Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Rio de Janeiro
2023
AS PRODIGIOSAS AVENTURAS DE VICENTE AVELLAR (MADAME DE
THÉBAS) – Repressão, Curandeirismo e Cartomancia no Rio de Janeiro (1904 - 1907).
Rio de Janeiro
2023
AS PRODIGIOSAS AVENTURAS DE VICENTE AVELLAR (MADAME DE
THÉBAS) – Repressão, Curandeirismo e Cartomancia no Rio de Janeiro (1904 - 1907).
Banca Examinadora:
____________________________________________________________
____________________________________________________________
Prof. Dr.
____________________________________________________________
Prof. Dr.
____________________________________________________________
Prof. Dr.
____________________________________________________________
Prof. Dr.
Rio de Janeiro
2023
VELASCO, Valquíria. AS PRODIGIOSAS AVENTURAS DE VICENTE
AVELLAR (MADAME DE THÉBAS) – Repressão, Curandeirismo e Cartomancia no
Rio de Janeiro (1904 - 1907). 2023. Tese (Doutorado). Programa de Pós-graduação em
História Comparada, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2023.
Resumo
Cette thèse est le résultat d'une recherche qui part de la thèse, développée dans
ce même programme d'études supérieures. En analysant de nombreux
processus impliquant la répression policière des personnes religieuses, il a été
possible de classer et de cartographier ces actions. Parmi les personnes
impliquées dans les répressions évaluées dans la Dissertation, Vicente Ferreira
da Cunha Avellar est apparue comme un sujet particulier, comme une expérience
religieuse qui a attiré l'attention sur son organisation et sa grande influence,
lorsqu'il a rassemblé des dizaines d'« affiliés » dans des pétitions demandant sa
libération. de prison. , où il était responsable des articles 157 et 158. Avec cette
thèse, nous allons observer plus attentivement le contexte qui implique spirites,
justice et médecins, dans la ville de Rio de Janeiro, dans un contexte de dispute
scientifique et les pouvoirs spirituels. On retrouvera Avellar impliqué dans un
grand mouvement social dans la ville cette même année, alors qu'il était déjà
responsable du processus qui lui sert de source. Nous avons suivi la deuxième
enquête en 1907, qui au moment de la Dissertation, nous a en fait éveillé à la
possibilité d'une recherche avec le potentiel d'une Thèse. Trois ans après avoir
été arrêté avec une organisation religieuse bien définie, Avellar est de nouveau
arrêté et répond par voie de procès aux articles 157 et 158, mais cette fois
impliqué dans un complot où il s'annonce comme diseur de bonne aventure dans
les journaux de Rio de Janeiro - Madame de Thébas - figure française,
internationalement connue pour ses prophéties et pour son pouvoir d'influence
politique. Les mêmes journaux qui ont amené la police à la porte de Vicente
Avellar en 1907 nous amènent à reconstituer les aventures d'Avellar dans la Ville,
ses dons prodigieux de guérisseur et de voyant, mais aussi ses autres tentatives
de survie en tant qu'enseignant impliqué dans des problèmes récurrents avec la
police.
SUMMARY
This Thesis is the result of research that starts from the Dissertation, developed
in this same Graduate Program. By analyzing numerous processes involving
police repression of religious people, it was possible to classify and map these
actions. Among those involved in the repressions evaluated in the Dissertation,
Vicente Ferreira da Cunha Avellar appeared as a peculiar subject, as a religious
experience that drew attention to his organization and great influence, when he
gathered dozens of “affiliates” in petitions asking for his release from prison. ,
where he was responsible for articles 157 and 158. With this thesis, we are going
to observe more carefully the context that involves spiritists, justice and doctors,
in the city of Rio de Janeiro, in a context of dispute of scientific and spiritual
powers. We will find Avellar involved in a large social movement in the city that
same year, while he was already responsible for the process that serves as a
source. We followed the second inquiry in 1907, which at the time of the
Dissertation, in fact awakened us to the possibility of a research with the potential
of a Thesis. Three years after being arrested with a well-defined religious
organization, Avellar is arrested again and responds by process in articles 157
and 158, but this time involved in a plot where he announced himself as a fortune
teller in the newspapers of Rio de Janeiro – Madame de Thébas – French figure,
internationally famous for his prophecies and for his power of political influence.
The same newspapers that brought the police to Vicente Avellar's door in 1907
lead us to reconstruct Avellar's adventures in the City, his prodigious gifts as a
healer and seer, but also his other attempts to survive as a teacher involved in
recurrent problems with the police. .
Uma Tese é feita a muitas mãos, além dessas duas que escreve, as dos
amigos e companheiros que as apoiam, têm aqueles que oferecem parte de seus
saberes na construção do conhecimento que levaremos para vida. Aos
professores devo tudo. Agradeço ao meu orientador André Chevitarese, o cara
que sempre soube me guiar pelo melhor caminho e quando eu me sentia
perdida, abria sua casa, junto com sua companheira, querida Tayná Louise, e
me ofereciam um bom café, horas de bate-papo e um licor delicioso. Aos
professores que fizeram parte de minha formação nas disciplinas cursadas no
Programa de Pós-graduação em História Comparada, professores: Flávio
Gomes, fera demais; José D’Assunção Barros; Helena Theodoro; Wallace
Moraes e Carlos Eugênio Soares. Aos queridos que participaram da qualificação
desta Tese e contribuíram para os passos seguintes, professora Gabriela
Sampaio, professor Daniel Justi e professora Iamara Viana. Aos professores que
foram responsáveis pelo início desta caminhada na Universidade Veiga de
Almeida, agradeço, sobretudo, a Claudia Dantas que acreditou no meu potencial,
a Verinha Moraes que me ensinou o amor pelo ensino e agradeço à diva
Verônica Pires, por ser exemplo de historiadora, professora e pessoa, nunca me
esquecerei das lições sobre ABNT depois das aulas de América, graças a essas
lições estou aqui.
