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“Escritos em Migalhas”:

O sexo feminino em busca da educação


formal e de espaços na literatura no
Maranhão oitocentista
Joabe Rocha

“Escritos em Migalhas”
O sexo feminino em busca da
educação formal e de espaços na
literatura no Maranhão oitocentista

EDITORA MULTIFOCO
Rio de Janeiro, 2017
Copyright © Joabe Rocha de Almeida
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sob
quaisquer meios existentes sem autorização por escrito dos editores e autores.

Edição Geferson Santana


Revisão Aridiana Silva Souza
CAPA E DIAGRAMAÇÃO Karina Tenório
IMPRESSÃO E ACABAMENTO Gráfica Multifoco

“Escritos em Migalhas”: o sexo feminino em busca da educação


formal e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
Almeida, Joabe Rocha de

1ª Edição
Abril de 2017
ISBN: 978-xx-xxxx-xxx-x

Editora Multifoco
Flaneur Edição, Comunicação, Comércio e Produção Cultural LTDA.
Av. Henrique Valadares, 17b - Centro
20231-030 - Rio de Janeiro - RJ
Tel.: (21) 3958-8899
contato@editoramultifoco.com.br
www.editoramultifoco.com.br
Sumário
Agradecimentos.............................................................................................................9
Índice de figuras e quadros.......................................................................................17
Prefácio...............................................................................................................................19
Preâmbulos iniciais deste estudo..........................................................................23

CAPÍTULO I - “Gritos femininos!”: a ausência da mulher


na educação formal e nos espaços literários no
Maranhão (1759-1844).................................................................................41
1.1 “Eduquem os homens! E as mulheres?”: formas e métodos
da educação maranhense para o sexo feminino de 1759 a
1844..............................................................................................................................43
1.2 Os percalços na formação dos primeiros impressos no
Maranhão oitocentista e o sexo feminino em busca de
espaços no grupo dos homens letrados .............................................70
1.3 Mulheres da elite, o comportamento agora é outro:
Colégio Nossa Senhora da Glória e os primeiros passos de
uma nova cultura do saber para o sexo feminino .........................83

CAPÍTULO II - Maria Firmina dos Reis: ‘uma maranhense’


que se tornou mulher através da literatura e da
educação!................................................................................................................91
2.1 “E passará entre o indiferentismo glacial de uns e o riso
mofador de outros, e ainda assim o dou a lume”: trajeto
biobibliográfico de Maria Firmina dos Reis e seu legado
literário........................................................................................................................95
2.2 Enquanto isso em Úrsula e A Escrava... Os enredos de
Maria Firmina dos Reis dialogando com o contexto social
e político no Maranhão Oitocentos.........................................................112
2.3 Os limites de uma heroína: Maria Firmina
dos Reis morre.......................................................................................................148

CAPÍTULO III - Da folha mais famosa da ramagem, desceu


nas águas e resta da viagem o labirinto capilar da
tinta: Laura Rosa entre poesias e a arte de educar os
caxienses.................................................................................................................153

Considerações finais....................................................................................................185
Referências........................................................................................................................189
Fontes Primárias....................................................................................................189
Fontes hemerográficas.....................................................................................191
Fontes Secundárias.............................................................................................194
Fontes da internet...............................................................................................202
Fontes orais..............................................................................................................207
Dedico à minha diva – Marilene Rocha. Existência da
minha vida. Razão de eu ter chegado até aqui.
Quando, inúmeras vezes eu estava com o rosto no tra-
vesseiro, derramando-me em prantos por causa das ca-
jadadas de derrotas sob meus lombos, ela, com seu jeito
de mulher guerreira mostrou-me e ensinou-me que lutar
mais uma vez por nossos ideais nunca é o bastante.
Dedico também as imortais Laura Rosa e Firmina dos
Reis que sem estas jamais existiria este estudo.
Agradecimentos
A parte dos agradecimentos sempre foi uma tarefa terrível
para mim. Ainda mais porque agradecer as pessoas que me ajuda-
ram a publicar este estudo, é ao mesmo tempo agradecer aquelas
que estiveram envolvidos diretamente na construção do meu tra-
balho de graduação. Nesse sentido, farei um resumo das pessoas
já agradecidas no meu trabalho monográfico, complementando,
assim, com novas pessoas envolvidas no projeto deste livro.
Sempre gosto de dizer que Deus é bondoso comigo. Nunca
mereci tal afeto divino, mas, por motivo que não sei explicar, Ele
foi o protagonista da minha vida. Foi meu pulso, meu coração. No
decorrer de meus estudos da graduação, em meio ao desespero, ele
foi meu ópio. Tinha dias em que gritava igual Cristo gritou na cruz:
“Pai, por que me abandonas-te?”. Entretanto, sempre vou lembrar
que muitas vezes ficava angustiado por não achar certos documen-
tos, não conseguia achar em lugar algum e Deus, com seu jeito
suave, colocava pessoas certas, nas horas certas para me ajudar.
Agradeço muito a Editora Multifoco, em especial ao editor
Geferson Santana, ter sido gentil e compreensível durante toda a
elaboração deste trabalho.
À Academia Maranhense de Letras - AML, por escanear a Re-
vista em que se encontra o discurso de posse da Laura Rosa e me
enviar por e-mail.
Meus agradecimentos vai também ao corpo docente da Uni-
versidade Estadual do Maranhão/Centro de Estudos Superiores de
Caxias – CESC/UEMA:

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À professora Salânia Melo. Foi minha orientadora do trabalho
de finalização do curso de História no CESC/UEMA.
À professora Arydimar Vasconcelos Gaioso por abraçar meu
trabalho, a ponto de prefaciá-lo. Não tive o prazer de ser seu aluno
na minha graduação, mas tenho o privilégio de participar do Grupo
de Estudos Socioeconômicos da Amazônia – GESEA, na qual ela
discorre com tamanha suavidez discussões de grandes sabedorias.
Ao professor Alcebíades C. Filho por ser meu primeiro orien-
tador de monitoria “Formação e Dinâmica da Sociedade Moder-
na”. Foi nesse período que tive uma proximidade tão infinita que
até hoje nossa amizade se exala quando chego ao departamento.
Foi na realidade um pai que eu tive dentro da academia. A profes-
sora Jordânia Pessoa e a professora Mercilene Torres. Essas duas
foi sem sombra de dúvida muitíssimas importantes para mim en-
quanto estudante. A profª Jordânina por ter sempre acreditado em
mim. Nunca deixou de me responder pessoalmente, por e-mail,
por telefone. A profª Mercilene, por abrir as portas do Museu da
Balaida para eu estudar. Emprestou-me muitos materiais, não ne-
gando ajuda qual fosse a hora do dia ou da noite. Foi como uma
mãe para mim na jornada de meus estudos.
À professora Mirian Reis, profª da minha segunda monitoria
“Introdução ao Estudo e a Pesquisa Histórica”. Conheci ela duran-
te este período e nunca mais deixamos de nos falar. Gente humilde
e muito dedicada na vida. À professora Joana Batista. Tive o privi-
légio de ser seu orientando na minha terceira e última monitoria
“História do Brasil Contemporâneo” e ao mesmo tempo seu aluno.
Uma pessoa excelente, tanto para conversar sobre estudos acadê-
micos como para falar sobre os anseios da vida. Tem uma didática
e uma memória incrível.
Ao professor Jakson Ribeiro. Uma pessoa que sempre admirei
dentro da academia. Por ser jovem, sabe entender nossas aventu-
ras, aflições e com isso, sabe nos dar ótimos conselhos de maneira

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bem aberta. Saiba que sempre o considerei como um grande ami-
go, muito antes de ser professor. Vou levar sempre o seu conselho:
“tenha humildade intelectual”. A professora Dudu, pelo incentivo,
por me colocar sempre de cabeça erguida quando eu dizia para ela
que não estavam fáceis as coisas. A Denize Salazar, hoje professora
substituta da UEMA. Forneceu-me materiais e outras ajudas e com
isso passamos a ter uma ótima amizade. Ao professor Fernando
Sampaio. Esse rapaz aqui, sem sombra de dúvida foi uma fonte de
materiais para mim. Quando ninguém me fornecia o livro que pre-
cisava, ele me ajudava. Ao profº Benilton, pois, pela amizade e por
as vezes parar nos corredores da instituição e dizer: “Joabe, tente
somente relacionar os parágrafos e capítulos que no final vai dar
tudo certo”. A profª Valtéria. Apesar de não ter tido uma aproxi-
mação de amizade com ela, mas foi uma ótima professora. Foi uma
das primeiras a dar-me base de conhecimento e de como construir
um texto acadêmico.
À profª Elizete Santos e profª Márcia Santos. Ambas do De-
partamento de Ciências Sociais do CESC/UEMA.
À profª Elizete Santos por conhecer meu trabalho ainda quan-
do nem era artigo. Foi uma das pessoas que me encorajou a pros-
seguir enfrente. À senhora, também, vai os meus agradecimentos.
Para a profª Márcia Santos por me emprestar inúmeros livros de
sua biblioteca e me incentivar muito na minha carreira acadêmica.
As pessoas do Instituto Histórico e Geográfico de Caxias
(IHGC), especialmente, Berg e Juliete. Obrigado por todas as ajudas.
Aos meu amigos da UEMA e do ambiente externo, em espe-
cial dois que tiveram comigo do começo ao final do curso: Marcus
André e Socorro Cardoso. Ao Rondinelle. Até hoje são excelentes
amigos. Ao Bruno, Anderson, Moisés Cardoso e Renan pelas brin-
cadeiras infinitas e amizades sinceras. Raimunda Belchior, Patrí-
cia, Gerciane, Erica, Luciana Sá, Ranielle e todas as meninas que
ficavam ao lado da parede. Obrigado pelas ajudas e companhias

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alegres. Ao Lenilson, Graciele Morais e Roseane Lemos. Obrigado
pelas companhias frutíferas!
A Francês de Francis. Hoje no Mestrado na UFPI. Seus sacri-
fícios dentro da UEMA encorajou-me a buscar novos conhecimen-
tos. Nossa amizade cresceu de forma natural e espontânea.
Ao Gennerson Luiz de Sousa Santos Cunha do curso de Histó-
ria – CESC/UEMA. Foi o responsável pela elaboração do desenho
da capa do meu trabalho monográfico. Valeu meu amigo!
À Betânia Costa. Doutoranda em Coimbra (Portugal). Sem
palavras para descrever o quanto foi importante na reta final do
meu curso e deste estudo. Deu-me forças acadêmicas e acreditou
em mim de uma forma surpreendedora. Um dia nos reencontrare-
mos novamente.
Ao meu amigo Ermeson Rodrigues. Você é um irmão para
mim. É nota dez e sei que ainda vai longe nessa vida.
Aos meus amigos, Sales Silva e Fernando Silva, ambos ir-
mãos. Foram importantes no meu crescimento de estudos. Ad-
quiri conhecimento, maneiras corretas de estudar para concur-
so. Nunca esquecerei das ajudas financeiras em que ambos me
proporcionaram.
Ao Jacinto F. Coelho. Você foi uma grande pessoa que me aju-
dou durante o curso. Fico grato por tudo meu amigo.
À Rosângela Barbosa. Nossa! Sem dúvida alguma, você foi
substancial na minha vida. Nunca negou-meu nenhuma ajuda. Es-
teve ao meu lado quando mais precisei. Jamais vou esquecer o que
fez por mim. Obrigado por tudo menina dos olhos de mel. A você
também dedico este livro.
Ao meu amigo Cláudio Dorta e sua esposa. Ajudou-me muito
durante minha graduação e na elaboração deste estudo não foi di-
ferente. Obrigado por tudo.
À minha família: meu irmão, Eliabe Rocha. Apesar de nossas
desavenças, ajudou-me muito com métodos de estudos. Apesar

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de nossa idade ter uma diferença de apenas um 1 anos e 6 me-
ses, você sempre se mostrou mais perspicaz e mais conhecedor da
vida do que eu. A minha mãe, Marilene Rocha. Dedico todos os
meus dias e noite a senhora. Ao meu pai, Luís César, por traba-
lhar enquanto eu estava na graduação. À todos da minha família
vai meus sinceros agradecimentos.

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“As mulheres do século 19 – e provavelmente em todos os
tempos – não foram somente vítimas ou sujeitos passivos.
Utilizando os espaços e as tarefas que lhe eram deixados
ou confiados, elas elaboravam, às vezes, contrapoderes
que podiam subverter os papéis aparentes”.
(PERROT, 2005, p. 273).
Índice de figuras e quadros
Figura I: “Moça lendo em Itu (1892)” desenhada pelo pintor
brasileiro José Ferraz de Almeida Jr................................................................................ 41
Figura II: Prédio construído para ser o Recolhimento de N. Sra. de
Anunciação e Remédios em 1870 e concluído em 1871. Acabou
sendo uma instituição mista: Recolhimento, Colégio e Asilo........................ 67
Figura III: Busto de bronze de Maria Firmina dos Reis feita pelo
escultor Flory Gama no Museu Históricos e Artístico do Maranhão,
São Luís............................................................................................................................................ 91
Quadro I......................................................................................................................................... 103
Figura IV: Capa e contracapa do romance Úrsula em edição fac-
similar publicada por Horácio de Almeida em 1975. Observe na
contracapa que o nome da autora Maria Firmina dos Reis ainda
permanece no pseudônimo de “Uma Maranhense”........................................... 113
Figura V: Recorte do Jornal Publicador Maranhense fazendo um
apelo para que os leitores pudessem ler o romance Úrsula de
Firmina dos Reis.......................................................................................................................... 115
Figura VI: Laura Rosa com aparência ainda bem jovem................................. 153
Figura VII: Caderno de anotações da Laura Rosa. Não há registro
da data de criação do caderno, pois, a capa não existe mais. A
menor data encontrada no caderno é de 1956 e a última data
antes de um texto escrito por Laura Rosa antes de repassar a
professora Alzira é de 1966 já com seus 82 anos................................................... 157
Figura VIII: Como consta no Jornal Folha de Caxias, cuja data indica
ser de 1949, Laura sendo visitada em sua casa, pelo Prefeito de
Caxias Marcello Thadeu Assunção e o jornalista Vitor Gonçalves Neto.......158
Figura IX: Louvor a Laura Rosa pelo seu empenho na educação,
como consta no Jornal Folha de Caxias, encontrado no Caderno da
Tia Miroca....................................................................................................................................... 161
Figura X: Recorte do decreto de 1931 que cria o primeiro Curso
Normal de Caxias equiparando-o com o Liceu de São Luís........................... 170
Figura XI: Jornal O Caxiense fazendo um belo discurso para os feitos
de Laura Rosa na educação de Caxias, cujo redator não aparece...................171
Prefácio
“ESCRITOS EM MIGALHAS”: O SEXO FEMININO EM
BUSCA DA EDUCAÇÃO FORMAL E DE ESPAÇOS NA LITE-
RATURA NO MARANHÃO OITOCENTISTA, de Joabe Rocha,
é o resultado do exercício acadêmico de conclusão de graduação no
curso de Licenciatura Plena em História do Centro de Estudos Su-
periores de Caxias da Universidade Estadual do Maranhão (CES-
C-UEMA). Tem como objeto de investigação a trajetória de duas
mulheres professoras e escritoras oitocentistas – Maria Firmina dos
Reis (1825-1917) e Laura Rosa (1884-1976), ambas maranhenses, no
intuito de perceber o contexto de suas produções literárias circunda-
das por uma sociedade dominada pelo universo masculino. O pano
de fundo é o acesso das mulheres a educação formal, no final do
século XIX e início do século XX, com o objetivo de mostrar que o
domínio da escrita e da leitura contribuiu para que mulheres aden-
trassem no campo literário comandado pelo gênero masculino.
O trabalho de Joabe Rocha vai além da biografia e do acesso à
educação formal. Ao analisar o lugar social e o contexto de produ-
ção dessas mulheres, nos convida a refletir não só sobre questões
de gênero, no que se refere a dominação masculina e subordinação
feminina, mas também sobre estratégias encontradas por elas para
adentrar o universo da literatura, rompendo como os espaços so-
ciais pré-estabelecidos e transgredindo o conservadorismo da épo-
ca. Assim como, a partir da análise de suas produções, apresentar
temáticas e situações do cotidiano vivenciadas por essas mulheres
traduzidas pelos seus olhares.

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e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
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Ao adentrar no universo da produção literária feminina, prin-
cipalmente ao se debruçar sobre a trajetória de Maria Firmina dos
Reis, o historiador mostra a luta no campus intelectual, mostrando
as relações de sujeição do saber feminino definidas pela posição
social ocupada pelas mulheres. Aborda a representação que a so-
ciedade tinha do papel da mulher em sociedade, do universo femi-
nino contornado e limitado aos assuntos do lar. Faz isso ao descre-
ver o processo de criação das escolas formais para mulheres, cuja
filosofia se distinguia das escolas voltadas para os jovens rapazes.
Cozer, bordar, rezar tornou-se parte essencial da formação de me-
ninas. Institucionaliza-se a posição social “do lar e para o lar” da
mulher através da escola.
Essa institucionalização a partir da educação para moças,
como demonstra Joabe Rocha, foi vista por elas como a “corda viva
que poderia tirá-las do jugo opressor masculino”. O saber femini-
no sujeitado, considerado na época de baixo nível, à margem da
valorização intelectual, não lhes eram concedidos espaços para
adentrarem nesse universo. Ao contrário, não eram reconhecidos
nem legitimados pela sociedade como produção intelectual. O au-
tor chama atenção também para pouquíssimos registros na histo-
riografia clássica de escritos e obras de mulheres no século XIX,
talvez, não pelo fato de não serem muitas, mas por não estarem
inseridas nesse universo, não serem objetos de registros em jornais
da época, ou pelo descuido do historiador debruçando seu olhar
para os grandes feitos. Ou todas essas situações.
Esse saber sujeitado, conforme aborda Foucault, visa liber-
tar-se das amarras dessa sujeição, de se posicionar contra a hege-
monia de um discurso e de uma ideologia dominantes. Assim, in-
visibilizadas no cenário intelectual e sabedoras das dificuldades
de adentrarem nesse campus, ou como diz Bourdieu, sabedoras
das regras do jogo do campus intelectual, dos limites sociais que
lhes eram impostos pela sociedade patriarcal e pelo próprio cam-

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e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
pus intelectual, algumas estratégias foram utilizadas. Entre elas,
o uso de pseudônimos.
O uso de pseudônimo, portanto, não era ao acaso, mas parte
da estratégia de adentrarem nesse universo e de se fazerem ouvir,
de trazerem questões e assuntos não abordados pelo cânone literá-
rio brasileiro em meados do século XIX. Como característica desse
cânone literário, o autor afirma que não fazia parte da centralidade
dos enredos assuntos considerados femininos, temas do cotidiano
que não condizia com temas do pensamento da elite. Aqui se per-
cebe uma dupla exclusão das mulheres nesse campus: além de não
poderem adentrar nesse grupo seleto e de domínio masculino, o seu
saber, seu modo de vida, seus assuntos do cotidiano também não
faziam parte da centralidade dos enredos; eram desqualificados.
O desafio que aparece é também duplo: de adentrar nesse uni-
verso masculino e de poder falar, narrar, expor situações sociais
não abordadas no espaço literário. O domínio da escrita e o uso
de pseudônimo auxiliou adentrar de forma ainda tímida, nesse
cenário. E o que elas traziam era o seu olhar, o olhar feminino so-
bre temáticas sociais pouco exploradas no cenário da política e da
economia.
Os assuntos abordados nos escritos das mulheres demons-
tram, portanto, o olhar feminino do cotidiano da sociedade pa-
triarcal, olhar politizado das temáticas sociais. Mas até aqui fazia-
se necessário, mencionando ainda Bourdieu, ter conhecimento das
regras do jogo para jogar o jogo, de estabelecer estratégias para jogar
o jogo. Crítica à situação social escravista e a posição que a mu-
lher ocupava na sociedade patriarcal apareciam nos romances, nas
crônicas; analfabetismo, corrupção e dominação masculina eram
também recorrentes nessa produção. Entretanto, como esses temas
não faziam parte das centralidades dos enredos do campus intelec-
tual, os mesmos apareciam em forma de signos, com sutileza, mas
sem perder o teor de denúncia.

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Joabe Rocha aborda nesse livro a produção literária contextua-
lizada em momentos da história que demonstram o contexto social
de sua produção com as lutas no campo intelectual e a inserção
das mulheres nesse cenário. Os saberes femininos sujeitados vêm
à tona, mostrando como historicamente foram excluídas nos dife-
rentes campos de saber e poder, negligenciadas e enclausuradas no
âmbito do lar. O livro reflete sobre as transformações femininas no
cenário do privado e público, das estratégias para se fazerem ou-
vir e reconhecer e de demarcarem uma posição no mundo social.
Fatos esses por muito tempo esquecidos e/ou invisibilizados pela
academia por terem sido considerados saberes menores.

Caxias-MA, 15 de março de 2017.


Arydimar Vasconcelos Gaioso1

1 Doutora em Antropologia pela Universidade Federal da Bahia – UFBA. Professora da Universi-


dade Estadual do Maranhão – UEMA. Coordenadora do Grupo de Estudos Socioeconômicos da
Amazônia - GESEA/UEMA e membro do Núcleo de Pesquisa em Territorialização, Identidades e
Movimentos Sociais – UFMA/UEA.

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e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
Preâmbulos iniciais
deste estudo
A partir da análise historiográfica brasileira, na segunda meta-
de do século XIX, várias são as mulheres que começaram a influen-
ciar o meio social letrado. O ato de escrever principiava não apenas
o sexo masculino, mas também, o sexo oposto. A ideia da escritora
Olwen Hufton quando falava que mulheres “espoliadas de seu pas-
sado, não tinham o porquê de orgulharem-se de si mesmas” (HUF-
TON, 1998, p. 243), foi aos poucos, em caminhos de pedregulhos,
desconstruída. É certo que a escrita feminina brasileira encontrou
inúmeras barreiras para o seu fortalecimento, sendo um processo
lento, árduo e visto sob um olhar machista e preconceituoso.
A mulher, ao longo dos séculos, procurou, de todas as formas,
meios viabilizadores que pudessem servir como emancipação do
olhar de inferioridade vinda por parte do sexo masculino. Não
por acaso, mulheres maranhenses enxergaram as letras como uma
corda viva que poderiam tirá-las desse jugo opressor da masculi-
nidade. O problema era que quanto mais se materializava o siste-
ma literário, mais as narrativas históricas, com um tom agressivo,
enalteciam o homem na figura de herói, “excluindo duplamente,
quase que por completo, as mulheres enquanto personagens e pro-
dutoras da história” (GONÇALVES, 2006, p. 48), tornando suas
obras de realidade em ficção, repúdio, medo e inferioridade.
Quase todas as escritas produzidas pelo sexo feminino, publi-
cadas ou encontradas no século posterior ao XIX, tinham como
trajes a fuga do estereótipo e do esteio. Engrenadas nas sombras

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do poder institucional, estas escritoras trabalhavam a linguagem
como jogo de signos, ou seja, ao invés de atacarem diretamente a
política, economia, a cultura, a educação com duras palavras elas,
trocavam por sinônimos mais brandos ou com discursos poéticos,
colocavam personagens nos romances e contos que pudessem re-
presentar de alguma maneira a situação dos negros, das crianças,
do sexo feminino em relação ao ensino das primeiras letras, casa-
mento, lar e a mulher como sujeito inferior ao homem. Por meio da
escrita muitas mulheres excluídas da educação formal e das produ-
ções literárias, buscaram romper essa secessão sociocultural que
marginalizava o sexo feminino.
Tendo por base as exposições acima, a problematização da
pesquisa neste estudo foi questionar se “a escrita feminina no Ma-
ranhão do século XIX contribuiu para a valorização da mulher na
educação formal e nos espaços literários”.
Tal compreensão pode ser possível a partir da análise da ação
individual da mulher, como também, da ação coletiva, em que en-
volve o cotidiano desde sexo no seu espaço público e privado. Nos
espaços públicos as mulheres seguiam normas e comportamentos
sociais ditados pelos homens. Enquanto que nos espaços privados,
além de serem regidas sob uma lei patriarcal, as mulheres escre-
viam seus textos silenciosamente.
Tal silenciamento nos insere saber que o sexo masculino en-
xergava a literatura dessas escritoras de uma forma como se elas
não tivessem a mesma capacidade de produzir obras ou publicar
discursos nos jornais no mesmo patamar de conhecimento in-
telectual dos homens literatos. Seguindo esse pensamento é que
passamos a entender a tardia valorização feminina, a exclusão no
cenário literário e o olhar do homem institucionalizando-a como
detentora de uma intelectualidade fraca.
É necessário sabermos que há uma diferença entre a mulher
ser representada pelo homem nos espaços públicos e privados, e, a

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e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
representação social da mulher. É claro que estão interligadas, mas,
são conceitos diferentes entre si. Vejamos que mulher representada
significa que, ao invés dela expressar quais são seus direitos, o que
ela pensa a respeito de certo assunto, de assumir funções públicas,
o homem é que fala pela mulher, representando-a desde o lar, como
o cabeça da família, até as instituições de poder.
Segundo Roger Chartier, a representação se insere entre a
imagem repassada, transmitida do seu objeto:

[...] Por um lado, a representação como dando a ver uma


coisa ausente, o que supõe uma distinção radical entre
aquilo que representa e aquilo que é representado; por
outro lado, a representação como exibição de uma pre-
sença, como apresentação pública de algo ou alguém.
No primeiro sentido, a representação é instrumento de
um conhecimento mediato que faz ver um objeto ausen-
te através de sua substituição por uma “imagem” capaz
de o reconstituir em memória e de o figurar tal como é.
(CHARTIER, 1990, p. 20).

Olhando para a explicação de Chartier, compreendemos que


representação social da mulher está relacionado a forma de como
o sexo masculino definiu ou construiu a imagem da mulher na so-
ciedade. Em outras palavras, como ela passou a ser enxergada pelo
homem. Ora, se homem determinava que seu sexo era detentor de
poder sobre o sexo feminino, logo, isso nos infere saber que o sexo
masculino representava socialmente as mulheres como detentora
de uma natureza fraca e sujeita ao pecado, de incapacidade intelec-
tual, de ser biologicamente inferior, o que Beauvoir mais tarde iria
definir de “o segundo sexo”.
Nesse viés, ao fazermos uma radiografia historiográfica nota-
remos que o lugar social em que as mulheres se encontravam fez
com que suas escritas ficassem a margem da valorização intelec-

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tual. Como diz Ana Colling “A história das mulheres é uma his-
tória recente, porque, [...] o seu lugar dependeu das representações
dos homens, que foram, por muito tempo, os únicos historiadores”
(2004, p. 13). Tal prerrogativa masculina faz jus a uma comparação
de homem ligado à cultura e mulher à natureza. Ou seja, desde
a persistência da antiga tradição intelectual, o sexo masculino é
atrelado ao universo da cultura racional, da objetividade e ao pú-
blico. Enquanto que o feminino relaciona-se à natureza emocional,
subjetiva e privada.
Essa antiga tradição, uma das principais, o campo da religião,
serve como base de referência de normas e condutas sociais, desde
a formação do livro da Bíblia até o século XIX, encontraremos a re-
presentação da mulher sendo inferiorizada quando comparada ao
sexo masculino, onde o valor que elas possuíam eram somente de
ser mãe, procriar e servir ao seu marido: “[...] o homem não foi feito
da mulher, e sim a mulher, do homem. Porque também o homem
não foi criado por causa da mulher, e sim a mulher, por causa do
homem” (PAULO, 11:8-9 apud BÍBLIA SAGRADA, 1993, p. 142).
E, consequentemente, a mulher passou a ser tachada de inferior
não apenas no lar, mas, no espaço público:

Como em todas as igrejas dos santos, as mulheres es-


tejam caladas nas igrejas; porque lhes não é permitido
falar; mas estejam submissas como também ordena a
lei. E, se querem aprender alguma coisa, perguntem em
casa a seus próprios maridos; porque é indecoroso para
a mulher o falar na igreja. (PAULO, 14:33-35 apud BÍ-
BLIA SAGRADA, 1993, p. 144).

Na medida em que se tecia todo esse estereótipo sobre as mu-


lheres, o poder masculino, por séculos, passou a determinar, sob
métodos reproduzidos da Igreja, que o sexo feminino foi dividido
somente entre dois ramos: a mulher enquanto sexo e a mulher en-

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e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
quanto sexualidade, como explica Foucault em História da sexuali-
dade (1988). Ou como Foucault fala em Microfísica do Poder: “Vocês
são apenas o seu sexo, dizia-se a elas há séculos” (1984, p. 131). Esses
paradigmas estão ligados a fatores vinculados à cultura dominante,
ao poder de submissão, ao sistema patriarcal e a inserção predomi-
nante da ideologia de que mulher nasce para ser dominada.
Por isso, é diligência das mais árduas tentar dar uma roupa
exata para o conceito de sexo feminino. Tal conceito que, muitas
vezes, parece está preso em nossas mãos, “avulta e passeia, sinuoso
e esquivo, por todos os campos do saber” (VANNUCCHI, 1999, p.
22). Quanto mais retroagirmos no tempo, mais a definição desse
sexo parece se fragmentar. O que nos leva a crer que a diferencia-
ção entre homem e mulher não está apenas na fala do homem, mas
também de acordo com as instituições de poder em que as opera
(FLORESTA, 1989).
Na verdade, se olharmos bem para a historiografia, desde os
vestígios produzidos na Bíblia até o século XIX, perceberemos que
o homem não procurava conceituar a mulher, saber o que, real-
mente, ela é na sociedade, mas, dar uma representação social para
o sexo feminino. A questão é que tal representação social não é
universal, muito menos a mesma no percurso do tempo. Permuta-
se das variadas formas de acordo com a época vivida, como afirma
Maílson Melo que “os sujeitos na história são forjados com base
num plano simbólico que se dá através da linguagem e das institui-
ções construídas e legitimadas pela fala autorizada e competente
de um lugar de poder” (2014, p. 225).
Em outras palavras, a mulher passou a ser movida não pelo
seu grau de pensar ou como sujeito ativo da história, mas, à medi-
da que, cada época atribuía ao seu sexo determinada representa-
ção que achasse conveniente. Enquanto que o homem desde o seu
nascituro, não importando a década ou o século, tinha enraizado
na sociedade, que sua natureza está destinada biologicamente a

“Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
27
virilidade, a dominar, proteger e ser o único porta-voz em qual-
quer ambiente, a mulher era moldada de acordo com a cultura e
normas de seu tempo.
Neste bojo, a mulher brasileira, nos meados do século XVIII
ao XIX, foi forjada e legitimada através de uma linguagem institu-
cionalizada do poder masculino, na qual tanto a representação da
mulher como a própria escrita feminina foi vítima da reprodução
do sistema patriarcalista e da patronagem, “cujo legado ainda pesa
sobre a sociedade brasileira” (VIOTTI, 2007, pp. 493-4).
No século XIX, segundo os estrangeiros que passaram pelas
terras do Brasil descreveram o sexo feminino não as analisando de
acordo com a cultura de seus países de origem, mas sim de acordo
como eles viram o homem brasileiro construindo o comportamen-
to delas dentro dos recintos familiares. Para esses viajantes a mu-
lher era vista conforme descrevera Emília Viotti:

[...] A imagem da mulher era de uma mulher quase


criança, vivendo seus primeiros anos sob a tutela de um
pai despótico e, mais tarde, sob o controle estrito do
marido, ao qual, de acordo com o costume, a lei e a re-
ligião, ela devia total obediência. [...] uma mulher com
pouca ou nenhuma educação e iniciativa, que aspirava
apenas ao casamento e à maternidade, cuja honra era
definida quando jovem pela sua virgindade e, mais tar-
de, pela lealdade ao marido: uma mulher cujos horizon-
tes iam pouco além das paredes de sua casa, onde vivia
e morria prematuramente, matrona, rodeada por mem-
bros de sua família e por seus escravos. [...]. (VIOTTI,
2007, pp. 493-94).

Para compreendermos a dimensão de como a mulher foi re-


presentada socialmente, dependente do marido, sem voz e direitos
a quase nada, e que somente o patriarca tinha forças de se mani-

28 “Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
festar em nome de sua esposa ou de suas filhas, é só observarmos
o livro Direito da Família de 1869 publicado pelo jurista e membro
do Parlamento imperial, Lafayette Rodrigues Pereira, válida para
todas as províncias, ao explicar no livro que o homem tem o total
direito de exigir obediência de sua mulher, sendo obrigada a aco-
modar seus sentimentos aos dele em tudo o que fosse honestamen-
te perante a lei. No capítulo primeiro da segunda seção, parágrafo
38, Lafayette escreve:

Relações de direitos entre o marido e a mulher; poder


marital e incapacidade da mulher:
§ 38: Não poderia a sociedade conjugai subsistir regu-
larmente se o poder de dirigir a família e reger-lhe os
bens não estivesse concentrado em um só dos congujes.
Sem esta creação surgirião diariamente conflictos que,
não achando solução prompta, entreterião no seio da fa-
mília perpetua perturbação. Desta necessidade resulto a
formação do poder marital, cuja denominação provem
de ter sido elle exclusivamente conferido ao marido,
como o mais apto pelos predicados do seu sexo para
exerce-lo. O marido figura na cena jurídica debaixo
de tres caracteres: como chefe da sociedade conjugal;
como socio com direitos seus, e finalmente como repre-
sentante da mulher em tudo que diz respeito aos di-
reitos e interesses particulares della. O direito de exigir
obediência da mulher, a qual é obrigada á moldar sua
acções pela vontade delle em tudo que fôr honesto e
justo. (LAFAYETTE, 1869, pp. 68-70). (Grifos do autor).

O acurado quadro que esta livro em forma de lei repassa é


do retrato da mulher dependente, única e exclusivamente do ho-
mem, mostrando, assim, as formas de como o poder masculino
se constituía sobre o sexo feminino. A citação retirada dos princí-

“Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
29
pios jurídicos civis de Lafayette, além de denunciar claramente as
condições vividas por essas mulheres brasileiras, em que mesmo
o século XIX se aproximando de seu fim, ainda, produzia leis ou
qualquer outros tipos de documentos que, de alguma forma, pu-
dessem servir para reger ou até moldar a vida das mulheres, seja
qual fosse a faixa etária.
Maria Beatriz Nizza da Silva, ao estudar cultura e sociedade
do Rio de Janeiro de 1808 a 1821, faz um apanhado geral sobre o
Brasil no século XIX até as primeiras décadas do século XX, obser-
vando, inclusive, a condição social da mulher. Explica que:

[...] A mulher devia obediência ao marido; [...]. A condu-


ta da mulher obedecia a um controle muito rígido: bas-
tavam umas saídas a passeio para que fosse dada como
“perdida”, ao passo que a conduta do marido era sempre
encarada com benevolência, fosse ele briguento, bêbado
ou amancebado. [...]. (SILVA, 1977, p. 99).

Esta imagem de submissão foi produzida, reproduzida, e,


mais tarde, repassada por uma gama de historiadores que oculta-
ram as transformações do comportamento da mulher. As mudan-
ças e experiências femininas foram sendo ignoradas por grupos
sociais elitizados e pela própria historiografia brasileira, em que
foram substancialmente sobrecarregadas de interesses da intelec-
tualidade masculina como afirma Viotti: “Os romancistas, com
raras exceções, pouco fizeram para alterar essa imagem. Os histo-
riadores [...] por muito tempo não a consideraram digna de aten-
ção” (2007, p. 493-94).
É inegável que o sexo feminino foi vítima da opressão e da
passividade de seus senhores maridos. “Submissão e resistência
sempre fizeram parte da vida das mulheres” (STREY, 2000, p. 9),
devemos perceber os desvios que a historiografia produzida sob o

30 “Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
olhar masculino, tentou ignorar, omitir ou minimizar. Este tipo
de historiografia ignorou as mulheres que viveram sobre a exceção
da regra: as protofeministas que surgiram no século XIX (VIOT-
TI, 2007, p. 496), as mulheres que recusaram casar com homens
de 20 e 30 anos mais velhos, escolhidos pelos seus pais – tudo
por amor ao dote. Sem falar daquelas que escolheram a solteirice,
como diz Viotti, “preferiram um casamento por amor e não por
conveniência” (2007, 497).
Nesse sentido, muitas mulheres vivendo entre mocambos e so-
brados fechados que senhores, pais e maridos, mesmo por séculos,
impedindo que o sexo feminino interviesse na vida pública e priva-
da, como acesso à educação, sufrágio, cargos públicos, privando a
sua própria dignidade, se rebelaram contra esse sistema misógino,
escrevendo obras e textos de todos os gêneros literários e dos mais
variados assuntos, procurando fazer parte do movimento de inde-
pendência, antiescravocrata e republicano, procurando fazer parte
da história, e não somente fazer, mas criar a sua própria história
buscando a valorização do seu sexo e reconhecimento social.
Este estudo “ESCRITOS EM MIGALHAS”: O SEXO FEMI-
NINO EM BUSCA DA EDUCAÇÃO FORMAL E DE ESPAÇOS
NA LITERATURA NO MARANHÃO OITOCENTISTA come-
çou na construção de um artigo resumido que apresentei no II
Seminário de Memória organizado pelo IHGC e CESC/UEMA
(2015) sobre o sexo feminino de uma forma não aprofundada. De-
pois da apresentação comecei a criar gosto pelas categorias “gêne-
ro”, “sexo” e as diferenciações entre masculino e feminino quando
analisadas dentro do âmbito social, religioso e político. Meu desejo
de aprofundar o tema foi fluindo, ainda mais, quando passei a en-
xergar que no Brasil, no século XIX, a mulher foi representada e
reproduzida entre aqueles que tentavam determinar e definir como
o sexo feminino iria se portar na sociedade, tanto nos espaços pú-
blicos como dentro de seus lares. Quando passei a estudar algu-

“Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
31
mas escritoras maranhenses, principalmente, quando meu olhar se
deslizou fixamente em duas mulheres muito importantes no Ma-
ranhão: Maria Firmina dos Reis e Laura Rosa. Foi a luz no túnel
que eu precisava para enxergar que deveria prosseguir neste objeto
de estudo a ponto de se tornar trabalho de conclusão de curso, no
qual o seu fim seria a possibilidade de transformá-lo neste livro.
De forma surpreendedora, os rastros documentais escritos por
elas – Maria Firma dos Reis e Laura Rosa –, exalando seus sen-
timentos por uma educação que não fosse excludente e desigual,
buscando, constantemente, entrar para o gênero literário que até
então fazia parte, somente, o sexo masculino, me proporcionou en-
tender os motivos reais de tantos percursos e percalços das mulhe-
res maranhense do século XIX.
A verdade é que tanto os escritos deixados por Laura Rosa e
Maria Firmina dos Reis como a própria trajetória de vida destas
duas mulheres acabaram sendo minha ponte, ou melhor, minha
principal referência de interpretação do porquê das escritoras ma-
ranhenses buscarem as letras como um livramento que poderia
tirá-las do jugo opressor do poder masculino.
Por conta dessa disputa que, a mulher começou a tomar voz,
mais precisamente na segunda metade do século oitocentos, perce-
bemos que o campo feminino aos poucos começou a ganhar novos
espaços na educação e na literatura, apesar de muitas vezes, o sexo
masculino tentar impedir a expressão da mulher por nenhum meio
de veículo impresso, como os jornais e obras de qualquer gênero,
visto que, a maioria das literaturas do sexo feminino era datada de
realidades vividas por elas, traçadas pelo verbo local, como prazer
sexual feminino reprimido, exclusão dos negros, rejeição social de
classes inferiores, anseios políticos e públicos, instabilidades eco-
nômicas, dentre outros.
Cabe ressaltar que, devido à falta de maiores publicações e
pela escassez de materiais divulgados de várias escritoras mara-

32 “Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
nhenses nascidas no século XIX, temos como objetivo geral ana-
lisar a trajetória de algumas escritoras oitocentista, frisando com
maior rigor duas escritoras: Laura Rosa e Maria Firmina dos Reis,
que serviram como símbolo do poder emancipatório, valorização
do sexo feminino e reconhecimento social. Como objetivos especí-
ficos compreender as formas e métodos de educação para o “bello
sexo” no Maranhão oitocentista e discutir as contribuições de Ma-
ria Firmina dos Reis e Laura Rosa para o Maranhão e, esta última,
principalmente para Caxias2.
Para entendermos as transformações econômicas e adminis-
trativas pelas quais o Brasil passava a partir dos meados do século
XVIII e mais ainda no século XIX, afetando o Maranhão no edu-
cacional e social, recorri a historiografia brasileira e maranhense
na qual esclareceu minhas ideias. Pude perceber que a educação
atrelada fortemente a classe elitista, excluindo assim, negros, escra-
vos, o sexo feminino e aqueles que não tinham recursos suficientes
para pagar o ensino das primeiras letras ou até mesmo estudar na
Europa. Leituras como História do Maranhão (2008) e Panorama
da literatura maranhense (1955) de Mário Meireles; Formação do
Brasil Contemporâneo (1961) de Caio Prado Jr.; História geral da
civilização brasileira: a época colonial (1989) de Sérgio Buarque de
Holanda; A reforma pombalina dos estudos Secundários no Brasil
(1978) de Antonio Andrade; História do Maranhão: novos estudos
de Wagner Cabral da Costa (2004); Historiografia Maranhense: dez
ensaios sobre historiadores e seus tempos (2014), organizada por
Bitencourt e Galves; Da Monarquia à Republica (2007) de Emília
Costa; Política e educação de elite (2002) de Maria Xavier; dentre

2 Apesar desses impasses da escassez de materiais das escritoras no Maranhão oitocentos, ainda
assim, encontraremos em jornais e livros, muitos deles, pelo desgaste do tempo, estão incompletos,
várias autoras do século XIX. Destaca-se, no Maranhão, além da escritora Laura Rosa e Maria Fir-
mina dos Reis, Mariana Luz (1870-1960), educadora, teatróloga e escritora, sendo uma das figuras
mais expressivas da literatura itapecuruense, publicando o livro Murmúrios, que mais tarde foi
reconhecida pela Academia Maranhense de Letras.

“Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
33
outros autores, foram de grande importâncias para subsidiar in-
formações precisas para este estudo.
Na busca de entender a formação literária e dos impressos no
Brasil, principalmente, na província maranhense, e toda a com-
posição dos discursos impressos construídos por muito tempo
pelo sexo masculino, com raríssimas exceções discursos feito por
mulheres, no qual que os grupos literários eram fechados apenas
para homens das letras, e ainda, na tentativa de compreender quais
os tipos de discursos eram produzidos, tanto pelo sexo masculi-
no quanto pelo feminino, a partir da metade do século XIX, tive
como apoio as obras de A literatura maranhense (1912) de Antô-
nio Carvalho; Formação da literatura brasileira (2000) de Antonio
Candido; História da imprensa no Maranhão (1821-1925) (1959) de
Antônio Lopes; A mulher e a literatura (1989) organizada por Rita
Schmidt; Sessenta anos de jornalismo: a imprensa maranhense Joa-
quim Serra; História da Imprensa no Brasil (1999) de Nelson Sodré;
Exclusão e inclusão de vozes femininas na história da literatura bra-
sileira (2011) de Algemira Mendes, dentre outros autores.
Por fim, para entender a formação do pensamento masculino
em relação ao feminino, regulando as ações do cotidiano na vida
privada e pública das mulheres, seguindo normas e comportamen-
tos sociais regidas sob uma lei patriarcal, como a mulher passou a
ser representada pelo sexo masculino desde o lar até os ambientes
públicos e como foi definida/construída a imagem das mulheres no
século XIX, como a sociedade dominante leu as novas práticas fe-
mininas penetrando nos jornais e publicando obras com discursos
abolicionistas, antimonarquismo, exaltando os grupos excluídos
– negros, mulheres e os que não eram de famílias abastadas, tive
como apoio as abordagens bibliográficas de Elizabeth Abrantes em
Fazendo Gênero no Maranhão: estudo sobre mulheres e relações de
gênero (2010) e A educação do “Bello sexo” em São Luís na segunda
metade do século XIX (2014); Direito das mulheres e injustiça dos

34 “Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
homens (1989) de Nísia Floresta; A Construção histórica do femi-
nino e do masculino (2004) de Ana Colling; Histórias do Cotidia-
no (2001) e História das Mulheres no Brasil (2008) de Del Priore;
Minha História das Mulheres (2007) de Michele Perrot; Escritoras,
Escritas, Escrituras (2008) de Norma Telles; Uma Análise das Re-
presentações sobre as Mulheres no Maranhão da Primeira Metade
do Século XIX a Partir do Romance Úrsula de Maria Firmina dos
Reis (2013) de Melissa Mendes, dentre outros autores.
Como embasamento teórico peguei emprestado os conceitos
de Peter Burke em A Escrita da História (2011) e História e Teoria
Social (2002); Domínios da História (1997) de Ciro F. Cardoso e
Vainfas; A Escrita da história (1982) de Michel de Certeau; História
Cultural: entre práticas e representações (1990) de Roger Chartier;
Michel Foucault em Microfísica do poder (1984), História da Sexua-
lidade I (1988), Arqueologia do Saber (2008) e A ordem do discurso
(1996); Bourdieu em Razões práticas (1996) e Dominação masculi-
na (2002); Rüsen em Rescontrução do passado. Teoria da história
II (2010); Thompson em A voz do passado (1992); Pesavento em
História e História Cultural (2008), dentre outros autores.
Este estudo foi dividido com uma introdução e três capítulos,
apresentados na seguinte forma:
O primeiro capítulo intitulado “GRITOS FEMININOS!”: A
AUSÊNCIA DA MULHER NA EDUCAÇÃO FORMAL E NOS
ESPAÇOS LITERÁRIOS NO MARANHÃO (1759-1844) tem
como cenário inicial a discussão da ausência feminina na educação
formal e compreensão de como era transmitida a educação para as
moças, visto que não havia estabelecimentos com finalidades exclu-
sivas para o ensino das letras as mulheres. Nesse primeiro momento,
temos como recorte temporal o início da administração pombalina
até o aparecimento da primeira escola voltada apenas para as mulhe-
res. Recuamos um pouco no objeto de estudo porque tal recuo nos
ajuda a enxergamos como se processou a educação no Maranhão.

“Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
35
Em seguida, ainda no primeiro capítulo, trabalhamos a forma-
ção dos primeiros impressos no Maranhão, de livros, principalmen-
te de jornais, onde percebemos pouca aceitação feminina, visto que,
além de poucas possuírem certo grau de conhecimentos, somente
grupos de homens letrados formavam os impressos literários.
Por fim, na última parte desse capítulo discutimos a chegada
da primeira escola para o sexo feminino no Maranhão em 1844,
buscando enxergar se a escola de Dona Martinha de Abranches
trouxe novos comportamentos e práticas para as mulheres na so-
ciedade maranhense.
O segundo capítulo intitulado MARIA FIRMINA DOS
REIS: ‘UMA MARANHENSE’ QUE SE TORNOU MULHER
ATRAVÉS DA LITERATURA E DA EDUCAÇÃO!, apresenta-
mos a biografia de Maria Firmina dos Reis, resgatando as publi-
cações em periódicos que consegui coletar, tendo como recorte
temporal o seu nascimento em 1825 até sua morte em 1917. No
segundo momento do capítulo, trabalhamos duas obras dessa es-
critora e educadora: Úrsula e A Escrava, nas quais que essas discu-
tem as relações de poder, escravidão, cultura, costumes, exclusão
feminina e dominação masculina no Maranhão do século XIX.
O terceiro e último capítulo intitulado DA FOLHA MAIS
FAMOSA DA RAMAGEM, DESCEU NAS ÁGUAS E RESTA
DA VIAGEM O LABIRINTO CAPILAR DA TINTA: LAURA
ROSA ENTRE POESIAS E A ARTE DE EDUCAR OS CAXIEN-
SES, tem como foco principal a construção biográfica de Laura
Rosa. Aqui, senti a necessidade da utilização da história oral para
dar um melhor auxílio na construção da biografia de Laura Rosa,
entrevistando o professor Manoel de Páscoa Medeiros Teixeira, co-
nhecido como professor Passinho, a professora Alzira Gomes da
Silva, conhecida como Tia Alzira ou professora Alzira e o escritor
Wybson Carvalho, que foi por muito tempo presidente da Acade-
mia Caxiense de Letras. Todos conheceram, pessoalmente, essa

36 “Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
educadora e poetiza. Analisamos, também, como foi sua atuação
enquanto professora em Caxias-MA, suas publicações, entre elas,
As Crianças de 1909.
A história oral serviu-me no terceiro capítulo como metodo-
logia eficaz para preencher as lacunas que os documentos escri-
tos sobre Laura e a formação da instrução educacional pública de
Caxias, a partir do século XIX, não conseguia responder, pois, a
história oral nos permite de maneira viabilizadora, recordar lem-
branças e juntar experiências individuais e coletivas, como uma
verdadeira fonte historiográfica.
As autoras Marieta de M. Ferreira e Janaína Amado em Usos e
abusos da história oral, dão uma excelente explicação sobre o sen-
tido da importância do uso da história oral, conforme é visto no
texto abaixo:

[...] o objeto de estudo do historiador é recuperado e re-


criado por intermédio da memória dos informantes; a
instância da memória passa, necessariamente, a nortear
as reflexões históricas, acarretando desdobramentos
teóricos e metodológicos importantes. [...] O uso sis-
temático do testemunho oral possibilita à história oral
esclarecer trajetórias individuais, eventos ou processos
que, às vezes, não têm como ser entendidos ou elucida-
dos de outra forma: são depoimentos de analfabetos,
rebeldes, mulheres, crianças, miseráveis, prisioneiros,
loucos... São histórias de movimentos sociais populares,
de lutas cotidianas encobertas ou esquecidas, de versões
menosprezadas; essa característica permitiu inclusive
que uma vertente da história oral se tenha constituído
ligada à história dos excluídos. (AMADO; FERREIRA,
1998, pp. XIV-XV).

“Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
37
Ainda abrindo um leque de explicação sobre história oral e
fontes orais, segundo o historiador inglês marxista Edward Palmer
Thompson:

A história oral não é necessariamente um instrumento


de mudança; isso depende do espírito com que seja uti-
lizada. Não obstante, a história oral pode certamente
ser um meio para transformar tanto o conteúdo quan-
to a finalidade da história. Pode ser utilizada e revelar
novos campos de investigação. (THOMPSON, 1992, p.
22). (Grifos do autor).

Ao utilizar a história oral como uma forma de compreender


certas divergências na produção do último capítulo, concordo com
o pensamento thompsiano, pois o motivo pelo qual utilizei as fon-
tes orais, neste caso, os sujeitos como testemunhas do passado, não
foi para mudar o percurso histórico, mas, para analisar verdades
do passado tidas como absolutas e, consequentemente, quebrá-las
ou reafirmá-las.
Essas verdades reveladas através das narrativas dos sujeitos
entrevistados, trazidas do passado para o presente através da me-
mória de quem as vivenciou, diretamente ou indiretamente, devem
ser analisadas com zelo e cuidados necessários, pois, elas vem car-
regadas do presentismo, marcadas, muitas vezes, pela subjetivação.
Deixa claro Jacques Le Goff “que, antes de ser falada ou escrita,
existe uma certa linguagem sob a forma de armazenamento de in-
formações na nossa memória” (1990, p. 426).
Dessa forma, para que não ocorra a subjetivação, explica Cer-
teau que no primeiro momento da pesquisa “tudo começa com o
gesto de separar, de reunir, de transformar em ‘documentos’ cer-
tos objetos distribuídos de outra maneira” (1982, p. 81) que depois,
o pesquisador não confrontando as lembranças dos sujeitos, mas

38 “Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
questionando-as, tem a função de decifrá-las de maneira objetiva e
distante do objeto estudado.
Ainda segundo Le Goff, é importante a busca dos fatos histó-
ricos ocorridos no passado a partir da memória dos sujeitos porque
torna a linguagem falada em escrita e com as possibilidades de ar-
mazenamento da nossa memória “[...]pode sair dos limites físicos
do nosso corpo para estar interposta quer nos outros quer nas bi-
bliotecas” (LE GOFF, 1990, p. 426).
Quanto à metodologia que foi desenvolvida para alcançar os
objetivos no corpo geral deste estudo, se realizou uma pesquisa do
tipo exploratória, já em relação à natureza das fontes foram usadas
fontes primárias, secundárias e orais. A coleta de dados documen-
tal primária se deu por via de pesquisas hemerográficas, ou seja,
jornais impressos e digitalizados. Outros documentos primários
utilizados, principalmente, no primeiro capítulo, foram os esta-
tutos, leis e decretos do século XIX. No caso dos documentos se-
cundários, foram as bibliográficas e trabalhos acadêmicos (artigos,
monografias, dissertações e teses) que serviram como base teórica
e conceitual desse estudo.

“Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
39
C APÍTULO I

“Gritos femininos!”: a ausência


da mulher na educação formal
e nos espaços literários no
Maranhão (1759-1844)
“Enquanto pelo velho e novo mundo vai ressoando o
brado – emancipação da mulher – nossa débil voz se
levanta na capital do Império de Santa Cruz, clamando:
Educai as mulheres!”. (Nísia Floresta, 1853)

Figura I: “Moça lendo em Itu (1892)” desenhada pelo pintor


brasileiro José Ferraz de Almeida Jr. Fonte: https://peregrinacultural.
wordpress.com/tag/jose-ferraz-de-almeida-junior/.

“Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
41
O presente capítulo tem como objetivos analisar a ausência
da mulher na educação formal e nos veículos impressos, tanto
nos jornais como nos livros, tem como recorte temporal a partir
da metade do setecentismo até a segunda metade Maranhão oi-
tocentista. No primeiro momento do capítulo, analiso a ausência
de escolas formais para o sexo feminino compreendendo, assim,
quais as formas e métodos de transmissão da educação feminina
no período que entra em cena Marquês de Pombal (1759 até 1844)
quando foi criada a primeira escola formal exclusivamente para
as mulheres. Para isso, é preciso elencarmos, respectivamente, três
pontos cruciais:

a) Como não havia estabelecimentos educacionais com fina-


lidades exclusivas para o ensino das letras as mulheres, as casas de
recolhimento3, os conventos e alguns poucos asilos que existiam,
acabavam que assumindo essa responsabilidade. Por isso, ao procu-
rarmos entender como se deu as formas e métodos de educação para
as moças na ausência de escolas no Maranhão, um dos caminhos é
tecer a formação estrutural e administrativa desses recolhimentos,
compreendendo, assim, desde as suas finalidades e objetivos;
b) com o avançar das mudanças socioculturais, depois da ex-
pulsão dos jesuítas, os recolhimentos passaram a receber normas
e regimentos para as moças, vindas agora da igreja e do Estado,
sendo que, mesmo assim, as funções sociais continuavam pratica-
mente as mesmas durante o período de Marques de Pombal, per-
durando por longas décadas do século XIX;
c) os colégios até então existentes só eram construídos para o sexo
masculino e os poucos recolhimentos que existiam, como veremos,
com detalhes, no decorrer do capítulo, excluíam algumas moças.

3 As casas de recolhimento também são conhecidas pelos nomes de “recolhimentos” ou “casas das
educandas”. O entendimento sobre o conceito e o que representou os recolhimentos será visto
neste capítulo.

42 “Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
No segundo momento desde capítulo, trabalho a questão de
como se formou os primeiros impressos, principalmente, os heme-
rográficos no Maranhão oitocentista (1808-1840), compreendendo
os motivos de tantas dificuldades para a divulgação. Analiso quais
os objetivos ideológicos desses impressos. Esse estudo ajuda a en-
tender sobre a formação dos primeiros impressos em paralelo com
a exclusão de publicações do sexo feminino. Isso porque o Mara-
nhão, assim que, surgem as primeiras veiculações de jornais auto-
rizadas pelo Estado, iniciada em 1821 com o Jornal O Conciliador
do Maranhão, foi ao mesmo tempo que iniciava o período áureo da
literatura, e como veremos, os espaços literários foram sendo con-
solidados por grupos de homens letrados, como explica Carvalho
(1912), o Maranhão oitocentista passou, não somente, por uma ge-
ração, mas, por três gerações, chamados também de ciclos, sempre
formadas apenas pelo sexo masculino. Estes grupos foram tão pre-
sentes que São Luís chegou a receber o nome de Athenas Brasileira.
Para finalizar o capítulo, discorro sobre a chegada da primei-
ra escola para o sexo feminino, no Maranhão em 1844, analisan-
do se esta trouxe novas práticas e representações para a mulher
na sociedade.

1.1 “Eduquem os homens! E as mulheres?”: formas


e métodos da educação maranhense para o sexo
feminino de 1759 a 1844
Ao fixarmos um olhar crítico sobre o sistema educacional, no
Brasil Colônia, enxergamos o contexto histórico: as formas de en-
sino, bem como as problemáticas e as estruturas inadequadas pela
falta de planejamento do Estado, uma literatura que até 1836 não
era genuinamente brasileira4 e os efeitos que o crescimento e o de-
4 Em 1836, Domingos José Gonçalves de Magalhães, conhecido como Gonçalves de Magalhães, li-
derou um grupo de jovens brasileiros burgueses que se reuniam diariamente em Paris para discutir
a criação de uma identidade cultural brasileira que aconteceria através da literatura. Considerado
como o primeiro a introduzir a geração romancista no Brasil, buscou idealizar, juntamente com

“Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
43
clínio da economia colonial causaram no sistema de ensino. Aqui,
se trata do período áureo da agricultura maranhense, a partir de
1755, e da queda de produtividade, no final do século XIX, após o
fim da Guerra de Secessão (1861-1865).
Outros elementos importantes que a análise sobre o sistema
educacional nos propicia analisar essa problemática são as tradi-
ções e costumes, as práticas e representações sociais e religiosas,
o afastamento e aproximação portuguesa da Colônia ao perceber
que os jesuítas constituíram-se como uma nova ordem de Estado,
a relação entre o Estado e a Igreja Católica e quais eram as reais
intenções das reformas de Marquês de Pombal.
O cenário econômico do Maranhão, no século XVIII, estava
marcado pela pobreza e marasmo. Segundo Mario Meireles (2008),
o Estado presenciava uma extrema miséria, com uma agricultura
rudimentar e atrasada, em que o cultivo do algodão e do tabaco
não passava de suprimentos básicos da sociedade5. O agravo da
economia foi estendido quando a província do Pará passou a plan-
tar, fiar e tecer panos de tecidos de algodão, pois, até por volta de
1724, o monopólio da produção algodoeira era feita, principalmen-
te, pela província maranhense.
Pela falta de estrutura em todos os setores da esfera social e
por causa da fome que assolava a província maranhense, perce-
bemos através dos rastros historiográficos uma produção literária
voltada para cartas de contestações sobre o desprezo e mazelas do

esses jovens burgueses, uma nova significação ao romantismo. “Foram esses jovens intelectuais
que definiram uma literatura nova para o país, um novo plano artístico, uma nova forma de ver
à independência política, cultural e social. É também considerada como marco das ideias desses
jovens, a criação da Revista Niterói, ainda em Paris. Revista em que Magalhães usa o estudo crítico
para estabelecer um ponto de partida para a teoria do nacionalismo literário” (ALMEIDA, 2013,
p. 354 In VAZ e ADLER, 2013). É Crucial destacarmos que foi com Gonçalves Dias, ainda na
primeira geração romancista, que, realmente, consolidou uma literatura genuinamente brasileira,
com poesias indianistas e nacionalistas, “[...] é nessa linha de pensamento que Gonçalves Dias não
deixou se prender pelas regras prescritivas, dando uma improvisação na escrita, reagindo contra os
classicistas e rompendo com a tradição literária [...]” (Ibidem, 2013, p. 355 In VAZ e ADLER, 2013).
5 Para compreender a economia setecentista maranhense é importante um aprofundamento em:
MEIRELES, 2008; COSTA, 2004, pp. 51-80.

44 “Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
Estado, por parte da Metrópole, e também sobre fortes críticas do
sistema educacional vigente.
João Francisco Lisboa, historiador autodidata, político e jor-
nalista, retratou de forma específica a situação econômica e social
do Maranhão colonial como palco da desordem e barbárie, os bur-
gueses e autoridades políticas só se preocupavam em aumentar
suas riquezas por meios desonestos. “Leis confusas, incompletas,
contraditórias, opressivas, [...] para obviar à influência perniciosa
dos princípios gerais dominantes, [...]” (LISBOA, 1990, p. 75) fa-
ziam parte desse quadro político ocioso e corrupto na província
maranhense setecentista.
No que tange as atividades e práticas ilícitas, João Lisboa mos-
tra em seus documentos que tais práticas não abrangiam, somente,
aqueles que administravam a política ou aqueles que gerenciavam
as terras, mas também o seio religioso, como “os frades e eclesiás-
ticos em geral, sem exceção dos príncipes e dignidades da Igreja,
fomentando, por todos os meios, a sedição e a discórdia, e violan-
do, na prática, os princípios de liberdade [...]” (Ibidem, 1990, p. 75).
Mailson Melo (2014), ao fazer uma análise sobre os escritos
deixados por João Lisboa, observa o quanto a província maranhen-
se passava por uma situação lamentável, onde as instruções civis
e morais quase inexistentes, as raríssimas escolas criadas perten-
ciam aos jesuítas, uma economia de subsistência devido às baixas
produtividades manufatureiras e agrícolas, pois, os equipamentos
e técnicas eram grosseiras e rústicas. Já para a época os alimentos
e a carne de gado, além de serem caríssimos, só abasteciam o co-
mércio aos sábados. E, mais ainda, por conta do alto preço dos pro-
dutos, apenas a classe dominante – grandes produtores de terras,
comerciantes, burgueses, administradores políticos da Colônia – é
que conseguiam comprar.

“Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
45
Ainda segundo João Francisco Lisboa, a situação era
tão lamentável que em certas ocasiões até a missa esta-
va ameaçada por falta do vinho e do trigo usado para
fabricação das hóstias, que vinham de Portugal, assim
como o sal; opinião também compartilhada por Cou-
tinho (2004), que sintetiza a situação como um quadro
desolador e infernal. Era comum se passarem dois anos
sem chegar nenhum navio ao porto, e a moeda nessas
terras eram o fio e o pano grosso de algodão; ele chega
a dizer que o soldo da tropa era pago com peixe seco e
farinha. Sobre a urbanização, se é que podemos utilizar
tal termo, vemos aspectos caóticos, como a presença de
casas de taipa e cobertas de palha, as ruas não eram cal-
çadas e se apresentavam cheias de escavações, a cidade se
agrupava em torno dos conventos; numa avaliação geral
do autor, a cidade apresentava todos os sinais de decrepi-
tude. (MELO, 2014, pp. 218-19). (Grifos do autor).

Até meados do século XIX todas as províncias do Brasil Colô-


nia eram regidas pela educação da Companhia de Jesus. Os jesuítas
tinham como princípio norteador evangelizar os filhos dos colo-
nos nascidos no Brasil e os nativos para a fé católica através da ca-
tequese. De fato, atuar como agente educador, transmissor de uma
cultura tida como civilizada, era não apenas transmitir a arte de ler
e escrever para os colonos e “bárbaros ameríndios”, mas, ao mes-
mo tempo, convertê-los ao catolicismo, visto que as escolas jesuítas
tinham como mérito guerrear contra as ideias do protestantismo.
Como uma via de mão dupla, o colonizador português aca-
bava ganhando com essa “educação evangelizadora” sobre os co-
lonos, principalmente dos índios. No pensamento de Boris Fausto
(2002), para Portugal o que interessava mesmo era ver os coloniza-
dos dando lucro ao Estado e que retirar o sujeito da selvageria, da
escuridão pecaminosa significaria oferecer uma vida cristã, dando

46 “Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
a possibilidade da salvação e, ao mesmo tempo, ganharia a escra-
vidão dos ameríndios.
Ainda sobre os estudos do Brasil Colônia feitos pelo autor
Fausto (2002), percebemos que a conjuntura política da Colônia
era formada por dois elementos de decisões bastante lógicos: a Me-
trópole, como o centro de todas as decisões, e a Colônia. E foi nesse
plano que houve o acirramento de brigas entre a Companhia de
Jesus, passando a ser vista como uma nova ordem de Estado e a
Metrópole portuguesa. Umas das causas foram as intensificações
de escravos na Colônia e, aqui no Maranhão, foi presenciada logo
após a criação da Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará
e Maranhão em 1755, pois esta acabou gerando maiores lucros
ao Estado e a burguesia, causando assim uma motivação para a
Metrópole aderir, fortemente, à escravização dos ameríndios e,
consequentemente, contrariar as ordens dos jesuítas. Através des-
se crescimento econômico, os jesuítas, no Brasil colonial, foram,
nada mais do que, frutos da necessidade de uma consolidação do
processo de colonização.
Ao entrarmos para entendimento do processo de criação das
escolas no período colonial sob os domínios jesuíticos, percebe-
mos que a educação tinha como base uma formação de ensino
secundário, de seminários e de sermões, no qual para estruturar
o ensino na Colônia formaram gratuitamente sacerdotes para a
catequese, para depois instruir e educar os indígenas, os mamelu-
cos e os filhos dos colonos brancos. Interessantes destacarmos que
somente a elite colonial mandava seus filhos para estudar Direito
ou medicina na Europa.
Para Luiz Villalta:

A partir de fins do século XVII, foram criados vários se-


minários, em várias localidades da América Portuguesa,
alguns deles episcopais, isto é, dependentes da autorida-

“Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
47
de diocesana: em Belém da Cachoeira e em Salvador, na
Bahia, respectivamente, em 1686 e 1736; em Aquirás, no
Ceará, em 1730; em Belém do Pará, em 1749; em Caxias,
no Maranhão, em 1749; em Guamaré e Simbaíba, em
1754; em Mariana, em 1750; em São Luís, em 1752; em
São Paulo, em 1746; em Paranaguá, em 1755; e na Pa-
raíba, em 1745. Nesses seminários, a influência jesuítica
também foi marcante, sendo um exemplo o Seminário
de Nossa Senhora da Boa Morte, a primeira instituição
educacional mineira, criado em 1748, entregue pelo bis-
po Dom Frei Manuel da Cruza os cuidados do Inaciano
José Nogueira. (2002, pp. 171-84). (Grifos do autor).

Havia uma separação entre os indígenas e os filhos dos colonos


vindos de Portugal ou nascidos na Colônia. Para os índios, a educa-
ção se restringia, somente, ao ato de ler, escrever e receber instruções
do catolicismo. Mas, apesar dessa educação formal ser caracterizada
como básica, veio como uma ruptura das tradições, dos valores e
costumes antigos dos índios. Muitas mulheres e meninas, até aque-
las de famílias abastardas, e crianças negras não tinha acesso dire-
to a educação formal. A educação para elas se limitavam apenas às
aprendizagens domésticas aprendidas dentro do núcleo familiar6.
O ensino da chamada “Primeiras Letras” até meados do século
XVIII estava sob os domínios da Igreja Católica. Sob essa regência,
a preocupação da educação religiosa estava voltada para a forma-
ção humanística dos filhos da nobreza e da burguesia que começa
a surgir na sociedade urbana para que esses pudessem ter acesso as
melhores universidades da Europa7. Essa classe privilegiada tinha

6 Veremos, mais adiante, que com a chegada dos primeiros recolhimentos no Maranhão essa edu-
cação limitada, repassada, apenas, dentro do núcleo familiar e voltada, somente, para as aprendi-
zagens domésticas, se estende para essas instituições que passaram a ensinar, além das tarefas de
cuidar do lar, como o ofício de cozer e bordar, aprender de forma básica a ler e escrever.
7 Quando explicamos que os filhos dos donos de terra e dos grandes comerciantes se educavam antes
mesmo de irem aos colégios jesuítas e depois receberiam uma formação superior no estrangeiro,
tal privilégio era, apenas, para o sexo masculino.

48 “Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
acesso à escola já sabendo ler, escrever e fazer pequenas operações
de matemática, pois a família pagava professores particulares para
seus filhos, como ressalta o autor Antonio S. Banha de Andrade:
“a obrigação de ensinar competia, primeiramente, à família, e tan-
to a Igreja quanto o Estado completava o que ela não conseguiria
por si só” (1978, p. 2). Não havia, até o exato momento, nenhuma
preocupação por parte dessas duas instituições de poder, Igreja e
Estado, levar algum tipo de ensino às famílias menos favorecias,
as crianças, mulheres e escravos, tirando delas o contato com as
chamadas “Primeiras Letras”.
Mas, se o sexo feminino estava carente de educação formal,
existiam as casas de recolhimento e os conventos. Entretanto, vale
lembrar que estas instituições religiosas não tinham os mesmos se-
guimentos de educação dada nos colégios. A finalidade e objetivo
principal para qual os recolhimentos foram construídos, em meios
às contradições das próprias representações e das práticas sociais
vivenciadas dentro desses recintos, era como o próprio nome diz
“recolhimento”, ou seja, recolher, confinar as mulheres e meninas
de todas as idades, que seriam orientadas espiritualmente através
de uma educação puramente religiosa.
Porém, é crucial notarmos que a questão da religião era apenas
um pano de fundo para algumas instituições, como ressalta Perrot
que os “conventos eram lugares de abandono e de confinamento,
mas também refúgios contra o poder masculino. Lugares de apro-
priação do saber” (2007, p. 84). Isso nos deixa claro que em meio
a esse paradoxo social, os recolhimentos eram espaços de poder
sobre as mulheres, e, também, poder das mulheres.
Conventos e casas de recolhimento são muitos assemelhados
na questão de estrutura e finalidades funcionais. Ambas construí-
das em perímetros urbanos e datadas desde o final do século XII.
Os recolhimentos chegaram em Portugal no final do século XV.
Como estes só chegaram ao Brasil Colônia nos finais do século

“Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
49
XVI, a classe senhorial, enviava suas filhas para os recolhimentos
metropolitanos. Muitos recolhimentos só foram construídos pró-
ximos a saída dos Jesuítas em 1759 e outros só puderam ser ergui-
dos no período de Pombal, adotando aqui novas normas funcio-
nais, como é o caso do Recolhimento de N. Sra. da Conceição da
Divina Providência em São Paulo (1774) e o Recolhimento de São
Raimundo na Bahia (1775).
O atraso na criação dessas instituições femininas, nas colô-
nias lusitanas, estava nas medidas impostas pelo Estado português
quando, ao produzir um discurso de poder, mesclava-os entre inte-
resses políticos e econômicos. Outro desafio encontrado foi a falta
de investimentos financeiros, tanto por parte do Estado como pela
própria Igreja. A Coroa, ao permitir a criação dessas instituições,
adotou políticas que não beneficiaram os colonos. Segundo as or-
dens de poder do Estado português, as casas de recolhimento se-
riam construídas e mantidas sob ações particulares.
Para Algranti (1993), mesmo após anos de persistência na
construção de uma enorme instituição protegida com muros al-
tos que impossibilitava a visualização de quem estava fora desse
ambiente, a Coroa portuguesa submetia à proteção real, tomando
cuidado para não se tornar, especificamente, uma casa religiosa8.
Por isso que, percebemos o Estado português controlando e ad-
ministrando os recolhimentos mais forte que a atuação adminis-
trativa da Igreja.
No Brasil, consta-se que o primeiro recolhimento colonial foi
criado em 1576 em Olinda (Pernambuco). O primeiro convento
chega a Salvador em 1644, mas apenas em 1699 que o rei, junta-
8 A explicação da Coroa em querer fazer de tudo para as casas de recolhimento não se tornarem uma
instituição genuinamente religiosa está na questão de povoamento na Colônia. Isso porque, apesar
da colonização portuguesa ser de exploração, o Brasil necessitava de pessoas para administrar as
instituições de poder e muitos homens que vinha da Europa, chegavam ao desconhecido “Novo
Mundo” sem suas mulheres. E como uma das funções dos recolhimentos, principalmente, os con-
ventos, era de voltar a moça religiosa apenas para o serviço da Igreja, a Colônia se preocupava com
os homens europeus, pois talvez não pudessem constituir famílias, ou seja, dificultando o alarga-
mento da população branca ou, ainda, terem filhos de mulheres que trabalhavam nos bordeis, que
eram considerados filhos sem reconhecimento para o Estado.

50 “Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
mente com o papa, autorizou legalmente o funcionamento chama-
do de Convento de Desterro da Bahia.
No Maranhão, essas instituições chegaram bem mais tarde do
que em outras províncias. O primeiro, chamado de Recolhimen-
to de Nossa Senhora da Anunciação e Remédios, só foi fundada
em 1753 pelo padre jesuíta Gabriel Malagrida. Outra instituição
na província maranhense só foi criada bem mais tarde, em 1855,
na regência do presidente Eduardo Olímpio Machado, chamada de
Asilo de Santa Teresa. Mais à frente falaremos com detalhes sobre
essas duas últimas instituições.
Apesar de conventos e casas de recolhimento serem muito
próximas quanto à estrutura funcional, a sociedade, bem como
as próprias mulheres, não viam com o mesmo olhar o significado
social, como ressalta Maria Rodrigues que “[...] os Recolhimentos
não eram Conventos nem escolas, situavam-se a meio caminho
desses dois modelos e serviam a vários propósitos no tocante à vida
das mulheres” (RODRIGUES, 2010, p. 131).
De fato, a clausura feminina nos recolhimentos era um ele-
mento essencial para a organização social e religiosa e, de certa for-
ma, uma maneira de dominação masculina sobre a mulher, pois,
apesar de frisarmos o controle masculino dentro de um espaço pri-
vado familiar, ocorria também no espaço da Escolar, como explica
Pierre Bourdieu que:

[...] o princípio de perpetuação dessa relação de do-


minação não reside verdadeiramente, ou pelo menos
principalmente, em um dos lugares mais visíveis de seu
exercício, isto é, dentro da unidade doméstica, sobre a
qual um certo discurso feminista concentrou todos os
olhares, mas em instâncias como a Escola ou o Estado
[...]. (BOURDIEU, 2002, p. 9).

“Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
51
Isso nos dar a noção de que a vida no claustro transmitia, ou
melhor, representava a própria condição de mulher na colônia
do que simplesmente o ato de devotar. Elemento básico para tal
segregação seria o esforço da ação masculina resguardar a vir-
tude e castidade das moças, para que chegassem ao matrimônio
com identidades de “Virgem Maria”, onde o perigo da desonra
era muito grande.
Outros elementos que, também, caberiam na função desses
recolhimentos, principalmente, nas casas de recolhimento, seriam
amparar órfãos pobres e mulheres desamparadas, ou órfãs abas-
tardas que estavam sem uma tutela familiar, mulheres agredidas e
até aquelas que tinham comportamentos sexuais fora dos padrões
impostos pela sociedade, neste caso, transformando o recolhimen-
to em uma espécie de instituição de amparo social. É nesse sentido
que percebemos que nas casas de recolhimento a forma de educa-
ção transmitida estava voltada mais para educá-las para o casa-
mento do que, propriamente, para a vida religiosa.
Vale ressaltar que as famílias de classe privilegiada economi-
camente na Colônia percebiam que a representação social da épo-
ca era que ser mulher religiosa, voltada apenas para os dotes da
Igreja, recebia certo reconhecimento pela sociedade. Nesse caso,
para as moças que procuravam prestígio na sociedade, os con-
ventos seria o melhor lugar, visto que, as casas de recolhimento
era trazer valores matrimoniais mais do que a própria devoção.
Interessante que além da pureza, que deveria ser mantida antes
e depois da entrada nos conventos, havia pagamento de um dote
para a permanência na instituição.
A partir de 1759, com a expulsão dos jesuítas, a educação pas-
sou a ter novos nortes e modelos de ensino. Isso só foi possível com
as reformas de Marquês de Pombal (Sebastião José de Carvalho e
Melo), que, ao fazer diversas alterações na administração lusitana,
acabou influenciando diretamente o Brasil, como, por exemplo, a

52 “Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
criação da Companhia Geral de Comércio do Maranhão e Grão
-Pará em 1755, modificando a ordem religiosa que antes parecia
imutável, indestrutível, “agora seja encarada como uma “constru-
ção cultural”, sujeita a variações, tanto no tempo quanto no espa-
ço” (BURKE, 2011, p. 11).
No pensamento de Marquês de Pombal, reorganizar a Coroa
portuguesa era, ao mesmo tempo, dar novos progressos capitalis-
tas a Metrópole e, tais progressos só seriam alcançados, à medida
que, as colônias fossem se adaptando aos métodos de sua Metró-
pole. Para isso, Marquês de Pombal percebeu que um dos pontos
fortes que deveria ser alterado na administração colonial seria a
educação. Para o reformador Pombal, a Companhia de Jesus re-
presentava os males de todos os atrasos e decadência educacional
e cultural para a Coroa e suas colônias. Nesse sentido, Marquês de
Pombal começou a passar a imagem da Companhia para a Coroa
como uma espécie de enfraquecimento do poder monárquico.
Isso nos transmite a ideia de que a relação conflituosa entre as
doutrinas jesuíticas e a monarquia de Portugal não se deu, apenas,
no contexto dos métodos pedagógicos e religioso, mas também po-
lítica. Não por acaso, na visão de Teixeira Soares (1961), Pombal
combateu, fortemente, o desinteresse que foi gerado desde o gover-
no de D. João I (1357-1433) ao perceber que o Estado precisava de
reformas necessárias ao funcionamento e estrutura da adminis-
tração, como é o caso da educação de instrução pública, visto que
era privilégio aos nobres, em que, a partir de 1750, no governo de
D. José I, essa administração começou a tomar novos rumos. Para
Ribeiro o então ministro D. José I “orientava-se no sentido de recu-
perar a economia, por intermédio de uma concentração do poder
real, e de modernizar a cultura portuguesa” (1998, p. 30).
Logo bem no início da trajetória o administrador português
Marquês de Pombal adotou medidas tão importantes que muda-
ria completamente o rumo da vida social e religiosa dos colonos,

“Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
53
fazendo com a Coroa ficasse mais próxima do Brasil Colônia.
Através do Alvará de 28 de junho de 1759, Pombal decretou total
destruição da organização da Companhia de Jesus e que todos os
padres se afastassem do ofício de ensinar. Extinguiu o curso secun-
dário de humanidades criado pela Companhia.
Explica Sérgio Buarque de Holanda (1989) que até aqueles que
não fossem jesuítas, mas que ensinassem com métodos religiosos,
deveriam ser afastados da educação. Com o afastamento da Com-
panhia, o ensino seria agora através de aulas régias. Por isso que
antes de tudo foi criado o cargo de diretor de estudos da colônia,
no qual seria um órgão administrativo de orientação e fiscalização
das instituições educacionais, bem como da escolha de professores
para ministrarem as aulas régias. Foi implantadas aulas de gramá-
tica latina, de grego, retórica e comércio.
Porém, apesar dessas mudanças ocorridas nas instituições de
ensino da Colônia, a autora Xavier (1992) faz uma forte crítica a
administração pombalina que, ao tentar impor novas regências
educacionais, financiadas e totalmente administradas pelo gover-
no metropolitano, o que houve na verdade foi um desinteresse em
equipar eficientemente o sistema colonial, planejamentos desestru-
turados e ainda voltados para uma classe dominante:

[...] a educação colonial ficou reduzida a algumas poucas


“Escolas e Aulas Régias”. Nem mesmo a introdução de um
“Diretor de Estudos”, responsável pela administração es-
colar, ou a criação do “subsídio literário”, que nunca levan-
tou recursos suficientes, impediram que essas “escolas”,
insuficientes em qualidade e quantidade, sem currículo
regular e com lições de uma e outra disciplina avulsa, fra-
cassassem completamente. (XAVIER, 1992, p. 22).

Com o avançar das mudanças socioculturais, principalmente,


a partir das primeiras décadas do século XIX, o crescimento e as

54 “Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
transformações no espaço urbano da capital da província mara-
nhense, bem como nas principais cidades do estado, os recolhi-
mentos passaram a receber normas e regimentos para as moças,
não apenas da Igreja, como acontecia no período jesuítico, mas
também de ordem do Estado, sendo que mesmo assim as funções
sociais continuavam praticamente as mesmas de outrora durante o
período pombalino e nem todas as moças poderiam entrar. As dis-
tinções sociais entre as educandas eram bastante visíveis no coti-
diano e nas funções impostas a elas pelas normas das instituições.
A criação da primeira casa de recolhimento, no Maranhão,
deu-se graças ao padre jesuíta Gabriel Malagrida intercedendo
ao rei D. José I por um recolhimento na província. Em Março de
1751, o regente português lança o Alvará de permissão para erigir
no estado do Maranhão e Grão-Pará recolhimentos para instruir
moças convertidas e as não convertidas ao catolicismo. Contudo,
somente, após algumas desavenças entre a autoridade do Bispo
Dom Frei Francisco de Santiago e o jesuíta Gabriel Malagrida,
em Junho de 1752, foi lançada a pedra fundamental num terreno
doado pela Câmara na província de São Luís e no ano seguin-
te inaugura a construção do Recolhimento de Nossa Senhora da
Anunciação e Remédios.
No início da formação do Recolhimento de Nossa Senhora da
Anunciação e Remédios, finais do século XVIII, estava destinada
à educação civil e, principalmente, moral e religiosa às jovens da
elite que viviam à margem do poder masculino por não ter o di-
reito de escolher qual papel social poderia exercer na sociedade,
ficando recolhidas para um futuro casamento. Essa instituição
devido às mudanças de mentalidades da sociedade urbana e pós
-expulsão dos jesuítas, passou a ser regida, não mais apenas pelo
aspecto religioso da Ordem de Santa Mônica, mas também, pela
presença forte do Estado. Não por acaso, o regimento econômi-
co e administrativo passou a seguir os Estatutos organizados em

“Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
55
1840 ou chamados de Estatutos do Recolhimento9 de N. Sra. da
Anunciação e Remédios.
Dentro dessa instituição percebemos dois aspectos importan-
tes. Primeiro aspecto trata sobre a disciplina e a vigilância constan-
te sobre as mulheres. Isso são elementos imprescindíveis para pro-
porcionar a jovem uma boa educação, reputação moral e religiosa,
e que pudessem atingir seus papéis de esposas e mães. Segundo as-
pecto importante é a distinção social que havia entre as educandas.
Segundo o Estatuto de N. Sra. da Anunciação e Remédios, as
moças de classe pobre eram aceitas no Recolhimento a partir dos
sete anos de idade e ficariam até os vinte e um anos de idade, que
durante esse período seriam sustentadas pelas rendas do Reco-
lhimento. Já as de famílias abastadas, além do prolongamento da
idade, onde muitas delas ficavam até o dia do casamento, as suas
despesas ficavam por conta dos pais ou responsáveis.
Outros dois elementos de diferenciação social estavam no ves-
tuário e nos métodos e formas de educação dentro do estabeleci-
mento. No que se referem aos trajes como forma de identificação
de classe social, as educandas pobres, obrigatoriamente, tinham
de usar roupas longas de cor preta, significando que ali dentro do
Recolhimento estavam sob o estado de pureza espiritual e a cor da
roupa significava também que eram sustentadas pela instituição. Já
as educandas de famílias ricas o uso da roupa de cor preta não era
obrigatório, porém deveriam usar vestidos de cor escura e não usar
qualquer tipo de joias no corpo.
Sobre os métodos e formas de educação ensinadas dentro do
Recolhimento de N. Sra. de Anunciação e Remédios as diferencia-
ções também eram percebidas quanto aos objetivos da moça na

9 Segundo a autora Nizza da Silva, todo os recolhimentos pós-expulsão dos jesuítas passaram a ter
um Estatuto. Temos, por exemplo, o Estatuto do Recolhimento de Nossa Senhora da Glória e os Es-
tatutos do Seminário Episcopal de Nossa Senhora das Graças da cidade de Olinda. Afirma Nizza da
Silva que “as meninas eram, portanto, educadas num ambiente de clausura, de fechamento numa
pequena sociedade de pessoas do seu sexo” (1981, p. 72). Para compreender outros recolhimentos
e seus estatutos é importante ver: SILVA, 1981, pp. 68-81.

56 “Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
instituição. De acordo com o Estatuto do Recolhimento de 1840,
“[...] A educação recebida no estabelecimento constava das lições
de primeiras letras e das prendas domésticas. Uma mestra ensi-
nava a ler, escrever, as quatro operações aritméticas e a doutrina
cristã, e a outra mestra ensinava a coser e bordar” (ESTATUTO
DO RECOLHIMENTO, 1840, p. 248 apud ABRANTES, 2014, p.
147). Os métodos de ensino eram proporcionados na mesma pers-
pectiva para as educandas pobres e abastadas. É crucial sabermos
que mesmo o Estatuto deixando explícito sobre o que deveria ser
ensinado dentro do Recolhimento, a utilização dos conhecimen-
tos aprendidos nas aulas diferenciavam-se de acordo com o obje-
tivo de cada moça.
O objetivo de cada educanda estava atrelado à sua condição so-
cial ou matrimonial. Segundo a autora Abrantes (2014), o próprio
Estatuto deixava normas sobre como cada moça deveria utilizar
seus conhecimentos para a instituição ou para benefício próprio.

