo a Espanha à sublevação militar de
julho de 1936”. É o mesmo que disse Franco: que seu levante militar fora provocado pela formação
da Frente Popular. Pois, ainda é impresso esse jornal na Catalunha. Fora suspenso e reapareceu
“Sobre a Guerra Civil Espanhola” (José Díaz) URC 33

pois era “visado pela censura”. Por que? Porque o governo não se decide a meter a mão nele, como
é pedido por todos os antifascistas. (Ovação.)
Todo o número do “A Batalha” é uma incitação à rebelião contra o governo da República, con-
tra o governo da Generalidad, contra todos os antifascistas.

Limpeza implacável da retaguarda!


Não é uma verdadeira lástima, não é um crime que, enquanto todos estão trabalhando, dando
tudo de si para ganhar a guerra, quando com tanto heroísmo se lutam nas frentes, quando tantas
vidas são perdidas, tenhamos na retaguarda estes obstáculos, criados por estes homens a serviço
do fascismo?
Se em dez meses de guerra não há uma política firme para por a retaguarda à altura em que
se vão colocando algumas frentes, eu, estou seguro de que comigo pensarão todos os antifascistas;
começo a pensar: ou este Governo põe ordem na retaguarda, ou se não o fizer, terá que faze-lo outro
governo da Frente Popular. (Enorme ovação.)
Desarmemos aos que apunhalam nas costas a guerra e a revolução!
Os incontroláveis. Todos falamos de que estes elementos representam para entorpecer nosso
movimento na retaguarda. Eu digo: há de se prestar atenção à eloquente coincidência seguinte. Não
faz muito tempo, em momentos de noite até o período da manhã com que muitos povos de Levante
se sublevavam com armas em maõs contra a força pública, contra o governo legítimo, contra os an-
tifascistas. Em momentos em que não somente havia esta luta em Guadalajara, mas também que se
falava de um possível desembarco na zona de Levante, esses incontroláveis, esses fascistas – que
se poderão chamar como queiram, mas que são simplesmente, fascistas – se levantaram em armas.
Também hoje, quando havia uma situação verdadeiramente comprometida que somente o heroísmo
dos bascos tem sido capaz de conter; quando há uma grande ofensiva em Euskadi; desencaedeada
por tropas alemãs, italianas e tropas de Franco, surge uma sublevação na Catalunha, em Barcelona.
Movimento que fora preparado política e organicamente pelo POUM (Partido Operário de Unificação
Marxista) e os incontroláveis.
E eu digo: Até quando vão durar os incontroláveis na Espanha? Como é possível que nestes
momentos se produzam tais sublevações? Com que armas estes elementos se levantam para lutar
contra a força pública e contra a República? Se levantaram com fuzis, metralhadoras, com canhões,
com carros blindados, com todos os equipamentos mais modernos que o próprio governo colocou
nas mãos destes bandidos para que lutem nas frentes, e que no lugar de estarem nas frentes, es-
tavam escondidos não sei aonde, esperando a hora e emprega-los contra a República. Nós não
sabemos onde, mas há alguém que tem a obrigação de sabe-lo. Em primeiro lugar, o Governo. Em
segundo lugar, o ministro do Interior. Ou o ministro do Interior desarma aos que querem apunhalar a
revolução e a guerra pelas costas, ou deve deixar de ser ministro. (Enorme ovação.)

Não somos inimigos da CNT


Queremos – não nos cansaremos de repetir – ganhar a guerra é ganhar a revolução, e para
isso são necessárias medidas enérgicas. Que ninguém ache que nós, os comunistas, somos inimi-
gos da Confederação Nacional do Trabalho (CNT). Nós não somos inimigos da CNT. Nós, com toda
cordialidade queremos a unidade e boas relações com esta. Queremos que a CNT e UGT (União
Geral dos Trabalhadores) se entendam, mas queremos clareza.
Eu digo: no governo estão representados os partidos políticos, como há também uma repre-
sentação da CNT. Eu sei também que companheiros da CNT, como o camarada Vázquez, assim
como outros, tem feito muitos esforços para liquidar o movimento da Catalunha que tanto dano nos
tem causado. Nós compreendemos estes esforços, mas ao mesmo tempo há de se levantar para
condenar tais feitos.
Por uma parte eu digo: se todos os partido políticos tem representantes no Governo, a CNT
também os tem. E um dia se amotina a região de Levante, outro dia Catalunha, e até é muito possível
que de novo se possam repetir estes feitos, que nos podem custar muito. Eu digo: ou as organiza-
ções se submetem ao que exigem as necessidades da guerra e da revolução, fazendo com que o
governo da Frente Popular governe contando com as massas, ou ao contrário, negam seus próprios
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representantes no governo. Neste caso, a quem representariam no governo os ministros da CNT?


Tudo isso já foi dito, e repito, porque devemos fixar posições, porque a situação da Espanha requer
que todos façam os máximos esforços e os máximos sacrifícios.

Nada de “abraços de Vergara”, nem na frente e nem na retaguarda


E por isso digo que, com vistas à situação em que hoje vivemos, fazem falta mais ações e me-
nos palavras. Nós queremos que haja uma limpeza a fundo e um desarme a fundo também de todos
aqueles que conservam as armas nestas condições, só e exclusivamente, para se levantar contra os
próprios antifascistas, contra a República. Há uma frase muito célebre, conhecida por todos. Foi dito
em um manifesto de alguém – não sei quem – tratava de ir ao que se chama de “abraço de Vergara”.
Muito bem. Eu não creio que exista alguém, nem Partidos, nem pessoas de destaque, que sejam
capazes de pensar no “abraço de Vergara”. Sobretudo, nosso partido, de que podemos assegurar
e ele é bem conhecido pelas massas, que não se dá um “abraço de Vergara” com ninguém. Nosso
partido, desde que começou a guerra, tem dado a cada militante a consigna de que deve-se lutar, na
frente ou na retaguarda sem descanso, sem reparar em horas de trabalho ou sacrifícios. A ordem,
a consigna de nosso Partido é que nenhum comunista pode retroceder enquanto dure a guerra,
enquanto haja um palmo de terrenos que conquistar do fascismo espanhol ou do fascismo invasor.
Todos os comunistas, desde a direção até o último afiliado, devem estar dispostos a dar até a última
gota de sangue para ganhar a guerra e a revolução. E, portanto, temos a certeza de não vacilar, eu
não acho que alguém tenha pensado em faze-lo. Mas temos visto que, em relação com o levante
da Catalunha, se quer remover a importância da questão. E eu digo: ou se desarma com rapidez os
que se levantaram, impodo-lhes sanções exemplares, condenando os trotskistas e os incontroláveis
à que merecem pelos danos que causaram, ou ao contrário, se se quer levar abaixo o assunto, eu
digo aqui que isso sim é um “abraço de Vergara” com os inimigos da revolução. (Ovação.)

A Quinta Coluna está desprotegida: o que se deve fazer é aniquila-la


Agora vemos que a cada dia que passa, cada semana, um dia em lugar, outro dia em outro,
se descobre uma nova Quinta Coluna. Mas será possível? Tão grande é a Quinta Coluna na Espa-
nha que nunca se viu um rabo sequer? (Risos.) Trata-se não somente de descobrir a Quinta Coluna,
mas também esmaga-la definitivamente, para que não tenhamos a cada dia ou a cada semana tal
problema e desde a retaguarda não se pode apunhalar à República e ao exército do povo. Como
é possível acabar com isso? De uma só maneira. Não com uma política de tolerância com os ele-
mentos diretos ou indiretos da Quinta Coluna. Para acabar com esta, deve-se ter muita energia e
pouquíssimas vacilações. Assim o pede o povo espanhol, aos dez meses de guerra. E nós dizemos:
se o povo pede energia e que liquidem-se as vacilações para acabar de uma vez com a Quinta Co-
luna, ou há que dar-lhe ao povo a justiça que este exige, ou, repito novamente, quem procede com
debilidade e as vezes com covardia, não merece estar no local desde que deve-se meter a mão na
Quinta Coluna. (Forte ovação.)

Acabemos com os parasitas


Queremos ganhar a revolução. Eu creio que não é tão difícil encontrar o modo de chegar a
seguinte conclusão: ao que não haja algo útil para a guerra na frente ou na retaguarda, deve-se lhe
meter a mão se vacilação. Nós dissemos, e não creio que vão dizer que é porque não queremos a re-
volução, que o que não haja algo útil na frente ou na retaguarda, e que não trabalhe, que não coma.
Basta de parasitas que comem o pão dos que lutam na frente e dos que produzem na retaguarda.
Com um pouco mais de zelo e energia poderia resolver-se rapidamente o problema: primeiro, colocar
num lugar seguro os vagabundos e fascistas e, em seguida, enviá-los para construir trincheiras e
parapeitos para melhor proteger as vidas dos combatentes. (Muito bem! Aplausos.)

Comando único
Uma vez limpa a retaguarda de todos os inimigos do povo – fascistas, trotskistas, incontro-
láveis e toda essa sujeira social –, há que pensar nas frentes, para criar as condições que nos per-
mitam ganhar a guerra. Ganhar a guerra e ganhá-la em em breve. Sim, esta é nossa preocupação,
nossa obsessão constante. Por isso temos pedido e pedimos incansavelmente que se estabeleça de
“Sobre a Guerra Civil Espanhola” (José Díaz) URC 35

uma vez um comando único.


Deve-se acabar com a ideia de que a frente de Aragón seja uma frente autônoma, com suas
milícias soltas, em vez de estarem conectadas com o Exército regular da Espanha. Todas as frentes,
a de Euskadi, a de Aragón, a de Madrid, devem depender do Estado Maior Central único, que planeje
e dirija as operações em todo o país. Isto é fundamental, pois é exigido até mesmo pelo conheci-
mento mais superficial do que é a guerra. Se não há um comando que possa operar tendo em conta
as situações do norte, do sul ou de Aragón, não se poderão realizar operação com muito êxito. E
nestes momentos em que a situação vai melhorando para nós, necessitamos com mais rapidez do
que nunca para colocar em prática estas coisas que nos são indispensáveis.

Depuração de comandantes
Temos pedido e pedimos uma depuração metódica do Exército, para remover dos postos de
comando todos os elementos inseguros e traidores do povo, e que se eleve sistematicamente aos co-
mandos superiores e responsáveis, os chefes vindos das entranhas das massas populares e que estão
demonstrando sua abnegação, seu heroísmo e sua capacidade na defesa da causa antifascista.

Reservas
Temos pedido e pedimos a formação e instrução metódica de reservas, para substituir os
soldados que estão na frente e para ampliar e reforçar as frentes de batalha, conforme o exijam as
necessidades da guerra. Quem não recorda que nossas recentes vitórias de Guadalajara poderiam
ter tido uma extensão muito maior, rechaçando o inimigo mais profundamente, se tivéssemos as
ditas reservas de que não estavam a nossa disposição?