Com toda certeza alguns nomes ficaram de fora, mas nunca deixarei de
agradecê-los em minhas preces. Devemos ser gratos até aos que tentaram
atrapalhar, é o que dizem.
A CAPES precisa ser citada aqui, sem a bolsa que me foi concedida, tanto
no mestrado quanto no doutorado, eu nunca conseguiria chegar neste ponto. A
resistência de todos os funcionários da Educação Superior, pesquisadores e
estudantes, principalmente nos 4 anos em que produzi esta Tese, precisa
também ser mencionada. Aos companheiros da comunidade “Bolsistas Capes”
no Facebook, obrigada por todas as gargalhadas e ajuda, espero que existam
muitos de nós aguardando a “Lud neymar” por muitos anos.
Laroye!
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................... 14
1.1 O que foi dito antes de nós sobre Vicente Avellar ..................... 21
2.2.2 Estrangeiros........................................................................... 76
2.2.3 Prostitutas .............................................................................. 80
Referências.......................................................................................... 241
14
INTRODUÇÃO
sem saber de verdade se estaria viva e sã em 2023 para defender esta Tese,
ironias do destino?
A própria pandemia e o fechamento dos Arquivos e Bibliotecas, me levou
a buscar meios de seguir por novos caminhos. A pesquisa não poderia parar, e
não parou. Já era ideia utilizar os recortes de jornais, tal como fizemos no
Mestrado, sem dar, porém, ênfase nesta fonte, como a pandemia nos provocou
a fazer. Os processos e a produção intelectual de Avellar, até ali, teriam o
protagonismo entre as fontes, porém ao sermos impelidos pela necessidade,
imposta pela doença, a Hemeroteca tornou-se um alento, e dos jornais
resgatamos informações preciosíssimas sobre nosso objeto de pesquisa, até
mesmo sua participação na Revolta da Vacina e a morte de sua filha, coisas que
não poderiam ser resgatas por outras fontes. Vicente Avellar era posto
novamente em um contexto de doença, cura e negacionismo.
No projeto inicial desta tese, o enfoque seria dado ao processo de
resistência e às reformulações das experiências religiosas que o nosso
personagem fez durante a vida. Buscávamos as estratégias de escape à
repressão que o Estado levava em vigor nos anos iniciais da República contra
religiosos. Como dissemos, porém, o contexto de escrita deste trabalho, assim
como as relações do momento atual com o tempo de nosso personagem, nos
fez repensar estes enfoques que deveriam ser dados, sem mudar, porém, os
objetivos da Tese.
Desta maneira, a Tese busca tratar da Micro-história da repressão a
religiosos no Rio de Janeiro a partir da trajetória de Vicente Ferreira da Cunha
Avellar. Ele, que ao ser preso duas vezes pelos crimes previstos no Código penal
de 1890 (art. 157 e 158), em 1904 e em 1907, apresenta em suas andanças pela
cidade um pouco dos desafios e questões que a sociedade carioca enfrentava.
Conseguimos ver, a partir dele, as disputas e as negociações que envolviam as
religiosidades na Cidade, que não podem nem devem ser reduzidas apenas aos
católicos, afro-religiosos e alguns kardecistas, são variadas e multicoloridas, as
experiências religiosas na cidade e o trânsito entre as práticas é o que dá mais
cor aos movimentos.
Professor Avellar não é indivíduo comum, longe disso, como veremos ele
circula entre vários nichos da sociedade e em diversos pontos se apresenta
como organizador de grupos em disputas. Rastros deixados por ele, porém, nos
16
das discussões que levantamos aqui sob a ótica das disputas entre médicos e
curandeiros na cidade. A partir disso, buscamos também compreender outras
esferas que são importantes para construção de nosso objeto. A percepção
sobre os estrangeiros no Brasil, a presença de ciganos no Rio de Janeiro e das
prostitutas, todas categorias importantes quando formos observar Avellar,
Madame Thébas e as cartomantes que passaram pela repressão da polícia.
Pedrinha miudinha
Na Aruanda ê
Lajedo tão grande
Tão grande na Aruanda ê
Pedrinha miudinha
Na Aruanda ê
Uma é maior
A outra é menor
A miudinha é que nos alumeia
Pedrinha de um lado
Pedrinha de outro
Pedrinha na Aruanda aê
Quem pode mais é meu Deus do céu, Jesus, Maria e José
Quem sabe mais é meu Deus do céu, Jesus, Maria e José1
Ifá nos aconselha não subestimar aquilo que julgamos ser pequeno.
Certa vez, um encantado cuspiu: “seu moço, de um pequeno se faz um
grande”. Vivemos em um mundo em que somos assombrados pelos
paradigmas de grandeza. Dessa maneira, desencantados pelos efeitos
dessa obsessão, não aprendemos os segredos que encarnam no
miúdo. Para contrariar essa lógica haveremos de nos apequenar
negando os pressupostos arrogantes de determinadas formas de ser e
saber que julgam grandes. Apequenar-se na gramática macumbeira
tem efeito de mandinga, saber que ficou gravado nos elos da pertença
entre o velho e o novo e podem nos ensinar a despachar o carrego e
fechar o corpo para nossas batalhas (SIMAS e RUFINO, 2019).