As educandas pobres deveriam utilizar os conheci-


mentos obtidos nas aulas de prendas domésticas para
realizar alguma “obra proveitosa” para a instituição.
Enquanto isso, o tempo livre das educandas ricas era
ocupado segundo “o costume observado nas casas de
ensino”. (ESTATUTO DO RECOLHIMENTO, 1840, p.
246 apud ABRANTES, 2014, p. 148).

A supracitação não nos deixa dúvidas quanto os mesmos en-


sinos para todas as educandas, mas, que na divisão do trabalho,
dependendo da finalidade de estarem ali dentro do recinto ou da
classe social, o Recolhimento fazia uma distinção entre elas. Por
exemplo, na divisão de tarefas, as educandas pobres aprendiam a
costurar, bordar, fazer flores artificiais para o exercício de um futu-
ro trabalho que pudesse trazer certo ganho financeiro para despe-
sas próprias ou para aumentar a renda do futuro marido. No caso

“Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
57
dessas moças pobres, também caberia o ensino das tarefas domés-
ticas para saber fazer as coisas do lar, como cozinhar, cuidar bem
dos filhos, arrumar a casa e cuidar do marido, principalmente de
sua roupa e como deveria se vestir.
As viúvas já tinham tratamento diferente. Como a maioria das
viúvas já vinha de experiências de cuidar do lar, a preocupação da
instituição estava em proporcionar o mais rápido possível um novo
casamento para elas. Havia preconceito para com as mulheres viú-
vas por parte da sociedade. O preconceito às viúvas ficava menos
aparente quando elas vinham de um casamento rico. Neste caso,
formava-se uma nova comunhão matrimonial alicerçada em inte-
resses e conveniência.
No caso das educandas abastadas o Recolhimento não se
preocupavam em ensiná-las as tarefas domésticas, a bordar e cos-
turar, como futuro meio de sobrevivência, visto que, ao chegar o
tempo de casarem, a família dela e a do rapaz já havia ajustados
acordos entre seus pares. Isso nos faz compreender que a educan-
da poderia ser pobre, de família privilegiada ou órfã, o que mais
interessava no final era a possibilidade de conseguir um marido
que pudesse sustentá-la, como ressalta Abrantes que “[...] o casa-
mento era visto como a única carreira destinada às mulheres, se-
jam ricas ou pobres” (2014, p. 148).
Um século depois da criação do Recolhimento de Nossa Se-
nhora da Anunciação e Remédios, a província maranhense re-
cebe mais uma importante casa de assistência ao sexo feminino.
Em 1854, pela Lei Provincial de nº 376, na então presidência de
Eduardo Olímpio Machado, foi iniciada a construção do asilo,
inaugurado no ano seguinte em 1855, escrito na seguinte forma:
“Azylo de Santa Thereza. – [...] No dia 14 de Março do mesmo
anno inaugurado pelas 5 horas da tarde, em presença de grande
numero de cidadãos, e numa casa espaçosa, situada no largo dos

58 “Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
Remedios e pertencente ao fallecido desembargador Barradas”
(MARQUES, 1870, p. 35)10.
Apesar do nome ‘asilo’ dar uma denotação de abrigo a ido-
sos, doentes físicos ou mentais, seus objetivos no Brasil Imperial
se diferencia do modelo europeu, pois as intenções na província
destinavam-se à educação de moças, principalmente, pobres e des-
validas de proteção tutelar ou desamparadas no matrimônio. Há
indícios que esta instituição, meramente civil, abrigava algumas
filhas de famílias abastadas como forma de pensionato particular.
Isso acontecia como uma forma de arrecadar dinheiro para a insti-
tuição que serviria para calçar os gastos daquelas que não tinham
como se manter no asilo.
No início foi cobrado para as família das abastadas uma quan-
tia de doze mil réis (12$000) por mês. Um valor na época alto.
Depois, foi reajustado, em 1860, para Dezesseis mil réis (16$000),
fazendo com que muitos pais retirassem suas filhas. A intenção
era proteger e abrigar mulheres pobres ou órfãs e aquelas crianças
rejeitadas, ou seja, abandonadas pelos pais na Roda dos Expostos11
da Santa Casa de Misericórdia12. Cezar Marques ressalta a impor-
tância do asilo dizendo que “os fins d’esde estabelecimento, segun-
do as intenções do seu piedoso instituído eram de elevar interesse
que humanitário, que social, e por isso foi tão bem acolhida esta
lembrança” (MARQUES, 1870, p. 35). o autor continua explicando
o objetivo principal do Asilo de Santa Teresa:
10 Cezar Agusto Marques no seu livro Diccionario Historico-geographico da Provincia do Maranhão
de 1870, descreve por completo este Azylo de Santa Thereza, resgatando-o desde a inauguração,
passando pela administração interna e provincial, até o dia que foi extinto. O arquivo está dispo-
nível no Acervo Digital da Biblioteca Benedito Leite – BPBL e impresso no Instituto Histórico e
Geográfico de Caxias - IHGC.
11 A Roda dos Expostos era uma peça cilíndrica arredondada e funda que ficava na porta da institui-
ção, servindo para que os pais que quisessem enjeitar a criança colocassem dentro desse cilindro.
Normalmente os enjeitamentos das crianças ocorriam nas noites, pois as mães não queriam que a
sociedade olhasse a prática do enjeitamento de seus filhos.
12 O Regulamento da Santa Casa de Misericórdia, dizia que as meninas ao completarem sete anos de
idade, deveriam deixar a instituição e ir para o Asilo de Santa Teresa ou para o Recolhimento de
N. Sra. de Anunciação e Remédios para ficar fora de perigo da indigência ou prostituição. A única
imagem da Santa Casa de Misericórdia está arquivada no Jornal Revista Maranhense. Nº 11, ano II,
p. 94. Janeiro de 1917. In: Acervo Digital da Biblioteca Benedito Leite - BPBL.

“Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
59
Azylo de Santa Thereza
O presidente dr. Eduardo Olympio Machado no rela-
tório, que apresentou a assembleia provincial na sessão
de 1854, lembrou a necessidade de crear-se uma casa de
educandas, onde as meninas desvalidas encontrassem
abrigo, proteção e educação, especialmente as orphans
sem amparo e as expostas da Santa Casa de Misericór-
dia, evitando assim a provincia a morte prematura d’es-
sas infelizes crianças, proveniente do abandono e a mi-
seria, ou a sua desmoralisação e prostituição, se chegam
a criar-se. (MARQUES, 1870, p. 35).

Quem regulamentava o funcionamento, administração finan-


ceira, as regras de entrada e permanência no internato era a Assem-
bleia Provincial criando uma espécie de estatuto chamado de Re-
gulamento do Asilo de Santa Thereza. Este Regulamento, definia,
na sua concepção, quais os critério de definição para uma criança
do sexo feminino vir a ser expostas, órfãs e assim ser caracterizada
como rejeitada, antes da menina entrar no asilo era feito uma veri-
ficação por completo na petição pelo Presidente da Província e pelo
Juiz dos Órfãs. “Art. 20 - ter a idade, nunca menor de sete, nem
maior de doze anos; art. 21 – Entre as desvalidas deverão merecer
preferencia as expostas, que a cargo da santa casa de Mizericordia,
as órfãs de pai e mãi, e as que forem só de pai” (REGULAMENTO,
Capítulo III, 1854, p. 75)13.
A idade para entrar nessas instituições não foi escolhida por
acaso. O pensamento oitocentista não deixa lacunas em afirmar
que o intervalo de sete aos doze anos, a criança formava seus hábi-
tos, costumes e, ocorria a sua a formação hormonal. Para o asilo,
até os doze anos, a criança ainda era tida como pura e capaz de

13 Estes dois artigos do Regulamento do Asilo de Santa Teresa regula o art. 23 da lei de nº. 367, de
24 de julho de 1854. Tanto o Regulamento como a lei de nº 367 encontra-se no Acervo Digital da
Biblioteca Benedito Leite.

60 “Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
moldá-la sem muitas complicações suas “faculdades físicas ou do
corpo, intelectuais ou da inteligência, morais ou da vontade” (OLI-
VEIRA, 1874, p. 46) para os princípios cristãos.
Para controlar a superlotação nos primeiros anos, a menina só
poderia ficar até os dezessete anos. Depois veio o artigo III da Lei
Provincial nº 787 de 11 de Julho de 1866 fazendo algumas altera-
ções, em que segundo essa Lei Provincial, o asilo não iria receber
nenhuma menina até que o responsável assinasse um termo de
compromisso de tirá-la da instituição quando completasse, no má-
ximo, 20 anos (vinte anos de idade). A mesma Lei de 1866 dizia que
não era permitida a entrada de mulheres casadas ou qualquer me-
nina cujo objetivo no recinto não fosse designado no Regulamento.
Pela falta de investimentos do Estado e da Igreja, o Asilo de
Santa Teresa começou bem restrito, “a principio constatou 40 pen-
sionistas da provincia” (MARQUES, 1870, p. 35). De 14 Março de
1855 até 31 de Dezembro de 1866, ano que foi entregue o relatório
pelo diretor para o presidente da província, mesmo que, aparen-
temente o crescimento não fosse tão expressivo, esse número já
era o triplo, 127 moças desvalidas e 23 pensionistas particulares.
Das menores desvalidas “morreram 6, casaram-se 10, e foram en-
tregues ao seus paes, tutores e parentes 35. [...] Na qualidade de
pensionistas particulares foram entregues aos seus paes, tutores e
parentes 17” (MARQUES, 1870, p. 37).
No que toca a educação, parecia um pouco do modelo que era
transmitida na N. Sra. de Anunciação e Remédios. No Asilo de
Santa Teresa, o ensino dividia-se em três modalidades ou três clas-
ses de acordo com o Regulamento da instituição.

Art. 1 da lei n° 787, que, alterando a disposição do art. 31


do respectivo regulamento, reduzio o ensino unicamen-
te: 1° a doutrina cristã e deveres Moraes, leitura, princí-
pios geraes de grammatica, escripta, e arithmetica até

“Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
61
fracções: 2° a trabalhos d’agulha: 3° a pratica de traba-
lhos de economia domestica, como casinhar, lavar, en-
gommar. [...] Houve ahi tambem duas aulas de ensino de
desenho e musica, que foram suprimidas pela lei n. 787
de 11 de Julho de 1866. (REGULAMENTO DO ASYLO
DE SANTA THEREZA apud MARQUES, 1870, p. 36).

O sistema de controle e normas de comportamento das internas,


reguladas por regimentos específicos da Casa, visava imprimir uma
disciplina rígida capaz de moldar antigos hábitos e comportamen-
tos. As educandas sabiam que, a todo instante, havia uma vigilância
sobre elas e caso não cumprissem, corretamente, com as normas da
instituição poderiam sofrer advertências ou mesmo punições seve-
ras, como ser mandada de volta à família. A atuação das funcioná-
rias ou daqueles que trabalhavam dentro do asilo, com os olhares a
todo instante sobre essas moças, nos faz lembrar o pensamento de
Michel Foucault, como se ali dentro houvesse uma espécie de vigiar
e punir, como afirma dizendo que “é absolutamente indiscreto, pois
está em toda parte e sempre alerta, pois em princípio não deixa ne-
nhuma parte às escuras e controla continuamente os mesmos que
estão encarregados de controlar” (FOUCAULT, 1987, p. 158).
Essa regra de vigiar sem exceção e sem hora, nos faz retornar
ao Recolhimento de N. Sra. de Anunciação e Remédios, pois, o
Estatuto do Recolhimento alertava que “[...] lançará suas atentas
vistas sobre todas que vivem no recinto deste Estabelecimento, ve-
lando que sejam observados os preceitos do Evangelho, as Leis da
Igreja, que tenham inteira execução os estatutos da Casa [...]” (ES-
TATUTO DO RECOLHIMENTO apud CASTRO, 2009, p. 355).
De uma forma bem compreensível, a presença do poder dentro de
qualquer uma dessas instituições, na forma de mando, obediência
e disciplina, conferia a estabilidade e a decência na administração e
organização da Casa.

62 “Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
Percebemos também, de acordo com a leitura da citação a
seguir, que o Estado, representado pelo Presidente da Província,
passou a interferir fortemente na parte administrativa e jurídica
dentro dessas instituições. Fato que antes da expulsão dos jesuítas
e da reforma de Pombal ficava mais por conta da Igreja. Apesar
delas serem instituídas ainda como um sistema religioso, o Estado
a partir de 1759, principalmente, final do século XVIII início do
século XIX, se insere nas casas de recolhimento e conventos como
pano de fundo, com forças suficientes para criar regulamentos, es-
tatutos, leis e decretos.

[...] Cotidianamente, aquela instituição estabelecia uma


rotina marcada por estudos e orações; o tempo era con-
trolado de modo que todas as atividades do dia fossem
executadas, e as asiladas cumprissem o horário estabe-
lecido para se acolherem aos seus aposentos. [...] a entra-
da de pessoas estranhas na Casa era alvo de controle
por parte da regente e só deveria concretizar-se com a
devida licença do diretor. As asiladas, por sua vez, ao
ingressarem na Casa, só poderiam deixá-las em situa-
ções previamente determinadas como: casos urgentes
devidamente justificados; após casar; por ultrapassar a
idade máxima de permanência; e ainda por indisciplina.
E, na maioria dessas situações, somente com despacho
do Presidente da Presidência. Assim, uma vez dentro do
asilo, as meninas tinham seu espaço de sociabilidade
circunscrito ao espaço físico da instituição. [...]. (RO-
DRIGUES, 2010, p. 101). (Grifos do autor).

A visão de criar uma instituição baseava, muito mais, na ques-


tão da fragilidade do sexo feminino de natureza pecaminosa, e que,
por isso, precisava de mais cuidados que o necessário, ajudando-as
com princípios sólidos de moral e religião, visto que, a prostitui-

“Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
63
ção e a lascividade era frequente entre as mulheres, principalmen-
te, aquelas de classe subalterna. Críticas fortes foram feitas a esse
modelo de regulamento. Os jornais afirmavam, em seus discursos,
que as chamadas “casas das educandas” resolvia um problema,
mas acabava criando outros problemas sociais.
Veja uma forte crítica ao Asilo de Santa Teresa:

Organisação do trabalho.
Educação da mocidade artífice.
Asylo de Santa Thereza.
[...] inteiramente ao abandano a classe mais fraca, e que
sem recursos e principios solidos de moralidade tende-
ria, necessariamente, a encaminhar-se á prostituição,
creou-se o Azylo de Santa Thereza.
O sexo feminino é o mais fraco, e o que encontra mais
difficilmente os meios de prover a sua subsitência pelo
trabalho honesto; [...].
[...].
Em quanto uma moça não tiver os meios para viver do
seu trabalho exclusivamente, em quanto não tiver a vi-
rilidade precisa para não se desvirtuar, ella não está
educada; está apenas no caso de entrar para uma casa
de educação.
Nessas condições o estabelecimento não presta o serviço
que delle havia a esperar; a demoralização continua, [...]
e o povo illudido [...].
O fim do Azylo não pode ser ensinar a cozer, a fazer flo-
res, doces e, isso é necessário, mas não basta.
As educandas devem-se sujeitar á todo serviço, como
qualquer creada na Europa, devem saber fazer todo o
serviço que toca á uma mulher; mas isso não basta. E’
preciso que tenhão uma moralidade muito firme; é

64 “Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
preciso que sejão educadas fora dos prejuizos desta
corrupta sociedade; [...].
Em vez de ao sahirem educadas, virem pesar sobre qual-
quer pae de familia, é preciso dar-lhes uma educação
mais elevada, e faser-lhes comprehender que só estarão
educadas quando, pelo seu trabalho, poderem manter
honestamente a sua subsistencia, qualquer que seja o
trabalho a que devão submeter; porque o trabalho não
deshonra, pelo contrário eleva, e enobrece. [...].
Habituem-se ao trabalho, exercitem-as typografia,
por exemplo, como já se tem feito na Europa, e em
Maranhão [...].
No Brasil, o amparo de uma moça, em geral, é achar quem
trabalhe para ella, se casando. Essa maneira de pensar
está de facto acima da prostituição, mas não é um senti-
mento nobre, como o que deve inspirar as mulheres. [...].
[...] De rigor a mulher actual sympathisa com um homem
e se vende a elle, para gosar a seu gosto da ociosidade e da
frivolidade de espirito que lhe deram seus preceptores;
vende-se a um só homem, mas vende-se. [...]. (JORNAL
O ARTISTA, nº 37, 1868, pp. 1-2). (Grifos do autor).

Segundo o redator, cujo nome não costa no Jornal, ao edu-


car a moça apenas no intuito de guardá-las pura e virginal para o
matrimônio, sem que fossem ensinadas um ofício digno de sobre-
vivência, e não apenas o ensino de cozer ou trabalhar com flores,
preparando-as unicamente para o marido, “que fazia do casamen-
to a única carreira disponível para as mulheres, sendo uma forma
de proteger e estimular a ociosidade feminina” (ABRANTES, 2014,
pp. 151-152), quando chegasse o limite máximo da idade permitida
dentro destas instituições, saiam sem ter nenhum meio de traba-
lho, tendo, muitas vezes, que recorrer à prostituição.

“Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
65
Para as educandas pobres, ficava, ainda mais complicado, pois,
como tinha dito anteriormente, as moças abastadas antes mesmo
de sair do Asilo, os pais já haviam arrumado um noivo, ainda que
por contrato de dotes ou por conveniência, e no caso das pobres, o
casamento para elas era um subterfúgio, ou como ressalta Abran-
tes “uma espécie de prostituição legal” (2014, p. 152), na qual ao se
verem diante de uma sociedade masculina, que excluía a mulher
de qualquer espaço público de trabalho, vender seu corpo para
um único homem por toda sua vida, numa forma de celebração de
contrato matrimonial, se tornava a solução mais viável. Esse plane-
jamento conscientizador ineficiente sobre a mulher causava “não
só a leviandade como a desumanidade com que eram despresadas
tantas meninas, até ali educadas pela província, e, assim entregues
a inevitavel desgraça” (MARQUES, 1870, p. 37).
O Asilo de Santa Teresa nunca teve um local próprio e fixo.
De acordo com Pacheco (1969), o primeiro espaço de moradia foi
numa casa da viúva do desembargador Barradas, perto do Largo
dos Remédios em São Luís. Depois de várias mudanças, “pela lei
provincial de n. 407 de 3 de Julho de 1856, foi destinado predio
provincial da rua Formosa para a residencia do Azylo” (MAR-
QUES, 1870, p. 35), sendo a sua última morada até serem transferi-
das para o mesmo prédio do Recolhimento de N. Sra. de Anuncia-
ção e Remédios. Por conta das altas despesas, crescente número de
novas pessoas na instituição, à falta de apoio da Província, como,
por exemplo, de ajudar o asilo a ter um estabelecimento adequado
fez com que o asilo de Santa Teresa durasse pouco mais de quinze
anos, falindo em 1870 pela Lei Provincial de nº 918.

66 “Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
Figura II: Prédio construído para ser o Recolhimento de N. Sra. de Anunciação
e Remédios em 1870 e concluído em 1871. Acabou sendo uma instituição
mista: Recolhimento, Colégio e Asilo. Fonte: RODRIGUES, 2010, p. 93.

A figura acima mostra o prédio onde funcionou o Recolhi-


mento de N. Sra. de Anunciação e Remédios. A partir de 1870, essa
casa tornou-se mista, pois, passou a ser divida entre Recolhimento,
asilo e colégio14. Cada um com seus estatutos próprios. O Estatuto
do Colégio de 1872 definiu o primeiro andar como uso exclusivo
dele. Para isso foram organizadas salas de aulas, um refeitório para
as educandas, três dormitórios com capacidade de acomodar até
cem moças. No andar de baixo ficou definido que seria o Recolhi-
mento de N. Sra. de Anunciação e Remédios. Quando o asilo extin-
guiu-se, as asiladas foram transferidas para o mesmo prédio fican-
do-as também na parte térrea, só que separadas das Recolhidas.
Por mais que estas casas de recolhimento pudessem oferecer
certo grau de instrução educacional para o sexo feminino, como
ensinar a ler, escrever, incentivando para entrar no campo da escri-

14 Este Colégio foi criado em 7 de Janeiro de 1865, chamado de Colégio de N. Sra. de Anunciação e
Remédios, sempre funcionou dentro do Recolhimento.

“Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
67
ta, e fazer operações básicas/avançadas, o que percebemos de fato é
que estas instituições privilegiavam, muito mais, as doutrinas cris-
tãs, o ensino do cozer e bordar, e a guarda virginal para o casamen-
to. Este descaso das brasileiras, longe do circulo do verdadeiro es-
pírito educacional, que edifica o ser humano e reprimi as mulheres
por querer estarem dentro da mesma sociabilidade que os homens,
é ressaltado por José Cândido, que ao fazer uma biografia de Bisilia
Gozyafliri (1209-1261), educadora de respeito na Bolonha, Itália,
faz uma reflexão e crítica sobre a educação feminina no Brasil do
século XIX: “não podemos deixar de refletir no pouco caso que se
faz no Brasil da educação, e ensino das meninas” (FAROL MARA-
NHENSE, nº 95, 1829, p. 412). E continua seu discurso com belas
palavras vistas de forma audaciosa para sua época:

[...] Hum certo freio de decencia reprime a grosseira e


soltura natural do sexo varoail, e habitua a esse tom de
polidez, que caracterisa as sociedades cultas. Pelo lado
politico, dificilmente se avaliará até que ponto pode-
rião as Sñr.as influir, utilmente, na opinião entre nós, se
caso, recebessem huma educação mais disvellada. [...]
Os costumes ganharião muito com huma favoravel re-
volução na educação das Sñr.as, visto que, o seu imperio
seria mais forte, e mais puro. [...] Em uma palavra, -
nós não podemos aspirar ao titulo do povô culto e ci-
vilisado em quanto a mais bella metade da espécie hu-
mana for conservada na ignorancia, e no idiotismo, em
quanto passar em proverbio acreditado que á mulher
basta a sciência de arrumar bem hum bahú. Engañao-
se os que imagiñao que cumprirão melhor com os seus
deveres domesticos aquellas, que forem destituídas de
todo o gênero de instrucção: a experiência nos mostra
todos os dias o contrario; e pelo raciocínio facilmente o
poderíamos demonstrar. Não dizemos que as mulheres

68 “Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
se tornem Doutoras, que se lhes procure da uma erudi-
ção recondita: não lhe está a especie de educação, que o
seu sexo requer; mas entre a ignorancia, e o saber pro-
fundo ha hum meio termo, que serve para melhorar o
coração, para ornar a carreira da vida e para preencher
mais racionalmente a tarefa de qualquer encargo, ou
dever. (FAROL MARANHENSE, nº 95, 1829, p. 413).
(Grifos do Jornal).

José Cândido faz uma crítica no Jornal reprovando as atitu-


des dos pais, principalmente a figura paterna, de não aceitarem
que suas filhas pudessem ter o prazer de aprender a ler e escre-
ver, fazendo com que as moças crescessem insuficientes de uma
instrução educacional capaz de mediar uma conversa intelectual,
pois a sociedade masculina reduzia a mulher apenas para a edu-
cação do “cozer e coser”. Criticou, ainda, Cândido arduamente os
maridos de não aceitarem suas esposas nas rodas de conversações,
como ressaltou que “nada há mais infeliz do que encarar-nos com
a companheira dos nossos dias como encaramos com uma igno-
rante, sem podermos comunicar-lhe os pensamentos, [...] dimi-
nuindo-lhe em parte a sua felicidade”. (FAROL MARANHENSE,
nº 35, 1828, p. 167).
Nesse sentido, percebemos todo o conservadorismo colonial
sobre as mulheres sendo enraizado para o Brasil imperial com a
mesma mentalidade, mudando apenas as instituições de poder e
aderindo outras, com os mesmo discursos, só que escritos e fala-
dos de maneiras ressignificadas. Como foi, no caso, a atuação de
instrução de ensino para as educandas nas instituições chamadas
de casas de recolhimento que se processou toda a representação e
imagem de um pensamento conservador.
A educação é a arma viva para quem deseja romper com a
guilhotina da opressão. Como as mulheres maranhenses não pos-
suíam tal ferramenta, mais distante era sua aceitação na sociedade.

“Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
69
O sexo feminino sem acesso à educação, não dispunham de meios
para se emancipar, sem oportunidades de trabalhos, sem direito ao
sufrágio, nem mesmo à cidadania. Estavam presas em um círcu-
lo vicioso, pois,“[...] como lhes faltava o poder político, não tinha
acesso à educação, e sem educação jamais teriam poder político”
(FLORESTA, 1989 apud COSTA, 2007, p. 496).
Sem o domínio das letras, além de estarem excluídas dos es-
paços políticos, as dificuldades que as mulheres do século enfren-
taram para se firmarem enquanto sexo forte na sociedade, devido
a ignorância que assolavam suas vidas, fez com que muitas não
tivessem instrução e sem esta não estavam aptas a participarem da
vida pública e, consequentemente, não recebiam instrução porque
não participava dela, afirma Telles (2008, 406). Nesse viés, ficavam
eivadas de produzir quaisquer discursos nos jornais. É o que vere-
mos no próximo subcapítulo desse estudo.

1.2 Os percalços na formação dos primeiros impressos


no Maranhão oitocentista e o sexo feminino em busca
de espaços no grupo dos homens letrados
Quando analisamos a história da criação da imprensa brasi-
leira e o processo de formação dos primeiros impressos no Mara-
nhão temos uma visibilidade da construção de um pensamento
coletivo e, ao mesmo tempo, individual e singular que se consti-
tuiu nas quatro primeiras décadas do século oitocentos. É anali-
sando também os tipos de discursos que iam se construindo nas
folhas amarelas dos jornais, desse mesmo século, que passamos
a enxergar de qual lugar social estamos nos referindo e de quem
estamos falando. O lugar social que iremos estudar é o Maranhão
do limiar, do século XIX até meados deste século, a elite letrada e
as mulheres que procuravam meios de adentrar nos jornais são os
sujeitos desse estudo.

70 “Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
Falar dos objetivos centrais dos primeiros redatores, as pri-
meiras imprensas tipográficas, o que eram escritos e repassados a
província maranhense, bem como a ideologia discursiva que enun-
ciava é, não somente compreender o lugar social, o palco das ações
humanas no seu cotidiano, mas, também, a inércia no sistema edu-
cacional que galgava década a década, no século XIX, as manifes-
tações e transformações políticas e culturais, as relações de poder,
a atuação do Estado português, no primeiro instante interferindo
nas imprensas tipográficas e depois autorizando-as.
Começo este estudo afirmando que, o Brasil foi uma das últi-
mas colônias a ter o direito de possuir sua própria imprensa, livre e
independente. Enquanto que, no finais do século XV, tinham mais
de duzentas tipografias e impressos espalhadas pela Europa, mais
de quinze mil livros e jornais, bem como, as colônias inglesas, ibé-
ricas, francesas, já registravam jornais e livros produzidos de for-
ma branda, afirma Dines (2008) que, o Brasil Colônia continuava
na idealização desse sonho.
A iletralidade, ou melhor, o desinteresse para a intelectuali-
dade foi, tão maciçamente, cultivado no Brasil que, mesmo após
os jesuítas terem sidos expulsos, por muito tempo a sociedade
continuou leiga e sem educação de qualidade. Foi um período em
que indivíduos que não sabiam ler nem escrever, muito menos ter
o contato diariamente com folhas hemerográficas, pairava sobre
nossa Colônia.
Só para termos a noção de como a sociedade brasileira co-
lonial foi tão destratada educacionalmente por parte do Estado
português, na Bahia, pós-Companhia de Jesus, em certa ocasião,
conforme comenta Nelson Sodré, os livros foram distribuídos
à hasta pública, porém, não encontrando licitantes suficientes,
muitos deles se deterioraram e outros chegaram até a serem “uti-
lizados pelos boticários, para embrulhar adubos e unguentos”
(SODRÉ, 1999, p. 12).

“Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
71
No Maranhão, a maioria dos livros e periódicos foram depo-
sitados de forma tão silenciosa em bibliotecas públicas que quando
encontrados décadas depois em caixotes de madeiras, pouquíssi-
mos deles foram aproveitados, pois os cupins e as traças cuidaram
em desfazê-los. Entretanto, isso não quer dizer que tal desinteresse
significasse que todos da Colônia portuguesa rejeitavam o conhe-
cimento das letras, bem como uma educação de qualidade. Isso se
deu, simplesmente, pelo fato da Igreja e, tempo depois, o Estado
português, proibir por completo a fabricação de livros e jornais,
bem como a criação de faculdades e universidades15.
Tentativas por parte dos provincianos brasileiros de instalar
tipografias nunca faltaram e quando não havia uma maneira na
forma da lei eclesiástica, fazia-se pela ilegalidade e no contrabando.
Consta que em 1747, ainda no período jesuítico, um português cha-
mado Antonio Isidoro da Fonseca, possuidor dos maiores centros
de impressos de Portugal, tentou criar uma empresa de impressão
de livros no Brasil. O plano durou pouco, pois o Santo Ofício logo
que ficou sabendo de sua vinda à Colônia cuidou logo de mandar
uma notificação em documento dizendo que proibia a impressão
de qualquer assunto e aconselhou que voltasse ao seu lugar de ori-
gem, voltando em 1749.
Segundo a historiadora Márcia Abreu:

A gente pode considerar que o Brasil estava atrasado se


você pensar na cronologia da instalação das tipografias.
Ai sim, nós somos o 12º país na América Latina a ter
a tipografia instalada. Mas apenas neste sentido crono-
lógico, porque em outros lugares da América Latina, a

15 Interessante sabermos que o início da formação do ensino superior no Brasil só foi possível, em
1808, com a vinda da família real. E tal conjuntura educacional se deu muito mais por parte da
pressão da elite colonial, cansada de enviar seus filhos para estudarem em Lisboa, do que, propria-
mente, por uma nova visão reformadora que a Coroa passou a ter sobre o Brasil. Pois, Portugal
sabia que uma colônia possuidora de uma educação avançada criaria forças de emancipação.

72 “Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
instalação da tipografia não significou um florescimento
da cultura letrada. (In DINES, 2008, p. 3).

Mas, por que então o Brasil colonial era tão atrasado em rela-
ção a outras colônias no que se refere a imprensa livre?
Primeiro, tomaremos como ponto de partida a falta de recur-
sos primários que pudessem fabricar livros e jornais impressos,
genuinamente, brasileiros. Esse fator não deixa de está relacionado
ao atraso socioeconômico, pois, mesmo no fim do sistema de co-
lonização de exploração em 1822, a sociedade vivia num marasmo
cultural e intelectual provocados pelos resquícios coloniais. Expli-
ca Caio Prado Jr., ao deixar claro como estava compartimentada
a estrutura social do Brasil Colônia e pós-colonial, coexistindo,
assim, “os três elementos constitutivos da organização agrária do
Brasil: a grande propriedade, a monocultura e o trabalho escravo.
[...]” (1961, p. 117).
Caio Prado Jr. nos induz a crer que esses elementos constitu-
tivos da organização econômica e social que se formou durante a
colônia e prosseguiu no Brasil pós-Colonial, nos revela a riqueza
concentrada na grande propriedade representada pelos donos de
terra e comerciantes, a grande exploração rural, população ainda
composta por um terço de escravos negros até o fim do século XIX.
Farto era a pequena classe dominante ver circulando pelas
ruas negros escravizados, analfabetos e semianalfabetos e toda
uma gente que sobrevivia da pequena produção agrária, em que o
sistema típico de colonização portuguesa, prosseguindo no mesmo
ritmo pós-independência, desprezou fortemente esses indivíduos,
“desprovidos inteiramente de quaisquer bens e vegetando num ní-
vel de vida material ínfimo” (PRADO JR., 1961, p. 118).
Pegando esse gancho, Caio Prado Jr compreende que:

“Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
73
[...] O que mantinha a massa da população brasileira
naquele grau ínfimo de existência material e em conse-
quência moral, que era o seu, não era somente a escra-
vidão, mas antes a organização fundamental do país,
de que o trabalho escravo não é senão um dos aspectos
que abolido, substitui por outro que continuou, com
pouca diferença, mantendo o trabalhador e, portanto,
a massa da população naquele nível ínfimo de existên-
cia. (1961, p. 119).

Por isso que Otaíza Romanelli (1986), ao analisar essa estra-


tificação social, que foi se consolidando desde o período colonial,
enxerga que era nada mais do que uma necessidade de manter a
segurança da ordem vigente, e para manter sempre essa manu-
tenção e afastamento entre a classe dominante e as que possuíam
menor poder socioeconômico seria possível através da restrição
educacional, não permitindo que ela chegasse por completo em to-
dos os grupos sociais, como é o caso da exclusão dos negros e das
mulheres e seus filhos que não tinham condições de estudar fora
do Brasil, principalmente do primogênito que deveria cuidar dos
negócios paternos.
Celso Furtado ressalta que “a mão-de-obra fora um fator ex-
tremamente escasso, involuiu numa massa de população totalmen-
te desarticulada, trabalhando com baixíssima produtividade numa
agricultura de subsistência” (2003, p. 89). Quanto mais crescia a
expansão demográfica, mais faltava mão-de-obra qualificada em
decorrência do desprezo educacional por parte da Metrópole e por
causa do pensamento econômico voltado apenas para um único
tipo de economia. E ainda na fala do autor, “em nenhuma parte
do continente americano houve um caso de involução tão rápida e
tão completa de um sistema econômico constituído por população,
principalmente, de origem europeia” (FURTADO, 2003, p. 89).

74 “Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
De maneira não muito aprofundada, mas objetiva, abrimos
um leque de compreensão sobre o tipo de sociedade vivenciada na-
quele momento, não ficam dúvidas que o trabalho escravo, a mo-
nocultura e a não-abertura educacional durante o período colonial
e imperial trouxeram sérios problemas para o Brasil pós-indepen-
dência, ramificando essa má raiz para o período republicano.
Outro ponto a destacar sobre o motivo da falta de prensas ti-
pográficas parte da proibição como forma de garantir o controle
excessivo sobre a colônia, não permitindo que tais impressos di-
vulgassem ideias de independência e autonomia política. Enquan-
to muitos países da Europa e suas colônias já possuíam certa circu-
lação da imprensa, mesmo que de forma restrita, no Brasil Colônia,
até a chegada da Coroa portuguesa em 1808, ainda não existia um
sistema de atividades tipográficas. Todos os discursos escritos vi-
nham da Europa. Para Metrópole, a relação estreita entre coloni-
zador e colonizado seria mantida através da ignorância intelectual.
Nizza Silva afirma que, “[...] a metrópole não permitiu a existência
de tipografias no Brasil, não basta para o período entre 1808 a 1822,
quando passou a haver uma produção local” (1981, p. 8). Somente,
após a abertura de prensas de confecções de livros e jornais foi que
a literatura nacional tornou-se mais próxima a realidade.
É importante frisarmos com atenção que, até a metade do sé-
culo XVIII, a proibição de tripografias não se dava por meio de leis
sancionadas da Coroa, mas, sim, do Santo Ofício português. Este
era mais centralizado e menos flexível do que outros ofícios in-
quisitórios, como é o caso da Inquisição Espanhola. Enquanto nas
colônias ibéricas era permitido a criação de imprensas, mesmo que
regenciada apenas pelos padres jesuítas, no Brasil, já era diferente.
Nelson Sodré afirma que:

[...] instrumento herético, o livro, no Brasil, visto sempre


com extrema desconfiança, só natural nas mãos dos reli-

“Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
75
giosos e até aceito, apenas, como peculiar ao seu ofício, e
a nenhum outro. As bibliotecas existiam nos mosteiros e
colégios, não nas casas particulares. (SODRÉ, 1999, p. 11).

A inquisição portuguesa, preocupada em proteger seus colo-


nizados dos novos pensamentos religiosos e políticos, que se agi-
tavam por toda a Europa, cuidou logo de proibir todas as ideias
de instalação tipográficas, e até os livros, jornais e folhetinhos
que vinham de fora, os quais eram previamente avaliados minu-
ciosamente pela Igreja. O Estado português começou a interferir
fortemente na imprensa a partir do período pombalino, criando o
Tribunal da Real Mesa Censória em 1768, que tinha como função
criar leis e fiscalizar o comércio das impressões.
No século XIX, após a vinda da coroa portuguesa ao Brasil, co-
meçaram a surgir vários jornais impressos. Inicialmente, surgiu o
Jornal Correio Braziliense, criado em 1808, escrito por Hipólito José
da Costa que morava em Londres, e mandava, clandestinamente, por
comerciantes ingleses. Ora, como “só existe imprensa livre quando
o povo é livre; [...] não há nação, verdadeiramente, independente em
que o seu povo não seja livre” explica Sodré (1999, p. 8). Esse Jornal
foi muito combatido porque era de oposição ao governo português,
disseminando ideias liberais para a elite a favor da independência.
Afrânio Coutinho faz uma ressalva da fala do redator Hipólito Cos-
ta: “Resolvi lançar esta publicação na capital inglesa dada a dificul-
dade de publicar obras periódicas no Brasil, já pela censura prévia, já
pelos perigos a que redatores se sujeitariam falando livremente dos
homens poderosos” (COUTINHO, 1987, p. 36).
No mesmo ano, 10 de setembro de 1808, é criado o Jornal Ga-
zeta do Rio de Janeiro, impresso na tipografia da Imprensa Régia,
isso porque o Jornal Correio Braziliense, apesar de ser brasileiro,
vinha de Londres. Só para termos a noção do forte controle da co-
roa portuguesa sobre a vida intelectual da sociedade, até 1820 só

76 “Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
era permitido circular no Brasil o Jornal Gazeta e suas revistas im-
pressas na tipografia Imprensa Régia. Em 1821 com o fim da proi-
bição, tem-se a criação do Jornal Diário do Rio de Janeiro (1821),
Diário de Pernambuco (1825), Jornal do Comercio (1827), Gazeta de
notícias (1875), Jornal do Brasil (1891), Correios da Manhã (1901),
dentre muitos outros periódicos brasileiros.
No Maranhão, o primeiro relato de jornais impressos, produ-
zido no Brasil, só foi possível em 1821 quando o governador da
época, Marechal Bernardo da Silveira Pinto Fonseca, informou a
Portugal que os maranhenses ansiavam por uma impressa na ca-
pital da província. No dia 15 de Abril de 1821 surge o Jornal O
Conciliador do Maranhão. Mesmo que a prensa tipográfica tenha
chegado no dia 10 de Novembro do mesmo ano, chamada inicial-
mente de Typografia de Francisco José Nunes Cortes Real, este Jor-
nal já havia publicado 63 exemplares manuscritos e distribuídos a
expensas do governador, feito em material papel almaço e a tinta
em bico de pena (LOPES, 1959).
Ainda sob o pensamento de Lopes (1959), o objetivo desse Jor-
nal era discutir os atos da administração pública, com o olhar po-
sitivo sobre ela, pequenas notícias da sociedade e, principalmente,
para atacar os partidos de oposição da política do Marechal Bernar-
do Fonseca. Todavia, seus periódicos se extinguem em 1823 quando
o Maranhão consegue sua independência, já que O Conciliador, as-
sim, foi reduzido seu título perto do fim de suas edições, era contrá-
rio à emancipação política do país aos domínios de Portugal.
Depois do fechamento, em 1823, do Jornal O Conciliador, a
capital do Maranhão presenciou a multiplicação de gráficas tipo-
gráficas e, dentre elas, convém lembrar uma importante oficina ti-
pográfica do Sr. (José Maria) Correia de Frias16, que pela primeira
vez na província maranhense fizeram grandes tiragens de obras
16 [...] “As mais extensões edições no Maranhão, até o aparecimento do livro do Povo, eram de mil
exemplares, o Sr. Frias foi o iniciador das edições de dez e dezesseis mil exemplares” (SERRA,
2001, p. 22).

“Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
77
de grande tomo. Surgiu, então, na mesma linha de pensamento
do extinto Jornal O Conciliador, os seguintes jornais impressos: O
Censor (1824), Publicador Official (1834), Bem-te-vi (1838), Jornal
maranhense (1841), dentre outros. Foram momentos tão decisivos
de crescimento literário que J. Frias disse que “além do Rio de Ja-
neiro, nenhuma outra província se avantaja a esta em trabalhos
tipográficos, e só a de Pernambuco a iguala” (1959, p. 27)17.
Embora houvesse toda essa gama de criações de tipografias no
Maranhão e, paralelamente, o aparecimento de vários periódicos e
publicações de obras, constamos que as produções eram feitas pelo
sexo masculino e direcionadas, apenas, a classe elitizada, onde os
discursos ideológicos desses veículos impressos tinha como obe-
jvos a disputa política e atacar adversários. Não por acaso, esses
periódicos foram comparados a jornais pasquins18.
A mulher maranhense ficou de fora desse período de agita-
ções, sem espaço para escrever e pensar sobre a época, aparecen-
do só mais tarde quando a imprensa maranhense atingia certa
maturidade para propagar novos discursos como, por exemplo, a
propriedade da mão-de-obra escrava, pensamentos a favor e con-
tra a escravidão dos negros, como se portaria a economia bra-
sileira, encadeada, principalmente, pelo comércio e agricultura,
pós-abolição da escravatura, conceitos de democracia, reflexão
sobre a educação, propondo nos textos um novo pensar sobre o
sistema de ensino.
Por causa da exclusão das letras da vida das mulheres, não
existindo estabelecimentos de finalidade exclusiva para o ensino da
Gramática, Matemática, Filosofia, História, dentre outras, como já
existia para o sexo masculino, por muito tempo elas viveram sob
17 Para mais compreensão sobre a história dos primeiros impressos hemerográficos no Brasil ver
monografia de: SOUSA, 2006.
18 Logo após o Brasil conquistar, receosamente, a liberdade de imprensa, começaram a circular pela
província maranhense pequenos periódicos, chamados de “pasquins”, pois, usavam uma lingua-
gem exaltada, inflamada, com expressões satíricas, interferindo fortemente na visa social das pes-
soas e na política, assumindo posições ideológicas e partidárias. Segundo Bechara (2011), o termo
pasquim significa “jornal, normalmente, impresso precariamente, crítico e maledicente”.