Indústria de guerra
Necessitamos também, e há sido ressaltado já muitas vezes pelo Partido Comunista, incre-
mentar a indústria de guerra, para conseguir o máximo rendimento. Reunir toda a indústria da guerra
da Espanha sob uma só direção, como se fosse uma grande e única fábrica que produza para as
necessidades das frentes, para onde o Estado Maior indicar que devem ir as munições ou as ar-
mas. Eu creio que deva-se acabar com o fato de que ainda existam fábricas nas quais se produzam
o que se quer, não somente não enviando para a frente, quando os recursos são necessários ali,
mas também para servir a interesses particulares, que já vimos para onde conduzem. Porque estas
metralhadoras, esses rifles e carros blindados que passavam pela Catalunha, vimos que não está
faltando munições, e mesmo assim, nas frentes faltavam tais recursos para atacar. Queremos uma
indústria de guerra bem organizada, nacionalizada, em condições de poder produzir as necessida-
des para a guerra. Todos esses pontos são os que nosso Exército vem apontando desde o começo
da guerra. E se em parte já estão levando-os à prática, foi graças não somente a nossa tenacidade
em destaca-los, mas também devido a nossa contribuição direta para executa-los. Por haver exigido
a realização de tudo isso nós temos ganhado não poucas inimizades, especialmente por parte dos
que, no lugar de apoiar-se na capacidade e vontade criadora do povo e dar a guerra toda a amplitude
que exige para ser vencida rapidamente, se obstinam em que esta se desenvolve segundo um plano
limitado, empírico e pessoal.

A ajuda internacional
Hoje, nossa guerra não é somente uma luta interior em que afeta a sorte de nosso país. Nela
se joga também o destino de toda a humanidade. As hordas estrangeiras que estão assolando nos-
so território não são somente as forças de invasão de nosso país; são também as forças negras da
reação mundial que lutam por converter a Espanha em ponto de partida para se lançar em assalto
contra toda a Europa e submete-la às garras do fascismo. Por isso tem para nós uma importância
decisiva a ajuda internacional, a solidariedade efetiva que os povos progressistas possam prestar.
E por falar nisso, temos que dizer que aqui também se quer especular e manobrar a favor e contra
certas ajudas, com fins bastante obscuros e ignóbeis.
É certo que o povo da França ajuda e encoraja nossa luta. O povo da Inglaterra também aju-
da e e encoraja nossa causa. Uma coisa distinta são os governos destes países, que ajudam muito
pouco, para não dizer que entorpecem a República espanhola. Não tem em conta do que represen-
36 URC Revista NOVA CULTURA - www.novacultura.info

taria para eles, para os interesses da França ou da Inglaterra, a derrota na guerra na Espanha, que
não iremos perder. Também temos a ajuda desinteressada do povo mexicano e em parte também do
governo. Mas há interessados em querer descartar e exagerar esta ajuda, que nó agradecemos no
mais profundo de nossas convicções, para dissipar a ajuda magnífica do povo soviético. Você não
tem notado que existem pessoas interessadas em manobrar esta direção? Eu tenho lido, no “Adelan-
te”, um jornal socialista, um militante independente que dizia: “Vocês o que fazem agora mister Eden,
monsieur Blum e tovarich Stalin!” (Grandes aplauso e vivas a Stalin.)
Compreendeis toda a má intenção que encerra o fato de envolver Stalin e o grande povo sovi-
ético, amigo próximo do povo espanhol, com os representantes da burguesia imperialista da Inglater-
ra e da França? Temos em conta toda a ajuda que está se prestando ao povo espanhol, por pequena
que seja, mas querer ignorar a ajuda do povo soviético, isso não é possível. E eu digho: quem a
ignore ou queira ignora-la de uma maneira mal intencionada, que dê um passeio por qualquer frente
e que veja a marca da fábrica de manteiga com que se alimentam nossos combatentes. (Grandes
aplausos.) Deve-se ter mais seriedade para colocar tais questões. O povo sabe até onde chega a
ajuda de cada qual. A agradecemos toda. Mas não se trata de ocultar a ajuda principal. Não somente
a principal, mas sim a fundamental. Eu não sei o que seria do povo espanhol sem os alimentos que
foram nos mandados pela União Soviética. (Aplausos.)

A unidade, acima de tudo


Nossa preocupação central é ganhar a guerra. E uma das condições essenciais para isto é a
unidade. Unidade do proletariado, de toda a classe operária em só grande partido político; unidade
dos sindicatos em uma grande central sindical única; unidade de todas as forças antifascistas em
torno da Frente Popular; unidade da juventude, que irá edificar a nova Espanha; unidade de todo o
povo espanhol para ganhar a guerra.
Queremos a unidade política do proletariado. O Partido Socialista e o Partido Comunista
estão em boas relações e fazem avanços sérios nesta direção. Estes possuem seus comitês de
ligação, constituídos para circular todas as questões de tipo interior e para debater muitos dos pro-
blemas relacionados com a guerra e a revolução em marcha. Mas isso não basta. É necessário que
estas relações cordiais entre socialistas e comunistas se acelerem no sentido de que se possa che-
gar o mais rapidamente possível, porque assim o exige os trabalhadores e a própria situação, a um
só partido da classe operária na Espanha. Que, sobre a base de um programa comum, os operários
possam formar um partido único, o grande partido do proletariado. (Aplausos.)
A classe operária o quer, porque sabe que constituindo o partido único do proletariado o mais
rápido possível, acelerar-se-á o triunfo da guerra, porque assim, tendo este partido bem unido, um
só partido da classe operária, tem-se a condição primordial para assegurar todas as conquistas,
para assim consolidá-las. Queremos que todos os socialistas e todos os comunistas trabalhem nesta
direção nos comitês de ligação. Queremos fazer compreender que isto é uma necessidade urgente,
porque isto ajudará a ganhar mais rapidamente a guerra. E o mesmo que queremos é que a CNT
e a UGT se entendam, queremos, sobretudo, tornar viável o mais rapidamente possível que nesta
inteligência entre a UGT e a CNT se criem as condições para uma só central sindical. E isto se pode
garantir na medida em que se leve a cabo a depuração de afiliados. E o digo principalmente para a
CNT, que é onde mais se tem infiltrado os inimigos da revolução. Eu estou seguro de que, com esta
limpeza, as relações entre a UGT e a CNT irão beneficiar grandemente os trabalhadores.

Frente Popular
Por isso nós queremos a unidade política e sindical dos trabalhadores. E isto não contraria
a Frente Popular. Não irá liquidar nossos aliados, mas sim o contrário. A garantia da força do prole-
tariado é a garantia da revolução. Nós dizemos que este Partido único e esta unidade sindical não
comprometerão a Frente Popular, mas sim a reforçam. Queremos com isto chegar a união de todo
o povo antifascista de nosso solo. Queremos estar unidos com todos os espanhóis para ganhar a
guerra e edificar, sobre o triunfo, uma Espanha livre, próspera e feliz. (Ovação.)
Apenas algumas palavras aos que ainda falam que nosso Partido faz um trabalho de proselitismo,
tratando de trazer o mal ao nosso partido, aos operários, aos camponeses, aos intelectuais. A classe
operária na Espanha é muito desperta. Verdadeiramente infantil é colocar que nós crescemos como
“Sobre a Guerra Civil Espanhola” (José Díaz) URC 37

Partido Comunista, porque fazemos trabalho de proselitismo. O que nós fazemos é um bom trabalho,
que tem compreendido as massas. A nossa política de unidade de Frente Popular é o motivo pelo
qual as massas tem vindo ao nosso partido.

Por trás dos ataques contra o Partido Comunista se esconde a mão da con-
trarrevolução
Ultimamente, acirraram-se os ataques contra nosso partido e sua linha política justa de unida-
de, até converterem-se em verdadeiras campanhas sistemáticas. Fiquemos de olho nestas campa-
nhas! A história de todo o movimento operário internacional nos ensina que por trás destes ataques
fanáticos contra o Partido Comunista se esconde sempre a mão da contrarrevolução. Em julho de
1917, os ataques contra o Partido Bolchevique fizeram acontecer, na Rússia, o golpe de Estado de
Kornilov, varrido em seguida pela revolução. Na Alemanha, os ataques contra o Partido Comunista
facilitaram a Hitler o caminho ao poder. Na Espanha, a mão da contrarrevolução, encarnada nos
trotskistas e demais provocadores agentes do fascismo, disfarçados de revolucionários dentro de
nosso campo esconde também por trás destes ataques sistemáticos contra a Frente Popular, mas
seus nefastos desejos não se realizarão, pois o povo espanhol, os trabalhadores que já descobriram
a verdadeira face destes mercenários do fascismo, seberão barra-los a tempo e de maneira impla-
cável. Nesta situação tão difícil para a Espanha, querem batalhar contra o Partido Comunista os
trotskistas e os inimigos da unidade e da vitória do povo espanhol. Já viram que nestes momentos
teve lugar na Catalunha, e não está descartado que se possa preparar outro levante com mais força;
um movimento anticomunista, que pode lever a perda da guerra. Mas nosso Partido disse as massas
para que estas saibam como o inimigo trabalha a fim romper esta força monolítica, para fazer todo
o que for necessário com a finalidade de que perdamos a guerra. Nós dizemos: Operários de todas
as tendências! Hoje, mais do que nunca, se necessita da unidade operária, a unidade de todos os
antifascistas, a unidade de todo o povo espanhol. A todo aquele que sabote esta unidade, chame-se
socialista, anarquista ou o quer que seja, deve-se coloca-lo como inimigo do povo, como um inimigo
de nossa causa. Nós dizemos a todos os que, nestes momento difíceis, lutam contra o Partido Co-
munista, forjador da Frente Popular e paladino da unidade de todos os trabalhadores, que tenham
cuidado, que por trás dessas campanhas, esconde-se a mão da contrarrevolução.

Os ataques ao Partido Comunista se baterão contra o muro de granito do


povo, que conhece nosso partido
Nós comparecemos hoje não somente diante dos operários de Valencia, mas também diante
os operários, os antifascistas de toda a Espanha, para dizer que não é possível lutar contra o Partido
Comunista, pelo que ele é, pelo que este significa para a guerra, por sua lealdade e por sua justa li-
nha política. Os que tratem de lutar com atos nocivos – com os que trabalham de boa fé, nós estamos
dispostos a discutir fraternalmente todos os problemas da guerra, da revolução, com todos os de-
mais partidos, o quanto tempo que for necessário –, os que tratem de lutar com atos nocivos contra
o Partido Comunista, que se saiba que lutam contra os interesses da classe trabalhadora, contra os
interesses do povo. Mas para aqueles que tentem, se quebrarão os dentes, e não pelo Partido Co-
munista somente, mas também pelas grandes massas da Espanha. O sabemos muito bem, porque
conhecemos como pensam os operários na frente e como pensam os operários antifascistas, em sua
grande maioria, na retaguarda. Portanto, Frente Única, Frente Popular, compreensão dos momentos
em que vivemos. Todos os que venham com más intenções serão rechaçados, e estou seguro de
que irão para o abismo.