1 Ponto de Umbanda, para Boiadeiro, Linha auxiliar de Caboclo, conhecidos também como
Caboclo de Couro.
2 Segunda Lei Hermética – Lei da Correspondência. “Este Princípio contém a verdade que existe
uma correspondência entre as leis e os fenômenos dos diversos planos da Existência e da Vida”.
(INICIADOS, 2021)
19
o processo que envolve Avellar três anos depois, quando ele é processado por
cartomancia.
Avellar também aparece na Dissertação de Caio Sergio de Moraes,
defendida em 2017 na Universidade Federal Fluminense com o título A cidade
do Feitiço – Feiticeiros no cotidiano carioca durante as décadas iniciais da
Primeira República – 1890 a 1910. A pesquisa de Caio gira entorno das práticas
religiosas na Cidade do Rio de Janeiro, buscando nos processos criminais a
presença dos “feiticeiros” na cidade. Tal como as outras pesquisas, Moraes
(2017) utilizou o caso de Avellar como ilustração da repressão e das disputas
judiciais entorno desses casos. Apesar de também não mencionar em nenhum
momento o segundo processo envolvendo Avellar em 1907, Moraes faz uma
observação mais aprofundada do processo de 1904, identificando as atividades
da Sociedade Beneficente Jesus Nazareno e relacionando com suas atividades
de professor, diretor e redator de revistas como a da Associação de Professores
em 1900 (MORAES, 2017, p. 125).
Outra pesquisadora que cita Vicente Avellar em seu trabalho de pesquisa
é Glicia Caldas da Silva (2019), em sua tese de doutorado, defendida no
Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Estado do
Rio de Janeiro (UNIRIO). Com o título A CABAÇA DO SEGREDO:
religiosidades e concepções populares de cura no Rio de Janeiro (1889 –
1927), Silva (2019) trata da repressão policial ao curandeirismo e feitiçaria no
Rio de Janeiro. A autora trata do caso de Avellar no segundo capítulo de sua
tese quando apresenta o serviço de saúde pública e a repressão aos
curandeiros. Avellar vai surgir no trabalho de Silva (2019), tal como apareceu no
de Gomes (2013) e de Moraes (2017), em seu processo de 1904.
As pesquisas se dedicam a analisar o Inquérito Policial que envolve
Avellar, as nuances do processo e o andamento judicial dado ao caso. No
entanto, acabam por ignorar o fato de que Avellar é preso novamente em 1907,
e processado novamente no artigo 157 do Código Penal, não mais por
Espiritismo e curandeirismo, mas sim por Cartomancia.
Durante o levantamento de fontes para a dissertação, nos foi permitido
verificar a presença de dois processos no acervo do Arquivo Nacional
envolvendo Vicente Avellar. O processo de 1904 é substancialmente mais
atrativo por seu tamanho e riqueza de detalhes, sem dúvidas atrai pela
23
V i c e n t e F e r r e i r a da Cunha A v e l l a r — Filho de
Bernardo Avellar, nasceu no estado de Pernambuco a 5 de abril
do 1860 e depois de ter cursado os melhores estabelecimentos de
instrução, como o ex-colégio Pedro II, que frequentou até o 3°
ano, entrou para o comércio com doze anos de idade, carreira que
abandonou, passados três anos, para dedicar-se ao magistério.
Abriu um curso particular de diversas disciplinas com seu pai, a
quem substituiu na cadeira de escrituração mercantil do Instituto
comercial; foi o fundador de diversos Colégios, lente de francês
em muitos outros e professor do Lyceo de Artes e Officios;
fundou várias sociedades literárias, entre elas a 24 de Maio, a José
Alencar e a Sylvio Roméro ; foi o organizador da Empresa
Commercial, forense e domestica, criou a Academia livre do
commercio e por último a Escola de commercio para o sexo
feminino. Escreveu :
— Boas festas : versos. Rio de Janeiro, 1695 [1895], in-
8°.
— Elementos de economia politica. Rio de Janeiro, 1895.
— Tratado elementar de escripturação mercantil ao
alcance de todas as intelligencias. Rio de Janeiro, 1886 — Ha
segunda edição de 1893, 112 pags.,e terceira de 1900,221 pags.,
na qual vem adicionada uma escripturação domestica cuja
utilidade é incontestável.
— A instrucção e o jogo : comedia. Rio de Janeiro. .
— Corrupção social. Rio de Janeiro, 1898 — Redigiu :
— O Guarda-Lívros: órgão do defesa dos direitos da
classe. Rio de Janeiro, 1888.
— Commercio -. órgão defensor dos direitos do caixeiro.
Rio de Janeiro, 1893 (BLAKE, 1902, p. 453).
O que, portanto, diferencia Avellar de Jucá Rosa, Félix e tantos outros que
eram execrados pela opinião pública por praticarem suas experiências religiosas
e serem incriminados por elas? Algumas hipóteses são levantadas aqui para
mais à frente tratarmos com mais afinco essas ideias. Primeiro, Avellar se
alinhava ao ideal civilizador pensado para o Rio de Janeiro no início da república.