78 “Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
a iletralidade. Poucas eram aquelas que em seu cotidiano tinha o
domínio da escrita, que aprendiam a ler e escrever de forma auto-
didata, como foi o caso da escritora Maria Firmina dos Reis, ou
nas casas de recolhimento de maneira não aprofundada ou, ainda,
dentro do ambiente familiar, ficando, assim, restritas à entrada nos
jornais, ou qualquer gênero literário.
Nesse caminho, o sexo feminino sofreu outro impasse: sua
exclusão nos grupos dos literatos, também mencionados homens
letrados ou homens ilustres, tanto no sentido de poder entrar como
ser mencionadas pelos homens ilustres. A influência desses intelec-
tuais foram tão fortes no Maranhão oitocentos que, ao trazer perío-
dos áureos da literatura, chamados de ciclos áureos das letras, a ca-
pital da província maranhense recebeu o nome de Atenas brasileira.

[...] Maranhão, terra que foi no passado um viveiro de


homens ilustres muitos dos quais com repercussão além
das fronteiras do Brasil. Eram tantos os que se acotove-
lavam na literatura maranhense, entre jornalistas, poe-
tas, escritores, ensaísta, historiadores, que São Luís, a
gloriosa capital do Maranhão, granjeou fama de Atenas
brasileira. [...]. (ALMEIDA, 1975, p. 1. Prólogo).

O Maranhão passou por momento áureo na literatura viven-


ciado por grandes escritores nascidos na província. Esse Grupo
Maranhense, neste caso, o primeiro ciclo, para alguns historiado-
res vai de 1832 a 1868, como Odorico Mendes, Gonçalves Dias, João
Francisco Lisboa, Sotero dos Reis, Gomes de Sousa, Sousândrade,
Joaquim Serra e Gentil Braga, lançaram várias obras, poemas e
crônicas relacionadas à natureza, a força do homem, a identidade
e nacionalidade, valorização da escrita nacional, mas, em nenhum
momento esses homens das letras fizeram alguma menção às mu-
lheres de sua época.

“Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
79
Mais tarde, surge o segundo ciclo de homens escritores no
Maranhão oitocentista: Raimundo Corrêa, Coelho Neto, Aluízio
Azevedo, Teófilo Dias, Hugo Leal, Adelino Fontoura, Gonçalves
Magalhães, Teixeira de Sousa, entre outros e, mais uma vez, a ima-
gem do sexo feminino passa despercebida nos enredos desses escri-
tores, bem como percebemos que os poucos textos publicados por
mulheres nos jornais participavam de maneira não protagonista na
literatura, muito menos enxergávamos alguma escritora ser des-
tacada nos ciclos. Todos os enredos se passavam estritamente no
universo do sujeito masculino, como afirma Margareth Rago que
“[...] todo discurso sobre temas clássicos como a abolição da escra-
vatura, [...] evocava imagens da participação de homens robustos,
brancos ou negros, e jamais de mulheres capazes de merecerem
uma maior atenção” (1995, p. 81).
Devemos lembrar que, mesmo os jornais e as obras serem me-
diadas por esses grupos de homens das letras, existiram aquelas
que transgrediram essa parede de poder e conseguiram publicar
textos nos periódicos e até mesmo lançar ao público romances. A
principal de todas, nesse período, auréo da literatura, consolida-
da pelo sexo masculino, foi Maria Firmina dos Reis, que publicou
poesias, contos, romances nos jornais do século XIX, como, por
exemplo, a obra Úrsula e os contos Gupeva e A Escrava19.

19 É importante lembrar que Firmina dos Reis escreveu o conto em forma de romance chamado
Gupeva, publicado pela primeira vez em 1861, no Jornal Jardim das Maranhenses com o título
Gupeva I - Romance Brasiliense e, somente, em 1862 que termina o conto com o título Gupeva I
e II. Depois republicados em 1863 e 1865 nos jornais Porto Livre e Echo da Juventude, respectiva-
mente. Provavelmente, as republicações tenham acontecido devido a grande aceitação deste conto.
O conto também aparece na livro de Morais Filho de 1975. (Para a compreensão das publicações
ver Quadro I deste estudo). Gupeva é um conto indianista, e não é de surpresa Firmina dos Reis
escrever este tipo de história, pois, como uma mulher audaciosa de sua época, queria trilhar nas
mais variadas formas de enredos. Como já havia escrito sobre negros, escravos, submissão femi-
nina ao masculino, mostrou, através das letras, seu posicionamento sobre as questões de culturas
diferentes, a visão dos europeus sobre a América, as diferenças entre os portugueses e franceses, a
construção da identidade nacional que estava se formando naquele momento. Tudo isto pode ser
percebido em neste conto, onde o enredo acontece na Bahia, assim como foi com o poema épico
de Caramuru: “Era uma bela tarde de agosto; e o sol, que declinava já no occidente, mandava seus
doces, e melancolicos raios as pacíficas águas da Bahia de Todos os Santos [...]” (JARDIM DAS
MARANHENSES, nº 25, 13 de Outubro de 1861, p. 97). Segundo pesquisadores da vida de Fir-
mina dos Reis, contam que o romance foi inspirado nos textos de I- Juca Pirama e Últimos Cantos

80 “Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
Abrindo um parêntese neste estudo, importante sabermos que
estas gerações de Grupos no Maranhão denominado também de
“ciclos” sempre foram questões de debate entre os historiadores
quando se trata das datas. Segundo Reis Carvalho, “o primeiro ci-
clo vai de 1832 a 1868”; “o segundo ciclo da literatura maranhense
abrange a geração nascida das duas primeiras décadas do último
semi-século, de 1850 a 1870”; e, por fim, o terceiro ciclo que “[...]
compreende os escritores nascidos nas duas primeiras décadas
da última geração do século passado, 1870 a 1890” (CARVALHO,
1912, pp. 9737, 9742 e 9748).
Mário Meireles, em Panorama da literatura maranhense, con-
corda com os números de ciclos de Reis Carvalho, ressalta que an-
tes desses três ciclos o Maranhão viveu um período de transição
cultural de 1800 a 1832 que pouco os historiadores reconhecem.
“Este Grupo Maranhense abrange, no tempo, o ciclo que vai de
1832 a 1868 e corresponde assim, no campo econômico, ao ciclo
do algodão”. E continua: “Com o ciclo do açúcar, sobrevém o ciclo
literário de 1868 a 1894 [...] desfazendo-se o Grupo local, os nossos
homens de letras passam a emigrar cedo para o Sul, onde, gran-
jeando justo renome, fazem-se essencialmente literatos nacionais”
(MEIRELES, 2008, p. 254).
Convenhamos saber que, a ausência do sexo feminino não se
encontra somente entre os intelectuais romancistas da primeira,
segunda e terceira geração dos ciclos dos homens das letras. An-
tonio Henriques Leal, ao produzir quatro tomos de ensaios bio-
gráficos de todos os ilustres maranhenses já falecidos, Pantheon
Maranhense (1873-1875), deixa de lado o sexo feminino. Para não
dizer que Henriques Leal esquece totalmente do sexo oposto, ele
faz um comentário da escritora Maria Firmina dos Reis apenas em
nota de rodapé no segundo tomo de 1874.

de Gonçaves Dias (1851) e do poema de Frei José de Santa Rita Durão Caramuru: poema épico do
descobrimento do Brasil (1781).

“Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
81
No livro de Milson Coutinho, Caxienses ilustres: elementos
biográficos, em que faz uma seleção de escritores caxiense ilustres,
do século XIX ao XX, e apesar de avisar aos leitores na apresen-
tação que “o livro, no seu cerne, não traduz, na linha estrutural,
qualquer projeto discriminatório, como poderá parecer, prima fa-
cie, ao menos avisado” (2002, p. 21), consta-se apenas duas escri-
toras: Ana Maria Dias Vieira e Rosa Teixeira da Cunha. Fora estas
duas, todos são do sexo masculino.
Os conceituados historiadores maranhenses, entre eles: Dun-
shee de Abranches, Jerônimo de Viveiros, Antônio Lobo, Jomar
Moraes, Reis Carvalho, Mário Meireles que investigaram os dis-
cursos dos clássicos e patronos do século XIX, não apresentam
a participação e feitos das escritoras, como Laura Rosa, Mariana
Luz, Maria Firma dos Reis, Maria Luiza Lobo, dentre outras. Má-
rio Meireles, historiador autodidata, ao escrever o Panorama da
literatura maranhense em 1957, faz um resgate de vários autores:
Padre Antônio Vieira, José Pereira da Silva, Bernardo de Barre-
to, Artur Azevedo, Coelho Neto, Gonçalves Dias, Sotero dos Reis,
Galvão Trajano, João Lisboa e nessa seleção, pleno século XX, as
escritoras ficaram engavetadas.
Nesse viés, historiadores/pesquisadores que buscam fontes es-
critas, do século XIX, sentem dificuldade para encontrar vestígios
de documentos como diários íntimos, cartas variadas, retalhos de
papéis em amarelo, que possam falar sobre o cotidiano dessas es-
critoras ou que mostrem, realmente, as normas e preceitos vividos
por essas mulheres na sociedade brasileira. Os motivos estão na
própria escassez de documentos, perdidos e estragados pela ação
do tempo e pelo fato do uso de pseudônimos que existiam entre
elas, dificultando assim a identificação de quem produziu os tex-
tos. Sem contar que, somente, a partir do final da década de 1960
para 1970, a história cultural dar uma guinada passando um novo
olhar através da Nova História Cultural de Lyn Hunt, Peter Bur-

82 “Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
ke e outros personagens que se adentram nesse campo histórico, e
também dos estudos a partir da “história vista de baixo”20, foi que
começou a se destacar um crescente número de pesquisadores e
também de mulheres que vão ao campo investigar a participação
mínima, dada quase mesmo por uma ausência, das mulheres nos
cânones literários21, jornais e de tudo aquilo que já fizesse parte do
domínio masculino.

1.3 Mulheres da elite, o comportamento agora é outro:


Colégio Nossa Senhora da Glória e os primeiros passos
de uma nova cultura do saber para o sexo feminino
Fundada em 1844, na capital da província do Maranhão por
Dona Marta Alonso Veado Alvarez de Castro Abranches, conhe-
cida como Dona Martinha de Abranches, mulher de Garcia de
Abranches22, o Colégio Nossa Senhora da Glória ou como muitos
chamavam de Colégio das Abranches, pois, além de D. Martinha,
20 Por muito tempo a exploração dos acontecimentos, fossem eles do passado ou do presente, estava
voltada para aquilo que a história tradicional e clássica considerava como os grandes heróis da
história, ou seja, uma história social, econômica e política da/para a elite. Porém, no século XX,
muitos historiadores se sentiram insatisfeitos com tal situação, e em 1966, com Edward Thompson,
publicava um artigo A história de baixo que mudaria a concepção do pensamento coletivo e gene-
ralizado dos centros acadêmicos, das revistas acadêmicas e das pesquisas que até então tinha sido
produzidas. Foi tão surpreendente seu pensamento no artigo que entrava uma nova linguagem
entre os historiadores, conhecida como “história vista de baixo”. Thompson em A Formação da
Classe Operária Inglesa, lançada pela primeira vez em 1963 e dividida em três volumes, já deixava
claro, enquanto historiador, suas reais intenções e reconstruções do passado/presente: “estou pro-
curando resgatar o pobre descalço, o agricultor ultrapassado, o tecelão do tear manual “obsoleto”, o
artesão “utopista” e até os seguidores enganados de Joanna Southcott, da enorme condescendência
da posteridade. Suas habilidades e tradições podem ter se tornado moribundas. Sua hostilidade
ao novo industrialismo pode ter se tornado retrógada. [...]. Mas eles viveram nesses períodos de
extrema perturbações sociais, e nós, não” (THOMPSON, vol. I, 1987, p. 13). Os estudos sobre o
sexo feminino, incluindo a misoginia, exclusão delas na educação e nos jornais, a rejeição das obras
feitas por mulheres, tudo isto também começou a ser olhado de uma forma bem diferente a partir
da história vista de baixo e da Nova História Cultural.
21 Na parte inicial do subcapítulo “E passará entre o indiferentismo glacial de uns e o riso mofador
de outros, e ainda assim o dou a lume”: Trajeto Biobibliográfico de Maria Firmina dos Reis e seu
legado literário”, há uma explicação detalhada sobre os percalços e exclusão do sexo feminino no
cânone literário brasileiro e maranhense.
22 Segundo pesquisas históricas, dona Martinha fugindo com a família (descendência espanhola) das invasões
napoleônicas, aportou no Maranhão em 1816, onde casou aos 17 anos incompletos, com o português João
Antônio Garcia de Abranches, 38 anos mais velho do que ela, ou seja, com 55 anos de idade. Garcia de
Abranches foi um grande fazendeiro, fundador do Jornal O Censor Maranhense, daí muitos alcunharem
pelo próprio nome do Jornal, escritor e proprietário de muitos escravos. “Dessa união nasceram seis filhos,
os quais educaram com esmero” (ABRANTES, 2014, p. 153).

“Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
83
tinha ainda “suas três filhas e um grupo de intelectuais escolhidos
entre os mais notáveis nas ciências e nas letras” (ABRANCHES,
1992, p. 80), foi considerado como o primeiro estabelecimento de
ensino formal para mulheres no Maranhão. O ensino que era lecio-
nado no Colégio das Abranches não era o mesmo das escolas mas-
culinas da época, o tipo de ensino entre as escolas formadas apenas
por educandos e do outro lado composto apenas por educandas, se
diferenciavam pela qualidade e quantidade de assuntos repassado
a cada uma delas.
Além das distinções no ensino existentes entre o Colégio das
Abranches e as escolas de sexo masculino, também não pode-se
comparar tal Colégio a alguma casa de recolhimento ou o Asilo de
Santa Teresa. Por mais que o Colégio das Abranches tivesse disci-
plinas de instrução de bordar, fazer arte, etiqueta social e moral,
dançar, assim como existiam nas casas de recolhimento, o Colé-
gio das Abranches tinha outras disciplinas, mais centradas e tidas
como as mais importantes para o conhecimento das moças, que
eram instruções voltadas para aprender a ler, escrever de manei-
ra aprofundada, aulas de francês, fazer operações de matemática.
Sem contar que as educandas voltavam para casa, normalmente,
ao final das aulas. Ainda havia, como aulas de reforços, uma sala
de aula, mas, separada das moças educandas, “uma seção para os
meninos até os doze anos de idade, onde eram preparados para o
Liceu Maranhense” (ABRANCHES, 1992, p. 102).
O neto de D. Martinha, Dunshee de Abranches, escritor e au-
tor de importantes obras memorialísticas, como o livro O Cativei-
ro, fala como era a organização desse Colégio:

Nas horas regulamentares, funcionavam as classes in-


fantis e as médias para adolescentes. Pela manhã e à
tarde, D. Martinha se ocupava em dar instrução a se-
nhoras que se envergonhavam da sua ignorância peran-

84 “Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
te os filhos [...]. Às quintas-feiras, as meninas internas
participavam de refeições, como se fossem banquetes de
cerimônia, para que se habituassem a estar bem à mesa
e saber como se deveriam servir as pessoas de distinção.
(ABRANCHES, 1992, p. 97).

Mesmo a citação do autor, Dunshee de Abranches, nos mos-


trando um novo pensar de instrução educacional para as moças,
não devemos aceitar que a chegada da escola particular de D. Mar-
tinha de Abranches rompeu de imediato com o estereótipo da in-
ferioridade feminina. Não rompe, profundamente, a vida dessas
mulheres porque este avanço só chegou às famílias de classe média
e alta, pois, os pais tinham que pagar mensalmente para suas filhas
estudar no Colégio das Abranches. Sem contar que, o regimento
dessa escola só permitia a entrada de mulheres, criando ainda mais
a distinção social entre os sexos.
Com isso, o retrato patriarcal permanecia o mesmo para as es-
cravizadas, empregadas, as amas-de-leite, mães solteiras, doceiras,
engomadeiras, costureiras, as que trabalhavam nas indústrias, que,
em suma, foram “com frequência, descondiserado pelos historia-
dores do sexo masculino, [...] surpreendente exemplo do problema
da invisibilidade” (BURKE, 2002, p. 77). Nessa perspectiva, todas
as mulheres que viviam na subalternidade, mesmo aquelas que se
achavam independentes por causa de seu trabalho tido na época
como informal, como afirma Rachel Soihet: “[...] mulheres que tra-
balhavam, maioria não formalmente casadas, fugindo, em grande
escala, aos estereótipos que lhes eram atribuídos” (1989, p. 11), não
tinha direito a educação escolar, ficando a margem do alfabetismo
e sob a ignorância das letras.
Segundo Viveiros (1954), o Maranhão imperial apresentava
uma estrutura social definida, seja pela formação econômica ou
simbólica. Para este autor, a primeira classe e logicamente a mais

“Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
85
alta de todas, era a senhorial. Formada, então, pelos grandes donos
das terras provinciana, altos comerciantes e funcionários da admi-
nistração e jurisdição da Coroa portuguesa. Depois vinha a classe
de segmento médio, formada pelos profissionais liberais, pequenos
proprietários e comerciantes, os que possuíam funções na Igreja.
Mais abaixo estava aquilo que Viveiros designou de base social
do Império formadas por aqueles que eram livres – brancos po-
bres, índios, mestiços, inclusive as mulheres –, porém, destituídos
de qualquer privilégio da sociedade. E, no caso do sexo feminino, o
peso da exclusão era ainda mais pesado, pois, as ideias construídas
sobre elas são de um segmento “avesso ao trabalho e à produção de
bens de raízes” (VIVEIROS, 1954 apud RODRIGUES, 2010, p. 95).
Na última camada, os escravos, no qual recaíam os trabalhos mais
exaustivos dentro do modo de produção econômica.
Num paralelo bem interligado, a educação estava casada, di-
retamente, com o ideário burguês. Saber ler e escrever era para
poucos, ainda mais no campo feminino e, diante disso, o grau de
manifestação de poder funcionava de acordo com a posição cultu-
ral em que a mulher se encontrava, ou seja, aquelas que tinham o
domínio da escrita conseguiam, através de algumas ferramentas
(imprensa e literaturas) se manifestar. Outras que não tiveram este
privilégio ficavam à margem da dominação masculina.
De maneira consciente, as mulheres de classe média e, princi-
palmente da elite, expressava-se por meio de artifícios que as iden-
tificassem como mulheres abastadas de status e poder social, tais
como tocar piano, serem desenhadas bordando e costurando por
artistas da época e, claro, sempre com um livro de romance exposto
ao lado. Enquanto isso, a maioria das mulheres sem nenhuma visi-
bilidade social ou econômica submetiam-se “simplesmente ao seu
destino, sem mesmo tentar qualquer ação; as que quiseram mudar
alguma coisa não manifestaram a intenção de defender e afirmar
sua condição específica, mas de vencê-la” (BEAUVOIR, 1986, p. 23).

86 “Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
Apesar da criação do Colégio das Abranches não acabar com
o tipo de representação social que foi construída sobre a mulher,
de sexo feminino frágil e sem condições de adquirir potências in-
telectuais iguais aos dos homens das letras, é importante reconhe-
cermos que essa ação de D. Martinha de Abranches foi um dos
primeiros manifestos revolucionários no Maranhão do século XIX
que não chegou a modificar o pensamento conservador da socie-
dade masculina, mas, como ressalta Dunshee de Abranches (1992)
que o marasmo educacional à mulher era tão ínfimo no Maranhão,
que mesmo o ensino abrangendo apenas a classe feminina elitista
ou aquelas que poderiam pagar para estudar nesse Colégio foi de
grande importância a ponto de mudar o comportamento de mui-
tas mulheres da província maranhense.

Esses espíritos novos começaram a modificar decisi-


vamente os costumes grosseiros, herdados dos tempos
coloniais. As matronas, tipos clássicos de Senhoras de
Engenho, brutas, supersticiosas e ignorantes, foram
adoçando os corações sob a influência dos carinhos e
das delicadezas de trato das filhas e das netas. Já não
surravam diariamente os seus negros [...]. (ABRAN-
CHES, 1992, 102).

Foi nesse espírito transformador de querer ver novos hábitos


sociais nas mulheres da província, até mesmo aquelas senhoras
que por muito tempo viveram conformadas na ignorância de não
terem uma cultura do saber, que D. Martinha de Abranches de-
safiou seu marido, Garcia de Abranches, bem mais velho do que
ela, ao sentir-se desconfortável por ver o sexo de sua natureza em
meio ao descaso e desprezo de uma educação que não era eficiente
à vida das mulheres.
Outro motivo que levou a D. Martinha de Abranches a criar
o Colégio Nossa Senhora da Glória, segundo o relato de seu neto

“Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
87
Dunshee de Abranches, foi quando soube do casamento de seu fi-
lho mais velho João Argueles com uma mulher muito bonita, Dona
Ana Henriqueta Gilhon, mas completamente analfabeta e de uma
conversa não refinada. Não conseguindo esconder seu desgosto
disse que “infelizmente, essa senhora, de rara beleza, era não só
doze anos mais velha do que o seu noivo, como ainda, por um es-
cárnio da sorte, nunca quisera aprender a ler e a escrever e falava
como se não fosse de origem tão fina” (ABRANCHES, 1992, p. 80).
Sua insistência de querer fundar e manter na cidade ludovi-
cense uma escola feminina, sabendo de todo o analfabetismo, ig-
norância social e os trabalhos em excesso que estavam em altos ín-
dices, foi tão significante que D. Martinha, transgredindo as regras
impostas pela sociedade machista e preconceituosa, contribuiu de
forma valiosa para o encontro das mulheres com as letras, receben-
do até do Presidente da Província o título de “Semeadora de Luzes”.
O prestígio que a província homenageava D. Martinha de
Abranches não era por acaso, pois, além de ter sido casada com um
homem rico, tinha uma educação muito bem instruída, de uma
intelectualidade admirável e que dominava cinco línguas.
A criação do Colégio das Abranches foi um força motivadora
para que o Maranhão oitocentista avançasse, a presença de mulhe-
res que não só liam literaturas romancistas e jornais, mas, também
passassem a participar e influenciar a província através de seus
escritos. Mesmo ainda sob gestos silenciosos e reprimidos, a voz
feminina começa aos poucos a expressar seus sentimentos, vonta-
des e desejos através da escrita de periódicos, de pequenos contos,
crônicas, romances e folhetos.
Assim, como explica Certeau, ““fazer a história” remete à es-
crita” (1982, p. 17), para a mulher maranhense, a partir dos meados
do século XIX, fazer história, ou melhor, a sua história, seria atra-
vés da arte de escrever, não mais apenas sobre o olhar masculino,
mas também da visão de seu próprio sexo.

88 “Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
Olhando para a explicação do parágrafo acima, uma indaga-
ção que me segue desde o começo deste estudo é como a mulher
conseguiria se sobressair através da escrita, pois todos os clássicos
eram compostos pela tinta preta do sexo masculino e, quando a
mulher dotada de uma intelectualidade tentava intervir no curso
da história, era de acordo com os homens e sempre numa perspec-
tiva masculina. No próximo capítulo veremos a história de Maria
Firmina dos Reis como produto desse novo comportamento, pro-
duzindo e publicando obras e textos em jornais de sua época.

“Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
89
C APÍTULO II

Maria Firmina dos Reis: ‘uma


maranhense’ que se tornou
mulher através da literatura e da
educação!

Figura III: Busto de bronze de Maria Firmina dos Reis feita pelo escultor Flory Gama no
Museu Históricos e Artístico do Maranhão, São Luís. Fonte: PEREIRA, Renato (2014). In:
https://averequete.blogspot.com.br/2014/12/praca-do-panteon-maranhense.html.

“Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
91
A historiográfica é costurada de acordo com o olhar de quem
a escreve, já afirmava Michel Foucault (1984) ao dizer que o sujeito
é movido à medida que cada intelectual ou época atribui a esse su-
jeito determinado significado. Este significado, explica Foucault, é
carregado de heroificação ou banalização desse sujeito na história.
Neste bojo, percebemos que a representação da mulher oitocentista
foi forjada e legitimada através de uma linguagem institucionaliza-
da de poder. As mudanças e experiências por parte do sexo femi-
nino foram ignoradas por grupos sociais elitizados e pela própria
historiografia tradicional brasileira, que esteve substancialmente
sobrecarregada de interesses da intelectualidade masculina.
Não por acaso que, a escrita feminina foi por muito tempo
excluída pelo sexo masculino. Escritoras como Nísia Floresta Bra-
sileira Augusta (1810-1885), Júlia de Albuquerque Sandy Aguiar
(mais conhecida como Júlia Aguiar, que fundou o periódico Bello
Sexo em 1862). Mariana Luz que nasceu em 1870 e foi tida como a
imortal cidadã itapecuruense. Foi uma das poucas que conseguiu
chegar a ser membra da Academia Maranhense de Letras, no Ma-
ranhão, atuando como educadora, teatróloga e escritora. Amélia
de Freitas Beviláqua, nascida em 1863 no Piauí, escritora e publi-
cadora de artigos em jornais do Recife. Ela e outras intelectuais
fundaram a revista, em 1902, chamada de O Lyrio, defendendo a
educação e direitos iguais para o sexo feminino.
Temos ainda Maria Augusta Meira de Vasconcelos Freire, nas-
cida em 1872 em Pernambuco, que foi a quarta mulher a ingressar
na tradicional Faculdade de Direito de Recife, concluindo o curso
em 1889. Somente 14 anos depois que outra mulher, Catarina de
Moura, conseguiu concluir o curso de Direito nesta faculdade e
com muita luta publicou textos que ao “polemizar sobre os direitos
das mulheres nos negócios e na política” (SCHUMAHER e BRA-
ZIL, 2000, p. 368) não foram bem vistos pela sociedade literária
dominante.

92 “Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
Teresa Margarida da Silva e Orta (sua data de nascimento é
especulada entre 1711 ou início de 1712 no estado de São Pau-
lo), filha de José Ramos da Silva, um dos homens mais poderosos
em Portugal, teve uma excelente educação no Brasil ao estudar
no convento de Trinas e ganhou gosto pelas artes e ciências. Foi
considerada na época a mulher da mente mais brilhante. Por fim,
Maria Firmina dos Reis (1825-1917) e tantas outras escritoras e
educadoras encontraram percalços e poucos espaços no campo li-
terário e nos jornais. Ainda hoje a historiografia tradicional atesta
que Teresa Orta foi a “primeira mulher, no mundo português, a
escrever um romance” (SCHUMAHER e BRAZIL, 2000, p. 509),
mas, como veremos neste capítulo, isso foi construído em meio as
contradições historiográficas.
Este capítulo vai muito além do objetivo de entendermos somen-
te a exclusão do sexo feminino nos espaços literários e, muito menos,
fazermos apenas uma análise biográfica de Maria Firmina dos Reis.
Abrimos espaços aqui para a discussão sobre as práticas e relações de
poder, o sujeito dominado e o dominador e quais os pontos culmi-
nantes presenciados no período em que viveu esta escritora.
Nesse viés, tenho como outro objetivo trabalhar Maria Firmi-
na dos Reis a partir da óptica de como ela enxergava a escravidão
do negro e abolição do mesmo, nos quais foram dois elementos
cruciais presentes em sua época e retratados de forma bastante in-
cisiva em seu romance Úrsula e no conto A Escrava.
Trabalhar a biografia de Maria Firmina dos Reis é também
enxergar o sexo feminino em busca de espaços nos jornais oito-
centista e o que esta escritora queria transmitir em seus discursos
hemerográficos.
Segundo Michel de Certeau:

Antes de saber o que a história diz de uma sociedade,


é necessário saber como funciona dentro dela. Esta

“Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
93
instituição se inscreve num complexo que lhe permite
apenas um tipo de produção e lhe proíbe outros. Tal é a
dupla função do lugar. [...] Também a consideração deste
lugar, no qual se produz, é a única que permite ao saber
historiográfico escapar da inconsciência de uma classe
que se desconheceria a si própria, como classe, nas rela-
ções de produção e, que, por isso, desconheceria a socie-
dade onde está inserida. A articulação da história com
um lugar é a condição de uma análise da sociedade [...].
(CERTEAU, 1982, pp. 76-7).

Certeau nos alerta que quando estudamos uma obra ou discur-


so de um jornal devemos perceber o que a literatura tenta transmi-
tir, ou o porquê dele(a) abordar certa temática. Para isso, devemos
antes de tudo compreender que tipo de sociedade (práticas e repre-
sentações sociais) se passa no espaço e tempo em que tal discurso foi
produzido. Isso porque a escrita que se opera e, consequentemente,
seu produto são nada mais do que o resultado do processo da opera-
ção historiográfica, do lugar social, cultural, político e econômico.
E de qual lugar social é este a qual estou me referindo? Com
certeza é o lugar em que pleno século XIX, a escolarização formal
ainda não se tinha chegado para o sexo feminino, menosprezando
a formação intelectual da mulher, sem que ela pudesse participar
da política e dos órgãos públicos, os casamentos arranjados pelos
pais ou chamados também de casamentos por conveniência, a im-
posição de como deveria ser o papel que exerceria ou desempenha-
ria como boa cristã dentro e fora do lar, os escravos entre os mo-
vimentos pró-escravistas e antiescravistas, o negro, órfãs, viúvas e
bastardas à margem da sociedade, e ainda as turbulências da crise
no Brasil-Império e o sonho de uma República.
As escritoras oitocentistas trataram em seus discursos de for-
ma bastante inovadora essas temáticas. O sexo masculino operava
de todos os meios na sociedade para que a mulher não pudesse evo-

94 “Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
luir seus escritos e para que não tivesse uma nova forma de pensar
sobre o seu próprio sexo nos modus vivendi social e culturalmen-
te. Além dessas questões, Maria Firmina dos Reis foi muito mais
longe. Como veremos, Firmina dos Reis dialogou através de suas
publicações com o grupo a qual pertencia e a qual convivia diaria-
mente – os negros e a abolição da escravatura, defesa pelo divórcio
feminino, a negação da mulher como propriedade do homem.
Para Del Priore “desvendar as intrincadas relações entre a mu-
lher, o grupo e o fato, mostrando como o ser social, que ela é, arti-
cula-se com o fato social que ela também fabrica e do qual faz parte
integrante” (2008, p. 9). Intrinsicamente, Firmina dos Reis aproxi-
mou a literatura brasileira dos problemas sociais e, consequente-
mente, ao tentar compreender o seu período histórico, sob o crivo
da crítica masculina, explorou as relações intricadas, procurando a
todo instante romper os espaços sociais e quebrar os limites entre o
público e o privado, visto que a elite literária masculina não via com
boas lentes o sexo feminino movimentando e exercendo a escrita.
Assim, dar lugar para que essas mulheres pudessem pensar e
expor sobre o que pensam, através do meio literário, principalmen-
te, as excluídas pela sociedade – negras e bastardas, significaria na-
quele momento transgredir o conservadorismo social, os valores
impostos pela classe elitizada e dar novos significados a uma socie-
dade que não estaria pronta para aceitar tais mudanças.

2.1 “E passará entre o indiferentismo glacial de uns e o


riso mofador de outros, e ainda assim o dou a lume”23:
trajeto biobibliográfico de Maria Firmina dos Reis e seu
legado literário

Maria Firmina nascida em São Luís no dia11 de outubro de


1825, no bairro São Pantaleão, período efervescente dos jornais e
23 Citação retirada do prólogo no livro Úrsula. (REIS, 2004, p.13).

“Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
95
do Primeiro Ciclo literário do Grupo Maranhense formado apenas
por aqueles considerados homens das letras. Prima por parte de
mãe do escritor e professor Francisco Sotero dos Reis24, morando
com a vó, a mãe e algumas de suas primas em São Pantaleão, mu-
dou-se aos cinco anos de idade para Guimarães (Vila de São José
de Guimarães, município de Viamão em São Luís), onde começou
a despertar o interesse pela leitura e escrita. Como não havia uma
escola para o sexo feminino na província, visto que a primeira es-
cola formal só chegou no Maranhão em 1844, criado por Dona
Martinha de Abrantes, Firmina dos Reis aprendeu a ler e escrever
sozinha, considerada uma autodidata. Seu autodidatismo era tão
impressionante que lia e escrevia francês fluentemente.
Por conta dessa desenvoltura, passou em primeira colocada
no concurso público estadual em 1847, aos 22 anos, para exercer
a profissão de professora primária, considerada como a primeira
mestra régia concursada de Guimarães. Assim que Firmina dos
Reis foi buscar seu documento de nomeação quando passou neste
concurso, fizeram uma proposta para que ela fosse de palanquim25,
onde recusou de imediato e disse que “negro não era animal para
andar montado nele” (REIS apud MORAIS FILHO, 1975, s.p.).

24 Francisco Sotero dos Reis, nascido em 1800, foi um filósofo, professor do Liceu Maranhense, no
qual é considerado o primeiro diretor desde Colégio. Durante sua vida, ingressou na política como
parlamentar e publicou textos e poesias em várias jornais, como Correio dos Anúncios em 1851
(anos depois, em 1862 o nome foi mudado para O Constitucional), O Observador (1847), Publica-
dor Maranhense (1842-1886) e no Investigador Maranhense de 1836 a 1839, onde foi substituída
pela A Revista em 1840. Chegou a fundar os jornais – Argos da Lei em Março de 1825 com a par-
ceria de Raimundo da Rocha Araújo (sua primeira publicação em jornais e criação de um período.
Por conta da insuficiência de leitores, no mesmo ano o Jornal acabou), Constitucional (1831) e
O Maranhense (1825-1831). Participou também do livro Semanário Maranhense. Suas obras pu-
blicadas foram voltadas para a sua área de formação que era Letras: Postilas de Gramática Geral
Aplicada à Língua Portuguesa pela Análise dos Clássicos (1852), Gramática Portuguesa acomodada
aos princípios gerais da palavra, seguidos da imediata aplicação prática (1899), Curso de Literatura
Portuguesa e Brasileira (1868). Foi patrono da Academia Brasileira de Letras e ocupou a cadeira 17
da Academia Maranhense de Letras. Morreu na madrugada do dia 16 de Janeiro de 1871 devido a
doenças no estômago. (MEIRELES, 1955, p. 71-2). Para uma compreensão completa da biografia
de Sotero dos Reis é crucial ver: LEAL, Tomo I, 1987a, pp. 66-94.
25 Palanquim era um tipo de meio de transporte do século XIX feito por uma cadeira coberta e dois
longos varais ligados a duas mulas, uma à frente e outra atrás ou, às vezes também, por dois negros
que conduzia a pessoa para o lugar que ela desejasse.

96 “Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
É considerada, por muitos, como a primeira escritora e edu-
cadora a publicar um romance, genuinamente, brasileiro em 1859,
quando tinha 34 anos de idade, chamado o romance Úrsula com o
pseudônimo “Uma Maranhense”. Ainda hoje há contradições en-
tre historiadores e pesquisadores quando afirmam quem do sexo
feminino foi a primeira a lançar um texto literário no Brasil que
tratasse do abolicionismo e da vida afro-brasileira.
O historiador Wilson Martins no livro História da inteligência
brasileira, explica que:

[...] No Maranhão, Maria Firmina dos Reis (1825-1881),


autora também de a Escrava, publicou o romance Úr-
sula, apontada, incorretamente, como o primeiro do
Gênero escrito por uma mulher no Brasil. Antes dela,
como vimos anteriormente, seria preciso considerar
Nísia Floresta com Daciz ou A Jovem completa (1847)
e Dedicação de uma amiga 1850, ainda que excluísse-
mos da competição, aliás sem maior interesse, A filosofia
por amor de Eufrosina Barandas, no qual há páginas de
ficção (1845), e a Lição a meus filhos (1854), de Idelfon-
sa Lara que são dois contos em verso. [...]. (MARTINS,
1992, pp. 319-20).

Martins (1992) comete um equívoco ao dizer que antes de


Firmina dos Reis devemos reconhecer outras escritoras a lançar
um romance. Na verdade, existem sim obras que foram publica-
das primeiro do que Úrsula. Temos, por exemplo, Teresa Marga-
rida da Silva e Orta que publicou o romance em 1752 chamado de
Aventuras de Diófones. Mas, consideremos que este romance não é
de origem brasileira, pois, além de não ter sido impresso por uma
tipografia brasileira, a visão de sua escrita não está direcionada
ao Brasil, como explica o autor Heron de Alencar: “[...] Sua autora
aqui apenas nasceu, é de completa formação europeia, e o livro é

“Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
97
confessadamente uma imitação de Fénelon, não pode ser incluído
nos quadros da literatura brasileira” (ALENCAR apud MORAIS
FILHO, 1975, s.p.). (Grifos do autor).
Outra escritora de grande porte no Brasil foi a Nísia Floresta
Brasileira Augusta26. Esta escritora começou a publicar importan-
tes obras bem antes de Firmina dos Reis. Alguns historiadores to-
mam como certeza que o romance-panfleto Direitos das Mulheres
e Injustiça dos Homens de 1832, quase trinta anos antes de Úrsula,
ou que a literatura Daciz ou A Jovem Completa de 1847, teria sido
o primeiro romance brasileiro. Se formos pegar a publicação de
1832, veremos que este romance-panfleto nada mais é do que uma
tradução do livro de uma escrita inglesa de 1792 da autora Mary
Wollstonecraft com o título do livro “Vindication of the right sof-
wo man”, ou seja, Reivindicação dos direitos da mulher.
As obras de Nísia Floresta Brasileira Augusta são colocadas,
constantemente, em pauta como os primeiros romances brasileiros
feitos por uma mulher. Percebemos isso na publicação de Daciz ou
A Jovem Completa ou como o próprio Dicionário Mulheres no Bra-
sil: de 1500 até a atualidade, organizado por Schumaher e Brazil,
ressalta que Nísia “lançou, no Brasil, seu romance histórico Dedi-
cação de uma amiga de 1850” (2000, p. 452).
Um autor que reconheceu Firmina dos Reis como sendo a pri-
meira mulher brasileira a lançar um romance foi Josué Montello,
que publicou um artigo no Jornal do Brasil em 11 de novembro
26 Nísia Floresta, nascida em 12 de Outubro de 1810 no povoado do Papari - Rio Grande do Norte,
pertencia a uma família nobre cuja mãe a Senhora Antônia Clara Freire, era dona de extensas
propriedades de terra e o pai, Dionísio Gonçalves Pinto Lisboa era advogado português, muito
inteligente em sua área de formação e liberal. Nísia Floresta morou em muitos lugares do Brasil –
PE (Goiana, Olinda e Recife), RS (Porto Alegre) e Rio de Janeiro. Casou-se muito cedo, aos 13 anos
e com pouca duração neste casamento, casou novamente com um jovem da Faculdade de Direito
de Olinda que aos 25 anos falecia de uma doença. Teve estudos clássicos, teve contato direto com a
cultura europeia quando viajou em 1849 e mais tarde em 1872 com seus dois filhos do seu segundo
casamento, passando pela Grécia, Itália e França, aperfeiçoando seu francês, italiano e recebendo,
diariamente, em sua casa Augusto Comte. O verdadeiro nome dessa escritora é Dionísia Gonçalves
Pinto. Às vezes ela assinava com o pseudônimo de Quotidiana Fidedigna. Como seus últimos dias
de vida ela residia na Europa, morreu na Normandia, em Bonsecour, cidade da França, em 24
de Abril de 1885 aos 75 anos. Hoje o povoado de Papari mudou o nome para Nísia Floresta em
homenagem a esta grande escritora do século XIX.

98 “Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
1975: A primeira romancista brasileira. Tamanha foi a repercussão
do seu texto que no ano seguinte foi republicado, na Revista de
Cultura Brasileña em Madri (Espanha), cujo título foi “La primera
novelista brasileña”.
Por outro lado, sendo Firmina dos Reis ou não a primeira ro-
mancista brasileira, o que importar para este estudo não é esta po-
lêmica, mas sim sua audácia em publicar obras que caminharam
pelas bordas da literatura, ou seja, “falar de “bicos e bordados”,
fazer uma determinada literatura “de perfumaria” era algo per-
mitido e até bem-visto para as moças de boa família [...]” (SILVA,
2011, p. 14), porém, colocar os excluídos pelos preceitos sociocul-
turais como objetivos centrais de seus romances não foi algo aceito
pela elite literária maranhense, muito menos pelo sistema canôni-
co brasileiro27 e ainda, “escrever alguns versos, publicar em jornais,
ter seus álbuns de recordações era até considerado de bom-tom”
(Ibidem, p. 14), mas dar voz aos negros, ao trabalho escravo e a
mulher era ir de encontro a todos os costumes de uma sociedade
imperial estratificada e masculina.
Sobre o cânone literário, um conceito não muito aprofunda-
do, refere-se à reunião de um conjunto de obras ou publicações de
determinado gênero de grande essência e perenidade ou também
chamadas de clássicos universais. Seus autores são considerados
e respeitados, dignos de grande admiração pelo cânone literário.
Assim como os cânones da literatura – ocidental, oriental, brasi-
leiro – fazem junção e escolha de grandes obras e publicações, ao
mesmo tempo fazem exclusão de autores que são julgados como

27 Cânone vem do grego “Kánon” e em latim escrito “Canon” que significa regra ou vara de medir.
Este termo foi utilizado pela primeira vez pelos cristãos para se referir ao padrão de conduta moral
tido como correto e disciplinado pela Igreja. No século IV d. C. esse termo reaparece com novos
significados, onde cânone passa a ser um conjunto de textos que segundo as pessoas escolhidas por
Deus são verdadeiros e escolhidos pela divindade celestial como foi o caso de Moisés, Josué, Salo-
mão, Daniel, Apostolo Paulo e todos os líderes do antigo e novo testamento. Foi somente a partir
da reunião e escolha desses escritos que formou o cânone bíblico ou textos cânones que é nada
mais do que a Bíblia. Nesse sentido, da mesma forma que foi utilizado o termo para a formação
das escrituras sagradas, como textos religiosos, também foi adotado pela literatura, passando a ser
chamado de cânone literário. (PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 61).