Adiante, até a vitória!


Proletariado de Valência, proletariado da Espanha, adiante! São vocês os que devem dizer
a última palavra. Eu pergunto a todos os que me escutaram nestes momentos, dentro e fora deste
salão: Estais de acordo com a política do Partido Comunista da Espanha? (O público responde com
um “sim” clamoroso).
Pois então, cerrem as fileiras de vosso Partido e marchemos, unidos a todos os antifascistas,
a todo o povo da Espanha, pelo caminho que nos conduzirá à vitória. (Formidável ovação, que dura
vários minutos)
38 URC Revista NOVA CULTURA - www.novacultura.info

O que é leninismo?
Este texto, faz parte de
uma série iniciada há
algum tempo na Revista
Nova Cultura tem por
objetivo colaborar com a
divulgação do marxismo-
-leninismo para que o
movimento comunista
brasileiro, possa fazer
sua correta assimilação
e aplicá-lo de forma cria-
tiva nas tarefas coloca-
das pela luta de classes
em nosso país nos dias
de hoje. Assim, busca-
-se a sistematização das
principais contribuições
deixadas pelo revolucio-
nário russo V. I. Lenin ao
patrimônio do movimento
por Guilherme Nogueira e Fúvia Fernandes comunista internacional.

Em decorrência da vastidão de sua obra, optamos apenas por explicitar os principais


avanços efetuados teoricamente pela sua prática revolucionária. Neste sentido, utilizaremos os
conceitos de “Teoria” Leninista do Imperialismo, da Ditadura do Proletariado e da Organização
do Partido Revolucionário com a ressalva de que se entende por “Teoria”, neste contexto, um
guia para a prática revolucionária.

I - A TEORIA LENINISTA DO IMPERIALISMO


Dentre as muitas contribuições que o camarada Lenin deixou ao marxismo, o desenvol-
vimento e a consolidação da teoria do imperialismo se destaca como um dos aportes mais fun-
damentais. Isso quer dizer que não seria se quer possível pensarmos o marxismo - enquanto a
ciência que desvenda os movimentos reais de funcionamento do capital - nos dias de hoje sem
considerarmos alguns avanços fundamentais, conquistados no calor dos principais conflitos de
classe do século XX, no qual se insere a teoria do imperialismo.
A principal obra em que Lenin trata do tema é a brochura ‘’Imperialismo, fase superior do
capitalismo’’, escrita em Zurique durante o ano de 1916. No prefácio à primeira edição, o autor
alerta: “A brochura foi escrita tendo em conta a censura czarista. Por isso, não só me vi forçado
a limitar-me estritamente a uma análise exclusivamente teórica - sobretudo econômica - como
também tive que formular as indispensáveis e pouco numerosas observações políticas com a
maior prudência” [...]. [LENIN, 1977, s/p]. Por esse motivo, algumas das considerações políticas
mais fundamentais elucidaremos no decorrer do presente texto. É importante dizer, antes de
“O que é Leninismo?” URC 39

prosseguirmos, que não fora Lenin o criador do termo ‘’imperialismo’’. Em sua própria brochura
sobre o tema, faz muitas referências à diversos autores, marxistas ou não, que já trabalhavam
o termo antes dele. O debate sobre o imperialismo e o que ele significava era conhecido e am-
plamente realizado naquele início de século. Do liberal J. A. Hobson aos ‘’marxistas’’ Kautsky e
Hilferding, todos especulavam sobre o que seria este fenômeno do capitalismo tardio. Porém,
fora o grande revolucionário e líder da revolução russa quem definitivamente sistematizara o
tema, desvendando seus aspectos fundamentais, sob a luz do materialismo histórico dialético
para enfim colocá-lo à disposição da luta dos povos explorados e do movimento revolucionário
que se fortalecia em todo mundo.
Lenin entendia o imperialismo não como uma ‘’política específica’’, entre muitas outras
possíveis, das potências capitalistas, mas como uma etapa superior e inevitável que o capita-
lismo atinge nos países onde está mais desenvolvido. No imperialismo mantém-se todas as leis
fundamentais do capitalismo: A exploração do homem pelo homem com a extração da mais-valia;
a apropriação privada da produção que é cada vez mais coletiva; a anarquia da produção (ainda
que os monopólios planejem em alguma medida a produção, não estão livres de crises de super-
produção, por exemplo); etc. São cinco os aspectos fundamentais da fase superior do capitalis-
mo, enumeradas pelo grande revolucionário russo. Citemo-las: [...] “convém dar uma definição do
imperialismo que inclua os cinco traços fundamentais seguintes: 1) a concentração da produção
e do capital levado a um grau tão elevado de desenvolvimento que criou os monopólios, os quais
desempenham um papel decisivo na vida econômica; 2) a fusão do capital bancário com o capital
industrial e a criação, baseada nesse ‘’capital financeiro’’, da oligarquia financeira; 3) a exporta-
ção de capitais, diferentemente da exportação de mercadorias, adquire uma importância parti-
cularmente grande; 4) a formação de associações internacionais monopolistas de capitalistas,
que partilham o mundo entre si, e 5) o termo da partilha territorial do mundo entre as potências
capitalistas mais importantes”. [LENIN, 1977, s/p]. Convém agora avançarmos buscando elucidar
alguns dos pormenores mais elementares de cada uma destes traços fundamentais.

I.I - O PAPEL DOS MONOPÓLIOS


Lenin, ao definir o imperialismo da maneira mais sucinta possível, descreve-o como a
‘’fase monopolista do capitalismo’’. Dai a importância de entendermos o que determinou a forma-
ção destes monopólios no seio do capitalismo, bem como as consequencias mais fundamentais
de seu surgimento. Com a tendência imperiosa, conforme observada por Marx, do capitalismo
desenvolver constantemente as forças produtivas enquanto aumenta a concentração da produ-
ção na mão de uns poucos capitalistas neste processo, torna-se uma consequencia previsível,
como que ‘’natural’’ a formação dos monopólios. Os monopólios nascem, então, nos países onde
o capitalismo se encontra mais desenvolvido. Na medida em que a produção cresce, torna-se
necessário investir volumes cada vez maiores de capitais para manter e aumentar esta produ-
ção, limitando este avanço a um número cada vez mais restrito de capitalistas.
Por outro lado, o ingresso de novos produtores na casta dos monopolistas é impedida
pela própria ação planejada destes grupos, que controlam patentes e agem no sentido de im-
pedir o nascimento de novos concorrentes. Assim sendo, diz Lenin: “daqui se infere claramente
que, ao chegar a um determinado grau de desenvolvimento, a concentração por si mesma, por
assim dizer, conduz diretamente ao monopólio, visto que, para umas quantas dezenas de em-
presas gigantescas, é muito fácil chegarem a acordos entre si” [...]. [LENIN, 1977, s/p].
Daqui inferimos uma característica fundamental dos monopólios: encerrar a livre concor-
rência. Ao acordarem entre si a divisão de mercados; cotas de produção e preços, os monopólios
buscam suprimir os pequenos e médios produtores. São conhecidas as táticas do dumping (man-
ter preços baixos até que se arrase a concorrência) e o controle de patentes, que restringe a exce-
lência técnica à poucos grupos. Ambas servem de exemplo de táticas monopolistas para suprimir
a concorrência do pequeno e médio produtor. Nesta fase monopolista, não seriam mais diversos
patrões que não se conhecem disputando em mercados onde não dispõem do controle. Mas uns
poucos patrões que se associam entre si para dividir estes mercados, os quais agora controlam.
Os monopólios não encerram completamente a livre concorrência, antes coexistem com
esta e acima dela. Nasceram mesmo das tendências gerais da livre concorrência e apenas a
40 URC Revista NOVA CULTURA - www.novacultura.info

substituíram pela divisão monopolista do mundo, isto enquanto aspecto predominante no capita-
lismo desenvolvido. Para se ter uma noção da proeminência dos monopólios em relação à vida
econômica em geral, Lenin trás alguns dados: [...] “se considerarmos aquilo a que na Alemanha
se chama indústria no sentido lato desta palavra, quer dizer, incluindo o comércio, as vias de
comunicação, etc., obteremos o seguinte quadro: grandes empresas, 30 588 num total de 3 265
623, isto é, apenas 0,9 %. Nelas estão empregados 5 700 000 operários, num total de 14 400
000, isto é, 39,4 %; cavalos-vapor, 6 600 000 para um total de 8 800 000, ou seja, 75,3 %; ener-
gia eléctrica, 1 200 000 quilowatts para um total de 1 500 000, ou seja, 77,2 %. Menos da centé-
sima parte das empresas tem mais de 3/4 da quantidade total da força motriz a vapor e eléctrica!
Aos 2 970 000 pequenos estabelecimentos (até 5 operários assalariados), que constituem 91%
de todas as empresas, correspondem unicamente 7% da energia eléctrica e a vapor! [LENIN,
1977, s/p]. E então, sobre essa questão, conclui que algumas dezenas de milhares de grandes
empresas são tudo, os milhões de pequenas empresas não são nada (LENIN, 1977, s/p).