Apesar de ser processado pelos crimes de feitiçaria, medicina ilegal, espiritismo,
curandeirismo e cartomancia, Avellar não se caracterizava como o feiticeiro
“típico”. Em segundo, Avellar era um cidadão “culto”, dentro dos padrões
europeus e refletia para a sociedade esses valores. A própria experiência
religiosa pela qual foi reprimido em 1904 estava alinhada ao padrão europeu de
“espiritismo”, que deixaria progressivamente de ser visto como alvo da
repressão.
28
Por fim, Avellar não era um feiticeiro carioca, do tipo que alertava a polícia,
a mídia e suas aspirações de modernidade. Ou seja, Avellar não era negro, nem
“enegrecido” pela cor da sua crença (VELASCO, 2019). Avellar incensava os
padrões franceses que eram os mesmos que a elite buscava para “civilizar” o
Rio de Janeiro, mesmo que usando de subterfúgios, o professor oferecesse os
mesmos serviços que os feiticeiros negros ofereciam.
Para ser possível a construção dessa Tese utilizamos fontes já clássicas
no estudo da repressão: os Jornais, periódicos do momento, que traziam
enormes informações sobre as batidas policiais, e no caso de Avellar,
apresentavam o próprio personagem, com o que parece ser uma “estratégia de
marketing” do professor; os Inquéritos Policiais e processos do judiciário, onde
podemos observar a trajetória dos personagens da repressão; o mapeamento
que realizamos durante o mestrado, e nos ajuda a ler melhor a cidade e a própria
repressão. A seguir apresentaremos as fontes que compõem a construção da
Micro-História de Avellar.
1.2.1 As fontes
Figura 2 - Mapa de Calor: repressão e freguesias do Rio de Janeiro (1904 –
1915).
jornais8, mas que infelizmente não foi possível (ainda) encontrar seu referido
processo nos Arquivos. Veremos as nuances de imbróglio de maneira mais
detida no capítulo três desta Tese.
O Inquérito “RMI 0666” de 1904 e o “CQ 230” de 1907, ambos também
levantados no acervo Judiciário do Arquivo Nacional, seguem como fontes desta
Tese9. Em 1904, quando Avellar é acusado nos artigos 157 e 158 do Código
Penal, e nos artigos 250 e 251 do Decreto 5.224, Regulamento Processual da
Justiça Sanitária, apresenta um cenário onde Avellar aparece como líder de uma
organização, a “Sociedade Scientifica de Estudos Philosophicos Jesus
Nazareno”. Segundo o relato do Doutor Sebastião Barroso, o inspetor sanitário
que o acusa, Avellar estaria dando consultas no sobrado, acima de sua
residência. Barroso estava observando a movimentação da “Pharmácia Únião”,
situada na Rua de São Cristóvão, número 191.
Nos vale aqui, apresentar algumas questões interessantes que aparecem
quando recorremos aos jornais. Durante a Pandemia de Covid-19 e a
impossibilidade de pesquisar fontes nos arquivos, traçamos como estratégia
levantar a trajetória de Avellar nos periódicos da Cidade. Iniciamos as pesquisas
na “Hemeroteca” da Biblioteca Nacional através das palavras-chaves: “Professor
Avellar” e “Vicente Avellar”, para nossa surpresa conseguimos registros dele
para além de seus crimes. Havia uma longa trajetória de Avellar nos jornais, sua
vida social, econômica, religiosa e política desde 1881 com anúncios de suas
aulas, até 1928 com o aviso de seu falecimento. Os jornais se apresentaram
como excelente ferramenta para informações de nosso personagem, revelando
facetas que não eram possíveis de verificar através dos inquéritos e documentos
judiciais.
Por exemplo, através dos jornais verificamos que enquanto seu processo
por acusação de prática ilegal de medicina, espiritismo e curandeirismo, corria
na justiça, Avellar estava envolvido com a luta da anti-vacinação obrigatória.
Dessa maneira, os jornais foram uma excelente ferramenta para observar as
tramas sociais por onde Avellar transitava.
8 Fonte de importância fundamental para a construção da trajetória de Avellar pela cidade, ainda
mais com o fechamento dos Arquivos públicos na Pandemia. A Hemeroteca e todo seu acervo
digital precisa ser sempre exaltado.
9 Fontes levantadas para a organização de nosso trabalho de Dissertação (VELASCO, 2019),
fim, afirma que faria uma “consulta” com sua “senhora”, mesmo que ele não
tivesse “atrevimento” com mulheres casadas, mas como bem sabia o “seu”
Thebas, ele (Cid. Adon.) havia perdido a noiva.
E, para arrematar a dica de quem estava dizendo, ele afirma usando por
duas vezes a mesma palavra em destaque: “Da vida, a minha escripta, põe, em
dia, Que há muito ando atrasado, cá na ... escripta!”. Ao que parece, essa última
incógnita gira entorno da profissão de Avellar, que oferece, desde 1880, todos
os dias nos jornais, aulas e livros de “Escripturação mercantil”. Nos parece que
era o recado de um “cliente insatisfeito”, talvez por ter perdido a noiva, mas nos
abre o gancho para o “segundo personagem” desta Tese: A Madame Thebas –
de Avellar, que trataremos mais detidamente no quarto capítulo da Tese.
10Desde 1838 imprimindo, encadernando e distribuindo produções literárias das mais variadas,
era uma das poucas Typografias que acumulava todo o processo completo de produção.