“Escritos em Migalhas”: O sexo feminino em busca da educação formal


e de espaços na literatura no Maranhão oitocentista
99
inferiores intelectualmente ou porque possui uma escrita de menor
representação social.
Observando a literatura canônica brasileira, percebemos que
ela foi construída por elementos elitizados, veiculados por rela-
ções de poder de grupos que têm forças cooptativas de ditarem
normas e legitimar aqueles que, segundo o cânone, conseguem
atender aos interesses específicos do grupo ou escusar aqueles que
devido ao tipo de produção literária não condiz com o pensamen-
to da elite. Isso aconteceu com muitas escritoras brasileiras que fo-
ram rejeitadas pelo sistema canônico porque além das publicações
serem produzidas por mulheres, os textos eram compostos por
figuras consideradas marginalizadas pela sociedade e, sobretudo,
tais figuras, como negro, escravo, mulher, faziam parte da centra-
lidade dos enredos28.
Como as escolhas das leituras são transmitidas e repassadas
pelo cânone brasileiro, Firmina dos Reis foi esquecida e silenciada
pelos historiadores e ignorada pelos grandes literatos maranhen-
ses, com certeza isso se deu por causa da sua ousadia em publicar
romances e contos antiescravistas e por dar voz a personagens ex-
cluídos da história onde “o resultado é que uma espessa cortina
de silêncio envolveu a autora ao longo de mais um século. Sílvio
Romero e José Veríssimo a ignoram. E muitos dentre os expoen-
tes de nossa historiografia literária canônica fazem o mesmo [...]”
28 Nas três primeiras décadas de século XX, surge na Europa uma nova corrente de pensamento sobre
a literatura feminina produzidas em séculos anteriores, e os questionamentos do sexo masculino a
todo o momento tenta silenciar as produções femininas. A escritora inglesa Virgína Woolf (1882-
1941), por exemplo, foi uma das precursoras desse movimento. Já no Brasil, este movimento se dá
com maior importância um pouco mais tarde. Foram nas décadas de 1960 e 1970, que surgiram
os questionamentos sobre as literaturas produzidas no século XIX por mulheres brasileiras, as
ausências deste sexo nos espaços das academias literárias e não reconhecimento de suas obras
no cânone brasileiro. Duas décadas importantes na reformulação do pensamento social e acadê-
mico, dos críticos literários, escritores, das instituições de poder, como ressalta Cíntia Schwantes
que “os estudos de gênero [partiram] de uma ampla operação de revisão do cânone literário, na
tentativa de demonstrar que as escritoras mulheres são, a longo prazo, defenestradas do Cânone.
Não necessariamente porque suas obras não tenham qualidade, mas porque, para tornarem-se
capazes de expressar uma experiência especificamente feminina, recusada no contexto de uma
instituição literária falocêntrica, elas precisam, de alguma forma, trair e subverter os pressupostos
que, aparentemente, abraçam. Dessa forma, o que pareceu falha [nessa literatura] é exatamente o
que lhe confere especificidade” (SCHWANTES, 2006 apud SILVA, 2009, p. 12).

100 UFMG Consultoria Júnior - Do Início ao Topo


(DUARTE In REIS, 2004, p. 267. Posfácio). Afirma Morais Filho
que “Maria Firmina dos Reis, lida e aplaudida no seu tempo, foi
como que por amnésia coletiva totalmente esquecida: o nome e a
obra!” (1975, s.p.).
Em Pantheon maranhense, como já havíamos dito no primeiro
capítulo desde estudo, Antonio Henriques Leal faz sua única refe-
rência em nota de rodapé a Firmina dos Reis na parte III - Tributo
de saudade e admiração ao poeta Gonçalves Dias por ocasião da sua
morte a 3 de novembro de 1864, ao dizer que “Nenia á memoria do
mavioso e infeliz poeta dr. A. G. Dias por Maria Firmina dos Reis.
Vem na pag. 197 de seus Cantos á beira-mar” (LEAL, 1874, p. 386)29.
Horácio de Almeida faz uma crítica aos literatos maranhen-
ses, lamentando que os homens ilustres esqueceram Firmina dos
Reis e por isso sua ausência por muito tempo nas histórias e obras
literárias brasileiras, principalmente, no seu próprio estado de ori-
gem, foi inevitável.

Pouco se sabe da autora. Seu nome, Maria Firmina dos


Reis, permaneceu mais de um século sepultado no es-
quecimento. [...] Os que se acotovelavam na literatura
maranhense, entre jornalistas, poetas, escritores, en-
saista, historiadores, nenhum, entretanto, tomou co-
nhecimento da autora, certamente por que era mulher,
numa época em que o homem fazia alarde da proclama-
da superioridade do sexo. (ALMEIDA In UMA MARA-
NHENSE, 1975, p. 1. Prólogo).

Este silenciamento foi tão espesso que não paramos para en-
xergar que Firmina dos Reis, ao abordar os problemas sociais en-
volvendo o negro e o abolicionismo, foi uma pioneira até mesmo

29 A citação foi retirada originalmente do livro, por isso muitas letras não são mais usadas na Língua
portuguesa ou estão em desuso. A palavra ‘nenia’ da citação hoje se escreve ‘nênia’ e significa canto,
já os acentos nos dois ‘a’ estão em desuso. Hoje eles são usados na forma de crase.

UFMG Consultoria Júnior - Do Início ao Topo 101


para alguns escritores ilustres do sexo masculino. O Seu romance
Úrsula foi publicado antes das importantes obras de O Mulato de
1881 e o Cortiço de 1890 de Aluísio Azevedo, bem como do famoso
poema Navio Negreiro de 1869 de Castro Alves, A Escrava Isaura
de 1875 de Bernardo Guimarães e Vítimas-algozes de 1869 de Joa-
quim Manoel de Macedo.
A partir do romance Úrsula30, sua primeira publicação literá-
ria em 1859 pela imprensa Typographia do Progresso, aos poucos
começou a colaborar em jornais da época com textos poéticos em
prosas e versos, charadas, enigmas e logogrifos escritos em formas
de poesias assinando-as “M. F. DOS REIS” ou somente com as si-
glas “M. F. R.”.
Para uma melhor compreensão da dimensão do número de
publicações que Firmina dos Reis conseguiu publicar nos jornais
maranhense, organizei todas dentro de um quadro que vem logo
a seguir31.
Importante frisar que os jornais que aparecem no quadro, so-
mente com o nome do jornal e o ano de publicação foram encon-
trados apenas na Tese Maria Firmina dos Reis e Amélia Beviláqua
na História da Literatura Brasileira: Representação, Imagens e Me-
mórias nos Séculos XIX de Algemira Mendes (2006). Nesta Tese
não foi citado o mês, o nome das publicações dos jornais e muito
menos a refêrencia do acervo que foi encontrado. Os outros que
contêm todas as informações foram coletados no Acervo Digital da
Biblioteca Benedito Leite – BPBL.

30 Depois da 1ª edição pela imprensa Typographia do Progresso, São Luís – MA de 1859, veio outras
edições: 2ª edição de 1975, fac-similar (Gráfica Olímpia – RJ); 3ª edição de 1988 (Editora Presença/
INL-Brasília); 4ª edição de 2004 (Editora Mulheres – SC).
31 Consegui garimpar durante minhas pesquisas trinta textos de gêneros literários publicados em
treze jornais diferentes. Deve-se saber que essa contagem só pertence a este quadro desenvolvido
neste estudo e não significa que todas as poesias, contos, romances ou qualquer outro gênero lite-
rário foram contabilizados. Mas, apenas aqueles que eu consegui achar durante minhas pesquisas.

102 UFMG Consultoria Júnior - Do Início ao Topo


Quadro I

Jornal Gêneros: Poesias, Contos e Romances


A Imprensa Poema sem título em 18 de fevereiro de 1860
Maria I – A nova Sapho – em 6 de Agosto de 1861;
Maria II – A nova Sapho – em 15 de Agosto de 1861;
Maria III – A nova Sapho (Conclusão)
– em 20 de Setembro de 1861;
Logogrifo em 20 de Setembro de 1861;
Ao Amanhecer e o Por do Sol em
20 de Setembro de 1861;
O Jardim das A Vida! em 30 de Setembro de 1861;
Maranhenses Charadas em 30 de Setembro de 1861;
Não me acreditas! em 13 de Outubro de 1861;
Gupeva I em 13 de Outubro de 1861;
Gupeva I (continuação do nº 26) em
25 de Novembro de 1861;
Charadas em 2 de Dezembro de 1861;
Gupeva I e II (continuação do nº 27)
em 13 de janeiro de 1862.
Publicador Maranhense 1861
Porto Livre Republicação de Gupeva em 1863

Fragmento do romance indianista Gupeva


com o título “Carta III” em 1865;
Hosanna em 15 de Janeiro de 1865;
Jornal Echo da T... em 29 de Janeiro de 1865;
Juventude Gupeva I em 12 de Março de 1865;
Gupeva II em 19 de Março de 1865;
Gupeva III em 26 de Março de 1865;
Gupeva IV (conclusão) em 2 de Abril de 1865.

A Verdadeira Marmota 1867


Semanário Maranhense 1867
O Domingo 1872
O País 1885
Revista Maranhense Conto A Escrava13 de Maio de 1887.
Diário do Maranhão 1889
Pacotilha 1900
Federalista 1903

UFMG Consultoria Júnior - Do Início ao Topo 103


Além dessas publicações em jornais, Firmina dos Reis teve o
privilégio de publicar outros gêneros literários. Participou da An-
tologia poética Parnaso Maranhense, impresso pela Typografia do
Progresso em 1861, com duas poesias Por Ver-te e Minha Vida32.
Apenas duas mulheres fez parte desta Antologia: Firmina dos Reis
e Dona Jesuina Augusta Serra. Com um Soneto. Publicou uma
poesia Cantos à beira-mar pela Tipografia do Paiz em 1871, depois
a 2ª edição em fac-símile em 1976. Participou do livro Almanaque
de Lembranças Brasileiras em 1863 e 1868. Lançou o artigo Minhas
impressões de viagem em 1872. Escreveu suas memórias e seu coti-
diano denominada Álbum ou, como Morais Filho ressalta o título,
Resumo de minha vida de 1865.
Firmina dos Reis se destacou também na composição de le-
tras musicais populares. Compôs letra e música no final da segun-
da metade do século XIX, Hino à liberdade dos escravos em 1888,
Canto da Recordação, Hino à mocidade, Pastor estrela do oriente,
Rosinha e Auto de Bumba-meu-boi (hoje é transmitida na forma
de Teatro em música e dança). Ainda fez composição musical de
Valsa e Verso da garrafa33 com letras de Gonçalves Dias e música
de Firmina dos Reis.
Firmina dos Reis fez mérito a sua escrita retratando sua pró-
pria pessoa. Pois, mesmo que muitos a consideram uma pessoa de
cor branca, ela se intitulava negra, pobre e bastarda. Sabia de an-
temão que seu livro Úrsula não seria aceito na sociedade porque
transgredia sua época e ultrapassava o conservadorismo social.
Por isso, logo bem no prólogo comenta que:

32 PARNASO MARANHENSE, 1861, pp. 222-25. In: Acervo Digital da Biblioteca Benedito Leite – BPBL.
33 Segundo uma tradição popular, esta canção deriva de uma história em que Gonçalves Dias, via-
jando para São Luís a destino de tratamentos de saúde, colocou seus últimos versos dentro de uma
garrafa quando viu que o navio, Ville Boulogne, na madrugada do dia 3 de Novembro 1864, iria
naufragar devido a uma batida muito forte nos arrecifes do Baixo dos Atins, já se aproximando
na província maranhense, mais propriamente em Guimarães. Segundo esta tradição, conta que
um pecador achou nas praias de Guimarães uma garrafa com os versos intactos dentro dela. Esta
história também é contada no livro biográfico de Morais Filho, 1975.

104 UFMG Consultoria Júnior - Do Início ao Topo


Mesquinho e humilde livro é este que vos apresento, lei-
tor. Sei que passará entre o indiferentismo glacial de uns
e o riso mofador de outros, e ainda assim o dou a lume.
Não é a vaidade de adquirir nome que me cega, nem o
amor próprio de autor. Sei que pouco vale este roman-
ce, porque é escrito por uma mulher, e mulher brasilei-
ra, de educação acanhada e sem o trato e conversação
dos homens ilustrados, que aconselham, que discutem
e que corrigem, com uma instrução misérrima, apenas
conhecendo a língua de seus pais, e pouco lida, o seu
cabedal intelectual é quase nulo. (REIS, 2004, p. 13).

As palavras descritas no prólogo deixam bastante explícito o


quanto Firmina dos Reis tinha consciência da discriminação sobre
a mulher de seu tempo; sabia ela que o desenvolvimento da produ-
ção literária pertencia ao mundo dos homens e até os leitores atesta-
vam, em forma de abandono, as publicações femininas. Ao dizer que
mesquinho e humilde era seu livro não queria menosprezar o seu
próprio romance, nem mesmo passar a ideia que as mulheres não
poderiam produzir histórias ou participar diretamente das ações so-
ciopolíticas, muito menos se passar por vítima. A verdade é que a
sintetização do seu prólogo justifica de forma bastante depreciadora
o quanto uma obra ou publicações de poemas e contos em jornais
necessitavam da aprovação dos ‘doutos’ oitocentistas. Firmina dos
Reis vivia aquilo que mais tarde Lúcia Sander em “O caráter con-
fessional da literatura de mulheres”, afirma ser: “um pedido de des-
culpas ou um passe de autorização para seus esforços literários, sob
pena de ser considerada louca ou monstruosa” (1989, p. 40).
Ainda no prólogo, Firmina dos Reis já prevendo as indagações
dos leitores, ao dizer no início de seu romance que mesquinho e
humilde é o seu livro e que não tem a pretensão de adquirir status
de grande escritora através dele ou de qualquer outra publicação,

UFMG Consultoria Júnior - Do Início ao Topo 105


lança uma pergunta: “Então por que publicas? perguntará o leitor”
(REIS, 2004, 13). A própria Firmina dos Reis responde:

Como uma tentativa, e mais ainda, por este amor ma-


terno, que não tem limites, que tudo desculpa – os defei-
tos, os achaques, as deformidades do filho – e gosta de
enfeitá-lo e aparecer com ele em toda a parte, mostrá-lo
a todos os conhecidos e vê-lo mimado e acariciado. O
nosso romance, gerou-o a imaginação, e não no soube
colorir, nem aformosentar. [...] Deixai pois que a minha
ÚRSULA, tímida e acanhada, sem dotes da natureza,
nem enfeites e louçanias d’arte, caminhe entre vós. Não
a desprezei, antes amparai-a nos seus incertos e tituban-
tes passos para assim da alento à autora de seus dias, que
talvez com essa proteção cultive mais o seu engenho, e
venha a produção cousa melhor, ou quando menos, sir-
va esse bom acolhimento de incentivo para outras, que
com imaginação mais brilhante, com educação mais
acurada, com instrução mais vasta e liberal, tenham
mais timidez do que nós. (REIS, 2004, p. 13-4).

Esta escritora e educadora percebia não somente a exclusão da


mulher do meio literário, mas também enxergava e sentiu na pele
o tipo de ensino que era transmitida ao sexo feminino. Criticou
severamente a educação patriarcal e freirática e a Lei das Escolas
de Primeiras Letras, outorgada em 15 de outubro de 1827 pelo Im-
pério, na qual beneficiava somente o sexo masculino, promovendo
ainda mais desigualdades entre educandos e educandas, pois se-
gundo esta lei:

Art. 6.º. Os professores ensinarão a ler, escrever, as qua-


tro operações de aritmética, prática de quebrados, deci-
mais e proporções, as noções mais gerais de geometria

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prática, a gramática de língua nacional, e os princípios
de moral cristã e da doutrina da religião católica e apos-
tólica romana, proporcionados à compreensão dos me-
ninos; preferindo para as leituras a Constituição do Im-
pério e a História do Brasil.
Art. 12. As Mestras, além do declarado no Art. 6.º, com
exclusão das noções de geometria e limitado a instru-
ção de aritmética só as suas quatro operações, ensinarão
também as prendas que servem à economia doméstica;
[...]. (LEI DE 15 DE OUTUBRO DE 1827).

A Lei Imperial não deixa dúvidas que o poder central determi-


nava as instruções de ensino e o que seria transmitido aos alunos,
impondo o modelo na educação brasileira que servia como base
para todas as províncias. Nos dois artigos retirados dessa lei de
1827, percebemos que as matérias eram distribuídas de acordo com
o sexo, aos homens a praxe era ensiná-los a ler, escrever e fazer con-
tas matemáticas, já para as mulheres o ensino estava voltado para
a aprendizagem das prendas domésticas. Por isso que, enquanto
Gonçalves Dias, Gonçalves de Magalhães, Álvares de Azevedo,
Casimiro de Abreu, Castro Alves, Coelho Neto aprenderam a tra-
balhar com a escrita nas grandes escolas do Brasil e posteriormente
na Europa, muitas escritoras do século XIX que hoje conhecemos,
tiveram que se sobressair através do autodidatismo.
Para que prevalecesse a educação da leitura e da escrita acima
das instruções para o lar – costurar e bordar, lavar e cozer, saber
cuidar dos filhos e do marido, reajustaram seus territórios domés-
ticos, fazendo de seus espaços privados novos modos de escolari-
zação feminina. Com certeza, foi esse novo pensar da mulher sobre
se educar, em equivalência aos homens, que o sexo feminino come-
ça a galgar, principalmente, a partir da segunda metade do século

UFMG Consultoria Júnior - Do Início ao Topo 107


XIX, uma nova construção de identidade de seu sexo, tanto em
âmbito social como político.
No Álbum, Firmina dos Reis faz um alerta sobre como a au-
sência da educação formal tem deixado o sexo feminino debilitado
a exercer certos espaços ou funções pré-definidas pela sociedade
masculina. Segundo o texto escrito em 1863:

De uma compleição débil e acanhada, eu não podia dei-


xar de ser uma criatura frágil, tímida e, por consequên-
cia, melancólica: uma espécie de educação freirática veio
dar remate a estas disposições naturais. Encerrada na
casa materna, que só conhecia o céu, as estrelas e as flo-
res que minha avó cultivava com esmero; talvez por isso
eu tanto amei as flores; foram elas o meu primeiro amor.
[...] Há um desejo, há muito alimentado em minha alma,
após o qual minha alma tem voado infinitos espaços e
este desejo insondável e jamais satisfeito, afagado, e ja-
mais saciado, indefinível, quase que misterioso, é, pois,
sem dúvida, o objeto único de meus pesares infantis e
de minhas mágoas. Eu não aborreço os homens, nem o
mundo, mas há horas e dias inteiros que aborreço a mim
própria. (REIS apud MORAIS FILHO, 1975, p.s.).

Este Álbum de Firmina dos Reis, também intitulado de Recor-


dações de Minha Vida, é uma das grandes realizações deixada por
ela, não se trata apenas de uma produção literária, mas também
de uma autobiografia feito em textos na forma de diário mesclado
entre crônicas e poemas elegíacos de histórias verdadeiras, data-
dos entre 9 de Janeiro de 1853, anos depois de ter ingressada como
mestra, e 1º de Abril de 1903, aos 78 anos de idade quando já tinha
visto e presenciado muitas coisas ao longo de sua vida.
Bem no começo do Álbum fala que é um “livro da alma; é
nele que estampamos os nossos mais íntimos sentimentos, os nos-

108 UFMG Consultoria Júnior - Do Início ao Topo


sos mais extremosos afetos; assim como as mais pungentes dores
de nossos corações” (REIS apud MORAIS FILHO, 1975, s.p.). Ob-
servando a produção da escrita dessas recordações de sentimen-
tos, tristeza, solidão, suas dores de ver amigos partindo, mostra o
quanto sua personalidade era forte e que não temia expor o que se
passava no cotidiano de sua vida. Escreveu no dia 9 de Janeiro de
1853 ao ver uma grande amiga morrer dizendo:

Dia este que há de ser eternamente gravado em minha


mente. Uma lágrima sobre um túmulo. [...] / E eu chora-
va porque a meus pés estava um túmulo [...]. E ninguém
partilhava minha dor! [...] / Deus! Ajoelhei-me sobre
a terra ainda revolta do sepulcro, meu espírito sentiu
amarga consolação./ Por que? Por que Deus amerceou-
se de mim. Eu chorei sobre a sepultura mas era um
pranto já mais resignado...[...]. (REIS apud MORAIS FI-
LHO, 1975, s.p.).

O diário se revela como uma porta de conhecimento pessoal


de Firmina dos Reis. É por meio dele que descobrimos particu-
laridades da vida dessa escritora. Por exemplo, ela deixa trans-
parecer que sofria por nunca ter tido um amor, ou seja, por não
ter tido um marido. A solteirice lhe acompanhou por toda vida,
entretanto, ela nunca aceitou isso. Os textos nos induz saber que
nunca foi por opção viver moça solteira. O que ao mesmo tempo
não explica em seu diário ou em outro escrito o porquê de nunca
ter enamorado ninguém.
Nas suas confissões ela escreve que: “Amo a noite, o silêncio
[...]. Amo as amigas de minha infância, e de minha juventude, e
sobre todas as coisas eu amo a Deus; e ainda assim não sou feliz;
porque insondável me segue, me acompanha esse querer indefiní-
vel que só poderá encontrar satisfação na sepultura” (REIS apud
MORAIS FILHO, 1975, s.p.). Talvez seja por isso que sua literatura

UFMG Consultoria Júnior - Do Início ao Topo 109


vem sempre acompanhada de uma tonalidade solitária e melancó-
lica, em que as únicas coisas que parece se apegar, firmemente, é ao
ofício como escritora, educadora e a Deus.
Como já não bastasse a sua árdua caminhada de viver sozi-
nha, relata ter tido um filho adotivo, depois que a mãe biológica
morreu cinco dias após o parto. Firmina dos Reis pegou a criança
sem nome e batizou-o de Renato: “[...] creio que assim se chama-
rá o pequeno órfão que recebi para não mais aleitar. Inocentinho,
coitado! Nasceu a 6 de dezembro de 1862” (REIS apud MORAIS
FILHO, 1975, s.p.). Não durou muito tempo essa criança nos bra-
ços de Firmina dos Reis, pois com menos de um ano, mais precisa-
mente junho de 1863, o filho adotivo morre sem deixar explicação
a causa da morte em seu Álbum. Apenas, em dores e prantos gritou
em formas de palavras dizendo:

Renato! Renato, meu filho adotivo, meu pobre anjinho,


já não existes!... Que fatalidade, meu Deus!... É duro ver-
se morrer aquela a quem se dedica afeição quase ma-
terna. Dez dias de sofrimento... dez dias. Renato, pobre
florzinha açoitada pelo furação quebrou na haste ainda
tão débil e tão mimosa... [...] Que loucura! Perdoai-me
Senhor, mas, me criaste tão fraca, tão sensível à dor!!!
(REIS apud MORAIS FILHO, 1975, s.p.).

Todos esses fragmentos descritos foram coletados por José


Nascimento Morais Filho34. Este escritor maranhense, considera-

34 Nascido em São Luís no dia 15 de Julho de 1922, filho de um dos grandes escritores, cronista e
jornalista maranhense do século XIX, José Nascimento Moraes, como foi reconhecido pela litera-
tura brasileira ao escrever o livro Vencidos e Degenerados, em que Morais Filho ao herdar do pai o
talento pelas letras não ficou para trás no reconhecimento social. Estudou no Liceu Maranhense e
em 1976 assumiu a cadeira de 37 na Academia Maranhense de Letras. Foi um grande pesquisador
da história do Maranhão no campo social, cultural e econômico, biógrafo de Firmina dos Reis,
escreveu o livro de poesias sociais O Clamor da Hora Presente de 1955, Esperando a Missa do Galo
de 1973, dentre outros textos de grande valor. Morreu em 2009 aos 87 anos. Segundo o pesquisador
francês de literatura Jean-Yves Mérian, da Universidade de Haute Bretagne, em Rennes, disse que:
“O autor de ‘Vencidos e Degenerados’ encontrou no seu filho um continuador, quando publicou
‘O Clamor da Hora Presente’, em 1955. Este grupo de poemas é um grito de revolta contra a espo-

110 UFMG Consultoria Júnior - Do Início ao Topo


do o filho biógrafo de Firmina dos Reis, pesquisou profundamente
a vida da escritora desde 1973, resgatando todos os manuscritos
possíveis, jornais e entrevistas com ex-alunas quando atuou como
professora em Guimarães, reunindo tudo numa só obra, como o
nome Maria Firmina dos Reis – fragmentos de uma vida, publican-
do-a em 11 de outubro de 1975, mesmo dia que se comemorava os
150 anos de nascimento da escritora.
Explica Morais Filho que descobriu Firmina dos Reis “[...]
casualmente, em 1973, ao procurar nos bolorentos jornais do sé-
culo XIX, na “Biblioteca Pública Benedito Leite”, textos natalinos
de autores maranhenses para nossa obra, “Esperando a Missa do
Galo”. [...]” (MORAIS FILHO, 1975, s.p.). Ao entrevistar o Sr. Leu-
de Guimarães, parente próximo de Firmina, afirma que ao vir mo-
rar em São Luís depois da morte de Maria Firmina dos Reis trouxe
consigo muitos manuscritos dela, incluindo cadernos de romances
e um álbum contendo toda sua vida e de sua família, “[...] mas os
ladrões, um dia, entraram no quarto do hotel onde estava hospe-
dado, arrombaram o baú, e levaram tudo o que nele havia. Só me
deixaram, de recordação, os restos desse álbum, que encontrei pelo
chão” (MORAIS FILHO, 1975, s.p.).
Foi através dos testemunhos de ex-alunas e de poucas pessoas
de sua família que Morais Filho descobriu muitas particularidades
da vida de Firmina dos Reis, como, por exemplo, como era a fisio-
nomia da escritora, visto que não há nenhum registro encontrado
de fotos dela. Há somente um busto feito pelo escultor maranhense
Flory Gama35.
liação de que são vítimas os países dominados pelas grandes companhias petrolíferas. É um apelo
apaixonado à luta por um mundo melhor” (MORAIS FILHO apud SANTOS, 2015, s.p.).
35 Primeiramente o busto de Firmina dos Reis tinha sido colocado na Praça do Panteon em frente
à Biblioteca Pública Benedito Leite em 1975 junto com outros 17 bustos de intelectuais do Mara-
nhão. Alguns anos depois, tanto o busto de Firmina quanto os outros 17 foram para o jardim do
Museu Histórico e Artístico do Maranhão em São Luís. O escultor Flory Gama projetou a partir
da descrição feita por pessoas que conviveu com ela. Há um quadro feito por um artista plástico
chamado Rogério Martins dizendo que é o retrato de Firmina dos Reis. Na época foi aceito e ainda
hoje há documentos que afirmam isso. Mas, na verdade, pesquisas profundas, por historiadores
que vem estudando há tempo a vida dessa escritora, concluíram que esse quadro é o retrato da
escritora gaúcha Maria Benedita Borman, conhecida pelo pseudônimo de “Délia”. O livro Mulheres

UFMG Consultoria Júnior - Do Início ao Topo 111


Segundo as pessoas que conheceram Firmina dos Reis, quan-
do já tinha seus 85 anos de idade, explicam que por mais que levas-
se uma vida solitária e melancólica, com um rosto redondo, rugas
pelo tempo, olhos negros e sobrancelhas firmes, transparecia a fi-
gura de uma pessoa alegre, parecia não havia ilusões ou amarguras
em seu olhar. No seu diário apenas diz “que ninguém a conhece
bem porque não se dá a conhecer” (REIS apud MORAIS FILHO,
1975, s.p.). Não a conheciam bem porque a verdade é que a felicida-
de de Firmina dos Reis não estava em si mesma, mas nas pessoas
em que ela tanto amava e tinha um enorme afeto (MORAIS FI-
LHO apud GERMINA, p. 28).

2.2 Enquanto isso em Úrsula e A Escrava... Os enredos


de Maria Firmina dos Reis dialogando com o contexto
social e político no Maranhão Oitocentos
Um dia o pesquisador e historiador Horácio de Almeida36 vi-
sitando uma casa de livros usados, no Rio de Janeiro, em 1962,
achou perdida, toda empoeirada, o romance Úrsula de 1859. Se-
gundo Raimundo de Menezes, o que levou Horácio pesquisar pro-
fundamente a vida de Firmina dos Reis foi porque “[...] no lugar do
nome do autor, estava assinado Uma Maranhense. Depois de mui-
tos estudos, [...] descobriu a identidade da autora [...]” (MENEZES,
1978, p. 570-571).

Illustres do Brazil de D. Ignez Sabino, publicado em 1899 e reeditado em 1996, na página 103,
apenas confirma o erro de descrição a pessoa. Para mais informações sobre as controvérsias de sua
imagem, ver: VAZ, 2014, p. 3.
36 Nascido, final do século XIX, numa pequena cidade chamada de Areia do Estado da Paraíba, em 21
de Outubro de 1896, iniciou seus estudos muito tarde como ele próprio ressalta que “em 1911, aos
quinze anos de idade, menos que analfabeto, larguei a escola. Longe estava de concluir o primário.
Lia mal o terceiro livro de leituras de Felisberto Carvalho e só copiando escrevia, isso mesmo em
letras garranchosas, pois ditado nunca fiz. [...] Apenas em geografia tinha a prosopopeias de dizer
que sabia quantos Estados tinha o Brasil, quais as capitais e outras coisitas mais. Era todo o meu
cabedal de conhecimentos” (ALMEIDA, 1962, p. 78 apud NASCIMENTO, 2010, p. 20). Terminou
seu estudos no Lyceu Paraibano e, em 1930, conclui seu Bacharelado em Direito na Faculdade
de Recife. Como intelectual de sua época, foi Juiz Eleitoral, redator de vários jornais e escreveu
diversas obras, o que deu reconhecimento acadêmico e social, aceitando o convite de participar do
Instituto Histórico da Paraíba – IHGP.

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No mesmo ano que Morais Filho publicava o livro Fragmen-
tos de Uma Vida em 1975, Horácio de Almeida lançava ao públi-
co o romance Úrsula em fac-símile. Após doá-lo para o Estado do
Maranhão, nunca mais foi encontrado o exemplar que originou a
edição fac-similar37.

Figura IV: Capa e contracapa do romance Úrsula em edição fac-similar publicada


por Horácio de Almeida em 1975. Observe na contracapa que o nome da
autora Maria Firmina dos Reis ainda permanece no pseudônimo de “Uma
Maranhense”. Fonte: Acervo Digital da Biblioteca Benedito Leite – BPBL.

Foi encontrado por Morais Filho jornais que trataram da


repercussão do romance Úrsula assim que ele foi publicado. Per-
cebemos até uma certa aceitação pelo meio literário dos jornais.
Contudo, Úrsula ficou apenas nas propagandas dos anúncios he-
merográficos locais. Veja a exaltação do romance:

37 Para a autora Luíza Lobo em Crítica sem juízo (1993), este exemplar pode estar com o escritor
maranhense Jomar Moraes. Entretanto, ele nega essa informação.

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NOTICIARIO
OBRA NOVA. = Com o título de Ursula publicou a Sra.
Maria Firmina dos Reis um romance nitidamente im-
presso que se acha à venda na typografia do Progresso.
Convidamos aos nossos leitores a apreciarem essa obra
original maranhense, que, com quanto não seja per-
feita, revela muito talento na autora, e mostra que se
não lhe faltar animação podera produzir trabalhos de
maior merito. O estylo facil e agradável, a sustentação
do enredo e o desfecho natural e impressionador põem
patentes neste bello ensaio dotes que devem ser cuida-
dosamente cultivados.
É pena que o acanhamento mui desculpavel da novela
escripta não desse todo o desenvolvimento a algumas
scenas tocantes, como as da escravidão, que tanto pec-
cão pelo modo abreviado com que são escriptas.
A não desanimar a autora na carreira que tão brilhan-
temente ensaiou, podera para o futuro, dar-nos bellos
vollumes. (JORNAL DO COMMERCIO, nº 61, ano III.
4 de agosto de 1860, p. 2).

CRÔNICA SEMANÁRIA
URSULA – Acha-se à venda na Typografia do Progres-
so, este romance original brasileiro, produção da Exma.
Sra. D. Maria Firmina dos Reis, professora pública em
Guimarães. Saudamos a nossa comprovinciana pelo
seu ensaio, que revela de sua parte bastante ilustração:
e, com mais vagar emitiremos a nossa opinião desde já
afiançamos não será desfavorável à nossa distinta com-
provinciana. (JORNAL A MODERAÇÃO, 11 de agosto
de 1860 Apud MORAIS FILHO, 1975, s.p.).

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O recorte do Jornal a seguir nos chama atenção de forma intri-
gante de como a imprensa faz a divulgação da obra nos seus anún-
cios de jornais ao dizer que o romance é digno de ser lido porque
foi escrito com uma elegância na escrita e um talento maranhense
jamais visto. O Jornal afirma ainda que o romance deve ter uma
proteção pública para que a autora continue a demonstrar seus ta-
lentos. Mas, afinal, por que dessa proteção pública a Úrsula? Com
certeza, para protegê-la de uma sociedade masculina e misógina.
Seria aquilo que o Jornal A Verdadeira Marmota (citação completa
deste Jornal mais a frente) iria defender sobre os escritos feitos por
uma mulher e ao mesmo tempo combater a óptica que a socieda-
de enxergava o sexo feminino, como um ser frágil, sentimental e
incapaz de romper o círculo de ferro, em que o homem traçava a
educação à mulher de uma forma acanhada e preconceituosa.
Veja o anúncio retirado do Jornal Publicador Maranhense:

Figura V: Recorte do Jornal Publicador Maranhense fazendo um apelo


para que os leitores pudessem ler o romance Úrsula de Firmina dos
Reis. Fonte: Jornal Publicador Maranhense. 9 de agosto de 1860, p.
4. In: Acervo da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

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Por falta de vestígios documentais sempre foi questionado
como Firmina dos Reis conseguiu publicar seu romance numa so-
ciedade em que o sexo feminino pouco acesso tinha aos grupos
literários. Não há indícios que possa nos dar um norte de com-
preensão de Úrsula ter sido aceito para a impressão na Tipografia
regida, somente, pelo sexo masculino. Não por confirmação, mas
por conjectura, existe a possibilidade de que Firmina dos Reis con-
seguiu a publicação devido o escritor e intelectual Francisco Sotero
do Reis ter tido uma relação estreita de laços de parentesco, eram
primos, e ainda porque ela já tinha adquirido certo reconhecimen-
to devido ao cargo de professora em Guimarães.
Ainda assim, mesmo com aceitação da imprensa, Firmina dos
Reis não hesitou em publicar seu romance assinado com pseudôni-
mo. Isso porque, sentiu a necessidade de que para entrar no univer-
so dos homens letrados e quebrar os estereótipos sobre escritoras,
não poderia de imediato se identificar. O próprio Jornal da época,
A Verdadeira Marmota, assim que saiu a 1ª edição de Úrsula, reco-
nheceu o trabalho da escritora e fez uma crítica ao sexo masculino
por ter o poder de dominar, julgar e excluir qualquer texto produ-
zido por uma mulher:

A autora de Úrsula
Raro é ver o belo sexo entregar-se a trabalhos do espíri-
to, e deixando os prazeres fáceis do salão propor-se aos
afãs das lides literárias.
[...]
Quando, porém, esse ente, que forma o encanto da nossa
peregrinação na vida, se dedica às contemplações do es-
pírito, surge uma Roland, uma Stael, uma Sand, uma H.
Stowe, que vale cada delas mais do que bons escritores;
porque reúnem à graça do estilo, vivas e animadas ima-
gens, e esse sentimento delicado que só o sexo amável

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sabe exprimir. Se é, pois, cousa peregrina ver na Europa,
ou na América do Norte, uma mulher, que, rompendo a
círculo de ferro traçado pela educação acanhada que lhe
damos, nós os homens e, indo por diante de preconceito,
apresentar-se no mundo, servindo-se da pena e tomar
assento nos lugares mais proeminentes do banquete da
inteligência, mais grato e singular é ainda ter de apreciar
um talento formoso e dotado de muitas imaginações,
despontando no nosso céu do Brasil, onde a mulher não
tem educação literária, onde a sociedade dos homens de
letra é quase nula.
Oferecemos hoje aos nossos leitores algumas de suas
produções, que vêm dar todo o brilho e realce à nos-
sa “Marmota”, que ufana-se de poder contar doravante
com tão distinta colaboradora, que servirá por certo de
incentivo às nossas belas, que talvez com o exemplo, co-
brem ânimo, e se atrevam a cultivar tanto talento, que
anda acaso por aí oculto.
O belo sexo não deve viver segregado de tão sublime arte
[...] tome a senda que lhe abre com tão bons auspícios,
rodeada de aplausos merecidos, D. Maria Firmina dos
Reis [...].
[...] a poesia é dom do céu, e a ninguém dotou mais lar-
gamente a divindade do que ao ente delicado, capricho-
so e sentimental – a mulher [...].
(A VERDADEIRA MARMOTA, 13 maio 1861 apud
MORAIS FILHO, 1975, s.p.).

As mulheres que possuíam um ofício, que não fosse dentro


de seu espaço privado, como era o caso de Firmina do Reis que
tinha o trabalho de professora e ainda detinha do meio literário,
recebiam elogios da imprensa de uma forma simples e estranha,
chamada de “sexo frágil” ou “belo sexo frágil”, como é o trecho do

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Jornal. O redator de A Verdadeira Marmota uma hora defende a
mulher, principalmente, a Firmina dos Reis, dizendo que ela con-
seguiu sobressair da cultura imposta como modelo as mulheres
de sua época, como, por exemplo, “deixando os prazeres fáceis do
salão”, deixando bastante perceptível que o etos predominante era
viver entre bordas, lar, e “coisas” de mulher, e, ao mesmo tempo, o
redator, acaba não apartando sua escrita dos vis costumes da épo-
ca ao dizer que não há mais divino na terra do que “ente delicado,
caprichoso e sentimental” que é a mulher.
Os personagens de Úrsula e no conto A Escrava são, nada mais
do que, uma representação das mulheres maranhenses do século
XIX, nativos, negros e daqueles que tinham certo poder social e po-
lítico na província. Aqui, romance de Úrsula, não se trata de especifi-
car, propriamente, determinada pessoa próxima à escrita, mas como
explica Pesavento “as representações [...], portadoras de símbolos, ou
seja, dizem mais do que aquilo que mostram ou enunciam, carrega
sentidos ocultos, no inconsciente coletivo [...]” (2008, p. 41).
Em outras palavras, Firmina dos Reis representou coletiva-
mente os grupos excluídos incorporando discursos inventados e
reais, referenciando-se nos seus enredos, lugares sociais imaginá-
rios, inclusive os personagens, mas que não se distanciou do tem-
po cronológico no momento que elaborava seus escritos, tornando
essa criação imaginária a realidade do comportamento e padrões
sociais dos homens e das mulheres, costumes, dominação e poder.
Tudo numa forma simbólica.
Para que isso pudesse acontecer de forma eficaz, Firmina dos
Reis narra a história na terceira pessoa, na qual a escritora contex-
tualiza o enredo no espaço e tempo no período em que é publicado
o romance, ou seja, em 1859. Assim, ela traz o Maranhão para den-
tro de seu enredo na forma real como ele era – rural, de economia
instável, mão-de-obra escrava, formação familiar patriarcal, edu-
cação elitista e masculina.

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Úrsula, que vem do latim “ursa”, “ursinha” ou também “peque-
na ursa”, significa suportar, superar. Tal significado é carregado de
uma simbologia em que o animal urso representa a força e a cora-
gem. Tomando como referência o título do romance, Firmina dos
Reis nos transmite que Úrsula é a personificação do ideal de mulher
no Brasil oitocentista, ou como a sociedade vai exigir – a mulher
ideal, carregada de potencialidades, virtuosa, obediente, dócil, ma-
ternal e delicada. Outras versões desse nome nos induz saber que a
escolha dessa personagem como a principal do enredo não foi por
acaso. Pois, Úrsula é considerada uma Santa da Igreja Católica.
Conta a história, em suas várias versões, que consagrada a
Deus como a escolhida por sua beleza e pureza teria sido pedida
em casamento por um príncipe não cristão, segundo ela, pagão.
Apaixonada por ele, mas comprometida com Deus, decide pedir
um tempo para refletir sobre a proposta do príncipe. Nesse inter-
valo, Úrsula intercede, em suas pressas religiosas, para que seu pre-
tendente convertesse ao catolicismo.
Quando Úrsula decide casar, ela viaja em um navio com mais
onze virgens38 que iriam selar também matrimônios com solda-
dos do Duque Conanus. Ao aportar na Alemanha, em um de suas
colônias que tinha sido tomada pelo exército hunos do rei Ática,
os hunos matam todos que estavam no navio, exceto Úrsula que
sobrevive devido ao rei Ática não permitir sua morte. O rei en-
cantado com sua beleza e delicadeza feminina propõe casamento
e honras de rainha, mas “[...] ela recusou, afirmando já ser esposa
do mais poderoso dos reis: Jesus Cristo. Átila, enfurecido com a re-
jeição, degola pessoalmente a jovem, no dia 21 de outubro de 383”
(MENDES, 2013, p. 94).
38 Numas versões mais antigas, a tradução indica que eram onze mil virgens, mas muitos defendem
ser apenas onze mesmo. Até mesmo porque a casa dos mil seria desproporcional à viagem. O que
podemos dizer por certo é que Santa Úrsula inspirou não somente Maria Firmina dos Reis, mas
também o surgimento das Irmãs Ursulinas, a formação da Companhia de Santa Úrsula de 1536
de Ângela Mérici e até o Recolhimento de Nossa Senhora da Anunciação e Remédios, fundado
pelo padre jesuíta Gabriel Malagrida em 1753, onde as recolhidas vincularam-se às Ursulinas do
Coração de Jesus.

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Por coincidência ou não, o mês de nascimento de Firmina dos
Reis é o mesmo em que morreu Úrsula e que logo depois, outubro,
seria consagrado no calendário cristão como o mês de Santa Úrsu-
la. Daí tiramos a noção que Firmina dos Reis conhecia a história
dessa mulher que se tornou santa. Até mesmo porque era uma his-
tória muito contada nas missas católicas, como, por exemplo, o Pa-
dre José de Anchieta publicou um auto chamado de Santa Úrsula.
A Úrsula que prega Firmina dos Reis é tida como uma santa,
um ser angelical, desprendida de interesses próprios e mundanos.
Da mesma forma eram as “Úrsulas” da vida real do século XIX,
que se exigiam delas pureza virginal e que deveriam aceitar de for-
ma resignada as situações impostas a sua natureza. A autora des-
creve o perfil da personagem Úrsula dizendo:

Úrsula, a mimosa filha de Luisa B..., a flor daquelas so-


lidões [...] Esse anjo de sublime doçura [...]. Bela como
o primeiro raio de esperança [...]. Era ela tão caridosa...
tão bela... e tanta compaixão lhe inspirava o sofrimento
alheio, que lágrimas de tristeza e de sincero pesar se lhe
escaparam dos olhos, negros, formosos, e melancólicos.
[...] Úrsula era ingênua e singela em todas as suas ações.
(REIS, 2004, p. 32-3).