I.II - O CAPITAL FINANCEIRO


Nesta fase avançada do capitalismo considera-se que assume um papel fundamental a
atuação dos bancos. E seria mesmo impossível pensar na consolidação dos monopólios e das
associações monopolistas (trusts, cartéis, sindicatos patronais) sem a interferência decisiva da-
quilo que foi chamado ‘’capital financeiro’’. O ‘’capital financeiro’’ fora definido como a fusão ou
a associação dos capitais bancários e industriais, que levaria a concentração da produção e ao
monopólio. Quando os bancos, que sempre acumularam quantidades imensas de capitais por
concentrarem momentaneamente em suas mãos os lucros de todos os capitalistas, deixaram
de fazer operações meramente intermediárias/bancárias para usar seu enorme excedente de
capital para influir cada vez mais na produção, nasce o que é chamado ‘’capital financeiro’’.
Primeiramente, é preciso reconhecer que também nasceram os próprios monopólios no
setor bancário, os ‘’trusts bancários’’. Este pequeno punhado de gigantescos bancos consolida-
ram também monopólios no setor, através do controle acionário de bancos menores, capazes de
concentrar quantidades imensas de capitais e possibilidades de influir na vida econômica geral
de uma nação. A concentração chega a tal ponto que um monopólio industrial, que precisa cons-
tantemente de quantidades colossais de capitais para manter e incrementar sua produção, não
dispõem de opções de crédito para além dos grandes trusts bancários. Estes últimos, cientes
da necessidade imperiosa de crédito por parte dos setores produtivos, dispõem seus capitais à
indústria e passam a influir em seus rumos. Porém, não é unicamente através do crédito que os
bancos passam a influir na produção. O que é característico da atuação dos bancos no capita-
lismo imperialista é a sua associação/inserção de fato na produção industrial, deixando de fazer
operações meramente bancárias (de crédito).
Através principalmente da compra de ações, os trusts bancários passam a ser efetiva-
mente sócios dos trusts industriais. Muita comumente, são aqueles que detém o maior controle
acionário. Além disso, passam a se dedicar cada vez mais a obter um conhecimento pormenori-
zado das finanças destas empresas, afim de influir em seu destino, concluindo assim o processo
de interconexão entre estes dois setores (bancário e industrial). Cria-se uma casta oligárquica
financeira que dispõem nas mãos o destino da grande produção de todo o mundo. Os bancos
passam então a ter um papel fundamental, indispensável aos capitalistas industriais. Mas não
estão em conflito aberto com estes, antes, traçaram com eles uma aliança inseparável nos atuais
marcos do capitalismo.

I.III - A EXPORTAÇÃO DE CAPITAIS


Diferente da fase anterior do capitalismo, de livre competição, onde a exportação de mercado-
rias era o fundamental para a economia, ganha proeminência neste estágio a exportação de capitais.
No capitalismo desenvolvido, onde nasceram os monopólios e concentrou-se a produção a níveis até
então inéditos, observou-se uma situação monopolista de uns poucos países - que tudo possuem -
em relação à uma imensa maioria de países explorados e subdesenvolvidos economicamente.
Nestes países de imensa produção e imensos lucros formou-se uma concentração de ca-
pitais em uma quantidade nunca antes vista. Um enorme ‘’excedente de capital’’. Como a lógica
“O que é Leninismo?” URC 41

capitalista segue em voga em sua fase monopolista, este enorme excedente não é aplicado para
elevar o nível de vida das massas trabalhadoras, mas, outrossim, para servir aos interesses de
concentração cada vez maior dos capitalistas. E os países atrasados logo apresentam as melho-
res perspectivas de lucros para este capital excedente dos países desenvolvidos. Isso devido a
uma super exploração da mão de obra destes países (‘’mão de obra barata’’) e pela possibilidade
de investimentos lucrativos, como na construção de uma infraestrutura que seja ainda inexistente.
O investimento deste capital excedente em países subdesenvolvidos para obter lucros monopolis-
tas, chamamos ‘’exportação de capitais’’ e é uma das práticas mais elementares do imperialismo.
A exportação de capitais passa a ser não só um instrumento fundamental para a obtenção
dos lucros monopolistas essenciais à sobrevivência do próprio imperialismo, mas também como
uma arma de dominação política dos países subdesenvolvidos. Lenin divide a exportação de
capitais entre usurária (empréstimos) e colonial (investimentos), ainda que essa seja uma divisão
meramente esquemática, pois na prática as duas formas coexistem e se complementam. Quan-
do um país imperialista faz um empréstimo para um subdesenvolvido, faz isso garantindo certas
condições vantajosas, entre elas, garantias de que o dinheiro emprestado será empregado na
compra de materiais do país credor. Lenin usa o Brasil de exemplo: “Num relatório do cônsul
austro-húngaro em São Paulo diz-se: ‘A construção dos caminhos de ferro brasileiros realiza-se,
na sua maior parte, com capitais franceses, belga, britânicos e alemães; os referidos países, ao
efetuarem-se as operações financeiras relacionadas com a construção dos caminhos de ferro,
reservam-se as encomendas de materiais de construção ferroviária’.” [LENIN, 1977, s/p].
A exportação de capitais então não apenas divide o mundo entre uns poucos países cre-
dores e uma maioria de devedores, como também determina o controle de setores fundamentais
das economias dos países atrasados - como o comércio externo - para os países imperialistas.
A tendência à inserção cada vez maior dos capitais monopolistas tende a aprofundar na mesma
medida o controle econômico dos países desenvolvidos sob as economias atrasadas. Estes pa-
íses ditos atrasados, ao receberem volumes imensos decapitais monopolistas, vêem o capitalis-
mo se desenvolver enormemente em seu território. Porém, este se desenvolve de uma maneira
determinada: Subjugada aos interesses fundamentais dos países imperialistas. Isso imprime um
tipo específico de capitalismo que longe de assegurar a independência e autonomia nacional,
desenvolve-se para assegurar os interesses e a dominação imperialista no país.
É importante relacionar esta necessidade de exportar os capitais com um renascimento
impetuoso da política colonial (ou neocolonial) entre os países imperialistas. A dominação sob a
forma do colonialismo formal ou informal (semicolonialismo) passa a ser um dos meios principais
para se garantir zonas de influência financeira e importação de capitais.

I.IV - OS GRUPOS E ASSOCIAÇÕES MONOPOLISTAS E A PARTILHA DO MUNDO


Tendo em vista a necessidade imperiosa da exportação de capitais na fase monopolista
do capitalismo, os imperialistas inevitavelmente saem em busca de ‘’zonas de influências’’ para
seus próprios monopólios e acabam por elaborar os mais variados acordos no sentido de par-
tilhar o mundo entre si. Inicialmente os monopólios, que nasceram delimitados pelas fronteiras
nacionais dos países desenvolvidos, buscam repartir primeiramente o mercado interno. Em se-
guida, os enormes excedentes de capitais os obrigam a partir para a partilha do mercado exter-
no por todo o mundo. Na medida em que essa necessidade se impõem, os muitos monopólios
nacionais começam a criar associações monopolistas internacionais - os imensos cartéis e trusts
internacionais. Estas imensas associações internacionais de monopólios, pela primeira vez na
história, estavam em condições de repartir entre si as fontes de matérias primas, mercados
consumidores e zonas de influência (para investimento de capitais) por todo o globo. Lenin usa
o exemplo de dois imensos cartéis internacionais da indústria elétrica - a Companhia Geral de
Eletricidade (GEC) alemã, composta por dois monopólios alemães e a Sociedade Geral e Eletri-
cidade (AEG) americana - que haviam competido até certa época e, a partir de 1907, passam a
repartir o mercado da eletricidade de todo o mundo.

I.V - O TERMO DA PARTILHA DO MUNDO E AS GUERRAS IMPERIALISTAS


Esta partilha do mundo, aparentemente pacífica e feita entre acordos de cavalheiros pelos
42 URC Revista NOVA CULTURA - www.novacultura.info

monopolistas, tende a tomar um caráter político. Com base na capacidade produtiva e nos capi-
tais que dispõem os diferentes monopólios, estes dividem todo o mundo entre si. Ao seu redor,
formam-se grupos políticos que representam seus interesses. Por ter conseguido o feito de levar
o capitalismo aos quatro cantos do globo, a atual fase monopolista não permite concebermos
que novas áreas possam ser ‘’conquistadas’’ pelos países imperialistas, mas tão somente repar-
tilhadas. Também podemos concluir que não é porque a partilha do mundo está findada, que não
possa existir uma repartilha deste mundo. Se as condições e as correlações de forças entre as
diversas associações monopolistas mudarem, a partilha do mundo também deverá ser refeita.
Podemos admitir que a tendência a repartilha - e os conflitos imperialistas que isto implica - são
mesmo fundamentais ao capitalismo nesta fase.
As duas guerras mundiais que assolaram a humanidade durante o século XX são expres-
sões no campo político-militar de conflitos econômicos entre diferentes associações monopolis-
tas (alemãs, francesas, inglesas. etc.) pela repartilha do mundo e das colônias. Por conta disso
que Lenin corretamente chamou estas guerras de ‘’guerras de rapina’’ - as guerras imperialistas
que disputam para ver qual grupo ficará com a maior parte do saque.
Além das guerras de rapina também podemos dizer que as guerras de libertação nacional
que tomaram principalmente países da África, durante o século XX, são também determinadas
pela fase imperialista do capitalismo. Os países imperialistas dividiram o mundo entre nações ex-
ploradoras e nações exploradas (em diversos graus: colônias, semicolônias e países dependen-
tes). Se Lenin condenava veemente as guerras de rapina, conclamando os trabalhadores destes
países à não pegarem em armas e não defenderem sua “pátria”, ele também exaltava as guerras
de libertação nacional e qualquer guerra que as classes trabalhadoras façam contra seus explo-
radores (tanto guerras civis como eventuais guerras de agressão de países imperialistas contra
nações que alcançaram o socialismo). Lenin afirma que seria simplesmente uma estupidez ne-
gar a “defesa da pátria” por parte dos povos oprimidos na sua guerra contra as grandes potên-
cias imperialistas [...] (LENIN, 1977, s/p). E também: [...] “esta mesma época (do imperialismo)
deve necessariamente gerar e alimentar também a política de luta contra a opressão nacional e
de luta do proletariado contra a burguesia e, por isso, a possibilidade e a inevitabilidade, em pri-
meiro lugar, das insurreições e guerras revolucionárias nacionais, em segundo lugar das guerras
e insurreições do proletariado contra a burguesia, em terceiro lugar da unificação de ambas as
espécies de guerras revolucionárias”. [LENIN, 1977, s/p].
Concluiremos então reiterando que o imperialismo é uma fase superior do próprio desen-
volvimento capitalista e que coloca na ordem do dia os grandes conflitos de classe que antece-
derão o nascimento de uma ordem social superior - o socialismo e o comunismo.

II - A TEORIA LENINISTA DA DITADURA DO PROLETARIADO


A questão da ditadura do proletariado se mostra como um instrumento da revolução pro-
letária, no sentido que, necessariamente, precisa-se tomar o poder que hoje está nas mãos da
burguesia - uma minoria da população rica que explora a maioria trabalhadora -, reprimir por
meio do Estado e de sua máquina - suprimidos pela revolução - as suas tentativas de resistência
e preparar a organização do proletariado como classe dominante até que o Estado se torne su-
pérfluo e se extingua, junto com a democracia e a sociedade de classes. Para tanto, precisa-se
assimilar a questão do Estado e das tarefas do proletariado na revolução para o marxismo-leni-
nismo tanto no campo teórico quanto no político-prático. Assim, busca-se com essa explanação
sobre a teoria da ditadura do proletariado elucidar sobre os aspectos fundamentais dessa fase
da passagem do capitalismo para o comunismo que se mostra como uma das maiores contribui-
ções do camarada V. I. Lenin.