34
tendo sido resgatado em 1893 por grupos de ciganos que encontraram seus
manuscritos e dois baralhos, entre eles o que ficou popularmente conhecido
como Baralho Cigano no Brasil.
No entanto, o que pudemos resgatar através dos periódicos cariocas é
que menos de quinze anos depois da morte de Mademoiselle Le Normand, um
baralho de 36 lâminas estava sendo lançado com seu nome no Brasil, e com
instruções em português por uma grande Tipografia da época. O nome de Le
Normand foi associado ao baralho de 36 lâminas e tornou-se quase impossível
dissociá-lo, no entanto, a mademoiselle, não teve nenhuma influência na criação
do baralho, ou menos ainda, nunca o utilizou como oráculo. A Origem das
lâminas que são conhecidas como Petit Lenormand ou Baralho Cigano, é de um
jogo de salão Alemão do final do século XVIII, o “Das Spiel der Hoffnüng”, Jogo
da Esperança alemão (CAMPOS, 2017).
Ao que parece, a arte da adivinhação, através das cartas, da
numerologia, da quiromancia e a profecia, nunca perdeu forças, na França ou no
Brasil. E o século XIX, o mesmo século da Razão, estava mergulhado nas
crenças espirituais e suprafísicas. Os anos 50 do século XIX traziam ideias sobre
espíritos e oráculos importadas diretamente da França para o Brasil, o
“Espiritismo de Allan Kardec” ou o “Baralho de Lenormand” registram mais que
as crenças nas esferas espirituais e seu entrelaçamento com o mundo físico,
mas um consumo de ideias francesas, como seus hábitos e costumes eram
importados ao Brasil, sobretudo ao Rio de Janeiro.
A Madame de Thebas, a “original” francesa que aqui nos referimos, é
Annette Savary11 ou Anne Victorine Savigny, nascida em 1843 no vilarejo de
Ménilmontant, vizinha a Paris (DAVIES, 2018), (EDELMAN, 2006). A. de Thèbes,
como a própria assinava, foi uma conceituada “adivinha”. Sua fama ultrapassou
as fronteiras do espaço e do tempo. A madame tornou-se uma espécie de lenda
urbana, e a história hoje se mistura com a ficção.
11 Na obra “A Supernatural War. Magic, Divination, and Faith During the First World War”, Owen
Davies está preocupado em apresentar as crenças e superstições que estavam presentes nas
trincheiras da Primeira Guerra Mundial. Davies apresenta a madame de Thébas como uma
famosa adivinha que previu o início da guerra em 1914. Na obra, Davies afirma que seu nome
verdadeiro é Annette Savary (DAVIES, 2018, p. 27). Davies levanta também sua origem no
vilarejo de Menilmontant, nascida em 1844.
35
13Outros textos de João José Reis se debruçam na presença de brancos entre os frequentadores
dos candomblés, e a intensa crioulização da crença o capítulo “Nas malhas do poder escravista:
a invasão do candomblé de Accú” in.: Reis & Silva (1989), por exemplo, trata de mais um
candomblé varejado, dessa vez em Accú.
41
repressão que sempre existiu, o código faz também uma confusão na prática da
execução da lei, pois inclui entre “alvos”, muitos dos que tradicionalmente
acabavam escapando dos processos de “estelionato”, como os espíritas
Kardecistas e práticas brancas de cura, leitura da sorte e magias. Segundo, ao
tratarmos da cidade do Rio de Janeiro, a produção acadêmica está voltada para
as motivações e resultados da repressão aos religiosos afro-brasileiros,
principalmente, no entanto, o cenário das religiosidades é mais complexo e
talvez, algumas dessas formas de experiências religiosas tenham sido deixadas
de lado, não por ignorá-las, mas por considerá-las de menor expressividade.
Com isso ressaltamos dois tipos que estão sempre aparecendo e carecem de
investigação: as cartomantes e os ocultistas, ambas categorias em que Avellar
se enquadra.
14 Lição inaugural do curso de direito criminal, em Minerva Brasileira, apud. T. ALVES JR., Anot. ao cod.
crim., 1.19. (MACHADO, 1941, p. 1).
47
Siqueira (2003) vai ainda afirmar que não há um método definido, nem “na
distribuição geral das figuras delituosas, quer na coordenação destas entre si,
lacunoso em muitos pontos, parco daquilo que já tem tido entrada no direito
positivo de povos cultos”. A ausência da Escola Positivista de Direito, também
conhecida por Criminologia é, portanto, o que mais incomoda aos juristas que o
criticam.
O Liberalismo Penal, chamado de Escola Clássica no apogeu da
Criminologia por Ferri, um dos idealizadores desta, é fruto do Humanismo e está
diretamente ligado à contestação dos poderes absolutistas. A pena de morte e
da galês, por exemplo, deixou de ser presente apenas com Código Penal de
1890 no Brasil, assim como inaugurou a pena de prisão com trabalho, visando a
correção do indivíduo. Estas ações estão em direta consonância com a Escola
Clássica, mesmo que seu principal redator Baptista Pereira, aceitasse também
os postulados da Escola Positiva. O entendimento do Direito Penal a partir da
Criminologia dos italianos Lombroso e Ferri, inaugurado em 1882, já havia
adentrado ao Brasil e marcava a formação de muitos juristas, favorecendo ainda
mais as críticas ao Código de 1890.
Comparativamente, as Escolas são opostas em si. Enquanto a Escola
Clássica prioriza a liberdade individual, a Escola Positiva visa a defesa social.