O romance de Firmina dos Reis, constituído por um prólogo,


vinte capítulos e um epílogo, é composto por muitos personagens
que dialogam entre si, constantemente, bem como a voz da narra-
dora que durante todo o enredo vai tecendo seu ponto de vista e
posicionando-se na história.
Temos a Úrsula, da qual já falamos um pouco, que é conside-
rada como a principal pessoa do romance. Responsável pela aber-
tura e desfecho do enredo e porque ela serve de referência para
as ações e mudanças de comportamentos dos outros personagens.
Tancredo, jovem branco e rico no qual Úrsula se apaixona. Ade-

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laide, primeiro amor de Tancredo. A senhora paralítica Luísa B...,
mãe de Úrsula. A preta Susana, escrava que trabalha na fazenda de
Luísa B..., Túlio, escravo negro que trabalha no outeiro de Luísa B...
e depois vira amigo de Tancredo.
Além dos personagens citados acima, existem ainda a mãe e o
pai do jovem Tancredo, onde os seus nomes não aparecem. A mãe,
uma mulher tida como santa, carismática, faz qualquer sacrifício
pelo filho, sofrida pelos maus tratos do marido, e o pai do mancebo
um velho rico, patriarcalista e despótico. Fernando P..., conhecido
como O Comendador, tido como o vilão romântico da história,
que durante o desenrolar do romance faz uma tríade entre Úrsula
e Tancredo. Antero, escravo do Comendador, mais alguns que apa-
recem no percurso do enredo.
Algo que nos chama muito atenção na literatura de Firmina
dos Reis é que a autora não só deixa seus personagens falarem na
primeira pessoa, ainda que sejam excluídos dos grupos dominan-
tes, como cria um capítulo para cada um contar sua história de
vida com o próprio nome dos personagens, como é o caso dos ca-
pítulos de Adelaide, Luísa B..., a preta Susana e Túlio.
Nesse sentido, as narrativas de cada história são inter-relacio-
nadas se encaixando de forma cronológica e harmoniosa, como
explica Mendes que “a técnica utilizada para a construção do ro-
mance é a de encaixe de narrativas, nas quais as personagens con-
tam suas vidas” (2006, p. 48). E, ainda, entre uma narração (fala)
e outra, Firmina dos Reis vai dialogando com o leitor de maneira
lógica sobre cada desejo, anseio, amor, repúdio, sofrimento, des-
prezo de seus personagens.
Para facilitar nossa compreensão do romance Úrsula, fiz um
resumo da história, citando e comentando apenas as partes prin-
cipais do enredo, analisando a fala de Firmina dos Reis quando se
posiciona dentro do próprio enrendo, ou seja, o que a autora dese-
java transmitir para quem fosse ler seu romance.

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Segundo o romance, certa vez um jovem branco de família
abastada, chamado Tancredo, cavalgava em seu cavalo em uma ri-
sonha manhã de agosto, atravessando um majestoso campo, quan-
do o mancebo, abstrato da extrema prostração do cavalo, como
afirma Firmina dos Reis que “[...] o pobre animal, desalento, mal
cadenciava os pesados passos” (2004, p. 18), passou perto de um
terreno acidentado, distendeu as pernas e, com isso, acabou dila-
tando o pescoço, caiu junto com meditabundo viajante.

Caiu, e de um jato perdeu o sentimento da própria vida;


porque a queda lhe ofendeu o crânio, e aturdido, e mal-
tratado desmaiou completamente. Para mais desastre o
pobre animal no último arranco do existir, distendendo
as pernas, foi comprimir acerbamente o pé direito do
mancebo [...]. (REIS, 2004, p. 20).

Neste momento em que o jovem estava lançado nos areais da-


quele campo, onde dardejavam raios de sol ardente e abrasador so-
bre o mancebo, despontava de longe alguém que, vagarosamente,
ia tomando formas de um homem e que aos poucos se aproximava
para perto do jovem. Ao vê-lo coberto pelo seu próprio sangue e
oprimido por um animal já morto, cuidou logo de colocar a mão
sobre o peito do rapaz para sentir as espaçadas pulsações e ficou
alegre, pois o viajante desconhecido ainda respirava.
O homem a quem se refere Firmina dos Reis no romance, que
salvou a vida do infeliz mancebo que padecia entre as dores da que-
da e do sol, era Túlio. Um escravizado que trabalhava no sítio onde
morava Úrsula e sua mãe Luísa B... Segundo a autora do romance,
Túlio “era um pobre rapaz, que ao muito parecia contar vinte e
cinco anos [...]. O sangue africano lhe fervia nas veias; o mísero
ligava-se à odiosa cadeia da escravidão” (REIS, 2004, 22).

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O escravo colocou o mancebo nas costas e levou para o sítio
da senhora Luísa B... para que ela pudesse cuidar dos ferimentos
deste desconhecido. No caminho para o outeiro, pouco a pouco o
jovem retomava a vida abrindo devagarmente os olhos lânguidos
pela dor. Aqui, surge o primeiro diálogo entre o escravo e o jovem
branco.

— Quem és? – perguntou o mancebo ao escravo [...].


– Por que assim mostras interessar-te por mim?! – Se-
nhor! – balbuciou o negro – vosso estado... Eu – conti-
nuou com acanhamento, que a escravidão gerava – su-
posto nenhum serviço vos possa prestar, todavia quisera
poder ser-vos útil. Perdoai-me! – Eu? [...] Eu perdoar-
te! Pudera todos os corações assemelharem-se ao teu.
[...]. Entretanto o pobre negro, fiel ao humilde hábito
do escravo, com os braços cruzados sobre o peito, des-
caía agora a vista para a terra, aguardando tímido uma
nova interrogação. Apesar da febre, que despontava, o
cavaleiro começava a coordenar suas ideias. [...] Num
transporte de íntima e generosidade gratidão o mance-
bo arrancando a luva, que lhe calçava a destra, estendeu
a mão ao homem que o salvara. Mas este, confundido e
perplexo, religiosamente ajoelhando, tomou respeitoso e
reconhecido essa alva mão, que o mais elevado requinte
de delicadeza lhe oferecia, e com humildade tocante, ex-
tasiado, beijou-a. (REIS, 2004, p. 24-5).

Percebemos claramente que, Firmina dos Reis retrata a condi-


ção de um escravo oitocentista quando comparada ao seu senhor.
Por mais que houvesse uma relação próxima e recíproca entre um
branco e um negro, este foi ensinado e moldado que grande é a
diferença que existe entre os grupos sociais que dominam e os que
são dominados, entre os escravos e os detentores de poder.

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Ainda que uma pessoa branca fosse generosa a um negro es-
cravo, como foi o caso de Tancredo estendendo sua mão a Túlio,
o negro deveria se portar como foi ensinado – com a vista decaí-
da para a terra, chamando pelo tratamento de senhor ou senhora,
nunca perguntando, mas sempre esperando por uma indagação,
jamais perdoar e sim, pedindo perdão. Culturalmente, o negro
aprendeu que em nenhum momento da vida ele deveria se igualar
ao seu senhor. Sempre seria inferior e deveria ter total respeito e
obediência aos brancos.
E continua o diálogo entre os dois:

— Como te chamas, generoso amigo? Qual é a tua con-


dição? – Chamo-me Túlio. – A tua condição, Túlio? –
A minha condição é de mísero escravo! Meu senhor
– continuou – não me chameis amigo. Calculastes já,
sondastes vós a distância que nos separa? Ah! o escravo
é tão infeliz!... tão mesquinha, e rasteira é a sua sorte,
que.. – Cala-te, oh! Pelo céu, cala-te, meu pobre Túlio
– interrompeu o jovem cavaleiro – dia virá em que os
homens reconheçam que são todos irmãos. Túlio, meu
amigo, eu avalio a grandeza de dores sem lenitivo, que te
borbulha na alma, compreendo tua amargura, e amaldi-
çoo em teu nome ao primeiro homem que escravizou a
seu semelhante. [...] o branco desdenhou a generosidade
do negro e cuspiu sobre a pureza dos seus sentimentos!
(REIS, 2004, p. 27-8). (Grifos do autor).

Mesmo Firmina dos Reis sabendo desse hiato que existe entre
esses dois grupos – os brancos elitistas e os negros – ela escreve
em seu romance um jovem de cor branca e de poder aquisitivo
chamando um negro escravo de amigo. Com certeza, ao mostrar-
se inovadora na sua escrita, ou mais do que isso, mostrar que cada
escritor pode inovar a fala de cada personagem de sua história,

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mesmo que esteja longe da materialização do fato real, isso foi um
choque no pensamento elitista. Ainda mais porque Firmina dos
Reis idealizava que um dia o mísero escravo poderia ser chamado
de amigo por seu senhor ou por um homem branco e que todos
seriam considerados irmãos, colocando em pauta no seu enredo
que não estaria distante o fim da escravidão no Brasil.
Tancredo diz que há esperança de um dia os homens se verem
como iguais e se reconhecerem como irmãos. Por mais que Tan-
credo fosse branco e de classe rica, o jovem se sensibilizava pela
dor da escravidão. Até podemos dizer que tal sensibilidade à dor
de Túlio seria porque Tancredo passava também por algumas hu-
milhações advindas de seu pai – um senhor rico, rude e que trazia
sofrimentos com suas grosserias à família, onde fabricava um fato
social na qual era também integrante, ou porque Tancredo sonha-
va com a liberdade dos negros escravizados.
Isso nos traz certos questionamentos no romance: será que Fir-
mina dos Reis quis nos repassar a ideia de que havia pessoas da elite
que não via como bons olhos o modo como os negros eram tratados
no Brasil do século XIX? Evidentemente, tudo indica que essa era
um dos discursos que a autora queria quebrar. Na visão dessa es-
critora, existiam pessoas da classe dominante, mesmo sendo uma
pequena parcela, que pensavam diferente sobre a escravidão.
Firmina dos Reis dar uma nova representação a esse negro es-
cravo. Descreve-o, socialmente, não com o olhar do branco domi-
nante. Mas, sobre sua visão, enxergando seu sofrimento, suas vir-
tudes e o que a escravidão gerava na vida desses cativos. Segundo a
autora “o mísero escravo sofria; porque era escravo, e a escravidão
não lhe embrutecera a alma [...]. Era infeliz, mas era virtuoso [...]”
(REIS, 2004, p. 23).
Dizer que escravos eram virtuosos, que os brancos oprimiam,
repreensivelmente, injustiças ao seu semelhante e que Deus plan-
tou nos corações dos negros sentimentos generosos num período

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em que o Brasil Império passava por uma crise de abastecimento
de cativos negros que vinham do atlântico, desencadeada pela ex-
tinção do tráfico negreiro de 1850, pela Lei Eusébio de Queirós,
fazendo com que a classe senhorial apelasse para o tráfico interno
entre as províncias39, fez com que a literatura Úrsula gerasse des-
conforto para aqueles da classe dominante.
A óptica de Firmina dos Reis era tão diferente da elite branca
que segundo ela tanto os negros como os brancos possuíam almas
generosas, como afirma que “[...] as almas generosas são sempre
irmãs” (REIS, 2004, p. 26), chegando até dar o nome do primeiro
capítulo de “Duas almas generosas” referindo-se ao escravo negro
Túlio e ao jovem branco Tancredo.
Outra questão interessante nesses primeiros diálogos entre es-
ses dois jovens, é quando Tancredo pergunta: “– oh dize, dize, meu
amigo, o que de mim exiges; porque toda a recompensa será mes-
quinha para tamanho serviço” (REIS, 2004, p. 28). Poderia Túlio
pedir sua alforria ou qualquer espécie valiosa que fosse suficiente
para comprá-la futuramente. Mas, o jovem negro fala que a única
coisa que ele desejava naquele momento era que Tancredo conti-
nuasse sendo generoso e compassivo a todos aqueles que, como
ele, fosse vil e miserável escravo. Ou seja, para Túlio, mais vale os
brancos se assemelharem nas dores, na cor, nos costumes, no tra-
tamento, aos negros do que qualquer outra recompensa. E conclui
o escravo: “[...] Costumados como estamos ao rigoroso desprezo
dos brancos, [...] se todos eles, meu senhor, se assemelhassem a vós,
por certo mais suave nos seria a escravidão. – Essa é, Túlio, toda a
recompensa que exige? – Sim, meu senhor” (Ibidem, 2004, p. 28-9).

39 Com essa Lei de 1850, a força de produção econômica, realizada através da propriedade do ele-
mento servil dos negros, sofreu enormes alterações e agitações nas províncias do país. Mesmo com
a chegada de poucas embarcações clandestinas vindo do atlântico, alimentando o tráfico, não foi
suficiente para provocar nas “décadas de 50 e 60 do século XIX, o aumento do preço dos escravos e
uma concentração social da propriedade de cativos: os pequenos senhores vendiam para os gran-
des, as cidades para o campo e o Nordeste para o Sudeste” (MATTOS, 2005, p.18).

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Continuando o enredo, Túlio chega com o mancebo alquebra-
do e numa profunda letargia na solitária casa de Luísa B... que fica
sobre um pequeno outeiro. A jovem Úrsula que já cuidava da mãe,
agora passa cuidar também dos ferimentos de Tancredo como res-
salta Firmina dos Reis que “[...] esse anjo de sublime doçura repar-
tia com seu hóspede os diuturnos cuidados, que dava a sua mãe
enferma [...]” (REIS, 2004, p. 32), muito doente o jovem viveu dias
de febre e delírios.
Numa noite de delírios por conta da febre alta, torcia os braços
e falava com uma voz bem alta dizendo: “– Eu te vi, mulher infa-
me e desdenhosa, fria e impassível como a estátua! – inexorável
como o inferno!... Assassina!... Oh! Eu te amaldiçoo [...]. – Ade-
laide! Este nome queima-me os beiços; enlouqueço quando penso
nela” (REIS, 2004, p. 33-4). Mesmo Úrsula desconfiando que a mu-
lher a quem o mancebo falava em delírios poderia ser sua esposa,
a jovem cuidou do desconhecido de uma forma especial até ele se
recuperar por completo. E, foi nesses cuidados que Úrsula acaba se
apaixonando por ele.
Depois da recuperação completa de Tancredo, agradece a Tú-
lio com amizade e dando-lhe “dinheiro correspondente ao seu va-
lor como gênero” (REIS, 2004, p. 41). Agora Túlio não era mais es-
cravo. Nessa parte do enredo, Firmina dos Reis não deixa de fazer
uma crítica sobre a questão de alforria. Segundo ela “Túlio obteve,
pois, por dinheiro aquilo que Deus lhe dera, como todos os viven-
tes – Era livre como o ar, como o haviam sido seus pais, lá nesses
adustos sertões da África” (Ibidem, 2004, p. 42).
A sociedade branca de poder dominante não leu isso com
bons olhos. Pois, para Firmina dos Reis o negro deveria ser livre
por natureza, que a liberdade foi entregue por Deus a todos. E para
reforçar sua ideia, segundo a escritora, ressalta em seu romance
que no país de origem dos negros, de onde eles tinham vindo, que
era a África, eles aspiravam a liberdade, mas, os brancos arranca-

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ram os negros de seu habitat social para serem oprimidos e cadea-
dos no Brasil.
Firmina dos Reis provoca, mais ainda, os leitores quando dar
voz no seu enredo a um negro, no caso Túlio, para dizer ao jovem
branco, Tancredo, que: “oh! a mente! Isso sim ninguém pode escra-
vizar! Nas asas do pensamento o homem remonta-se aos ardentes
sertões da África” (REIS, 2004, p. 38), ressaltando a ideia de que
mesmo os negros sendo escravizados e carregados de estigmas da
infâmia eles eram livres como um pássaro em seu pensamentos.
A narrativa do capítulo nono, A preta Susana, parece muito
com a história de Túlio. Ambos eram amigos, trabalhavam jun-
tos na condição de escravizados na fazenda da senhora Luísa B...
desde quando Túlio ainda estava entrando na juventude, servindo
de mãe para ele. Nesta parte da literatura, Firmina dos Reis não
faz diferente para chamar atenção sobre a dominação dos brancos
sobre os negros, o sofrimento que a escravidão causou na vida de
muitos descendentes africanos.
A autora descreve com detalhes a personagem escrava preta Su-
sana, mostrando, assim, a diferença dos trajes entre um escravo e
uma pessoa livre, como descreveu a roupa e os adornos da jovem
Adelaide, visto anteriormente, e também da feição que um negro fi-
cava, ao longo de muito tempo no, trabalho servil. “Susana, chama-
va-se ela; trajava uma saia de grosseiro tecido de algodão preto, cuja
orla chegava-lhe ao meio das pernas magras, e descarnadas como
todo seu corpo: na cabeça tinha cingido um lenço encarnado e ama-
relo, que mal lhe ocultava as alvíssimas cãs” (REIS, 2004, p. 112).
A preta Susana, uma velha escrava, com seus dias cansados e
de olhos languidos da infeliz sorte de viver seus dias no árduo sol
e na cozinha da senhora Luísa B..., pergunta se Túlio não sentirá
saudades do outeiro. Ele responde que sim, mas como gratidão a
Tancredo, deveria acompanhar o jovem, e não iria trocar o cativei-
ro por outro cativeiro, mas, a escravidão pela liberdade e conclui

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dizendo: “– Mãe Susana, graça à generosa alma deste mancebo sou
hoje livre, livre como o pássaro, como as águas; livre como o éreis
na vossa pátria” (REIS, 2004, p. 114).
Nesse momento, a preta Susana começou a chorar. Tal choro
foi porque a senhora sentiu saudades de quando respirava o ar da
liberdade na África, seu país de origem. Despertou no coração da
velha escrava recordações de seu passado. Lembrou-se que antes de
ser levada por traficantes de escravos tinha uma família – marido,
filha e terras próprias. Segundo preta Susana, tudo que colhia na
lavoura era para a subsistência da família e a felicidade e o trabalho
livre reinavam entre eles.
A senhora africana enxugou os olhos com as mãos e começou
a dizer:

— Sim, para que estas lágrimas?! Elas são inúteis, meu


Deus; mas é um tributo de saudade, que não posso dei-
xar de render a tudo quanto me foi caro! Liberdade! Li-
berdade... Ah! Eu a gozei na minha mocidade! – Túlio
meu filho, ninguém a agonizou mais ampla, não houve
mulher alguma mais ditosa do que eu. Tranquila no seio
da felicidade, via despontar o sol rutilante e ardente do
meu país, e louca de prazer a essa hora matinal, [...] eu
corria as descarnadas e arenosas praias. [...] Mais tar-
de deram-me em matrimônio a um homem, que amei
como a luz dos meus olhos, e como penhor dessa união
veio uma filha querida, em que me revia, em quem tinha
depositado todo o amor da minha alma. [...] E esse país
de minhas afeições, e esse esposo querido, essa filha tão
extremamente amada, ah Túlio! Tudo me obrigaram os
bárbaros a deixar! Oh! Tudo, tudo até a própria liberda-
de! (REIS, 2004, p. 115).

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Além de Firmina dos Reis dar oportunidade para que uma
escrava narrasse todo seu sofrimento e as atrocidades acometidas
pelo sistema de dominação sobre o sujeito negro, afirmando em
sua literatura que os escravos sentiam a dor da pátria e de suas
raízes culturais, proibidas de serem cultuadas no Brasil, a autora
narra ainda, através da personagem preta Susana, com uma minu-
ciosidade impressionante, o horror e as barbáries da viagem que os
negros sofriam até chegar as terras brasileiras.

Tinha chegado o tempo da colheita, e o milho e o inhame


e o mendubim eram em abundância nas nossas roças.
[...] Ainda não tinha vencido cem braças de caminho,
[...] quando dois homens apareceram e amarraram-me
com cordas. [...] Meteram-me a mim e a mais trezentos
companheiros de infortúnio e de cativeiro no estreito e
infecto porão de um navio. Trinta dias de cruéis tormen-
tos e de falta absoluta de tudo quanto é mais necessário
à vida passamos nessa sepultura até que abordamos as
praias brasileiras. Para caber a mercadoria humana no
porão fomos amarrados em pé e para que não houvesse
receio de revolta, acorrentados como os animais ferozes
das nossas matas [...]. Davam-nos água imunda, podre e
dada com mesquinhez a comida má e ainda mais porca:
vimos morrer ao nosso lado muitos companheiros à fal-
ta de ar, de alimento e de água. [...] Nos dois últimos dias
não houve mais alimento. Os mais sofridos entraram a
vozear. Grande Deus! Da escotilha lançaram sobre nós
água e breu fervendo, que escaldou-nos e veio dar a
morte aos cabeças do motim. (REIS, 2004, p. 116-17).

A jovem Úrsula não era escrava, entretanto, o romance não


descreve a cor de sua pele. Apenas afirma que a jovem de negros
olhos invejou vagamente a liberdade de Túlio quando viu nele o

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poder de seguir novos caminhos de acordo com sua vontade. Isso
porque, segundo Firmina dos Reis, “Pobre Menina! Toda entregue
a uma preocupação, cuja causa não podia conhecer ainda [...]. Dias
inteiros estava à cabeceira do leito de sua mãe, procurando com
ternura roubar à pobre senhora os momentos de angustiada aflição
[...], onde ela consumia seus primeiros anos de juventude” (REIS,
2004, p. 42-3).
Depois de dias se recuperando no sítio e há “cada dia dava
esperanças de próxima convalescença” (REIS, 2004, p. 41), o jovem
Tancredo passeava numa manhã de garoa pelos campos quando ao
aproximar de Úrsula caiu-lhe nos pés da jovem, declarando seus
sentimentos para ela, dizendo de imediato: “ – oh! não, não, Úrsu-
la, por amor vossa mãe, não me deixeis sem ouvir-me [...]. Úrsula,
casto é o meu amor, e se o não fora, por prêmio de tanto desvelo e
generosidade, não vô-lo oferecera” (Ibidem, 2004, p. 49-50).
Antes de qualquer palavra da jovem Úrsula, Tancredo expli-
ca que Adelaide, a pessoa de quem falava em suas perturbações, é
uma prima de sua mãe e que quando os pais dela morreram, ainda
criança, a sua mãe cuidou dela como filha. “[...] No meu delírio,
Úrsula, não éreis vós quem aparecia, oh! não. Uma outra mulher eu
via! Era terrível essa visão infernal e julguei morrer de desespera-
ção [...]” (REIS, 2004, p. 50). Entretanto, é no capítulo IV, A primei-
ra impressão, que Tancredo explica com mais detalhes sobre essa
mulher. Fala para a jovem que a conheceu assim que retornou de
São Paulo quando cursava Direito, onde segundo o jovem: “ – Meu
filho – disse-me minha mãe [...]. Recolhi-a e amo-a como se fora
minha própria filha. Não poderei esperar de ti desvelada proteção
para aquela que adotei por filha. [...] De joelhos prometi a minha
infeliz mãe ser o escudo da formosa órfã” (Ibidem, 2004, p. 59).
Mas, quando Tancredo revelou seu profundo afeto a jovem
Adelaide, esta disse que era pobre e, além do mais, órfã e que o pai
do jovem não iria consentir essa união. A própria mãe de Tancredo

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sabia dos obstáculos que seu filho poderia enfrentar numa socieda-
de estratificada, pois, para que houvesse união entre duas pessoas,
deveriam ter os mesmo status sociais, estarem nos mesmos níveis
econômicos, como fala claramente: “– Meu filho – disse-me um
dia, chorando – tu amas Adelaide [...]. Vais amargurar a tua exis-
tência... não cedas a um amor que te pode vir a ser funesto. Adelai-
de é uma pobre órfã, e teu pai não consentirá que sejas sua esposa”
(REIS, 2004, p. 61).
Depois de muita insistência do jovem em querer desposar a jo-
vem Adelaide, seu pai chama-o para uma conversa dentro de seus
aposentos, onde apesar desse quarto brilhar o luxo e a opulência,
transmitia na verdade uma tristeza sombria, e vai logo perguntando
ao seu filho: “– Sabes tu quem era o pai dessa menina? [...] de seus
cofres vazios de ouro pelo seu péssimo proceder” (REIS, 2004, p. 72)
e o jovem respondeu: “– Perdão meu pai – Amo-a. Que me importa
o nome de seu pai? Dar-lhe-ei o meu; e se alguma nódoa houve sobre
esse homem, purificou-a o gelo do sepulcro” (Ibidem, 2004, 72).
Nessa passagem, Firmina dos Reis chama o leitor para uma
profunda reflexão sobre o casamento está ligado a questão da ge-
nealogia da pessoa, e o que os pais da moça ou do rapaz poderiam
oferecer como dote para o casamento. Peter Burke se aventa em
dizer que “[...] família não é apenas uma unidade residencial, mas
também – pelo menos de vez em quando – uma unidade econômi-
ca e jurídica” (2002, p. 81). Como Adelaide era órfã e ainda como
narra a autora, no romance, o pai da moça morreu sem ao menos
deixar um nome de reputação na sociedade, isso fazia uma grande
diferença na união matrimonial no século XIX.
O pai de Tancredo aceita que o seu filho case com Adelaide,
mas coloca uma condição. O seu filho deveria exilar-se por um
ano, advogaria em outra província, ficando afastada da moça até
que ela atingisse certo amadurecimento educacional. Segundo o
pai, Adelaide ainda era uma criança e explica ao jovem: “A esposa,

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que tomamos, é a companheira eterna dos nossos dias. [...] Se ela é
virtuosa, nossos filhos crescem abençoados pelo céu; porque é ela
que lhes dá a primeira educação, as primeiras ideias de moral [...]”
(REIS, 2004, p. 73).
Foi nesse intervalo do exílio, longe daquela há quem muito
entregou seu amor, que Adelaide trai o coração do jovem mostran-
do o seu verdadeiro perfil de mulher. No capítulo VII, a autora faz
um capítulo específico com o título do próprio nome da persona-
gem Adelaide. Segundo o jovem, ainda declarando-se para Úrsula
e narrando todo o seu passado, explica que pouco recebia as cartas
da jovem, e que a cada dia eram espaças, frias e bem breves. Sua
mãe, não falava dela nas suas correspondências.
Um dia, recebeu uma carta de amigos que dizia que sua des-
ditosa mãe havia falecido. Retornou em quinze dias para sua terra
natal e quando chegou, o escravo avisa-lhe da ausência de seu pai
e diz que Adelaide se encontra no salão da casa. Segundo Firmina
dos Reis, a jovem estava vestida com rico tecido de seda cor de
pérolas, com um colar brilhante e os cabelos enastrados de joias
de grande valor. Quando Tancredo correu para beijá-la, ela disse:
“– Tancredo, respeitai a esposa de vosso pai!” (REIS, 2004, p. 88).
Para Firmina dos Reis, a personalidade dessa mulher, Adelaide,
era o oposto de Úrsula. Enquanto que esta era tida como ser angeli-
cal, de natureza pura, sem malícias, aquela era tida como a mulher
que não deveria ser tomada como exemplo para o sexo feminino,
pois, tinha dupla personalidade, ambiciosa, fazia o que fosse preciso
para alcançar o luxo e respeito social. O próprio Tancredo, indigna-
do com a traição, disse furiosamente: “– Mulher infame! Perjura...
Monstro, demônio, mulher fementida” (REIS, 2004, p. 89).
Depois de ter dirigido tais palavras a jovem Adelaide, entra
no salão o seu pai com um sorriso sardônico, representado a todo
o momento no enredo como tirano, opressor e patriarcalista.
Não por acaso que Tancredo fala no início do romance a Úrsula

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quando declarava seu amor para ela que “[...] nunca pude dedicar
a meu pai amor filial que rivalizasse com aquele que sentia por
minha mãe, e sabeis por quê? É que entre ele sua esposa estava
colocado o mais despótico poder: meu pai era o tirano de sua
mulher” (REIS, 2004, p. 59).
Por mais que a jovem Úrsula gostasse do mancebo, ela tenta-
va evitar qualquer tipo de aproximação, pois, sabia das diferenças
de poder social que existia entre eles. Enquanto Tancredo estudou
fora de sua terra natal, como ele mesmo diz que “só apartei-me de
minha mãe quando fui para São Paulo cursar as aulas de Direito, e
seis anos de saudades aí passei” (REIS, 2004, p. 57), Úrsula sequer
tinha saído do outeiro de sua mãe. Mesmo assim, os dois selam um
romance e Tancredo promete casamento a jovem Úrsula.
Quando o jovem Tancredo pedi a mão de Úrsula a A senho-
ra Luísa B..., antes de dar qualquer resposta sobre a possibilidade
desse romance, ela narra toda a sua vida. Firmina dos Reis abor-
da toda a história de Luísa B... no capítulo VIII, cujo título é o
próprio nome da personagem. Conta todo seu sofrimento, como,
por exemplo, quando diz: “há doze anos que arrasto a custo esta
penosa existência” (REIS, 2004, p. 100) e do seu marido, Paulo B...,
comentando desde quando era vivo, causava dores a esposa e aos
escravos, como praticou muitas violências contra Túlio e a preta
Susana, até o seu assassinato.
Luísa B... explica para o jovem Tancredo que casou com Paulo
B... sem a permissão do irmão Fernando P..., que além dos ciúmes
doentios que já sentia da irmã, sua ira aumentou mais ainda quan-
do seu marido envaidecido pelas paixões da vida não soube lhe dar
com a fortuna de sua mulher (uma riqueza de herança familiar),
assassinando Paulo B... e deixando-a com enormes dívidas.
O jovem, ao ouvir em silêncio toda a história da Luísa B... sur-
preende a senhora contando que exerce a profissão de advogado e vem
de uma família abastada e tradicional. Mesmo sabendo que essa união

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seria complicada, devido à diferença social entre os dois, aprova o ro-
mance porque ver que sua filha poderá ser feliz ao lado de Tancredo e,
logo em seguida, dar as benções ao casal dizendo: “eu nada peço para
mim nada mais que a sepultura; mas se sois cavaleiro, se tendes virtu-
des na alma, protegei esta pobre órfã (REIS, 2004, p. 98)
Em seguida, depois de Túlio obter sua alforria, o negro, muito
grato e feliz pela liberdade, se ver agora disposto a seguir Tancredo
como amigo e protetor, em que os dois viajam juntos por algumas
semanas para resolver assuntos do jovem rico e depois retornaria
para casar com Úrsula. Nesse intervalo em que Tancredo encon-
trava-se distante do outeiro, aparece numa tarde quando a jovem
estava a passeio pelo campo uma pessoa importante no enredo de
Firmina dos Reis: Fernando P..., chamado às vezes no romance de
O Comendador, irmão de Luísa B...
Fernando P... que no passado tinha matado o pai de Úrsula,
Paulo B..., por motivos de ciúmes da irmã Luísa B... e por causa da
irmã ter casado com um homem que não teve ascensão econômica
nos seus negócios, ao encontrar a garota vagueando sozinha no
campo, sofrendo de amor pela ausência de Tancredo que havia via-
jado com Túlio, apaixona-se doentiamente pela sua beleza e, com
isso, acaba forçando um romance entre os dois.
No entanto, a jovem descobre através de sua mãe que Fernando
P...era seu tio e de todo o seu passado abominável com sua família.
Segundo a senhora Luísa B... Fernando B... era um homem sádico,
possuidor de escravos e de terras, com poder político e econômico
e agia com punhos de ferro até para os entes familiares quando
queria conseguir algo. A mãe chega até pedir a sua filha que nunca
desposasse com seu irmão. Mas, Fernando P... estava tão enlouque-
cido para casar que promete levar um padre para a cerimônia no
dia seguinte sem o consentimento de Úrsula e diz a Luísa B... que
a única maneira de curar a ferida que ele causou a sua irmã seria
casando-se com sua filha e dando-lhe uma boa vida.

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Nesse intervalo em que Fernando P... tentava de todos os
meios casar com Úrsula, Luísa B... morre devido ao agravamento
de sua doença, inumada no cemitério de Santa Cruz. Preta Susana,
desolada e apenas com Úrsula na fazenda, avisa o jovem Tancredo
das notícias da morte de sua senhora e da perseguição que a jovem
Úrsula vinha sofrendo por Fernando P... retornando assim as pres-
sas ao outeiro.
Quando o jovem chega na fazenda, procura Úrsula por todas
as partes do campo, encontrando-a desmaiada no cemitério onde
sua mãe tinha sido enterrada. Sem perder tempo, decide levar a
jovem para o Convento de Nossa Senhora da*** para a sua segu-
rança. Firmina dos Reis dar detalhes desse convento, chamando de
“asilo da inocência” dizendo:

Meia légua fora da cidade erguiam-se denegridas pelo


tempo as velhas paredes do antigo convento, com suas
gelosias também enfumaçadas pelo tempo, e que escon-
diam zelosas às vistas indiscretas as puras virgens dedi-
cadas ao senhor. Era um edifício antigo na sua funda-
ção, grave e melancólico no seu aspecto [...]. As virgens
que o habitavam, longe do mundo, não conheciam deste
os gozos de um momento; mas também em suas almas
não amargava o doloroso pungir de profundos pesares;
e essa vida de castos enlevos dedicavam-nas ao Deus do
Calvário. (REIS, 2004, p. 174).

Depois de alguns dias morando nesse Convento, os dois reali-


zam uma cerimônia de casamento no mesmo recinto. Entretanto,
Fernando P... sabendo o dia e o lugar que iriam se casar, vai de en-
contro, furiosamente, a Úrsula e Tancredo, juntamente com o seu
velho escravo Antero e outros dois homens de catadura maldosa,
planejando tirar a vida do jovem Tancredo caso fosse necessário.
Antes de encontrar o casal, que cavalga num ginete em direção ao

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coche que ficou algumas distâncias do convento, acaba matando o
negro Túlio com “dois tiros de pistola disparados ao mesmo tem-
po” (REIS, 2004, p. 212) que tentava avisar o perigo que perseguia
os recém-casados.
Depois de matar o negro Túlio, “Fernando P... furioso e com
ímpeto subiu ao coche” (REIS, 2004, p. 213) onde estava Úrsula e
seu esposo, que se preparavam para as núpcias, travando-se entre
os dois uma luta desesperadora e com frieza e requinte de cruelda-
de, “face a face com Tancredo, que desarmado só podia esperar a
morte fria [...], os asseclas do comendador agarram Tancredo pelas
costas, e o covarde comendador embebeu-lhe no peito o punhal
que trazia na mão” (Ibidem, 2004, p. 214-15). Úrsula, sofrendo a
perda da mãe e do homem que muito amava, enlouquece e morre.
No epílogo, Firmina dos Reis conclui seu romance. Segundo o
enredo, dois anos depois de todos esses acontecimentos, Fernando P...
se arrepende de tudo que fez de ruim na vida e entra para a vida mo-
nacal no Convento das Carmelitas, onde lá apaga todo seu passado,
mudando até o nome, ironicamente, para Frei Luís de Santa Úrsula.
Segundo o romance Úrsula, o personagem Fernando P... não
foi julgado pelos crimes que cometeu contra nenhum dos perso-
nagem durante o enredo: foi “assassino de Tancredo, de Túlio, de
Paulo e de Susana” (REIS, 2004, p. 216). Numa das passagens em
que Tancredo conversava com a senhora Luísa B..., o jovem per-
gunta: “– Assassinaram vosso marido, senhora? oh! Isso é horrível!
E sabeis vós quem foi o seu assassino?” (Ibidem, 2004, p. 102) e
a mãe de Úrsula respondeu com a voz baixa e pausada: “– Não,
senhor – ninguém, a não ser eu sentiu a morte de meu esposo. A
justiça adormeceu sobre o fato” (Ibidem, 2004, 102).
Firmina dos Reis nos chama atenção para isso na tentativa de
repassar o quanto a justiça não julgava os sujeitos de forma igual,
fossem eles de famílias abastadas ou de menos privilégios sociais,
tornando-se ausentes a punição para aqueles que demandavam

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poder econômico, mesmo que tivesse cometido crime, seguido de
morte. Bem no começo do epílogo a autora fala:

[...] Ninguém mais na província se lembrava dos exe-


crandos fatos do convento de*** e da horrenda morte de
Tancredo. A justiça, se a pintam vendada, completamen-
te cega ficou, e os assassinos do apaixonado mancebo e
do seu fiel Túlio impunes. E o sudário do esquecimento
caíra sobre eles; porque a lousa do sepulcro os tinha en-
cerrado para sempre! E as pesquisas da justiça cansaram
de mistérios e tergiversações e também foram abando-
nadas. Só um homem conhecia o assassino; mas esse
homem era incapaz de uma denúncia – esse homem só
curava da alma, e a sua missão era toda da paz. A Deus,
pois, pertencia o castigo do culpado. (REIS, 2004, p. 231).

Na visão da autora, a justiça divina se fazia mais presente do


que a terrena. Todos os personagens que comentaram maldades
ou que foram gananciosos durante o enredo, não foram condena-
dos pelas leis dos homens, mas, pelo peso de suas próprias cons-
ciências. Isso aconteceu com O Comendador Fernando P..., que
vivendo no convento com outro nome – Frei Luís de Santa Úrsula
passou seus anos amargurado por tudo que fez de ruim no seu pas-
sado, em suas orações rangiam os dentes, gritava freneticamente
e caia muitas vezes no chão em delíquio, passando a ser chamado
por muitos de “O Louco”. Já sem forças porque a culpa o cerca-
va a todo instante, “fez um último esforço: – Perdoai-me, senhor!
Porque na hora derradeira sufoca-me a enormidade das minhas
culpas. [...] E a morte imprimiu-lhe no rosto a tranquilidade da
contrição” (REIS, 2004, p. 236).
Depois, Firmina dos Reis fala que Adelaide chorava suas pri-
meiras lágrimas de dor e sofrimento, pois, envenenou o decrépito
velho que tinha roubado ela de seu filho. A “opulência e o fausto não

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bastavam para lhes estancar” (REIS, 2004, p. 236), a dor de perder
aquele que amava por trocar pelo seu pai, que casando-se pela se-
gunda vez, “chorou e chorou muito, porque [...] o novo esposo que
não amava a sua deslumbrante beleza, arrastou de aflição em aflição
até o desespero. Já tão amargos os seus dias que buscou afanosa a
morada do descanso e da tranquilidade” (Ibidem, 2004, p. 237).
O romance Úrsula mostra os percalços e sofrimentos que o
sexo feminino enfrentava com as perseguições de homens rudes,
a submissão ao poder dos patriarcalistas e a opressão de um casa-
mento arranjado, a mulher como direito de posse. Mostra também,
as diferenças socioeconômicas entre as famílias, a penosa vida que
os negros suportavam e os anseios dos escravos pela liberdade.
A todo instante Firmina dos Reis traz para perto da sociedade
maranhense oitocentista a literatura, ou melhor, os seus escritos
relacionados com a história do cotidiano dos sujeitos. Assim como
explica Burke que “em toda literatura, a sociedade contempla sua
própria imagem” (2011, p. 25), a autora revela ao leitor, com pers-
picácia, os conflitos existentes entre mulheres, escravos ou aqueles
que não tinham uma boa colocação social com os detentores de
poder político e agrário, bem como também as culturas e costumes
em divergências, como elementos sui generis para a constituição do
romance Úrsula, bem como veremos adiante, no conto A Escrava.
A história dos personagens Túlio e da preta Susana andam em
paralelo com o conto A Escrava, publicado pela primeira vez na Re-
vista Maranhense em 188740, quase três décadas após ter lançado
ao público o seu famoso romance Úrsula, a literatura deste conto,
produzido no momento em que o Brasil passava pela efervescência
da campanha abolicionista, enfatizar a condição dos negros e das
mulheres na sociedade maranhense do século XIX, estratificada,
patriarcal, misógina e escravocrata, as experiências e sofrimento da

40 O conto A Escrava foi publicado junto com o romance Úrsula em Florianópolis: Editora Mulheres;
Belo Horizonte: PUC Minas, 2004.

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maternidade negra, revelando importantes aspectos sociais e cultu-
rais que vão aparecendo no decorrer das falas dos personagens.
O conto A Escrava inicia-se com a reunião de “pessoas distin-
tas e bem colocadas na sociedade” (REIS, 2004, p. 241), dialogam
vários assuntos políticos e econômicos quando acabam entrando
para o tema sobre o elemento servil, ou seja, a escravidão, que “era
por sem dúvida de alta importância” (Ibidem, 2004, p. 241) e em
torno dessas conversações que se divergiam as opiniões, uma se-
nhora, cujo nome não aparece, toma a voz no ambiente e começa
um discurso de sentimentos abolicionistas, antiescravocrata e re-
pugnação da opressão sobre o sexo feminino:

[...] faz-me até pasmar como se possa sentir, e expressar


sentimentos escravocratas, no presente século, no sécu-
lo dezenove! [...] Por qualquer modo que encaremos a
escravidão, ela é, e sempre será um grande mal. Dela a
decadência do comércio; porque o comércio, e a lavoura
caminham de mãos dadas, e o escravo não pode fazer
florescer a lavoura; porque o seu trabalho é forçado. Ele
não tem futuro; o seu trabalho não é indenizado; ainda
dela nos vem o opróbio, a vergonha; porque de fronte
altiva e desassombra não podemos encarar as nações
livres; por isso que o estigma da escravidão, pelo cru-
zamento das raças, estampa-se na fronte de todos nós.
Embalde procurará um dentre nós, convencer ao es-
trangeiro que em suas veias não gira um só gota de san-
gue escravo... E depois, o caráter que nos imprime, e nos
envergonha! (REIS, 2004, 241-42).