II.I - O ESTADO COMO PRODUTO E MANIFESTAÇÃO DO CARÁTER INCONCILIÁVEL


DAS CONTRADIÇÕES DE CLASSE1
Para compreender a função histórica e o conceito de Estado para o marxismo-leninismo
precisa-se, primeiramente, apreender que o Estado é o órgão de dominação e opressão de uma

[1] LENIN, 1978, p. 226.


“O que é Leninismo?” URC 43

classe sobre outra. Sua própria existência demonstra o caráter inconciliável das contradições em
uma sociedade de classes. Destarte, não se pode falar em uma conciliação de classes dentro
do Estado - segundo Marx, o Estado não poderia nem surgir nem manter-se se a conciliação de
classes fosse possível (LENIN, 1978, p. 226).
Assim, para desenvolver uma teoria sobre a ditadura do proletariado Lenin se preocupou
em compreender o que Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), ao longo de sua
produção sobre o socialismo científico, caracterizavam como o Estado burguês. Lenin observou
que o Estado burguês não pode ser substituído pelo Estado proletário - ditadura do proletariado
- pela extinção, mas sim, necessariamente, pela revolução violenta. Esta revolução deve se ca-
racterizar, em primeira instância pela supressão do Estado burguês pelo proletariado organizado
e armado, onde o funcionalismo público da velha máquina de Estado também deve dar lugar à
um novo tipo de organização das tarefas de administração e de repressão. O centralismo demo-
crático e a autoadministração local devem ser encorajados para que os privilégios do funciona-
lismo público sejam extinguidos da nova sociedade em construção, bem como os salários dos
funcionários públicos devem se equiparar ao salário dos operários, sem exceção.
Engels, assim como Marx, defende, do ponto de vista do proletariado e da revolução
proletária, o centralismo democrático, a república unitária e indivisível [...]. O centralismo, para
Engels, não exclui de forma alguma a ampla autoadministração local, que, defendendo as “co-
munas” e as regiões voluntariamente a unidade do Estado, elimina absolutamente todo o bu-
rocratismo e todo o comando vindo de cima. [LENIN, 1978, p. 270-271]. Contudo, não se pode
tratar o Estado de forma naturalizada (lê-se alienada), pois este se formou no seio da sociedade
em determinada fase de seu desenvolvimento e se caracteriza como mantenedor da “ordem” na
sociedade de classes. O Estado é uma força especial para a repressão (LENIN, 1978, p. 234)
que legitima e fortalece a exploração da classe dominada pela classe dominante. Para que ele
possa cumprir seu papel de atenuador dos conflitos na sociedade de classes foram instituídos
destacamentos especiais do poder público - como a polícia, o exército permanente e as prisões
-, substituindo a organização voluntária da população.
Como supracitado, o Estado se configura como atenuador das contradições na sociedade
de classes ao incorporar certos mecanismos para mascarar o conflito entre as classes. A exem-
plo disso temos a criação de políticas públicas que atendem às necessidades mínimas de uma
parcela da população explorada, como o Estado de bem-estar social2 europeu e o Bolsa Família
no Brasil3. Ambas políticas de Estado não modificam a estrutura da sociedade, pois não apre-
sentam saídas para a classe dominada deixar de sê-la - esta não possui o poder e o controle do
Estado mesmo na república burguesa mais democrática4.
Outro ponto que se configura como papel do Estado é o de repressor do proletariado. Em
última instância, quando os mecanismos amortecedores da contradição e do caráter inconciliável
das classes não são suficientes, o Estado utiliza seus destacamentos especiais como a polícia, o
exército e as prisões para coerção da classe dominada. Além de atenuar e reprimir as contradi-
ções de classes, o Estado se apresenta como explorador do proletariado, pois para manter seu
poder público especial precisa recolher impostos da população - forma de obter lucros por meio
da escravatura assalariada capitalista.

II.II - AS BASES ECONÔMICAS DA EXTINÇÃO DO ESTADO5


Como explanado acima, na definição de Estado burguês, sua supressão pela ditadura do
proletariado e inevitavelmente sua extinção após o processo da revolução define a análise da

[2] Forma de organização político-social que parte do princípio que o Estado deve garantir à população serviços públicos e proteção. Foi am-
plamente defendido pela social-democracia e aplicado principalmente nos países nórdicos.
[3] Programa de transferência de renda com o objetivo de reduzir e combater a pobreza, tem o apoio do Banco Mundial e da Organização
das Nações Unidas. Foi implementado em países da América Latina como o Brasil e o México. Programas similares de transferência de renda
existem em várias partes do mundo.
[4] A democracia é uma forma de Estado, uma das suas variedades. E consequentemente, ela representa em si, como qualquer Estado, a
aplicação organizada, sistemática, da violência sobre as pessoas. Isto por um lado. Mas, por outro lado, significa o reconhecimento formal da
igualdade entre os cidadãos, do direito igual para todos de determinar a organização do Estado e de o dirigir (LÊNIN, 1978, p. 290). Aqui, Lênin,
em um primeiro momento se refere a democracia como forma de Estado (República Democrática), e portanto, como algo a ser extinto juntamente
com este. Já por outro lado refere-se às garantias materiais - sufrágio e alfabetização universal, igualdade salarial, redução das operações admi-
nistrativas, etc. - para que, primeiramente a imensa maioria, então efetivamente todas as pessoas sejam capazes e de fato exerçam o controle
da organização e dos rumos da sociedade.
[5] LENIN, 1978, p. 278. Título homônimo ao capítulo V do livro O Estado e a Revolução.
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ligação entre o desenvolvimento do comunismo e a extinção do Estado (LENIN, 1978, p. 278).


Essa teoria do desenvolvimento nos mostra que há um período de transição política, uma etapa
historicamente estabelecida, entre o capitalismo e o comunismo, onde o Estado proletário supri-
mi o Estado burguês e, consequentemente, se extingue após essa etapa particular - a primeira
fase da sociedade comunista, onde ainda há resquícios do direito burguês.
A revolução econômica deve permitir cada vez menos a manifestação desses resquícios
burgueses, e se caracteriza como o processo da passagem da ditadura do proletariado para o
comunismo completo. Portanto, segundo Lenin, não se pode abrir mão desta etapa necessária
ao triunfo da revolução. Assim como não se pode, nesta fase inferior da sociedade comunista
extinguir o Estado burguês, mas sim suprimí-lo. Ele (o Estado) não pode servir como outra coisa
que não para a repressão da classe burguesa. Afinal, o Estado extingue-se na medida que já
não há capitalistas, já não há classes e por isso não se pode reprimir nenhuma classe (LENIN,
1978, p. 286). Deve-se partir do pressuposto de que a sociedade comunista não se desenvolve
dela mesma, mas sim em relação a uma outra que é sua predecessora, a sociedade capitalista,
que também ao se desenvolver proporciona as condições para a revolução política, econômica
e social que deve ser a revolução proletária. Então, a sociedade comunista sai visceralmente do
capitalismo e carrega ainda traços da velha sociedade na primeira fase de seu desenvolvimento.
Contudo, Marx não apenas tem em conta do modo mais preciso a inevitável desigualdade dos
homens como tem também em conta que a simples passagem dos meios de produção à proprie-
dade comum de toda a sociedade (o socialismo na utilização habitual da palavra) não elimina os
males da distribuição e da desigualdade do “direito burguês”, que continua a dominar, porquanto
os produtos são repartidos segundo o trabalho. [LENIN, 1978, p. 285].
Assim, o direito burguês - que pressupõe a desigualdade, na medida que se há direitos,
em contraponto, há a falta deles - não pode se transformar em “direito igual”, pois este não se
diferencia do primeiro. Como o próprio Marx nos precaveu, todo direito é a aplicação de uma
medida idêntica a pessoas diferentes (LENIN, 1978, p. 285). Isto é um mal, diz Marx, mas ele
é inevitável na primeira fase do comunismo, pois não se pode pensar, sem cair no utopismo,
que, tendo derrubado o capitalismo, os homens aprendem imediatamente a trabalhar para a
sociedade sem quaisquer normas de direito; e, além do mais , a abolição do capitalismo não dá
imediatamente as premissas econômicas para tal mudança. [LENIN, 1978, p. 286]. Desta forma,
não se pode falar em igualdade e justiça plenas na fase inferior da sociedade comunista, nesta
etapa deve-se suprimir essas questões para que na fase superior se possa extinguir as próprias
desigualdades, as injustiças, o Estado e consolidar o comunismo.
Em relação à fase superior da sociedade comunista, deve-se ter como tarefa indispensável
a extinção completa do Estado. Sua base econômica é o desenvolvimento completo do comunis-
mo e com ele a desaparição da oposição entre o trabalho espiritual e o trabalho manual (LENIN,
1978, p. 287). Esta oposição caracteriza uma das principais causas da desigualdade na sociedade
capitalista e corrobora diretamente com a opressão dos indivíduos ligada à divisão do trabalho.
A simples expropriação dos meios de produção e a passagem dos mesmos para a pro-
priedade social não dizima completamente a desigualdade social, quanto a essa questão nos
alerta Lenin: “Esta expropriação dará a possibilidade de um desenvolvimento gigantesco das
forças produtivas. [...] Mas qual será a rapidez desse desenvolvimento, com que rapidez atingirá
uma ruptura com a divisão do trabalho, a supressão da oposição entre o trabalho espiritual e o
trabalho manual, a transformação do trabalho em primeira necessidade vital, isto não sabemos
e não podemos saber. Por isso apenas temos o direito de falar da extinção inevitável do Estado,
sublinhando o caráter prolongado deste processo, à sua dependência da rapidez do desenvol-
vimento da fase superior do comunismo e deixando completamente em aberto a questão dos
prazos ou das formas concretas da extinção” [...]. [LENIN, 1978, p. 287].
O Estado, portanto, construído no seio da sociedade burguesa, deve se extinguir com-
pletamente quando o comunismo alcançar o seu pleno desenvolvimento. Quando a sociedade
realizar a regra: “De cada segundo as suas capacidades, a cada segundo as suas necessidades”
(LENIN, 1978, p. 287). Antes deste momento - onde as forças produtivas atingem tamanho grau de
desenvolvimento, que permitem a supressão da contradição entre trabalho espiritual e manual e,
em última instância, a supressão das próprias classes - é absolutamente imprescindível a necessi-
“O que é Leninismo?” URC 44

dade de uma máquina de Estado. Porém, esta é uma máquina essencialmente nova, que atende
à novos interesses históricos - os do proletariado. É o instrumento de dominação desta classe,
eminentemente revolucionária, contra as inevitáveis reações da burguesia deposta do poder.