Então, para a Escola Positiva a negativa do livre-arbítrio e da liberdade moral
parte do determinismo, onde acreditam que o criminoso possui em sua formação
antropológica a tendência ao crime. Portanto, para a Escola Positiva o foco
passa do crime – como na Escola Clássica – para o criminoso. A pena não está
mais pautada no crime e sim na “temibilidade” do delinquente, forma-se também
o conceito de anormalidade do criminoso, sua caracterização como delinquente.
Os fatores de prevenção ao próprio crime tomam destaque, pela possibilidade
de “prever” grupos de delinquentes natos (SBRICCOLI, 2009).
49
15 Autoras como Maria da Cunha Fonte bibliográfica inválida especificada. e Rachel Soihet
Fonte bibliográfica inválida especificada. apresentam o entrudo como um festejo popular que
ocupava as ruas da Cidade do Rio de Janeiro, nos três dias que antecediam a Quaresma. Por
força da repressão policial, a prática de pintar o rosto e sair às ruas jogando farinha, ovos, frutas
podres e o que mais pudesse sujar os passantes tradição muito forte durante o Império,
principalmente entre os negros escravizados, foi aos poucos perdendo sua forma e dando
espaço ao Carnaval moderno.
51
porque não o fez com o artigo 158, visto que “é tão indígena quanto os outros”
(ADVOGADOS, 1897).
Assim, os autores do relatório saem em defesa do Código Penal de 1890
em seus artigos 157 e 158:
Para cancelar do código essa figura delituosa a comissão parlamentar
nem obedeceu ao motivo que a determinou, nem mostrou conhecer as
circunstâncias do nosso meio, as condições especiais da nossa
sociedade, escandalizada, como é, com a presença de tantos
aventureiros, audazes como velhacos, que debaixo de um nome ou
outro, com esta ou aquela máscara, especulam com a credulidade e a
superstição das classes ignaras, e que , a pretexto de curar, fazem
enlouquecer, envenenam e matão com o mesmo desembaraço com
que outros especula dores, inculcando poder sobrenatural, renovam,
com diversas praticas, a nicromancia (que também pretendia
comunicar com o mundo invisível) e prometem curar com receituários
vindos de além-túmulo, mais perigos que os adivinhos prognosticam e
explicam os sonhos, as cartomantes com seus sortilégios, os
feiticeiros com seus talismãs e encantações, com que todos fascinam
ou subjugam a credulidade pública, perturbando o sossego e a paz
das famílias ameaçando a saúde e a vida da população. A toda essa
horda de malfeitores o substitutivo concedeu carta de corso!
(ADVOGADOS, 1897, p. 8 - 9).
Como já vimos, em defesa de sua proposta João Vieira Araújo afirma que
“disposições sobre feiticeiros não são dignas de figurar em um código no
crepúsculo do século XIX” (ARAUJO, 1901, p. 195). GOMES (2020) assegura
que Araújo entendia o Espiritismo de forma diferente do exercício de
curandeirismo e das práticas ilegais da medicina, por isso ele postula que as
práticas prejudiciais à saúde não deveriam ser associadas ao livre exercício da
fé Espírita. Para ilustrar sua percepção, Araújo (1901) usa o discurso de quatro
magistrados em suas decisões penais sobre apreciação dos artigos 156 e 158.
Aqui apresentaremos dois, Gabriel Ferreira e Francisco José Viveiros de Castro.
Gabriel Ferreira, Subprocurador Geral no Distrito Federal, defendia que “a
simples prática do espiritismo não constituía crime, ou uma manifestação da
liberdade de consciência, garantida na Constituição Política da República”
(ARAUJO, 1901, p 198). Já sabemos, porém, da incoerência que há na formação
do Código Penal anterior à Constituição, o que feriu de morte tal “liberdade de
consciência”. Gabriel pondera, afirmando que o “espiritismo pode ser a causa
eficiente de um delito” de duas formas: contra a personalidade ou contra a
propriedade.
« Contra a personalidade, si algum chefe de seita espírita provocou,
pelas cerimônias e ritos do sou culto, praticados imprudentemente
diante de degenerados, graves alterações da saúde ou mesmo a
morte, incide nas penas dos arts. 157 § 1° e 297 do código penal,
53
[...] o Espiritismo é a ciência nova que vem revelar aos homens, por
meio de provas irrecusáveis, a existência e a natureza do mundo
espiritual e as suas relações com o mundo corpóreo. Ele no-lo mostra,
não mais como coisa sobrenatural, porém, ao contrário, como uma das
forças vivas e sem cessar atuantes da Natureza, como a fonte de uma
imensidade de fenômenos até hoje incompreendidos e, por isso,
relegados para o domínio do fantástico e do maravilhoso (KARDEC,
2013, p. 44)
16Hippolyte Lion Denizard Rivail – pedagogo francês, formado por Pestalozzi em Zuriqui. Em
1857, exatos nove anos das primeiras manifestações americanas do “espiritualismo”, já então
adotando o pseudônimo Allan Kardec, lança o Le livre des esprits”, O Livro dos Espíritos”. A obra
aparece na “onda” dos fenômenos espiritualistas. Segundo Kardec, a obra era resultado de suas
observações empíricas, realizadas em reuniões das quais participava com vários médiuns
(GIUMBELLI, 1997).