Ao discursar sobre a escravidão e o mal que ela gerava, na so-


ciedade brasileira, percebemos que autora situa sua literatura no
espaço-tempo na qual o leitor pode compreender que lugar é esse
e que época Firmina dos Reis narra sua história. Essa senhora está

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vivendo dentro de um período conturbado, tanto no Maranhão
como nas outras províncias. Isso porque, o período áureo das cam-
panhas abolicionista, a partir da década de 80 do século XIX, se
deu no mesmo momento em que a província maranhense passava
pelo um declínio na economia.
Com isso, é presenciado mais fortemente um novo pensar so-
bre o trabalho, que não seja por meio dos negros trabalhando ser-
vilmente como escravizados, havendo, assim, muitos confrontos
entre aqueles que queriam acabar com a escravidão e aqueles que
desejavam a permanência desse tipo de força humana. Também é
nesse período quando foi construído o conto A Escrava que a auto-
ra aproveita para falar sobre a submissão feminina.
Observando bem esse conto, tudo nos leva a crer que essa mu-
lher sem nome, conhecida apenas como “senhora” durante todo
o enredo, ou como a autora diz no conto “uma senhora” (REIS,
2004, p. 241), posicionando sentimentos a favor do abolicionismo,
da liberdade de expressão da mulher dentro do espaço masculino,
discorrido no enredo na primeira pessoa, pode ser a própria Fir-
mina dos Reis de maneira disfarçada de personagem dando seu
posicionamento sobre esses embates da época.
Essa maneira da autora apresentar suas opiniões através da
personagem “senhora” no enredo, caracteriza muito bem que o sexo
feminino tinha seus discursos interditados ou analisados antes de
vir a público pelas as esferas de poder, segundo Foucault, A Ordem
do Discurso (1996), o sujeito, principalmente, a mulher, não tinha
o direito de dizer ou escrever tudo, em qualquer circunstância, ou
tudo aquilo que segundo seu modo de pensar fosse correto. As re-
lações de poder determinadas pela sociedade, elegiam de maneira
pré-estabelecida o que poderia ser dito a partir de suas regras, cons-
truídas, historicamente, pela força dominante do sexo masculino.
Enquanto no romance Úrsula, a autora vai tecendo seu pon-
to de vista entre uma narração e outra dos personagens, aqui no

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conto A Escrava, ela escreve, representada por essa senhora, seu
posicionamento de como enxerga a sociedade moral religiosa e cí-
vica do final da década de 1880, resgatando a imagem sofrida das
mulheres, principalmente, dos negros e dos verdugos que embalde
concordavam com quaisquer discursos pró-antiescravistas.
A primeira parte do enredo, quando Firmina dos Reis fala que
havia opiniões divididas dentro do salão, a autora está se referindo
àqueles que propagavam a libertação dos negros e aos que defen-
diam a escravidão publicando em jornais contos, poesias, carica-
turas, obras de romances, fazendo debates e reuniões como forma
de expressão.
Em 1887, um ano antes de aprovar a Lei Áurea que determina-
ria, definitivamente, o fim da escravidão no Brasil, houve um mo-
vimento abolicionista que conquistou adeptos dos mais variados
grupos sociais – escritores, jornalistas, estudantes, principalmente
aqueles que estudaram na Europa, pequenos comerciantes, alguns
políticos e fazendeiros – defendendo a ideia que o trabalho servil
dos negros era a principal consequência da nação não se moderni-
zar e não avançar sua economia.
Uma importante ferramenta de poder aliada a esses grupos
foi a imprensa maranhense. Explica Joaquim Serra que a imprensa
do Maranhão foi “uma das mais ardentes e antecipadas na propa-
ganda abolicionista, procurando por todos os modos combater a
hedionda instituição que nos envergonha” (2001, p. 101). Escritores
como João Lisboa, Dr. Antonio Henriques Leal, dentre outros, es-
creveram em página dos jornais da província, artigos com tama-
nhas repressões do tráfico e sobre a escravidão nos jornais.
Continuando o conto A Escrava, a senhora que outrora tinha
dado seu ponto de vista sobre o que achava da escravidão, começa
a contar a história de uma escravizada negra, chamada Joana na
figura de “louca”, que numa “tarde de agosto, bela como ideal de
mulher, poética como suspiro de virgem” (REIS, 2004, p. 243), pas-

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sou vultuosamente na sua frente, com gritos lastimosos e soluços
angustiados, uma negra que fugia de um homem que trazia, bru-
talmente, na sua mão direita um azorrague. Essa escrava, espavori-
da e trêmula, “deu volta em torno de uma grande mouta de murta,
e colocando-se no chão nela se ocultou” (REIS, 2004, p. 243).
O carrasco sem encontrar a escrava pergunta a senhora se viu
uma negra correndo por ela fingindo ser doida. A mulher pergunta:
“– foge sempre? – sempre minha senhora. Ao menor descuido foge.
Quer fazer acreditar que é douda. Douda... douda fingida, caro te há
de custar” (REIS, 2004, pp. 245-46). O Carrasco desiste de procu-
rá-la a escrava Joana e volta na mesma estrada que tinha aparecido.
No mesmo instante, quando o homem rude já sumia na dobra
do caminho, apareceu a senhora um rapaz, trêmulo e desvarido,
cujo semblante era de quem há anos vem gozando da má sorte e
sofrimento. Esse rapaz, pergunta a senhora “– quem és, filho? O
que procuras?” (REIS, 2004, p. 248), se chama Miguel. Um negro
e mísero escravo. Como o próprio fala: “– eu procuro minha mãe,
que correu nesta direção, fugindo ao cruel feitor. Eu também ago-
ra sou fugido [...]. Amanhã, hei ser castigado; porque saí do servi-
ço, antes das seis horas, hei de ter trezentas açoites [...]” (Ibidem,
2004, p. 248). A senhora acalmou o pobre rapaz escravo dizendo
que sua mãe estava salva e que iria cuidar dos ferimentos causados
pelos açoites do carrasco. Pede então para que Miguel e seus cria-
dos que levem a escrava para sua casa que fica num lugar chamado
de Banhos salgados.
Firmina dos Reis não perde a chance de mais uma vez, assim
como fez várias ocasiões no seu romance Úrsula, detalhar em seus
escritos a fisionomia e o sofrimento de quem a vida toda viveu e
trabalhou como um escravo, e, ao mesmo tempo, resgatar a figura
do escravo como um ser humano que embora sua juventude tenha
sido roubada pela escravidão, no rosto de cada um deles há sempre
uma transparência de generosidade, amor ao próximo.

UFMG Consultoria Júnior - Do Início ao Topo 143


A descrição do corpo do escravo, materializada no discurso
narrativo de Firmina dos Reis, não tem foco temático, apresenta
a figura de Gabriel ou como foi feito em preta Susana e Túlio,
mas apresenta as condições dos negros na sociedade escravista
maranhense, em que o castigo não se aplica somente ao corpo
do sujeito dominado, porém para que pudesse atingir a todos do
mesmo grupo, servindo de exemplo para os outros como total
obediência ao seu amo. Descreve a autora no conto A Escrava a
figura do escravo Miguel:

Era quase uma ofensa ao pudor fixar a vista sobre aquele


infeliz, cujo corpo seminu mostrava-se coberto de re-
centes cicatrizes; entretanto sua fisionomia era franca
e agradável. O rosto negro e descarnado; suposto seu
juvenil aspecto aljofarado de copioso suor, seus mem-
bros alquebrados de cansaço, seus olhos rasgados, ora
lânguidos pela comoção de angústia que se lhe pintava
na fronte, ora deferindo luz errante, e trêmula, agitada,
e incerta traduzindo a excitação, e o terror, tinham um
quê de altamente interessante. (REIS, 2004, p. 247).

Uma senhora de classe aristocrática, provavelmente branca,


apesar de Firmina dos Reis não dar detalhes de sua cor, que atua
entre os intelectuais e políticos da época, até tendo voz entre eles,
vai totalmente na contramão do sistema, com discursos abolicio-
nistas e, principalmente, por relatar uma história que no passa-
do protegeu em sua casa dois escravos foragidos de um poderoso
senhor do século XIX. Como ela própria diz: “– era expor-me à
vindita da lei; [...]. Sim, a vindita da lei; lei que infelizmente ainda
perdura, lei que garante ao forte o direito abusivo e execrando de
oprimir o fraco” (REIS, 2004, pp. 250-51). E depois, sem temer ne-
nhuma reação contrária, ressaltou no salão enquanto narrava essa
história para os intelectuais que ali se encontravam: “Como não

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devem ignorar, eu já me havia constituído então membro da so-
ciedade abolicionista da nossa província, e da do Rio de Janeiro...
Expedi de pronto um próprio à capital” (REIS, 2004, p. 252).
Como dizemos anteriormente, a sociedade brasileira, final
do século XIX, vivenciava períodos conturbados por causa dos
discursos heterogênicos em que de um lado estava os grupos que
queriam a permanência da escravidão e do outro aqueles que an-
siavam pela liberdade dos cativos. A vindita lei que ressalta a au-
tora na fala da senhora é que os grupos a favor do trabalho escravo
eram em parte a maioria e eles manejam cuidadosamente os direi-
tos e obrigações das pessoas de acordo com interesses próprios, e
tentar quebrar esse paradigma social era ter a coragem de enfren-
tar todos os tipos de afronta, intimidação, correr risco de vida e
perde até status sociais.
Mas, a senhora estava decidida. Iria prestar auxílio àquela mu-
lher tida como louca e seu filho que agora o chicote assombra-o.
Colocou a morimbuda na sua cama e prestou o serviço de huma-
nidade que o santo dever lhe chamara. Logo que se recupera um
pouco, ergue a cabeça ao seu filho e chama por dois nomes: Carlos
e Urbano. Entretanto, diz a sua mãe que não era nenhum dos dois,
e sim, Miguel que se fazia presente.
Miguel explica a senhora que os dois nomes a quem em delí-
rios a sua mãe a todo instante chamam por eles são seus dois filhos
gêmeos, irmãos de Miguel, que foram arrancados dela ainda quan-
do crianças de oito anos, vendidos por um mercador de escravos
para o Rio de Janeiro e desde esse dia, ela enlouqueceu. “– só lhe
resta eu... Só eu!” (REIS, 2004, p. 252).
A escrava Joana explica à senhora que a pessoa a quem perse-
guia horas atrás era o malfeitor Antônio, excelente servidor do po-
deroso homem da província senhor Tavares, do Cajuí. E continua
sua narrativa de vida para a senhora desconhecida que somente há
dois dias estava morando naquele lugar:

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— Minha mãe era africana, meu pai de raça índia;
mas eu de cor fusca. [...] minha mãe era escrava. [...]
Para minorar os castigos que este homem cruel infligia
diariamente à minha pobre mãe, meu pai quase consu-
mia seus dias ajudando-a nas suas desmidas tarefas [...].
Um dia apresentou a meu senhor a quantia realizada,
dizendo que era para o meu resgate. Meu senhor rece-
beu a moeda sorrindo-se – tinha eu cinco anos de – e
disse: A primeira vez que for à cidade trago a carta dela.
[...] quando chegou entregou a meu pai um folha de
papel escrita. Toma, e guarda, com cuidado, é a carta
de liberdade de Joana. Meu pai não sabia ler; [...] meu
senhor disse a minha mãe: – Joana que vá para o serviço,
tem já sete anos, e eu não admito escrava vadia. Nunca
a meu pai passou a ideia que aquela suposta carta de
liberdade era uma fraude; nunca deu ler a ninguém. [...]
Eram umas quatro palavras sem nexo, sem assinatura,
sem data! (REIS, 2004, pp. 254-55. Grifos do autor).

Essa passagem é muito interessante. Firmina dos Reis nos traz


esses tipos de diálogo como uma forma de denunciar a corrup-
ção, o analfabetismo, a classe dominante sempre dando um jeito de
manter elos de dominação sobre os sujeitos. Isso aconteceu muito
com a criação de algumas leis que davam direito de alforria aos
escravos a partir da década 70 do século XIX. As leis eram para dar
direito de liberdade aos negros cativos, mas como eles nunca tive-
ram o acesso às letras acabavam sendo enganados pelo seu senhor
e continuavam no mesmo sofrimento da escravidão.
Tudo indica que a lei que dava direito de liberdade a Joana
quando tinha cinco anos de idade na época da carta, era a Lei do
Ventre Livre de 1871, em que a criança ficaria com seu senhor até
completar 8 anos de idade. Depois libertaria e receberia uma in-
denização do Estado ou ficaria com a criança até vinte um anos e

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deveria libertá-lo. Na prática, não há documentos que isso tenha
acontecimento de forma plena.
Além dessas denúncias, a autora inova nesse conto. Obser-
vamos que o matrimônio que trouxe Joana ao mundo foi feito
por dois grupos étnicos – mãe negra e pai índio, que pouco há
registro sobre esse tipo de ligação. E ainda, a autora Firmina dos
Reis explica que a verdadeira escravidão, aquela como direito de
posse legítimo de seu senhor era o negro, mas que o índio ao
tentar meios de sobrevivência, tanto para sustento próprio, como,
neste caso, para sua família, acaba, entretanto, no mesmo ciclo da
escravidão dos negros.
Depois de Joana ter contado toda a sua vida a senhora, não re-
siste e morre. No mesmo instante em que Miguel refugiava-se no
corpo de sua mãe, entra o carrasco Antônio e pede para que deixe
levar os dois para o senhor. A senhora responde: “Insolente! Nem
mais uma palavra. Vai-te, diz ao teu amo, – miserável instrumento
de um escravocrata; [...] entrega este cartão: aí achará o meu nome”
(REIS, 2004, p. 259). No dia seguinte, chega a sua casa o senhor Ta-
vares e a cumprimentou com maneiras da alta sociedade e disse: “–
sei que esta negra está morta, e o filho acha-se aqui [...]. Morreu, não
lamento esta perda, já para nada prestava. [...] Porém, este negro! [...]
com este negro a coisa muda de figura” (Ibidem, 2004, pp. 260-61).
A senhora, intelectual, obviamente recebeu uma ótima edu-
cação no Rio de Janeiro, apresentou ao senhor Tavares um “volu-
me de papéis subscritados e competentemente selados” que ras-
gou os subscritos e começou a ler ao poderoso Tavares. Segundo
a senhora, a lei que outrora dava o direito de propriedade sobre os
dois escravos era uma burla e a mesma se retrogradou. Onde na
visão do senhor Tavares, a senhora protegia, escandalosamente,
aqueles escravos, ressalta ela: “hoje qualquer indivíduo diz a um
juiz de órfãos” (REIS, 2004, p. 261). E conclui: “Em troca desta
quantia exijo a liberdade do escravo fulano – haja ou não apro-

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vação do senhor. Em conclusão, apresento-lhe um cadáver e um
homem livre. Gabriel ergue a fronte, Gabriel és livre!” (Ibidem,
2004, p. 261). Sem nada do que poder fazer, o senhor Tavares a
cumprimentou e saiu furiosamente.

2.3 Os limites de uma heroína: Maria Firmina


dos Reis morre
Firmina dos Reis trabalhou, arduamente, na educação, sem-
pre procurando superar os obstáculos da educação precária de sua
época. Aos cinquenta e quatro anos de idade criou, em 1880, uma
sala mista para quem não pudesse pagar por uma educação.
Essa quebra de modelo de educação foi visto como uma afron-
ta ao sistema educacional, Firmina não suportou a pressão, fechan-
do-a em 1890, durou apenas nove anos, já que a educação estava
regida ainda sob a legislação constitucional de 182441 e outras leis
específicas do Império, como Lei das Escolas de Primeiras Letras
de 1827, não aceitando a mistura de meninos e meninas numa mes-
ma escola ou sala de aula. Afirma Raimundo de Meneses que a
forma de educar os dois sexos ao mesmo tempo “escandalizou os
círculos locais, em Maçariçó [...] e por isso mesmo foi a professora
obrigada a suspendê-la depois de dois anos e meio” (1978, p. 570).
Na verdade, não temos a fiel certeza do motivo do fechamento
da sala de aula, que era tida como uma escola, e muito menos a
duração exata do ensino misto. Isso porque, além de não encon-
trarmos fontes documentais que nos levasse a uma data específica.
Mesmo após o fechamento, que segundo Raimundo de Meneses
em Dicionário Literário Brasileiro e Sacramento Blake em Dicioná-
rio Bibliográfico Brasileiro afirmam durar apenas dois anos e meio,
Firmina continuou lecionando para as crianças de localidade pró-
xima até 1890.
41 A segunda Constituição só foi constituída em 1891 e mesmo com novas alterações, houve poucas
mudanças em relação à educação.

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Para Blake o motivo de cancelar as aulas mistas foi porque “o
ensino era gratuito para quase todos os alunos, e por isso foi a pro-
fessora obrigada a suspendê-la depois de dois anos e meio” (1900,
p. 483). O que temos por certo é que Firmina dos Reis não tinha in-
centivo do Estado e nem de nenhum ordem pública ou particular.
Toda sua motivação vinha dela própria e dos moradores da vila.
“O fato de ter fundado a primeira escola mista do país” (MU-
ZART, 2000, p. 265) e “quebrar o cânone moral oficializado, que
segregava os sexos em aulas separadas” (MORAIS FILHO, 1975,
s.p.), mostra o quanto Firmina dos Reis interpretava o universo so-
cial de uma forma diferenciada. Sentia a necessidade, mesmo já
quase com seus sessenta anos de idade, de mudar a realidade do
modelo educacional tradicionalista, e não queria que seus educan-
do(a)s passassem pelo sofrimento que ela passou. Ou seja, realida-
de que segundo Firmina estava na desigualdade de classes, sexo e
de não saberem conviver juntos, meninos e meninas, num mesmo
ambiente. E, mesmo que Morais Filho diga que esse ato foi “uma
revolução social pela educação e uma revolução educacional pelo
ensino [...]” (1975, s.p), ainda sim, esse pioneirismo de pensar e agir
diferente foi recebido como subversivo e incompreensível para os
dogmas culturais, sociais e religiosos do Maranhão oitocentista.
Segundo os relatos de seus próprios alunos achados por Mo-
rais Filho no Álbum, contam que todas as manhãs de sol ou de
garoa, Firmina dos Reis subia num carro de bois, pois era o único
meio de transporte que dava acesso a propriedade rural, para ensi-
nar as filhas do proprietário do engenho. Ainda levava consigo, no
carro de bois, outras crianças que moravam distante do engenho.
Dentre estas crianças, alguns do sexo masculino. Algumas crian-
ças que moravam bem próximas do engenho também se juntavam,
mas Firmina só recebia o pagamento das filhas do proprietário que
lecionava. E ela fazia essa ação não somente quando era jovem. Pelo
que indica em seus diários, essa prática de dar aulas de uma forma

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sempre inovadora, foi-se até seus últimos anos em sala. Tal gosto
pela docência, de forma tenaz e pura, fez com que sua imagem ti-
vesse um reconhecimento social em toda a província. Observamos
isso na citação abaixo quando:

Uma antiga aluna, em depoimento de 1978, conta que a


mestra era enérgica, falava baixo, não aplicava castigos
corporais nem ralhava, mas aconselhava. Era estimada
pelos alunos e pela população da vila. Reservada, mas
acessível, toda passeata dos moradores de Guimarães
parava em sua porta. Davam vivas, e ela agradecia com
um discurso improvisado. (MORAIS FILHO, 1975 apud
ALGEMIRA, 2006, p. 28).

Mas, por trás dessa mulher corajosa e audaciosa havia um hu-


mano triste e infeliz. Ela deixou registrada que a tortura, as ilusões
e até mesmo as amarguras acompanharam-na até os dias finais de
sua vida. A morte sempre foi um sentimento na qual Firmina dos
Reis invocou e, muitas vezes, até mesmo o suicídio. Ressaltava em
seus diários exalando o repouso apenas como a morte: “o descanso
de uma vida consumida, encontra-se na sepultura. [...]” e continua
a escritora dizendo que “[...] tentar contra os meus dias, seria um
crime contra Deus, e contra a sociedade; mas almejo a morte. Per-
doai-me Deus de misericórdia! Mas a vida é-me assaz penosa, e eu
mal posso suportá-la [...]” (REIS apud MORAIS FILHO, 1975, s.p.).
Na última parte da citação notamos que a escritora escreve
em seu diário não mais com um olhar e força jovial, mas com o
peso da idade nas costas e com tudo aquilo que teve que suportar
e superar na sociedade masculina e preconceituosa do século XIX.
E ainda, ao clamar a morte através do suicídio, ao mesmo tempo
recua no pensamento porque lembra que por toda a sua vida ela foi
uma mulher devota à Deus e que manchar toda a sua trajetória ao
tentar um crime contra si mesma não seria a solução mais viável.

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A única maneira de aliviar-se da sepultura, que a toda momento
foi sua companheira, seria colocar todas as suas dores e pesares em
diários de recordações, obras e poesias. O remédio mais ópio de
Firmina dos Reis foi escrever e dar voz a cada escrita sua.
De tudo que vimos sobre Maria Firmina dos Reis não foi o
suficiente para desbravar por completo todos os questionamentos e
indagações que surgem em seus textos e nem responder as dúvidas
e contradições, nem mesmo Morais Filho e Horácio de Almeida
chegaram a possíveis conclusões. Por convicção, essa escritora e
educadora foi exemplo de uma erudita mulher. Vivendo sob um
domínio patriarcal, soube ir além do seu sexo e de sua etnia. A
priore, o intuito de Firmina era sobressair na escrita por um ângu-
lo diferenciado dos demais, ou seja, mostrou em seus discursos fa-
las de personagens injustiçados, poder institucional entre senhores
e “benfeitores” e submissão feminina. Maria Firmina, sem amparo
do Estado, morreu cega e pobre aos 92 anos em 1917, em Guima-
rães, cidade próxima a São Luís.

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C APÍTULO III

Da folha mais famosa da


ramagem, desceu nas águas
e resta da viagem o labirinto
capilar da tinta42: Laura Rosa
entre poesias e a arte de educar
os caxienses

Figura VI: Laura Rosa com aparência ainda bem jovem. Fonte: Revista da
Academia Maranhense de Letras. São Luís. Nº 80. 20 de Dezembro. 1998, p. 21.

42 O título do capítulo em destaque foi retirado da poesia de Laura Rosa, cujo título do poema é
“Esqueleto da folha”.

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Assim como foi Maria Firmina dos Reis o Maranhão já nos
finais do século XIX, pode presenciar o nascimento daquela que
iria se transformar numa das grandes educadora e escritora: Laura
Rosa. No momento que fui descavando informações sobre seus es-
critos e sua atuação ferrenha na educação formal através das fontes
documentais, tanto bibliográficas como nos jornais e também atra-
vés da fonte oral, percebi que através da construção biográfica da
vida desta educadora e escritora, enxergamos a emaranhada for-
mação histórica da educação caxiense entre as primeiras décadas
do século XIX para o XX, como também as relações de poder, e
momentos desiguais entre o sexo masculino e o feminino. Explica
Bourdieu que:

Tentar compreender uma vida como série única e, por


si só, suficiente de acontecimentos sucessivos, sem ou-
tra ligação que a vinculação a um “sujeito” cuja cons-
tância é a do nome próprio, é quase tão absurdo quanto
tentar explicar um trajeto no metrô sem levar em conta
a estrutura da rede, isto é, a matriz das relações objeti-
vas entre as diversas estações. Os acontecimentos bio-
gráficos definem-se antes como alocações e como des-
locamentos no espaço social, isto é, mais precisamente,
nos diferentes estados sucessivos da estrutura da dis-
tribuição dos diferentes tipos de capital que estão em
jogo no campo considerado. (BOURDIEU, 1996, p. 81).
(Grifos do autor).

Moacir Gadotti ressalta que “a história de vida tem na biogra-


fia uma fonte preciosa de informações para entender melhor não só
uma pessoa, mas também um grupo social, uma sociedade” (2004,
p.14). Mesmo saindo um pouco do espaço temporal do meu objeto
de estudo, que é propriamente o século XIX, nos interessa estudar
Laura Rosa porque ela nasce quase vinte anos antes de terminar o

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período oitocentos e isso nos induz saber que sua primeira forma-
ção na educação, até os 16 anos de idade, foi construída sobre as
normas e comportamentos do século oitocentista, entretanto, sua
forma de atuação, enquanto educadora e escritora, se deu de ma-
neira diferenciada e inovadora, que de certo modo acabou ajudan-
do a repensar um novo modelo de escola no inicio do século XX.
Mesmo com resquícios do século anterior, criando ainda bar-
reiras para que a educação não se estendesse a todos, a persistência
de Laura Rosa foi de suma importância para que as mulheres re-
pensassem seu sexo como sujeito participador da sociedade. Se-
gundo Laura Rosa “é preciso estudar, estudar, investigar, descorti-
nar sempre para que se vão acamando as ideias sobre os alicerces
que me foram arraigados no espírito com as primeiras luzes. Por
ora, ainda ha uma certa confusão” (ROSA, 1909, p. 3).
Uma das fontes importantes para a construção desse estudo
é a utilização da memória da professora Alzira Gomes da Silva,
conhecida pelos mais antigos como Tia Alzira ou professora Alzira
pelos mais novos43. A mulher que cuidou de Laura Rosa até o dia
de sua morte. Tanto o discurso da professora Alzira como o do
professor Manoel de Páscoa Medeiros Teixeira, conhecido como
professor Passinho44, utilizei de suas memórias neste estudo, res-
43 Professora Alzira Gomes da Silva nasceu no dia 22 de Outubro de 1939, porém, ela mesma ressalta
que em um de seus documentos está como nascimento no ano de 1944. Entretanto, ela aceita a
primeira data. Fez o primário na Escola João Lisboa com a professora Maria das Mercedes da Silva
Lima (Tia Miroca). Em 1957 faz exame de admissão no Colégio Caxiense e se transfere para o
Colégio São José, concluiu o ginásio e fazendo os três anos do Ensino Normal do Magistério (que
é hoje o segundo grau do Ensino Médio) concluindo em 1963. Fez parte do primeiro vestibular
da Universidade Estadual do Maranhão em Caxias, assim que inaugura em 1970, com o nome de
Faculdade de Formação de Professores do Ensino Médio (FFPEM), criada pela Lei 2.821/68, cur-
sando Estudos Sociais. Na década de 80 fez especialização em Geografia na própria Universidade.
Foi professora da rede municipal de Caxias, hoje aposentada. Lecionou no Magistério em algumas
escolas particulares, como o Coelho Neto, ensinando História, Didática, Geografia, Psicologia. Em
1965, deu continuidade a Escola particular para crianças do jardim “Curso Marcelino Pão e Vinho”
do Monsenhor Clóvis Bevelaque Vidigal existindo e administrada por ela ainda hoje.
44 Manoel de Páscoa Medeiros Teixeira, conhecido como Professor Passinho, nasceu num domingo
de páscoa em 13/04/1952, na cidade de Caxias. Cursou o primário e o ginásio na cidade natal. O
secundário já foi cursado na capital do Maranhão. Em 1973 viajou para a capital de Pernambuco
(Recife) para fazer o curso de Teologia e Filosofia na Universidade Federal de Recife. Foi em 1982
para Moçambique (África) realizar uma obra missionária. Retornou quase dois anos depois para
Caxias, atuando como professor no segundo grau no Colégio Caxiense, São José, São Raimundo,
Paulo Freire, Cônego Anderson e na Escola Técnica no curso de contabilidade. Ainda trabalhou

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saltaram que Laura Rosa era muito calada e tinha o mundo dentro
de si. Pouquíssimas vezes ela falava para alguém sobre fatos de sua
vida passada. Nem mesmo a professora Filomena Machado Teixei-
ra, mais conhecida como professora Filozinha (os mais próximos
chamavam-na de “Tia Filó”), a mulher a quem muitos consideram
como sua melhor amiga, sabia coisas do passado de Laura Rosa.
Por esse motivo que, a utilização das fontes orais é de suma
importância para entendermos melhor a educadora e escritora
Laura Rosa e a educação caxiense que se formava em sua épo-
ca, pois, a partir das memórias daqueles que conheceram esta
mulher das letras, novas interpretações e questionamentos vão
surgindo, e consequentemente, novas evidências, que outrora se
encontravam ocultas, vão sendo reveladas, como explica Thomp-
son (1992, p. 137) que:

Enquanto os historiadores estudam os atores da história


à distância, a caracterização que fazem de suas vidas,
opiniões e ações sempre estará sujeita a ser descrições
defeituosas, projeções da experiência e da imaginação
do próprio historiador: uma forma erudita de ficção.
A evidência oral, transformando os “objetos” de estu-
do em “sujeitos”, contribui para uma história que não é
só mais rica, mais viva e mais comovente, mas também
mais verdadeira.

Nos momentos finais de Laura Rosa, quase sem poder mais an-
dar da sala para a varanda45, foram os que Laura Rosa aos poucos foi
abrindo o seu passado para a professora Alzira, sobre como tinha
três anos no sequencial da UEMA de Caxias. Faz parte da cadeira 20 do Instituto Histórico e
Geográfico de Caxias - IHGC do patrono Eduardo de Abranches Moura. Fundou a Academia Ser-
taneja de Letras, Educação e Artes do Maranhão - ASLEAMA em 2011, hoje presidente de honra.
Segundo ele, fez centenas de textos, dentre eles, poesias, contos, crônicas, ensaios. Poucos foram
publicados. Quase todos estão dentro de um baú em sua residência e outros foram queimados pelo
próprio autor, incluindo sua tese do curso de Teologia e Filosofia da UFPE.
45 Com o avançar da idade de Laura Rosa, segundo a professora Alzira, cuidou de todas as necessida-
des de uma pessoa na velhice, na qual dava banho e comida na boca dela.

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sido sua mocidade, seus dilemas, os obstáculos que enfrentou quan-
do era jovem, as coisas que almejou, mas não conseguiu obtê-las.
Chegou até a entregar alguns de seus pertences que ela escondia por
muito tempo, como, por exemplo, um diário de anotações de suas
aulas, poesias e recortes de textos que falam sobre a educação e com-
portamento das crianças, escritos literalmente com tinta de pena.

Figura VII: Caderno de anotações da Laura Rosa. Não há registro da


data de criação do caderno, pois, a capa não existe mais. A menor data
encontrada no caderno é de 1956 e a última data antes de um texto
escrito por Laura Rosa antes de repassar a professora Alzira é de 1966 já
com seus 82 anos. Fonte: Acervo Pessoal da Professora Alzira, 2016.

Na imagem à esquerda, Laura Rosa escreve o prejuízo que teve


com três alunos que foram seus principiantes na educação, que os
pegou sem ter passado no jardim de infância e ainda foram morar
no interior (zona rural). Relata ainda que outro aluno, há dois me-
ses, encontra-se doente e chama-o de “pequeno anormal”. Prossegue
dizendo que “esses me tomaram tempo inutilmente, que teria apro-

UFMG Consultoria Júnior - Do Início ao Topo 157


veitada aos p. ficarão repetindo para o ano vindouro”. Na imagem à
direita, ela deixa anotações de como ensinava o alfabeto aos seus alu-
nos. A numeração e letra que aparece “1º (P)”, segundo a memória
da professora Alzira (2016), é a sequência da letra que os educandos
deveriam aprender. Ainda segundo a professora Alzira, essa meto-
dologia de ensino foi criada por ela e tida como inovadora e eficaz.
Ressalta o literato Wybson Carvalho que se direcionava todas
as tardes jovens estudantes que faziam o ginásio, poetas e escri-
tores caxienses como “Cid Teixeira de Abreu, Déo Silva, João Vi-
cente Leitão, Abreu Sobrinho, Vitor Gonçalves Neto, Jota Cardos”
(CARVALHO, 2014, s.p.), para discutir sobre as metodologias de
ensino-aprendizagens e ouvir seus contos, poesias e sonetos. Tam-
bém pessoas importantes e autoridades públicas visita Laura Rosa,
como mostra no Jornal Folha de Caxias, encontrado no “Caderno
de recortes variados da Tia Miroca”:

Figura VIII: Como consta no Jornal Folha de Caxias, cuja data indica ser de
1949, Laura sendo visitada em sua casa, pelo Prefeito de Caxias Marcello
Thadeu Assunção e o jornalista Vitor Gonçalves Neto. Fonte: JORNAL FOLHA
DE CAXIAS. 1949, s.p. In: Caderno de recortes variados da Tia Miroca. Nº
33. Acervo do Instituto Histórico e Geográfico de Caxias - IHGC46.
46 Maria das Mercedes ou “Tia Miroca”, como é mais conhecida, nasceu em 1912. Foi uma professora
e religiosa católica que se dedicou, com todo esmero, a educação caxiense e pela guarda da memó-

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Raro é encontrarmos as poesias de Laura Rosa publicadas em
algum lugar. Visto que ela não procurava publicar nos jornais ou
em outros meios os seus textos. Para isso, ela fez um caderno em
que pudesse guardar todos os seus pensamentos, sua dedicação à
educação. Porém, com o desgaste do tempo, pouca coisa sobrou
deste caderno. Wybson Carvalho guardou uma das poesias dessa
escritora e educadora:

Esqueleto da folha
Vede, senhor, apodreceu na lama
Eu a vi há muito tempo entre a folhagem
Antes do vento lhe agitar a rama
E do regato, sacudi-la à margem.
De vigente e de vede tinha fama
Da folha mais famosa da ramagem
Desceu nas águas e resta da viagem
O labirinto capilar da tinta.
Ninguém pode fazer igual verdade
Nem filigrama mais perfeito e lindo
Nem presente melhor pode ser dado.
Guardai Senhor, guardai este esqueleto
Todo cuidado! É uma folha ainda
Onde escrevo de leve este soneto.
(ROSA, s.d., apud CARVALHO, 2014). (Grifos do autor).

ria do passado de Caxias através da produção de vários cadernos de recortes de jornais, poesias, e
anotações suas das mais variadas formas. Todos os seus cadernos hoje são guardados no Instituto
Histórico e Geográfico de Caxias - IHGC, possuindo no acervo mais de 100 cadernos dela. Morreu
aos 93 anos em 2005. (SOUSA, 2013).

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No caderno de anotações de Laura Rosa deixado para a pro-
fessora Alzira encontramos uma poesia dedicada ao Monsenhor
Clóvis, percebemos a relação de amizade estreita que Laura Rosa
tinha com este Padre e educador da cidade de Caxias:

Para Monsenhor Clóvis


Deus vos salve Monsenhor!
Por êste tão belo dote
Com que o nosso salvador
Escolheu para ser um sacerdote
E que Deus sempre vos faça
Sempre feliz Monsenhor
E enche êste dia de graça
Com os Santos merecimentos
Com que vos trouxe a êste mundo
Com o vosso nascimento.
Entre a pureza e inocência, Padre Clóvis
Deus vos deus o amor, a paciência
Um tesouro, que é só seu.
(ROSA, s.d) (Grifos do autor).

No Jornal Folha de Caxias de 1949, existe uma exaltação a


Laura Rosa escrita por Correia de Araujo encontrada no Caderno
de recortes da Tia Miroca. Veja na outra página:

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Figura IX: Louvor a Laura Rosa pelo seu empenho na educação, como consta
no Jornal Folha de Caxias, encontrado no Caderno da Tia Miroca. Fonte:
JORNAL FOLHA DE CAXIAS. 1949, s.p. In: Caderno de recortes variados da Tia
Miroca. Nº 33. Acervo do Instituto Histórico e Geográfico de Caxias - IHGC.

Em relato o Professor Passinho, explica que quando passava


em frente à casa da professora Filozinha para ir às missas na Igreja

UFMG Consultoria Júnior - Do Início ao Topo 161


São Sebastião, nos idos de seus 14 para 16 anos, ou quando ia na
própria residência da professora Filozinha ouvir as reflexões edu-
cacionais e poesias de Laura Rosa, enxergava esta escritora e edu-
cadora da seguinte forma:

Vivia num recou, sentada na varanda numa cadeira


preguiçosa de palha, com os livros sobre as pernas e os
óculos na ponta do nariz. Vestia roupas longas. Gostava
muito de casacão. Ela nunca foi uma biografia comple-
ta porque ela falava muito dos outros, mas não falava
muito de si. Era muito silenciosa. Quando perguntavam
algo sobre sua vida dizia: quem sabe da minha vida são
os outros. Eu não sei da minha vida. (TEXEIRA, 2015).

Nascida no centro de São Luís, Rua das Crioulas, no dia 1º de


Outubro de 1884, final do século XIX, período muito conturbado
com a crise do Império, tentativas abolicionistas, criação de uma
República, filha de mãe brasileira negra e pobre, Cecília da Concei-
ção Rosa cujo pai foi um português que desconhece sua existência.
Laura Rosa foi educada e criada por seus padrinhos Dr. Antenor
Coelho Souza e Dona Lucília Coelho Souza47 (um casal rico da
capital da província). Ainda em São Luís, Dr. Antenor pagou por
completo o curso de formação em Normalista do Magistério na
Escola Normal de São Luís, Liceu Maranhense, em 1905, quando
tinha 20 anos de idade, concluindo em 1910 aos 25 anos.
Percebemos que sua entrada na Escola Normal de São Luís
deu-se de forma tardia, pois o regulamento dessa Escola deter-
minava que as moças deveriam entrar no máximo aos 15 anos de
idade. Entretanto, sem condições financeiras para estudar numa
escola formal, Laura Rosa aprendeu com a madrinha dentro de um
espaço privado, por muitos anos, sob uma educação familiar rígi-

47 Alguns documentos quando se referem a ela, escrevem na forma de Lucy Coelho de Souza.

162 UFMG Consultoria Júnior - Do Início ao Topo


da, a ler e escrever, muito bem, a se comportar diante das visitas
ilustres, além de bordar e costurar.
Não poderia ser outra pessoa a ensinar Laura Rosa se não sua
própria madrinha, visto que, Dona Lucília Souza foi uma senho-
ra respeitada na sociedade, possuidora de uma educação refinada,
atuando por muitos anos como professora de Inglês na Escola Nor-
mal de São Luís. Até mesmo porque a mãe biológica de Laura Rosa
pouco é presenciada nos documentos, muito menos sua morte, o
que consta a presença forte da madrinha como sua tutora. Explica
a Professora Alzira que “Laura Rosa teve, quando estavam vivos
a sua madrinha e seu tutor, uma vida em meio às pompas. Uma
juventude de progresso à educação” (ALZIRA, 2016).
O motivo do retardamento de Laura Rosa à educação formal
estava atrelado a fatores importantes que não podemos deixar pas-
sar despercebidos: primeiro porque muitas normas e costumes
permaneceram no Brasil pós século XIX, principalmente, no que
se trata da educação ter como base uma formação elitizada e volta-
da mais para o sexo masculino. Segundo porque as únicas e poucas
escolas formais que existiam para educar moças e rapazes eram
em sua maioria particulares, dificultando a vida de muitas pessoas
pobres. E por fim, mulheres bastardas, filhas de mães negras, eram
mais ainda rotuladas como moças ilegítimas, fracas, sem capacida-
de intelectual, como aconteceu com Laura Rosa.
Diomar Motta explica que:

Laura Rosa é descrita como uma mulher frágil, morena


de 1,50 cm, e deve ter enfrentado muitas dificuldades,
pela sua condição de filha ilegítima, numa sociedade
preconceituosa, “moralista” e arraigada de valores fa-
miliares (alguns rígidos, no caso da mulher) como era
maranhense, no final do século passado para o inicio
desse. (2011, p. 17).

UFMG Consultoria Júnior - Do Início ao Topo 163


Morando a vida toda na solteirice, tendo apenas namorado
algumas vezes em sua juventude, nunca tivera um filho, nem mes-
mo adotivo como foi o caso de Maria Firmina dos Reis. Segundo a
professora Alzira, não foi por opção, pois, Laura Rosa sempre teve
vontade de ter filhos, mas como a sociedade era muito preconcei-
tuosa com as mães solteiras, ainda mais aquelas tidas como cultas
e letradas, fez com que ela reprimisse esse desejo. Tal desejo foi tão
grande que não tendo um filho ou filha para ensinar, viu o magisté-
rio como a porta de acesso para esse novo mundo. Educar crianças
e adolescentes começava a principiar sua essência.
A causa ou circunstância de sua vinda a Caxias, assim como a
data da primeira vez que pisou na cidade caxiense, ainda é algo de
questionamentos e de respostas que nos chegam fragmentadas. O
que sabemos por certo é que ela chegou por volta de 1919 a 1920 e,
na memória da professora Alzira assim como a do professor Pas-
sinho, ela veio para Caxias porque as pessoas que cuidavam dela
morreram, inclusive seus padrinhos, não restando ninguém que
pudesse ficar com ela na capital. Entretanto, para Wybson Carva-
lho, ao ser interrogado sobre o motivo de Laura Rosa vir morar em
Caxias, explicou que se deu mais por questões educacionais.
Para entendermos o pensamento de Wybson Carvalho e da
professora Alzira, bem como das contradições existentes entre
essas datas, que se permeiam tanto nas falas orais como em do-
cumentos escritos, devemos compreender o passado histórico de
Caxias, a formação da educação caxiense, iniciada a partir da dé-
cada de 30 do século XIX para o limiar do XX, que se dá todo o
emaranhado processo de formação à instrução primária e tempo
depois das escolas voltadas para a formação de professoras.
As divergências que surgem aqui, ora às vezes respondidas
quando temos certo refinamento na pesquisa, não é culpa do pes-
quisador, seja ele historiador ou aquele que se interessa em pesqui-
sar sobre educação, muito menos nas falas dos entrevistados, mas

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pelo fato de “não existir ainda um estudo que se possa considerar
completo e recomendável sobre a evolução da instituição educacio-
nal no Maranhão” (ANDRADE apud SANTOS, 2009, p.12).
No final do século XIX para início do XX, Caxias vivia uma
sede por uma instrução educacional, principalmente, uma educa-
ção primária pública e Escola Normal para a formação de professo-
ras. Apenas na capital existia uma escola normalista. As professo-
ras que aqui lecionavam eram leigas no sentido de não terem uma
formação e nem uma qualificação específica no magistério. A pro-
fessora Filomena Machado Teixeira e o professor Monsenhor Cló-
vis Vidigal, percebendo essa necessidade de uma instrução espe-
cífica para formação de professoras, com muitos esforços, criaram
juntos a primeira Escola Normal de Caxias (CARVALHO, 2016)48.
Entretanto, a professora Filó, por mais que fosse uma conhe-
cedora de várias ciências, como era autodidata em Geografia, His-
tória, Literatura, Matemática, não tinha qualificação para formar
mulheres no magistério. Então,

Sabendo da disposição de Laura Rosa que tinha em


elastecer a educação, sair daquela ilha, extrapolar os es-
treitos dos mosquitos e adentrar em novos territórios,
foi que a professora Filomena Machado Teixeira e o seu
amigo Monsenhor Clóvis Vidigal foram a São Luís con-
vidá-la para fazer parte desse projeto. Grande foi o ensi-
no de Laura Rosa à Caxias que Filomena tornou-se uma
de suas aprendizas da educação. (CARVALHO, 2016).