II.III - AS TRÊS QUESTÕES FUNDAMENTAIS DA DITADURA DO PROLETARIADO6


Para explicitar as questões fundamentais da ditadura do proletariado utilizaremos as aná-
lises de J. V. Stalin (1879-1953) sobre o tema. Em sua obra Sobre os fundamentos do Leninismo
(Conferências pronunciadas na Universidade Sverdlov à promoção leninista, em 1924), Stalin
pensa a ditadura do proletariado como o instrumento da revolução proletária, pois é o órgão espe-
cial que se manifestará no Estado para suprimí-lo e para tornar a classe trabalhadora dominante
na primeira fase da sociedade comunista. Assim, a ditadura do proletariado caracteriza o domí-
nio do proletariado sobre a burguesia e a passagem do capitalismo ao comunismo obedecendo
as etapas do processo revolucionário. Para tanto, precisa-se cumprir algumas tarefas para que
após a tomada do poder - o que não garante a sua consolidação - o proletariado possa vencer os
entraves deixados pelos resquícios da sociedade capitalista. Contudo, a ditadura do proletariado
também tem como tarefa derrubar a máquina de Estado burguesa e substituí-la por uma nova,
onde os trabalhadores organizados e armados terão as condições materiais para exercer o poder.
Destarte, para a consolidação e invencibilidade do poder precisa-se, como classe agora
dominante, a) vencer a resistência dos latifundiários e dos capitalistas derrubados e expropriados
pela revolução, esmagar as suas tentativas de toda espécie para restaurar o poder do capital; b)
organizar a edificação de modo que todos os trabalhadores se agrupem em torno do proletariado
e desenvolver esta obra com vistas a preparar a liquidação, a supressão das classes; c) armar a
revolução, organizar o exército da revolução para a luta contra os inimigos externos, para a luta
contra o imperialismo. [STALIN, 1954, s/p].
Eis as tarefas apontadas por Stalin a serem cumpridas na fase inferior da sociedade co-
munista - o socialismo. Essa etapa de transição política e econômica é marcada também pela
tentativa de restauração do poder pelos exploradores da classe trabalhadora, pois a força do
capital internacional - base que consolida a burguesia como classe dominante - ainda se mostra
hegemônica. Assim, se os exploradores são derrotados apenas num país, e esta é naturalmente
a regra, porque uma revolução simultânea em vários países constitui rara exceção, continuarão,
não obstante, mais fortes do que os explorados (LENIN apud STALIN, 1954, s/p).
Nesta fase inicial da nova sociedade ainda coexistirá, ao lado das novas relações de
produção, a pequena produção, e com ela, inevitavelmente, a pequena burguesia - caracteri-
zada pelos pequenos produtores e pequenos proprietários de terra. Estes, diferentemente dos
grandes capitalistas e latifundiários, não devem ser esmagados, mas sim transformada, reedu-
cada, mediante um trabalho muito longo, muito lento e prudente (STALIN, 1954, s/p). Por isso,
configura-se como uma classe vacilante, ora está ao lado do proletariado, inclusive submetendo-
-se à sua ditadura, ora da burguesia por medo da derrota. É necessário que entendamos que a
fase inicial do comunismo - portanto da ditadura do proletariado, não pode ser considerada como
um pequeno período determinado por mudanças e decretos revolucionários, mas sim como uma
longa duração histórica. Uma revolução é sempre um processo histórico e se realiza em uma
época histórica. Este longo período de transição econômica serve para lançar as bases para a
construção de uma nova sociedade, e tornar apta a classe trabalhadora e o conjunto de toda a
população ao exercício comum do poder. A ditadura do proletariado não representa, como nos
atenta Stalin, uma “mudança de gabinete”, não pode representar isso, pois se mostraria como
um aparelho a serviço da burguesia e do imperialismo, assim, estaria deixando de cumprir seu
papel revolucionário. Ela não é uma mudança de governo, mas um novo Estado, com novos ór-
gãos do poder do centro à base, é o Estado do proletariado, saído das ruínas do velho Estado,
do Estado da burguesia (STALIN, 1954, s/p). Sua vitória, e posteriormente, a vitória do comunis-
mo pleno depende da violenta repressão da burguesia.
Para a questão da tomada do poder, chamou a atenção Lenin, a ditadura do proletariado
é o Poder do proletariado sobre a burguesia, Poder não limitado por lei e baseado na violência

[6] Questões desenvolvidas por J. V. Stálin no capítulo IV do livro Sobre os fundamentos do Leninismo.
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e que goza da simpatia e do apoio das massas trabalhadoras e exploradas (LENIN apud STA-
LIN, 1954, s/p). Afinal, a ditadura do proletariado não deixa de ser uma forma de dominação
de uma classe sobre outra, a diferença é que agora a maioria até então explorada, passa a
exercer o poder sobre a minoria exploradora.
Desses aparatos fundamentais da teoria leninista da ditadura do proletariado pode-se tirar
as seguintes conclusões: a) A ditadura do proletariado não pode ser uma democracia “integral”,
uma democracia para todos, para ricos e para pobres; a ditadura do proletariado “deve ser um
Estado democrático de modo novo (para os proletariados e os não proprietários em geral) e dita-
torial de modo novo (contra a burguesia)” [...] A democracia, sob a ditadura do proletariado, é uma
democracia proletária, é a democracia da maioria explorada, baseada na limitação dos direitos da
minoria exploradora e voltada contra esta minoria. b) A ditadura do proletariado não pode surgir
como resultado de um desenvolvimento pacífico da sociedade burguesa e da democracia bur-
guesa; ela só pode surgir como resultado da demolição da máquina estatal burguesa, do exército
burguês, do aparelho administrativo burguês e da polícia burguesa. [STALIN, 1954, s/p].
Portanto, toda verdadeira revolução deve destruir a máquina estatal burguesa, em todo
mundo capitalista. A condição para essa destruição é a revolução violenta e a substituição desta
máquina por uma nova, onde os trabalhadores possam se organizar, gerir o poder e consolidá-
-lo de forma concreta. Segundo Stalin, essa nova forma de organização do proletariado são os
Soviets. Para ele, os Soviets são uma organização de massa que mobiliza os trabalhadores no
âmbito político (como os sindicatos mobilizam no âmbito econômico) e são a ‘’expressão direta
da ditadura do proletariado’’ (STALIN, 1926, s/p). Os Conselhos de Deputados Operários, Solda-
dos e Camponeses ou o sistema dos Soviets é a forma de organização própria dos trabalhado-
res nascida no calor das batalhas do longo processo revolucionário russo. São as mais amplas,
democráticas, e indispensáveis das massas trabalhadoras em sua missão histórica de enterrar
o Poder burguês. No sistema soviético, [...] “as massas que, mesmo nas repúblicas burguesas
mais democráticas [...] vivem de fato excluídas, por mil expedientes e subterfúgios, da partici-
pação na vida política e do gozo dos direitos e das liberdades democráticas, são chamadas a
participar de modo permanente e seguro e, além disso, de modo decisivo na direção democrática
do Estado” [STALIN, 1954, s/p]. Este sistema, então, é o único capaz de garantir para as amplas
massas trabalhadoras a efetiva gerência dos aparelhos administrativos do Estado.
Os Soviets consistem em uma forma de se organizar para a gerência da máquina estatal
de novo tipo. Uma forma que difere essencialmente da parlamentarista burguesa. É aquela que
reúne a gestão local - como os conselhos locais ou distritais - e direta das massas trabalhado-
ras e exploradas em uma unidade estatal mais ampla. É a própria forma que o poder proletário
assumiu na história e a única capaz de atender plena e completamente as necessidades histó-
ricas desta classe. A República dos Soviets é, portanto, a forma política procurada, e finalmente
descoberta, em cujo quadro se deve levar a termo a emancipação econômica do proletariado, se
deve obter a vitória completa sobre o capitalismo (STALIN, 1954, s/p).

III - A TEORIA LENINISTA DA ORGANIZAÇÃO PARTIDÁRIA

III.I - Sobre a necessidade e a universalidade do Partido de novo tipo
Dentre os motivos fundamentais do porquê reivindicarmos o legado de Lenin, se encon-
tram suas contribuições no campo da organização política e da prática revolucionária por ele
elaborada. Prática esta que se forjou no calor das lutas de classe de seu país e que resistiu ao
teste da realidade, consumando-se na efetiva e até então inédita tomada do poder pela classe
trabalhadora, primeira grande vitória do proletariado em escala mundial, na grande revolução
russa de Outubro de 1917. Diante da condição parasitária em que se convertera a ordem capita-
lista mundial ao atingir sua fase monopolista e da condição em que se encontrava o movimento

[7] Nesta época, anterior à revolução russa de Outubro e à criação da 3ª Internacional, o movimento operário de clivo marxista era comumen-
te chamado de ‘’Social-Democrata’’. A diferenciação deste com o movimento Comunista propriamente dito, deu-se apenas a partir da criação
da 3ª Internacional - ou Internacional Comunista - por iniciativa de Lênin, que tinha justamente o intento de diferenciá-los (os comunistas)
dos partidos da então Social-Democracia, ligados à 2ª Internacional, e que estavam tomados pelo reformismo e pelo revisionismo. Neste
texto, afim de utilizarmos a terminologia empregada pelo próprio Lênin em seus escritos anteriores a criação da III internacional, sempre que
empregarmos o termo ‘’Social-Democracia’’ estaremos nos referindo aos Comunistas.
“O que é Leninismo?” URC 47