57
17Jornal que circulava no Ceara com tiragens às terças e sextas feiras. Trazia na primeira página
sua convicção política, ligado ao “partido Liberal”. Era publicado pela Typographia Brazileira de
Paiva e Companhia. Fundado por Frederico Pamplona, Tristão Araripe e Tomás Pompeu. Deixa
de circular em 1892. SURGE o Jornal O Cearense. Portal da História do Ceará. Disponível em:
<http://portal.ceara.pro.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3130&catid=297&Ite
mid=101>. Acesso em: 14. Dez. 2020.
58
18 Esse periódico parece como um dos mais importantes meios de impressa dos Espíritas no
levantamento feito por Oliveira (Imprensa espírita na cidade do Rio de Janeiro: propaganda,
doutrina e jornalismo - (1880 - 1950), 2014). Um periódico fundado em 1883 pela “Federação
Espírita Brasileira” e ainda atuante nos dias de hoje. Gomes (2012) afirma que O Reformador foi
criado para fazer oposição ao movimento “anti-espírita” da Igreja Católica.
19 O Periódico foi fundado por missionários da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos, liderados
pelo Reverendo Ashbel Green Simonton em 1864. Segundo Santos (2018), esse foi o primeiro
periódico Evangélico publicado em língua portuguesa no Brasil. Com tiragens quinzenais esteve
até 1892 circulando na Cidade do Rio de Janeiro.
59
20Gomes (2012) apresenta este jornal como o maior meio de comunicação da Igreja Católica aos
seus fiéis na Cidade do Rio de Janeiro até a virada do século XIX. E traça comentários sobre o
embate desses aos “Espíritas”, principalmente após a tradução das obras de Kardec para o
português.
60
Baptista Pereira vai afirmar, então, que seu código tem a postura e a
preocupação necessária com o cenário da saúde pública no Brasil, e que não
estão para discutir o spiritismo “como sciencia especulativa”, “sabemos respeitar
a liberdade de crenças, ainda as mais extravagantes”. E segue defendendo que
o Código está disposto a criminalizar aqueles que usam do espiritismo para
“praticar curas e exercer ilegalmente a medicina”. Seus argumentos de “respeito
a liberdade” não se solidificam diante da postura jurídica que defende, deixando
transparecer suas verdadeiras crenças, sobre o espiritismo e as demais práticas
que seu Código criminaliza:
Estendemo-la sim, porque nutrimos a convicção de que o spiritismo é
uma renovação, com outras práticas, da antiga necromancia, que tinha
também a pretensão de invocar os mortos de achar-se em
comunicação com deuses, no politeísmo, ou os gênios no gnosticismo
e crenças orientais, e com o diabo no cristianismo, e obter deles efeitos
que excediam a todo poder humano, como estamos convencidos de
61
qualquer que fosse. Qual, de fato, é o limiar, para nós historiadores, que
observamos essas personagens e suas experiências, através do recorte do
discurso policial ou do discurso sensacionalista da mídia? Quem de fato eram os
reais charlatões? Muito provavelmente essa é uma das perguntas que ficarão
sem resposta.
aplicado para tratar de religiosidade afro-brasileiras. Sempre aparecendo como uma forma de
“ofensa” quando aplicada a outras experiências religiosas, como o cristianismo, que se
compreendem “puras”. Há, também, entre religiosos de matriz africana, a partir da década de 80
uma negação ao sincretismo, um busca por um purismo, seguindo o mesmo entendimento das
demais religiões que negam a prática. A discussão do antissincretismo entre as principais
lideranças do candomblé baiano tornou-se debate amplo entre historiadores e antropólogos e
pode ser resgato nos trabalhos de Sérgio Ferreti (1995 e 2006). No entanto, como nos mostra
Dias (2021), apesar de ser uma palavra vista como “maldita”, o sincretismo é presente em todas
as religiões. Droogers (1987) apresenta as origens do termo na obra “Moralidades” de Plutarco
que comenta sobre a prática cretense de unir forças para combater um mal maior, dessa forma,
o sincretismo seria fazer como os soldados cretenses, unindo forças apesar das diferenças,
buscando alinhar-se pelas semelhanças em prol de um bem maior. Nos séculos XVI e XVII o
termo passa a ser negativado, tornando-se um termo “incomodo” (DIAS, 2021).
69
22
Relatório apresentado ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores, pelo Chefe de Polícia do Distrito
Federal, pág. 51, anexado a BRASIL. Ministério da Justiça. Ministro (J. J. Seabra). Relatório dos anos de
1903 e 1904. Apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brazil. Rio de Janeiro,
Imprensa Nacional, 1904. (Anexo C). pp. 52-3.
23 Romancista e Jornalista francês (1814-1875).
24 Uma maldição antiga e trovejante (tradução nossa).
70
O que o Sr. Noites não diz, ou não é trazido até nós por seu entrevistador
Moraes Filho, é que a região onde os ciganos alojaram suas barracas eram
espaço insalubre de brejos e alagadiços, terrenos pouco valorizados naqueles
anos do século XVIII. Segundo Teixeira (2008) e Menini (2021), o Campo dos
Ciganos, primeiro lugar de reunião desses acampamentos, viria a ser o hoje
conhecido Campo de Santana. Ocuparam também a Rua dos Ciganos (atual
Rua da Constituição) e o Largo do Rócio (hoje Praça da República).