Desde o fechamento das instituições religiosas no Brasil por


Marquês de Pombal em 1759, Caxias vivenciou, por mais de seten-
ta anos, a falta de uma instrução pública. Apesar da opulência que
48 A Escola Normal de São Luís foi a última a ser criada de todas as províncias no Brasil oitocentista.
Fundada em 1890, seguia as mesmas características e normas das outras já existentes. Em Caxias, a
Escola Normal para formar professores não apareceu na chamada então “Manchester Maranhense”
do século XIX. Só foi possível na década de 1930, destinada ao sexo feminino.

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a cidade e toda a província maranhense passava por ganhar gran-
des proporções como produtora de algodão, não foi suficiente para
que o Seminário das Aldeias Altas, espécie de instrução superior
em Caxias que se instalou na Trezidela, criado pelos padres jesuítas
e auxiliados pelos fazendeiros do Médio Itapecuru, resistisse sua
permanência após a expulsão da Companhia de Jesus.
Tal desestrutura educacional fez com que as mestras passas-
sem a ensinar, dentro de suas casas ou em pequenos estabeleci-
mentos alugados, e com aulas particulares, uma parcela ínfima de
abastados, fazendo com que boa parte da população caxiense – ne-
gros, crianças de pequenos produtores ou de mães negras, princi-
palmente o sexo feminino – ficasse sem a instrução das letras.

Assim, é que durante cerca de três quartos do século


não houve entre nós, ensino público. Quem podia pa-
gava mestres particulares o ensino de seus filhos ou, se
era suficientemente abastado, mandava-os para o reino
a fim de ali se instruírem. Para o povo, a camada pobre,
nada. (MEDEIROS, 2006, p. 12).

E continua Medeiros (2006, p. 12) afirmando que:

A Câmara Municipal de Caxias pedia a junta gover-


namentista da capital a criação de uma cadeira de pri-
meiras letras paga pela Fazenda Nacional. E conseguiu.
Foi a primeira escola pública que teve Caxias. Para a
instrução feminina “foi criada em 1835 uma cadeira de
ensino primário”. 1884 a 1903 três escolas públicas do
sexo masculino, [...]. Grupos escolares. O primeiro a ser
fundado foi o Instituto João Lisboa [...]. Alguns anos
depois tivemos o “Ateneu Teixeira Mendes”, os quais
não tiveram longa duração. (Grifos do autor).

166 UFMG Consultoria Júnior - Do Início ao Topo


A citação de Medeiros não nos deixa dúvida que somente
por volta de 1823, ainda ressentindo a independência do Brasil, foi
que a Câmara Municipal junto com o governo da província criaria
a escola pública na Princesa do Sertão, responsável pela cadeira de
primeiras letras, auxiliada financeiramente pela Fazenda Nacional.
Depois, em 1835, foi criada instrução primária voltada apenas para
o sexo masculino, com método de ensino Lancaster, em que as au-
las seriam através da oralidade e memorização. A partir da metade
do século XIX, mais propriamente a partir de 1884, ano que nas-
ceu Laura Rosa, a cidade já tinha mais de cinco escolas primárias
públicas para ambos os sexos, particulares também, contudo, a
preocupação na formação de mulheres docentes para ensinar as
primeiras letras bem como a criação desse tipo de estabelecimento
ficava ainda só na capital ludovicense, sem falar que essas escolas
eram criadas e depois fechadas rapidamente.

A longa trajetória da formação do professor se arrasta


no Brasil desde os “Oitocentos” quando a tentativa de
criação das primeiras escolas para preparação dos pro-
fessores primários disputava lugar com a mentalidade
de uma educação elitista e bacharelesca, voltada quase
que essencialmente para os filhos das famílias abasta-
das. (MELO, s.d., p. 3).

Isso, na verdade, foi a principal característica que marcou


a forma como foi imposta a educação no século XIX e até mesmo
na República Velha. Característica dualista, de um lado havia a ne-
cessidade urgente de educar uma sociedade leiga, sem domínios de
uma cultura e da escrita e do outro lado uma pequena parcela que
produzia discursos elitizados para que a educação não atingisse
sua totalidade, como explica Rosa de Souza que “a escola primá-
ria, destinada à maioria da população, deveria difundir os saberes
elementares [...] enquanto a escola secundária, atendendo as elites

UFMG Consultoria Júnior - Do Início ao Topo 167


dirigentes e a classe média em ascensão permaneceria como guar-
diã da cultura geral de caráter humanista” (2008, p. 19).
Entre a opulência do comércio algodoeiro e a decadência desse
produto na província, como afirma Jordânia Pessoa “a partir da se-
gunda metade do século XIX, a cidade – e todo o Maranhão – pas-
sa por uma forte crise econômica na qual o seu principal produto,
algodão, sofria grande concorrência externa, principalmente dos
Estados Unidos” (2009, p. 23), a “Manchester Maranhense”49, as-
sim como foi denominada pela imprensa, não se encontrava numa
educação capaz de romper com os estigmas deixados pela elite
caxiense, vivendo ainda o ensino do atraso, com discursos de que
a sociedade caxiense deveria se permitir somente ao aprendizado
voltado para as fábricas têxtis, em especial a Companhia Industrial
Caxiense e a União Caxiense50, hoje o Centro de Cultura.
Caxias conseguiu avançar neste pensamento fabril e na pri-
meira década do século XX criou o Instituto João Lisboa, onde
afirma Medeiros “foi o primeiro a ser fundando [...] criado em
1918 pelo governo do estado” (2006, p. 14). Este Instituto lo-
calizava-se num sobrado perto da Praça Vespasiano Ramos, e
com curta duração fechou por ordem do governo do estado sem
explicação, causando revolta aos caxienses que almejavam o co-
nhecimento das letras, em “especialmente os estudantes, que,
em uma formidável e incontida manifestação de desagrado, in-
vadiram o prédio em que funcionava o aludido Instituto” (ME-
DEIROS, 2006, p. 14).

49 A denominação surgiu no Jornal Commercio de Caxias, quando o redator declarou que a cida-
de vivia um momento histórico de reflorescimento, “não como outrora, embasada em estruturas
econômicas tradicionais, mas, sim como a Manchester inglesa, nos novos ventos do progresso”
(PESSOA, 2009, p. 48).
50 Foi no ano de 1883, no mês de Agosto, que chega a Caxias a primeira indústria têxtil, recebeu o
nome de Companhia Industrial Caxiense formada por uma sociedade anônima de muitos homens
ricos caxienses. Depois disso, foi criada a segunda indústria têxtil de Caxias chamada de União
Caxiense, foi a maior indústria de toda a província, como afirma o Jornal Commercio de Caxias
“este vasto edifício mede 52 metros de frente, 68 do lado direito e 40 do lado esquerdo, contando
neste recinto espaço folgado para todas as máquinas que devem mover e alimentar 240 teares”.
(JORNAL COMMERCIO DE CAXIAS, 1893, p. 1 apud PESSOA, 2009, p. 52; 56).

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Apoiando-se no documento produzido pela Escola João Lis-
boa, comemorando seus 90 anos de existência, consta que de-
pois do fechamento desse Instituto foi criado o primeiro grupo
escolar em Caxias na data de 1919 e inaugurado ano seguinte,
22 de Março de 1920, na então gestão do governador Dr. Benedi-
to Leite, em homenagem ao escritor maranhense João Francisco
Lisboa, chamada de “Grupo Escolar João Lisboa”. O lugar não era
mais o mesmo da Praça Vespasiano Ramos, agora era um prédio
na Rua Arão Reis, onde hoje é a Escola Gonçalves Dias (PEREI-
RA, 2015, p. 2017).
Muito tempo depois, por volta da década de 1950, esse pré-
dio entrou em reforma levando os dois turnos a se dividirem em
prédios diferentes. O turno matutino se instalou no prédio que
já sediava no período noturno a Escola Técnica de Comércio de
Caxias, na Rua 1º de Agosto, e o vespertino foi para antigo Fórum
de Caxias, em frente a Praça Gonçalves Dias.
Com o término da reforma do prédio na Rua Arão Reis, o tur-
no vespertino foi para seu lugar de origem, transformando-se na
Escola Gonçalves Dias e os alunos do turno matutino permane-
ceram no prédio na Rua 1º de Agosto, com o nome Grupo Escolar
João Lisboa, permanecendo até hoje no mesmo lugar, mudando o
nome de “grupo” para “escola”.
Foi nesse Grupo Escolar João Lisboa que Laura Rosa consegue
seu primeiro emprego no magistério, onde depois de alguns anos
de atuação nessa escola, passou a ser a diretora.
Na visão de Carvalho (2016) e da professora Alzira (2016),
Laura teria sido convidada pela professora Filozinha, somente
no ano em que seria para atuar como Normalista. Entretanto,
há equívocos se olharmos para as diferenças de datas de nasci-
mentos entre a professora Filozinha e Laura Rosa e a criação da
primeira escola normalista em Caxias que foi em 1931, o recorte
do Jornal deixa provas disso:

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Figura X: Recorte do decreto de 1931 que cria o primeiro Curso Normal de Caxias
equiparando-o com o Liceu de São Luís. Fonte: DECRETO Nº 148. 30 DE JULHO
DE 1931. p. 246-247. Acervo Digital da Biblioteca Pública Benedito Leite – BPBL.

Laura Rosa nasceu em 1884, enquanto que, segundo Libâ-


nio Lôbo, “Filozinha – nasceu no Engenho D’Água, município de
Caxias, Maranhão, em 12 de Dezembro de 1910” (2003, p. 140), o
que significa que entre essas duas mulheres há uma diferença de
idade de 26 anos e, ainda por cima, se Laura Rosa só veio quando
a primeira Escola Normal chegou em Caxias, então esta escritora e
educadora já tinha seus 47 anos, o que nos leva certa inquietação,
pois, com essa idade, Laura Rosa já tinha feito muitas coisas pela a
educação maranhense e a professora Filozinha em 1930 tinha aca-
bado de concluir seu curso Normal em São Luís.
Para Jörn Rüsen “o conhecimento histórico não é construído
apenas com informações das fontes, mas as informações das fon-
tes só são incorporadas nas conexões que dão o sentido à história
com a ajuda do modelo de interpretação” (2010, p. 25), então, nessa
linha de raciocínio, Laura Rosa já ensinava no Grupo Escolar João
Lisboa. Temos esta certeza porque um Jornal de 1921, O Caxiense,
faz uma homenagem a sua atuação pela educação caxiense, agra-
decendo pelos seus onze anos que “desdobra e encarece com muito
amor, com muita dedicação e com algum sacrifício” (JORNAL O
CAXIENSE, 1921, p. 1) a instrução do conhecimento das letras na

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cidade de Caxias. Nesse mesmo período de tempo, pelo o que o
discurso do Jornal indica, Laura Rosa passou a ser, além de profes-
sora, diretora do Grupo Escolar João Lisboa.
O recorte do Jornal O Caxiense de 1921, cujo nome do redator
não aparece, traz a imagem de Laura Rosa ao lado do texto, e logo
após o recorte, a transcrição do discurso de exaltação a Laura Rosa
retirada desse mesmo Jornal.

Figura XI: Jornal O Caxiense fazendo um belo discurso para os feitos de


Laura Rosa na educação de Caxias, cujo redator não aparece. Fonte: Jornal
O CAXIENSE. nº 3, anno I, São Luiz (Maranhão), 24 de Outubro de 1921.
p. 1. Acervo do Instituto Histórico e Geográfico de Caxias - IHGC.

LAURA ROSA
O clichê da reputada preceptora não é bem uma home-
nagem aos seus dotes Moraes e intellectuaes, ás apreciá-
veis qualidades do seu coração e do seu espirito.
E’, antes, um singelo testemunho de gratidão e de re-
conhecimento pelo muito que lhe deve a instrução de

UFMG Consultoria Júnior - Do Início ao Topo 171


Caxias, essa terra cujo destinos sociaes há onze anos
desdobra e encarece com muito amor, com muita dedi-
cação e com algum sacrificio.
Filha dilecta desta dadivosa São Luiz, onde ilustrou e
melhor educou o seu vigoroso espirito de atheniense mui
digna, bem cedo for ter Caxias, como professora do 2º
districto, apenas conquistara o seu diploma. E alli se fez
caxiense, de onde não tem havido interesse que a demo-
va na preterencia á venturosa cidade sertaneja. Effecti-
vamente varios tem sido os convites e offerecimentos de
vantagens por parte de outras localidades que de ha muito
lhe pleiteiam a pontificar no seu nobilíssimo ministerio,
offerecimentos e convites a que para gaudio dos caxienses
tem resistido sempre e com o mesmo desprendimento de
quando, deixando o convivio dos seus, alli foi a serviço
de nossa cultura, felizmente onde mantendo as gloriosas
tradições, a mocidade anceia por aprrender, e onde tão
bem ella tem sabido conjugar os salutares principios da
pedagogia moderna com as innumeraveis exigências do
ensino, ora na direcção do grupo escolar João Lisboa.
Registrando a passagem do seu festivo natalício em 1 do
mez fazemo-lo com sincero desvanecimento, porque a
honra de um acto justo é sempre de quem o pratica e du-
vida não temos de que só lhe fazemos justiça ao merito
e á compentencia. Aliás, si assim não fosse, bem conhe-
cemos os sentimentos da nobre educadora e inspiradora
poetisa, para que não perpetrassemos a imperdoavel le-
viandade de tanta indiscripção e maior indiferença pela
sua reconhecida modestia.
A dona Laura Rosa, pois, Caxias agradecida. (JORNAL
O CAXIENSE, 1921, p. 1). (Grifos do autor)51.

51 Este discurso foi retirado originalmente do Jornal, por isso muitas letras, na língua portuguesa,
estão em desuso.

172 UFMG Consultoria Júnior - Do Início ao Topo


Olhando para o discurso acima, não teria sido Laura Rosa
convidada pela professora Filozinha a morar em Caxias, visto que
em 1920, esta ainda teria seus 10 anos de idade, fazendo seu primá-
rio no Grupo Escolar João Lisboa, onde em 1926, “prestava exame
de admissão no Liceu Maranhense, sendo bem classificada, conclui
o Curso Normal em 1930” (LÔBO, 2003, p. 141). Somente em 1931,
a professora Filozinha volta a Caxias assumindo o 2º ano primá-
rio no Grupo Escolar João Lisboa, substituindo a professora Jacira
Azevedo Castelo e, à noite na escola Técnica, substituindo a profes-
sora Jacy Pires e pouco tempo depois sendo diretora dessa escola.
Foi sendo aluna do Grupo Escolar João Lisboa que a professora
Filozinha conheceu Laura Rosa atuando como professora.
O autor do discurso do Jornal O Caxiense de 1921 ainda
nos chama atenção quando ressalta que “[...] deve a instrução de
Caxias, essa terra cujo destinos sociaes há onze annos, [...] com
muita dedicação e com algum sacrifício” espalha educação pela ci-
dade. Se fizermos a comparação desse Jornal que foi publicado em
1921 com a criação do Instituto João Lisboa em 1918 ou do Grupo
Escolar João Lisboa de 1920, os cálculos dessa diferença de datas
acabam nos levando para outra indagação, pois, se for verdade que
Laura Rosa chegou em Caxias para lecionar no Instituto João Lis-
boa ou no Grupo Escolar Joao Lisboa, aos fazermos o cálculo da
subtração das datas de publicação do jornal O Caxiense que diz
que há onze anos Laura Rosa já atuava em Caxias, então, neste
caso, a educadora chegou aqui em 1910, o que não coincide com o
ano de inauguração dessas escolas.
Então, por que tantas discordâncias entre os documentos e,
algumas vezes, entre aqueles que tentaram relembrar o passado
glorioso de Laura Rosa? Talvez a resposta mais perto de nós esteja
naquilo que Le Goff ressalta dizendo que a “memória no homem
faz intervir não só a ordenação de vestígios, mas também a relei-
tura desses vestígios” (1990, p. 423). Com certeza foram as dife-

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rentes leituras e releituras sobre Laura Rosa que aos poucos foram
se formando variadas datas temporais e espaciais que hoje não se
encaixam simetricamente.
Explica Beatriz Sarlo que “é mais importante entender do
que lembrar, embora para entender também seja preciso lembrar”
(2007, p. 22). Devemos, nesse sentido, recordar que estamos anali-
sando, aqui, uma transição educacional do século XIX para o XX,
em que os resquícios do século oitocentos ainda se perpetuavam
fortemente na sociedade brasileira.
Nesse sentido, Laura Rosa foi uma atuante na escrita e na
educação, entretanto, pouquíssimos são os documentos encontra-
dos nos dias atuais, sejam eles de sua própria autoria ou de alguém
escrevendo sobre ela, principalmente em Caxias, onde a mesma
viveu quase toda a sua vida, entregando aos caxienses uma educa-
ção com esmero.
A ausência de maiores registros de Laura Rosa, assim como
de outras escritoras e educadoras, é resultado do reflexo das elites
dominantes e literárias que penetraram de formas escamoteadas
no novo século. Resultado este que não é percebido somente nos
documentos escassos ou nas narrativas fragmentadas. Entretanto,
nos comportamentos e costumes sociais, no sexo masculino ainda
se preponderando sobre o feminino, tanto nos espaços literários
como na educação, a estratificação social como modelo forte entre
os grupos existentes.
Um dos resquícios do século XIX que permanecia vivo na so-
ciedade novecentista eram as mulheres fora do contexto político,
fossem elas para representar a sociedade ou no sufrágio de seus
representantes.
Em entrevista dada ao Jornal O Tempo em 1931, Laura Rosa
fala sobre sua visão da participação da mulher na política:

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— Que pensa a senhora do voto feminino?
— Para me pronunciar, devo, desde logo, prevenir-lhe
de que sou muito sincera e muito franca nas minhas
opiniões. E tanto isso é verdade que, embora conhece-
dora, muito de perto, da grande mentalidade que possue
madrinha Lucia (D. Lucilia Coelho de Souza) não estou
de accordo com todos os seus conceitos, a propósito do
voto feminino. Ella entende, por exemplo, que a mu-
lher já devia gosar, entre nós, desse direito. E eu penso
que não. Porque as brasileiras não estão devidamen-
te educadas e nem emancipadas da tutela do homem,
para o goso de tamanha liberdade. Pode ser que, agora,
com o novo systema, e encarada a sociedade por melho-
res principios educativos, as nossas patricias se lancem
a esses ensaios políticos que, assim mesmo, ao meu ver,
terão o incoveniente de lhes roubar da vida domestica,
isto é do apostolado do lar, uma grande parcella do pre-
cioso tempo, que é sempre pouco pára a educação dos
filhos e os outros deveres inherentes ao pacto conjugal.
— Neste caso a poetiza entende que só as solteiras de-
veriam votar...
— Não digo isso, propriamente. Mas as casadas não
poderiam ter a mesma independência das que se não
acham presas por um laço tão forte.
(JORNAL O TEMPO, 1931, p. 1. Apud PACHECO, 2007,
p. 53). (Grifos do autor).

Laura Rosa, atuante diretamente a favor da conquista dos


direitos e espaços das mulheres na sociedade, nas instituições de
poder, não hesitou em dar seu ponto de vista sobre o sufrágio fe-
minino. Tentou compreender a parcela do voto da mulher não so-
mente no presente, mas as consequências que poderiam acarretar

UFMG Consultoria Júnior - Do Início ao Topo 175


no futuro. Para ela, a política é intermediada por interesses e, estes,
são guiados de acordo com a condição social do indivíduo.
Apesar do sexo feminino ter conseguido galgar grandes passos
no século oitocentos, por exemplo, a chegada da escola para o sexo
feminino em 1844, as criações das instruções primárias para ambos
os sexos, mesmo grande parte sendo de ensino privado, e o aumento
do número de mulheres nos jornais maranhense, esse sexo ainda
encontrava suas estruturas fragmentadas em pleno século XX.
Entendia ainda Laura Rosa que neste ambiente a mulher, como
sujeito estereotipatizado, seria mais ainda jogada a margem social,
pois, a partir do momento que ela adquirisse o poder do voto, en-
tretanto, vivendo dentro de um sistema patriarcalista disfarçado
e de uma sociedade, predominantemente, masculina, a sua par-
ticipação serviria apenas como forma de aumentar os privilégios
masculinos52. Por isso, segundo a educadora, antes da decretação
do voto feminino era necessário averiguar os fatores positivos e
negativos que poderiam aparecer ao longo do processo.
Ainda em entrevista ao Jornal O Tempo em 1931, Laura Rosa
continua falando sobre o sufrágio e educação para o sexo feminino:

— Então as eleitoras deveriam sahir principalmente


dentre as professoras e solteiras?
— Perfeitamente. Porque essas, habituadas a educar e a
instruir e possuindo, por dever do officio, certa indepen-
dência, poderiam, sem interesses subalternos, escolher de
modo mais consentâneo, os seus candidatos. O senhor

52 No final do século XIX, a participação das mulheres na política recebeu apoio de um dos maiores
escritores brasileiros, Machado de Assis. Em uma de suas crônicas semanais, datada de 1894, bei-
rando o século XX, publicou que: “Elevemos a mulher ao eleitorado; é mais discreta que o homem,
mais zelosa, mais desinteressada. Em vez de a conservarmos nesta injusta minoridade, convidemo
-la a colaborar com o homem na oficina da política. Que perigo pode vir daí? Que as mulheres,
uma vez empossadas das urnas, conquistem as câmaras e elejam-se entre si, com exclusão dos
homens? Melhor. Elas farão leis brandas e amáveis” (ASSIS, 1894 In Obra Completa de Machado
de Assis, 1994, p. 185). Somente em 1934, a mulher passar a ter o direito de votar e ser votada, mas,
esse direito ainda estava preso ao Código Eleitoral Provisório de 1932, onde a obrigatoriedade era
somente ao sexo masculino. Apenas em 1946, a obrigação do voto estendeu-se as mulheres.

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sabe que o trabalho do magistério, entre nós, tem que se
desdobrar muito além das nossas forças, porque o nos-
so serviço não é somente, como deveria ser, de instruir e
aperfeiçoar a educação. Sem a mais leve censura a quem
quer que seja, devo salientar que a criança, entre nós, está
como um pequeno arbusto a quem somos forçados a de-
dicar, por entre esforços inauditos, grandes cuidados para
faze-lo vicejar, amparando-o por todos os processos ao
nosso alcance. Se a educação ainda está assim, não tendo
a mulher brasileira outra preoccupação senão a de exercer
os mistéres nobilissimos do lar, avalie agora quão preju-
dicial não seria a collectividade abstrai-la dessa missão
sagrada, lançando-a aos prelios politicos. Que de rivali-
dades não surgiriam na propaganda dos candidatos. Pos-
so, com previsão segura, affirma-lhe que, na maioria dos
casos, seria despertado até o sentimento natural do ciúme
entre as pessôas do meu sexo. [...]
— Parece assim, que a poetiza não é muito pelo voto
feminino...
— Sou em termos. Depende do critério que se venha a es-
tabelecer para o alistamento. Penso que deverá haver rigor
na selecção, tanto dos elementos masculinos como dos fe-
mininos, para que a representação, nas nossas camaras,
seja uma expressão legitima do sentimento nacional.
(JORNAL O TEMPO, 1931, p. 1. Apud PACHECO, 2007,
p. 53). (Grifos do autor).

Assim como explica Norma Telles que “a situação de igno-


rância em que se pretende manter a mulher é responsável pelas
dificuldades que encontra na vida e cria um círculo vicioso: como
não tem instrução não está apta a participar da vida pública, e não
recebe instrução porque não participa dela” (2010, p. 406). Laura
Rosa chama atenção na sua fala quando afirma que as mulheres

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brasileiras “não estão devidamente educadas e nem emancipadas
da tutela do homem, para o gozo de tamanha liberdade”. Vejamos
que o ano de publicação do Jornal é 1931, mas esta educadora sabia
que o comportamento, bem como a submissão do sexo feminino ao
masculino, permanecia com profundas raízes do século passado.
Para esta educadora e poetisa, o voto serviria apenas como
uma válvula de escape, pois, antes de ser independente, era neces-
sário ter uma boa educação. E para ter uma boa educação era ne-
cessário se desprender dos laços forte do casamento, visto, segun-
do ela, como uma presa de dependência. Este devir não representa
apenas o grau de intelectualidade, mas o saber reconhecer seu
próprio sexo, seu cotidiano e sua representação social. Dois anos
depois dessa entrevista, a mulher começa a galgar seus primeiros
passos diante das urnas.
Laura Rosa foi, incessantemente, uma educadora que se pôs
em função da pedagogia, escrevendo, diariamente, sobre a forma-
ção da criança. No próprio caderno de anotações deixado por ela,
encontram-se recortes de folhas de jornais e revistas que tem como
tema a formação da criança.
As citações abaixo foram retiradas de um livro valioso escrito
por Laura Rosa chamada de As Crianças publicado em 1909 pela
Imprensa Official do Maranhão, e que nunca mais foi reeditado e
lançado a público. Hoje esse documento se encontra digitalizado
na Biblioteca Pública Benedito Leite.

A educação também tem a sua historia evolutiva e peda-


gogica. E’ no estudo da velha pedagogia que se a encon-
tra desde o seu empyrio até hoje. Muita gente confunde
a educação com a instrução. Ora, aqui estão duas irmans
gemeas que podem, mas não devem actuar separadas,
senão até um certo tempo de vida [...].
A educação [...] começa no período da gestação, mesmo
antes do nascimento, deve caminhar só até os 7 annos

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da idade infantil que constituem os primeiros periodos
da vida humana; dahi em diante, junte-se-lhe a instru-
ção e ambas caminham juntas até a morte.
Vem de Platão a ideia de que a educação começa antes
do nascimento. Aristoteles, o célebre educador de Ale-
xandre o Grande, diz que a educação é um processo que
abraça todos os periodicos da formação humana.
Um chefe de nação, dizia Platão, deve estudar o carac-
ter do seu povo antes de procurar domina-lo; e não é
a instrução que faz o caracter, é a educação domestica,
são os paes. Deixo, agora, a cada um a liberdade de com-
paração entre o antigo e o moderno e a opinião sobre
as velhas e novas theorias. Posso, porém, afirmar [...]
que ainda há muita gente por aqui e por ali que se não
conforma com a educação de hoje, importada dos paizes
mais adeantados, florerescentes e cultos.
A CRIANÇA NO LAR:
Pancada não educa, desbria; isso já caiu, Aristoteles foi
o primeiro que protestou contra os castigos corporaes
e eu concordo com o grande philosopho [...]. O caráter
forma-se no lar, aperfeiçoa-se na escola e eleva-se na so-
ciedade; e para que a sociedade seja educada é necessa-
rio que os caracteres elevados lhes sirvam de base. O lar
é um theatro, diário, em que a família deve representar,
exemplamente o seu papel educador, tendo em vista que
os espectadores – as crianças imitam, repetem e gravam
tudo o que vêem e o que ouvem. (ROSA, 1909, pp. 5-7;
9; 21-22; 32).

O discurso do livro foi produzido por uma conferência em


que ela ministrou, como a própria autora explica: “assim dividi
esta minha humilde palestra em duas partes: traços historicos da
educação antiga e a criança no lar” (ROSA, 1909, p. 3) ou quando
ela ressalta: “não me occuparei da educação moderna porque seria

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falar, então, uma noite inteira. Occupar-me-ei, apenas, [...] da edu-
cação original e interessante entre os povos mais antigos, notáveis
pelos seus hábitos, suas tradições e civilizasão [...]” (Ibidem, 1909,
p. 11), no entanto, não há registro sobre onde foi ministrada essa
conferência e muito menos como Laura Rosa fez para transcrever
sua palestra em um livro.
Percebemos através da leitura acima, retiradas de algumas
partes importantes do livro, que Laura Rosa era profundamente
conhecedora da Pedagogia, dos conceitos teóricos e das doutrinas
educativas dos grandes filósofos como Platão, Socrates, Quintilia-
no, Rousseu, Seneca, Comenio, Tratzendoff, dentre outros. Ela se
debruça na educação da História Antiga, passando pelos costu-
mes, normas e formação da educação e instrução das civilizações
do Oriente e ocidente, como da China, Fenícios, Hindus, israelitas,
Persa, Esparta, Atenas, afirmando que “foi no Oriente o berço da
civilização e da educação domestica” (ROSA, 1909, p. 21).
Além do conhecimento histórico sobre essas civilizações
antigas e sobre como deveria ser o ensino da criança no lar, to-
mando emprestados conceitos plantonista e socratiano, no seu
livro há uma poesia de Victor Hugo escrita em francês “LORS-
QUE L’ENFANT PARAIT”53 (1909, p. 34), onde segundo Laura
Rosa, o seu professor Dr. Almir Nina54 deu para ela traduzir para
o português. Explica que “fiz das fraquezas forças, como lá se diz;
evoquei a minha pobre musa preguiçosa e desleixada e arranjei,
a martello, a tradução livre e rimada da mencionada poezia [...].
Ousei publicar essa tradução no Diario do Maranhão de 4 de Ju-
lho de 1908” (Ibidem, p. 36).
Imenso foi seu conhecimento na educação e na literatura que
Laura Rosa chegou ao patamar de ser a primeira mulher mara-

53 Segundo a tradução de Laura Rosa: “QUANDO A CRIANÇA APPARECE” (1909, p. 36).


54 Dr. Almir Nina e sr. Alfredo de Assis por quem ela diz ser apadrinhada na obra As Crianças, foram
seus professores da Escola Normal de São Luís. O primeiro, tudo indica que era de francês e o segun-
do ela fala que era um distincto e estimado professor de portuguez na Escola Normal” (1909, p. 36).

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nhense a ter acento a uma Cadeira na Academia Maranhense de
Letras (Cadeira de Nº 26), cujo patrono era Antônio Francisco Leal
Lobo55, conhecido como Antônio Lobo: “[...] eleita a 3.abr.1943;
recebida pelo Acadêmico Nascimento Maraes, cujo Discurso de
Saudação ainda não foi localizado; sessão no edifício da Assem-
bléia Legislativa do Estado, então sede da Academia, a 17.abr.1943”
(REVISTA DA ACADEMIA MARANHENSE DE LETRAS. Nº 80.
1998, p. 11. Grifos da Revista) 56. Laura Rosa recebeu enquanto viva
o cognome de “violeta do campo” como mérito e reconhecimento
social de seu empenho na educação e pelos seus escritos.
Veja alguns trechos do discurso de posse da Laura Rosa na
Academia Maranhense de Letras:

DISCURSO DE LAURA ROSA


Manda a justiça que vos diga, em primeiro lugar, que me
trouxeram para esta casa de sábios ilustres as mãos ami-
gas de Corrêa de Araújo e Nascimento de Moraes com
a benevolência de seus pares. Trouxeram-me, porque, de
mim mesma, nunca imaginei suficientes os meus versos,
para merecimento de tão honrosas credenciais. Disto
isto, desejaria agora que, neste momento, de tão profunda
comoção por mim jamais sentida, se espalhasse pelo am-

55 Antonio Lobo, nascido em São Luís no dia 4 de julho de 1870, começou sua carrereira sendo
professor na capital maranhense ensinando as primeiras letras e professor de inglês no Seminá-
rio Santo Antonio. Passou no concurso para lecionar a cadeira de Lógica no Liceu Maranhense
e depois de várias atuações em diversas cadeiras, chegou ao cargo de diretor. Aprofundou-se em
Literaturas brasileira e portuguesa, bem como a inglesa e francesa. Mais tarde, foi nomeado como
professor da Escola Normal de São Luís para lecionar Literatura. Foi professor de Laura Rosa, esta
deixa sua homenagem a esse professor em vários momentos do seu discurso de posse. Redator em
vários jornais, dentre eles Jornal O Século, Pacotilha, O Federalista, Diário do Maranhão. Foi ainda
2º oficial da Secretaria do Estado do Maranhão. Morreu muito jovem, aos 46 anos, em 24 de junho
de 1916. Ver: REVISTA DA ACADEMIA MARANHENSE DE LETRAS. Nº 80. 1998, p. 16-21.
56 Vale ressaltar que, a primeira mulher a entrar nesta Academia deveria ter sido Maria Luiza Lobo,
porém, a mesma recusou por morar no Rio de Janeiro e não ter como vir participar das atividades
na Academia Maranhense. Maria Luiza Lobo era filha do ilustre Antonio Lobo, este foi um dos
doze fundadores da Academia Maranhense de Letras - AML no dia 10 de agosto de 1908.

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biente um fluido de benevolência aos vos ter de enfrentar
audaciosamente, para vos ler, aqui o que escrevi.
Audaciosamente, repito, e torna-se, por isso, necessário
dizer-vos, meus caros ouvintes, como num intróito, an-
tes de desenvolver meu discurso, que nunca, nem por
sonhos, me havia passado pela mente subir as lumino-
sas escadaria deste templo espiritual, magnifico, a fim
de cingir a privilegiada túnica espiritual dos imortais,
para receber a sagração de sacerdotisa desta nobilitante
Comunidade; túnica espiritual cujo peso me abate neste
instante, diante de vós!
[...] sei, apenas, que me foram arrancar um dia do pe-
quenino mundo limitado que eu havia construído para
mim, para o recolhimento dos meus pobres sonhos, o
retiro de minha vida de ensinar crianças e de escre-
ver versos para elas, na linguagem simples com a qual
e pode inocular, suavemente, sutis ensinamentos de
manso, como os botões das flores dos prados; ensina-
mentos velados pelo encanto indefinível da poesia, que é
a mais divina expressão da espiritualidade.
[...]
Pensei, então, que deveria atender ao que me queriam,
que deveria encostar a um canto, por alguns instantes,
a guitarra da musa infantil dos meus pobres versos às
crianças.
Tive a impressão de que não haver, ainda, terminado
minha tarefa de bem servir a terra-berço, apesar dos
longos anos por que a tenho servido.
E fiquei. Deveria atender, como educadora, filha deste
abençoado pedacinho do Brasil, a fim de auxiliar na
conservação da chama sagrada, que resplandece neste
momento, iluminando o tesouro; auxiliar na vigília por

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este legado que nos ficou, como um elo de ouro, ligando
o passado ao futuro.
Eis-me, portanto, aqui, Senhores, a primeira mulher
que aqui entra, porque assim o quiseram os homens
ilustrados desta agremiação, guarda fiéis de nossas tra-
dições literárias.
[...].
(ROSA, In REVISTA DA ACADEMIA MARANHENSE
DE LETRAS. Nº 80. 1998, p. 11-15). (Grifos do autor).

Laura Rosa reconhece de forma humilde seu árduo empenho


pela educação, até o momento de sua entrada na Academia Mara-
nhense de Letras, principalmente voltada para o sexo feminino e
crianças, pois segundo esta educadora e poetisa, esse grupo me-
reciam atenção maior nos finais do século XIX e inicio do sécu-
lo XX. Reconhece que mesmo a mulher conseguindo destaque na
sociedade, dificilmente era valorizada especialmente no que tange
adentrar os recintos corporificados pelo poder masculino. Para
Laura Rosa, tomar posse, naquele momento, era, antes de tudo,
acordar à produção literária feminina com homens ilustrados já
consagrados, pois estes determinavam o grau de valor e importân-
cia das obras publicadas, fossem elas homens ou mulheres.
Infelizmente, Laura Rosa Morreu em situação de pobreza aos
92 anos de idade no ano de 1976, mesma idade e situação de Firmi-
na dos Reis, deixando como herança apenas sua intelectualidade
composta nas poesias, no livro “As Crianças” e nas escolas por onde
atuou. Segundo a professora Alzira, o velório de Laura Rosa foi de
grande repercussão. Vieram pessoas de vários lugares, e até alguns
intelectuais da capital maranhense. Seu corpo se encontra sepulta-
do no cemitério de São Benedito em Caxias-MA.

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Considerações finais
Falar da história das mulheres no Brasil, e aqui neste estu-
do, das escritoras maranhenses oitocentistas, é sempre um desa-
fio para quem for estudá-las. Seja um intelectual, um doutor nas
Ciências Sociais e humanas ou um escritor(a) renomado(a). À me-
dida que, as discussões vão sendo veladas ao exposto mais o pes-
quisador parece entrar num labirinto, em um terreno pantanoso.
Pois, ao tratarmos do cotidiano do sujeito, as relações de poder,
os feitos e produções das escritoras, acabamos que entrando em
outro campo: o que é ser mulher e como este sexo foi representado
socialmente, como explica Colling que “escrever um texto sobre
mulheres é lidar com essas sombras, esses desejos masculinos so-
bre as mulheres, com o imaginário masculino, com representa-
ções” (2014, p. 26).
Se por muito tempo “as mulheres ficaram virtualmente “in-
visíveis” [...], descritas como um grupo “abafado”, somente capaz
(em muitas vezes e lugares) de expressar suas ideias por meio da
linguagem dos homens dominantes” (BURKE, 2002, p. 76), não há
dúvida de que foi o novo modo de se pensar das mulheres, prin-
cipalmente a partir dos meados do século XIX, que alterou as re-
lações da vida pública e privada da sociedade. Um processo que
modificou não somente a literatura e os jornais impressos, foi a
partir destes que o poder simbólico, a submissão e as instituições
mostraram suas faces.
De fato, os estudos sobre a história das mulheres nos trazem
inquietações e indagações, fazendo com que, muitas vezes, as res-

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postas não fiquem bem claras. Isso porque, tal estudo torna visíveis
as questões de domínios de quem produz os fatos, o cotidiano e as
práticas sociais. Domínios que foram construídos e tecidos por uma
ordem masculina e “numa convivência expressa por relações de do-
minação e com uma definição dos lugares que cada grupo deveria
ocupar na hierarquia do espaço social” (PESSOA, 2009, p. 103).
Percebemos ao longo desta pesquisa que o novo caminhar
das mulheres na arte de escrever só foi possível a partir do mo-
mento em que houve abertura para elas na educação formal. Ja-
mais o sexo feminino poderia pensar, refletir e adentrar os meios
literários sem antes dominar a escrita e leitura. É claro que exis-
tiram aquelas que sem passar por um colégio ou casas de recolhi-
mentos para ter no mínimo contato com as chamadas Primeiras
Letras, como foi o caso de Firmina dos Reis, conseguiram de ou-
tras maneiras aprender a ler, escrever e publicar grandes obras e
discursos nos jornais.
Entretanto, isso era uma exceção à regra. A maioria vivia a
margem do poder masculino, confinadas ao papel maternal e do-
méstico, pois o sexo feminino foi domesticado no silêncio e nas
sombras e tomar a palavra como opinião era uma tarefa árdua.
Ressalta Bordieu (2002) que o olhar da mulher é uma visão colo-
nizada, dominada, que não se vê a si própria. Muitas, por medo de
uma violência física ou simbólica, preferiram ficar silenciadas.
As mulheres assistindo os movimentos revolucionários e
modernos da sociedade brasileira, no século XIX, foram pouco a
pouco aproveitando essas agitações para iniciar na literatura e na
imprensa, a luta pelos direitos de sua cidadania social e política,
reivindicar a universalidade no mundo público e privado. Entre-
tanto, apesar das letras tornarem-se um dos escoadouros mais
importante, como uma ordem vigente que trazia certo grau de
confiança, mesmo que de uma forma “mais ou menos encoberta”,
como ressalta Norbert Elias (2011), conclui dizendo que na melhor

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das hipóteses, “podiam pensar e escrever”, independentemente,
mas não agir da mesma forma” (ELIAS, 2011, p. 35).
Como a sobrevivência das mulheres na escrita dependia, ex-
clusivamente, do braço do homem, como explica Burke ao afir-
mar que “o papel da mulher era definido pelas expectativas dos
homens” (2002, p. 71), o que vimos foi um final de século XIX
rompendo várias práticas e poder como o abolicionismo, a igreja
separando-se do Estado, uma nova literatura abordando os grupos
excluídos pela sociedade dominante, a monarquia derrubada. Po-
rém, a definição e valorização do sexo feminino ficariam para os
próximos séculos.
Este estudo instigou, ao longo de sua construção, todas as mi-
nhas forças humanas, pois, além dos objetivos estudados serem
de grande complexidade, os mesmos vão lançando e entrelaçando
novos objetivos, o que fazia me desviar do caminho desejado e,
muitas vezes, tivesse que voltar ao princípio de tudo para resgatar
o fio da meada. Lembrando da fala de Manoel de Barros na epí-
grafe de seu livro Operários da Saudade: os Novos Atenienses e a
Invenção do Maranhão (2006) quando ressalta que “o historiador
é um profissional cujo trabalho consiste em costurar panos rotos
com agulha e linha novas. Por essa razão, sempre que se pretende
finalizar sua tarefa e precisa dar último nó, quase sempre deve tudo
recomeçar, posto que o pano invariavelmente se rompe”. Costumo
também dizer que a pior parte da confecção de um texto não está
no ato de “saber fazer”, mas, saber terminá-lo sem deixar grandes
rachaduras, imagens fragmentadas e distorcidas, pois, a cada li-
nha, uma ideia. A cada parágrafo, uma nova interpretação.
Mas, de todo modo, cheguei a concretude de todo meu estudo.
As mulheres, através da arte da escrita, expansionaram sua histó-
ria para além dos muros da subjugação masculina. E quando não
puderam mais avançar sobre o fazer cotidiano nos espaços públi-
cos e privados, pré-estabelecido pelo mundo dos homens, busca-

UFMG Consultoria Júnior - Do Início ao Topo 187


ram outras ferramentas de poder possíveis como forma de mostrar
que o chamado ‘Outro Sexo’, não podia viver mais excluído das
construções sociais.
Nesse sentido, não poderia terminar este estudo com outra ci-
tação que não essa de Burke quando diz que: “se as diferenças entre
homens e mulheres forem culturais, e não naturais, se “homem” e
“mulher” forem papéis sociais, definidos e organizados de forma
diversa em diferentes períodos, então, os historiadores têm muito
trabalho pela frente” (2002, p. 77).
Chego à conclusão deste trabalho, momento ímpar da vida de
quem trabalhou em prol de uma pesquisa, com a humildade acadê-
mica de que muito ainda poderia ter feito por esse objeto de estudo.
Mas, um trabalho se faz a partir disso – trabalhar em cima da cons-
trução de outro trabalho não terminado. Isso de fato é excepcional
na vida de um historiador, pois, a cada passo que damos, podemos
desbravar novos caminhos, quebrar verdades tidas como absolutas.

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Referências

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