operário social-democrata7 da época, bem como da situação específica da Rússia nos fins do
século XIX, o dirigente bolchevique formulou as diretrizes gerais para a construção de um Partido
capaz de realizar as imensas tarefas que se colocavam para as classes exploradas, especial-
mente o proletariado, daquele país. Este Partido, que deveria ser de novo tipo, quer dizer, um
Partido efetivamente revolucionário; como forma de organização real do proletariado consciente
de sua posição e de suas tarefas históricas, almejando a transformação radical da sociedade,
não existia na Rússia e mesmo em outros países capitalistas avançados da época.
Apesar de haverem outros grandes Partidos operários, inexistia também, nos anos que
antecederam as grandes convulsões revolucionárias do século XX, as próprias diretrizes para
a construção de tal Partido. Mesmo aqueles que eram tomados como exemplares até este mo-
mento - como o Partido Social-Democrata alemão, grande expoente da 2ª Internacional - se
revelaram, ao teste da história, obsoletos e permeados por insuficiências das mais variadas para
darem cabo das grandes tarefas históricas de transformação e, consequentemente, organizati-
vas que se impunham naquele momento. Então, primeiramente buscando dar conta das defa-
sagens organizativas das massas exploradas da Rússia czarista, sempre mantendo o mastro
firmemente fincado na direção do objetivo final de libertação do proletariado e de toda a humani-
dade, que Lenin se debruçara sobre a questão da organização política e do Partido proletário.
Fora apenas posteriormente, com o próprio Lenin, mas também com Stalin, em sua célebre
brochura “Sobre os Fundamentos do Leninismo”, que as conclusões elaboradas neste período se
consagraram como lições passíveis de universalização pelos Partidos Comunistas - como viriam
então a ser chamados - de todo o mundo. É evidente que quando dizemos que estas lições são
universalizáveis não estamos, de modo algum, afirmando que existe uma fórmula absolutamente
pronta e que se possa ignorar as particularidades de cada nação. Afirmamos apenas que o grande
desenvolvimento da teoria e da prática revolucionária, sistematizados nos escritos de Lenin sobre
a organização, podem fornecer diretrizes fundamentais para todas os comunistas de localidades.
A inescapável tarefa da organização política das massas exploradas de um determinado
país certamente possuirá inúmeras particularidades, cujas causas são as mais diversas. Entre-
tanto, dado o fato do capitalismo ter atingido todo o mundo e de possuir regularidades de ordem
estrutural, certas conclusões gerais, certas diretivas organizativas básicas, elaboradas nesta
primeira grande experiência da classe operária se tornam também passíveis de serem aplicadas
universalmente e à revelia de quaisquer especificidades nacionais.
Nos diz Stalin: “Alguns dizem que o leninismo é a aplicação do marxismo às condições pecu-
liares da situação russa (...) Mas se o leninismo não passasse da aplicação do marxismo à situação
da Rússia, seria um fenômeno pura e exclusivamente nacional, pura e exclusivamente russo. No
entanto sabemos que o leninismo é um fenômeno internacional, que tem as suas raízes em toda a
evolução internacional, e não apenas um fenômeno russo”. [J. V. Stalin, 1954]. E de novo Stalin, fa-
lando sobre mudanças nas condições de luta de classes e da necessidade do Partido de novo tipo:
(...) “Este período coloca diante do proletariado tarefas novas: a reorganização de todo o trabalho
do Partido numa base nova, numa base revolucionária, a educação dos operários no espírito da
luta revolucionária pelo Poder, a preparação e mobilização das reservas, aliança com os proletários
dos países vizinhos, a criação de sólidos laços com o movimento de libertação das colônias e dos
países dependentes, etc. Pensar que estas novas tarefas podem ser resolvidas com as forças dos
velhos partidos social-democratas, educados nas pacíficas condições do parlamentarismo, significa
condenar-se irremediavelmente à desesperação, a uma derrota certa” (...) [ibidem]
Portanto, é de acordo com as condições inéditas do novo período que se iniciava com
a alvorada do século XX, que se tornara indispensável a criação de um Partido de novo tipo.
Queremos dizer, quando falamos em novo período e em condições inéditas, da consolidação do
imperialismo, como fase superior do capitalismo que, ao impor sua presença em todo o mundo,
promove uma verdadeira rapinagem nos países coloniais e semi-coloniais, engendrando tam-
bém inevitáveis guerras entre as potências pela maior parte deste saque.
Convém agora dizermos quais seriam estas conclusões gerais, estas diretrizes universais que
devem guiar os Partidos Comunistas do globo em suas lutas pela justa e tão necessária libertação
da humanidade do jugo do imperialismo e de outras classes reacionárias. Mas, antes, explicaremos
quais deficiências organizativas Lenin buscou superar dialeticamente na formulação de sua teoria.
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III.II - Sobre a superação do “espontaneísmo”


Fora no ano de 1902 que o dirigente maior do proletariado russo publicara suas principais
obras nas quais sistematiza suas concepções sobre a organização política. Falamos principal-
mente dos textos “Carta a um Camarada” e “O Que Fazer?”. É no segundo que Lenin apresenta
sua análise mais completa acerca da situação organizativa das massas; seu nível de consciência;
das concepções correntes entre os sociais-democratas russos neste assunto; bem como suas
críticas e conclusões tiradas deste panorama. Em linhas gerais, constata que os ditos ‘’dirigentes’’
da social-democracia russa estariam impregnados de concepções equivocadas que seriam res-
ponsáveis pelo imenso atraso organizativo da massa dos trabalhadores. Afirma que estes dirigen-
tes estariam a baixo do nível de consciência atingido pelo ascenso espontâneo destas massas,
quando o desejável e o necessário seriam exatamente o contrário. Diagnostica como causa desta
defasagem, aquilo que chamou de “culto ao espontaneísmo” no seio do movimento.
Mas, afinal, o que seria o “culto ao espontaneísmo” e por que Lenin o criticara? Resumida-
mente, seria o rechaço a priori às formas de luta organizadas e conscientes do proletariado. É a
recusa em dar uma direção racional, ciente de suas tarefas e necessidades históricas, às explo-
sões espontâneas de revolta das classes subalternas. Dito de outra forma, já nos servindo das
conclusões da longa reflexão deixada por Lenin sobre o assunto, seria a própria recusa em bus-
car despertar no proletariado a consciência de sua missão histórica e de seu papel eminentemen-
te revolucionário na atual sociedade de classes. É também a completa abdicação, por parte dos
dirigentes sociais-democratas, de suas responsabilidades políticas e organizativas fundamentais.
O espontâneo, segundo Lenin [1977], não passa de um “embrião do consciente”. Ele
propõem com esta afirmação a existência de uma gradação nas formas de luta do proletariado
em relação ao nível de consciência alcançado. Neste sentido, as formas ludistas8 seriam menos
conscientes que as trade-unionistas9, que por sua vez seriam menos conscientes que as formas
sociais-democratas (comunistas).
No âmbito da estratégia revolucionária, os adeptos do culto ao espontaneísmo espera-
vam que o próprio avanço das lutas econômicas - sindicais, parciais, por ganhos nas condições
de trabalho - do proletariado levariam, espontaneamente, para as lutas de cunho político. Assim,
concentravam suas energias militantes única e exclusivamente nos enfrentamentos sindicais,
acabando por entravar o desenvolvimento da consciência dos operários até seu estágio revo-
lucionário ou até mesmo ficando à reboque dos mesmos - que muitas vezes já vislumbravam e
propunham para muito além das meras mudanças nas condições da venda da força de trabalho
(as condições em que são explorados por um determinado patrão).
Então, no que tange à estratégia, o culto ao espontaneísmo obstaculiza a emergência da
consciência revolucionária entre os trabalhadores, prendendo-os nas formas trade-unionistas -
necessariamente reformistas - de luta. Diante desta constatação, o líder dos bolcheviques russos
coloca-se em ferrenha oposição ao chamado culto ao espontaneísmo, chegando a afirmar que
tudo que derivasse dele deveria ser extirpado do movimento operário para que este pudesse
efetivamente avançar em sua missão. Nos diz: “O movimento operário espontâneo não pode
criar por si só senão o trade-unionismo (e cria-o invariavelmente), e a política trade-unionista da
classe operária não é mais do que a política burguesa da classe operária” [LENIN, 1977, p. 147]
No plano organizativo o culto ao espontaneísmo também impõe limitações a serem su-
peradas. Ao privilegiar meramente a luta sindical e o processo, em detrimento do objetivo final,
renuncia-se à necessidade de uma organização centralizada e com alcance em todo o país - que
seja capaz de se dirigir para todo o povo oprimido de uma nação. Basta-lhes organizações locais,
dispersas e capazes de efetuar a luta sindical em uma unidade fabril isolada. Neste âmbito, o cul-
to ao espontaneísmo corresponde àquilo que foi chamado por Lenin de ‘’métodos artesanais de
trabalho’’. Estes seriam como formas amadoras de realizar o trabalho militante. São organizações
que, por não terem atingido certo grau de maturidade - sobretudo ideológica - se caracterizam por
sua efemeridade e baixo nível de preparo e disciplina. Observa-se então o enorme desperdício

[8] Ludismo é o nome dado ao movimento de operários ingleses, no início do século XIX, que decidiram protestar contra a mecanização
das fábricas e o desemprego através da simples destruição das máquinas modernas. O seu nome deriva de seu principal líder, Ned Ludd.
[9] Trade-unionismo é o nome dado ao movimento sindical inglês de recorte reformistas e integrado ao próprio Estado britânico através da
política das Trade-Unions.
“O que é Leninismo?” URC 49

de energia revolucionária que se realiza neste contexto. Os círculos marxistas utilizados por Le-
nin como exemplos para os métodos artesanais, acabavam por se dissolver muito rapidamente,
fosse por conta da repressão policial, fosse pela falta de disciplina, determinação ou firmeza ide-
ológica de seus membros. Tomava-se um longo tempo até ser possível reconstruí-los. Por conta
disso, uma quantidade imensa de quadros e de experiência militante preciosa se perdia.
As imensas tarefas que a marcha da história impunham ao proletariado e demais classes
exploradas eram absolutamente incompatíveis com tamanho amadorismo organizativo. Em face
disto, o gênio revolucionário russo lança as bases para a construção de uma Organização partidá-
ria que alcançasse toda a extensão territorial daquele país. Este Partido fatalmente seria o respon-
sável por enterrar o culto ao espontaneísmo e todas as concepções enganosas que derivam deste.

III.III - Sobre o Centralismo Democrático


Avancemos agora no sentido de explanarmos no que consiste o Partido do ponto de vista
do marxismo-leninismo. Antes de mais nada, diremos que esta forma de organização só pode
ser construída ou reconstruída a partir do momento em que se reconhece a influência da ideolo-
gia burguesa nas ideias (re)correntes das classes subalternas. Isto significa também o rechaço
à qualquer espontaneísmo assim como o reconhecimento pleno da necessidade de uma direção
consciente, logo marxista-leninista para guiar a revolta destas classes e direcioná-las para a
construção da república popular e do socialismo. Isto mostra (...) que tudo o que seja inclinar-se
perante a espontaneidade do movimento operário, tudo o que seja diminuir o papel do ‘elemento
consciente’, o papel da social-democracia, significa - independentemente da vontade de quem o
faz - fortalecer a influência da ideologia burguesa sobre os operários (...) [ibidem]
O Partido Comunista deve ser, portanto, a expressão máxima e mais elevada da luta cons-
ciente do proletariado contra seus inimigos de classe. “A classe operária, sem um partido revolu-
cionário, é um exército sem Estado-Maior’’ [STALIN, 1954]. Para que se preste aos mais comple-
xos e variados trabalhos que são indispensáveis na direção de um processo revolucionário, este
partido deverá conter apenas os elementos mais avançados de todo o movimento comunista.
Apenas aqueles mais ideologicamente determinados, que tenham sido lapidados no imenso calor
liberado nos choques de classe. Diante disto, fica evidente que um Partido Comunista possui cer-
tas restrições e critérios para a seleção de seus membros. Assim como o fato dele ser constituído
apenas por uma pequena parcela da totalidade da classe. Para explicarmos mais pormenoriza-
damente estas questões, nos serviremos da definição oferecida por Stalin: “O Partido deve ser,
antes de tudo, o destacamento de vanguarda organizado da classe operária” [ibidem].
O que significa dizer que o Partido Comunista é o ‘’destacamento de vanguarda da classe
operária’’? Significa que o Partido reúne os elementos mais conscientes, aqueles capazes de mar-
char à frente e, por este motivo, de dirigirem a revolta do conjunto da classe em direção ao seu ob-
jetivo final. Também significa que a tarefa dos dirigentes não é seguir a cauda do que se manifesta
espontaneamente entre as massas trabalhadoras, mas, pelo contrário, é a muito mais complexa
tarefa de ajudar a elevar a consciência destes até o nível dos dirigentes mais avançados.
Somente um partido que se coloque no ponto de vista do destacamento de vanguarda
do proletariado e seja capaz de elevar as massas ao nível dos interesses de classe do proleta-
riado, somente um partido deste tipo é capaz de afastar a classe operária do caminho do trade-
-unionismo e de transformá-la em força política independente [ibidem] Entretanto, dizer que ele
é um ‘’destacamento’’, só pode significar que ele é também uma parte da classe e não pode
prescindir desta na realização de suas tarefas. Ou seja, apenas a própria classe poderá reco-
nhecer o Partido como sua vanguarda. “A diferença entre a vanguarda e a massa restante da
classe operária (...) não pode desaparecer enquanto não desaparecerem as classes, enquanto a
classe operária, em seu conjunto, estiver impossibilitada de elevar-se ao nível do destacamento
(...) Mas o Partido deixaria de ser o Partido se esta diferença se transformasse em ruptura, se
o Partido se fechasse dentro de si mesmo e se divorciasse das massas sem partido”. [ibidem].
Mas, além disso, o Partido deverá ser um destacamento organizado da classe. Isto significa que
ele necessariamente se baseará em uma férrea disciplina que vigora entre seus membros. Bem
como na mais completa submissão da minoria pela maioria e da base aos órgãos dirigentes. Isto
significa também que o Partido não é simplesmente uma soma de seus membros ou mesmo de
suas organizações. Mas sim um sistema único, dinâmico e complexo, centralizados através dos
estatutos e programas partidários; além de possuir instâncias superiores que podem e devem
deliberar decisões práticas obrigatórias para todos os filiados.
É importantíssimo dizer que esta submissão aos dirigentes deverá obrigatoriamente vir
acompanhada de uma ampla democracia entre as bases, de um imenso incentivo às suas ini-
ciativas e um irrestrito respeito por suas considerações e críticas - que deverão prontamente
chegar aos órgãos superiores sempre que as circunstâncias permitirem. Isto é parte do proposta
leninista para que o Partido seja um todo vivo, capaz de sistematizar as valiosas experiências
concretas de cada um de seus membros. Consultar os camaradas dos escalões inferiores sobre
aquilo que não se compreende ou não se conhece, e não expressar com leviandade um acordo
ou desaprovação... Nunca devemos fingir que conhecemos aquilo que não conhecemos , nem
ter vergonha de consultar nossos subordinados, pelo contrário, devemos escutar cuidadosamen-
te os pontos de vista dos quadros dos escalões inferiores (...)’’ [MAO, 1972, p. 85].
O Partido Comunista, guiado pela doutrina científica do marxismo-leninismo, deverá, des-
ta forma, ser pautado no princípio do centralismo democrático. Este conceito condensa as carac-
terísticas que enumeramos acima. Ele inclui a mais rigorosa centralização e disciplina partidária
com a mais ampla e irrestrita democracia e incentivo às fileiras da base. Reúne estes dois aspec-
tos que, somente através do olhar vulgar da lógica formal, podem ser mutuamente excludentes,
ao invés de dialeticamente complementares. De maneira inescapável, muitos lançam-se em
críticas vulgares ao modelo leninista, como ‘’dogmático’’ e ‘’burocratizador’’. Como ‘’colonizador’’
ou ‘’vanguardista’’. Em geral, tratam-se de sujeitos encerrados em isolamentos acadêmicos,
pessoas que ‘’muito’’ fazem pelo proletariado em pensamento. Que idealizam as mais diversas
formas de se dirigir aos trabalhadores, de organizá-los de forma “livre”, “horizontal’’, entre outros
jargões - afinal, estes sujeitos não são menos adeptos dos jargões do que afirmam sermos nós,
os marxistas. Para estes, além de toda a argumentação já construída acerca da necessidade
histórica concreta do centralismo democrático, resta-nos apenas apontar o completo fracasso e
insuficiência das organizações que se propuseram a realizar estes ideais, ontem e hoje.
O marxismo-leninismo, conforme exposto nas condições limitadas deste sucinto manual,
é a doutrina científica do proletariado elaborada durante séculos de embates e grandes choques
de classe. É um todo composto pelo socialismo científico; a economia política marxista; o mate-
rialismo histórico e dialético e enriquecido durante anos pela experiência da classe trabalhadora
e capacidade criadora dos homens. De acordo com esta doutrina, são os próprios seres hu-
manos quem constroem a história, ainda que o façam determinados pelas condições materiais
herdadas historicamente. Assim, foram poucos aqueles que aplicaram os princípios do marxismo
de maneira tão genial e criadora quanto Lenin. Ao dirigir o processo revolucionário na Rússia,
elevou a doutrina do proletariado para outro estágio; preencheu lacunas e avançou em aspectos
fundamentais da teoria e da prática. Combateu intransigentemente o revisionismo e trouxe o
marxismo para a era do imperialismo e das revoluções proletárias.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LENIN, V. I. O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo. In Obras Escolhidas em Três Tomos.
Vol. 1. Lisboa e Moscovo: Editora Avante! Edições Progresso, 1977.
___________. O que fazer? In Obras Escolhidas em Três Tomos. Vol. 1. Lisboa e Moscovo: Edi-
tora Avante! Edições Progresso, 1977.
____________. O Programa Militar da Revolução Proletária. In Obras Escolhidas em Três To-
mos. Vol. 1. Lisboa e Moscovo: Editora Avante! Edições Progresso, 1977.
____________. O Estado e a Revolução. In Obras Escolhidas em Três Tomos. Vol. 2. Lisboa e
Moscovo: Editora Avante! Edições Progresso, 1978.
STALIN, J. V. Sobre os Fundamentos do Leninismo. Editorial Vitória, 1954.
____________. Em torno dos Problemas do Leninismo. Editorial Calvino, 1945.
Figuras do Movimento Operário URC 51

José Duarte
Em 8 de dezembro de 1972, Maurício Gabrois registrava uma
notícia ruim que havia recebido na Rádio Tirana: “foi preso em
Salvador o camarada José Duarte. Trata-se de um autêntico
revolucionário, um ferroviário valente e o mais antigo militante
do Partido. Deve estar sendo barbaramente torturado em São
Paulo, para onde foi enviado. Mas nada dirá. É homem que
não se verga. Preso e espancado inúmeras vezes no passa-
do, sempre se portou com honra e altivez, jamais capitulando.
É fervoroso partidário da luta armada e deve estar exultando
com a resistência no Sul do Pará. Os guerrilheiros do Araguaia
prestam sua homenagem ao velho lutador proletário”. Aos 65
anos, mais uma vez o camarada Zé Duarte venceria mais
uma tortura do velho Estado burguês nos porões da chamada
Operação Bandeirantes. Ao todo, foram 36 prisões ao logo
da lutas travadas, 17 anos atrás das grandes sem perder sua convicção revolucionária. E
demonstrava assim, mais uma vez, e sempre, sua firmeza ideológica mantido nos quase 70
anos dedicados à luta da classe operária e da Revolução Brasileira.
Nascido em Portugal em 1906, logo cedo veio para o Brasil com sua família de origem operária,
e já aos 10 anos, acompanhando seu pai presenciou a greve geral que paralisou São Paulo em
1917. Não demoraria, até ele mesmo, já enquanto ferroviário na cidade de Bauru no interior pau-
lista, ingressar no Partido Comunista em 1º de maio de 1924. Era o início da sua trajetória.
Se destacava como líder operário consequente na defesa dos direitos dos trabalhadores e na
greve de 1934 dirigiu a luta pela redução da jornada de trabalho, e na mesma época lutava
contra a ditadura Vargas e suas tentativas de intervenção na organização da luta operária.
Fiel aos princípios do marxismo-leninismo, também foi uma importante figura dentro do parti-
do na luta contra o revisionismo, criticou veementemente as posições liquidacionistas de Earl
Browder, então secretário-geral do PC dos Estados Unidos, que defendia a dissolução do
partido de novo tipo na década de 40, assim como também criticou o revisionismo khrusche-
vista adotado a partir do XX Congresso também no PCB, sob direção de Luis Carlos Prestes,
que chegou a pedir pessoalmente o afastamento de Duarte. Foi um dos signatários da Carta
dos 100 e participou ativamente da reconstrução do partido revolucionário em nosso país,
trabalhando com afinco pelo desenvolvimento do PCdoB.
No final da década de 70, se opôs à direção de João Amazonas, que defendia a estratégia de
“fingir-se de morto”, defendendo a continuidade da luta para derrotar o regime militar, tendo
sido responsável pela reestruturação do PCdoB na cidade de São Paulo, um dos principais
centros operários brasileiros. Após a Anistia, passou a ser boicotado, até ser expulso por
Amazonas. No 1º de maio de 1988, Zé Duarte escrever aos comunistas e ao povo brasileiro
para denunciar os desvios oportunistas no PCdoB e com toda a sabedoria forjada em dé-
cadas de lutas com as massas brasileiras, afirma que “O Partido não tem dono. Pertence à
classe operária e ela saberá reconstruí-lo”.
URC
UNIÃO RECONSTRUÇÃO COMUNISTA
A União Reconstrução Comunista (URC) visa ser um polo aglutinador
de todos os militantes revolucionários e ativistas descontentes com os
rumos tomados pelo movimento comunista em nosso país, destruído
e corroído pelo revisionismo e oportunismos de direita e esquerda.
Após longos estudos e debates e um ano da fundação do Coletivo Ban-
deira Vermelha, conquistamos, enfim a base da unidade orgânica que
deve nortear nossa prática: a unidade ideológica na teoria do proleta-
riado desenvolvida por Marx, Engels, Lenin, Stalin e Mao; a luta pela
refundação do Partido Comunista com base na teoria revolucionária
do proletariado; a necessidade de se levar a cabo a Revolução Prole-
tária dentro das condições concretas de nosso país.

www.uniaoreconstrucaocomunista.com

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