25
Como no caso do Cigano Joaquim Antônio Rabelo, também chamado José Rabelo, que ficou rico com o
tráfico negreiro, depois recebendo a patente de Terceiro Sargento-mor. Esta figura já bastante
apresentada por memorialistas do Rio de Janeiro como China, J. B. d’Oliveira, “Os ciganos do Brasil”,
Revista do Museu Paulista, Tomo XXI, 1936; Coroacy, V., Memórias da cidade do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, José Olympio, 1955; e o já citado Moraes Filho (1884, 1885).
73
26
Graham, M., Diário de viagem ao Brasil e de uma estada nesse país durante parte dos anos de 1821,
1822 e 1823, São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1956, p. 286.
74
deles, e busca colocar essas etnias como protagonistas na História. Vai mostrar
também através da investigação policial do assassinato da família cigana Greco
(1917) por um trio de ciganos sérvios, os Anovitch.
Na esteira dos ciganos, dos estigmas construídos por séculos sobre essas
etnias, vamos aos estrangeiros, categoria por onde muitos conseguiram entrar
no Brasil, visto os impedimentos diretos da imigração cigana no século XIX.
Apesar da política de estímulo da migração europeia no contexto de
branqueamento e da iminente abertura da economia baseada na mão de obra
2.2.2 Estrangeiros
Assim, o Brazil do que nécessita, é de agricultores, criadores,
hortelões, vinhateiros, matteiros, pouco importa a especialidade,
mas lodos ligados d terre, oriundos da terra. O Brasil nécessita
de trabalhadores robustos, carpinteiros, pedreiros, Allemâes, ou
Francezes, Irlandezes ou Suissos, pouco importa a
nacionalidade ou a raça ; mas que possâo ser ao mesmo tempo,
obreiros e colonos (RIBEYROLLES, 1856, p. 201).
Como apontou o viajante Charles Ribeyrolles, havia um ideal para o perfil
de estrangeiros que eram desejados para “colonos” entre as elites Brasileiras, já
na metade do século XIX, quando a dinâmica da escravidão apontava sua
falência iminente. Inúmeras ações políticas e judiciais marcaram o processo
imigratório28 no Império e durante a República. Havia um ideal, mas a realidade
se concatenou, apresentando uma dinâmica completamente diferente da
esperada pela proposta inicial.
28 A partir da Lei 601 de 18 de setembro de 1850 – conhecida como Lei de Terras, abre
na década de 50 do século XIX, mostra um embrião do que viria a ser os artigos contra vadiagem
e capoeira no Código Penal de 1890.
32 No Decreto 50-A, de 14 de dezembro de 1889 – o Governo Provisório dava cidadania
2.2.3 Prostitutas
[...] e a civilização se faz, por tantos modos diferentes, vários e
obscuros, que me parece ver naquelas francesas, húngaras,
espanholas, italianas, polacas bojudas, muito grandes, com
espaventosos chapéus, ao jeito de velas enfunadas ao vento,
continuadoras de algum modo da missão dos conquistadores
(BARRETO, 1956, pp. 105 – 106).
Lima Barreto em algumas de suas crônicas apresentou a sua percepção
sobre a questão da “negociação do prazer” na capital. A prostituição dominava
a cidade do Rio de Janeiro, uma consequência “espúria” da civilização tão
sonhada entre os idealizadores da modernidade brasileira. Mulheres anunciando
sexo e valores antagônicos à moral cristã, circulavam afrontando nas ruas, lojas,
restaurantes, teatros, vindas de diversos países da Europa, fazia parte de uma
dinâmica mundial de poder, dinheiro e subordinação feminina (MENEZES,
1996).
Rago (1985) ao tratar das disputas nos campos das relações burguesas,
vai apresentando as lutas travadas pelas mulheres na cidade, na fábrica, em
meio aos debates higienistas e moralistas, a formação das múltiplas resistências
que se pronunciavam na fábrica, na escola, na família, no bairro e nas ruas.
Tratando do fator da colonização dos corpos femininos, Rago (1985) apresenta
as teses tanto de Macedo (1873), quanto de Leme (1826), para demonstrar o
ambiente das disputas de classe que as mulheres pobres estavam inseridas nos
primeiro anos da república.
83
Viúvas, casadas,
Em boas condições
divorciadas, solteiras
Prostituição Primeira Classe Mulheres
Clandestina Livres, libertas,
Em baixas condições escravas etc.
Dessa forma, Gabriela Sampaio (1995) mostra como a disputa por uma
ortodoxia médica estava presente desde o Império e dava-se em público,
também pelos jornais, como no caso entre Figueiredo Magalhães, médico que
depois tornou-se nome de rua importante de Copacabana e outro doutor,
Henrique Monat. “A briga estendeu-se por meses, sendo publicada quase
diariamente nos principais jornais do Rio. As acusações eram sérias, e nada
contidas; o debate não poupava desaforos e publicações de situações
eticamente não publicáveis, por ambas as partes” (SAMPAIO, 1995, p. 24).
Era explícito que não havia um consenso entre os profissionais, mas havia
sempre os apoiadores de ambos os lados. Testemunhas dispostas a defender
um ou outro posicionamento. “Se não era possível saber qual lado tinha razão,
uma coisa era consensual para quem acompanhava aquela guerra: nenhum era
totalmente confiável” (SAMPAIO, 1995, p. 30). O que, obviamente, gerava
insegurança no uso de procedimentos médicos e medo do risco iminente de
morte ao buscar um médico profissional, quais seriam então as opções?
Tal na França, qual no Brasil, o pobre era alvo primário das ações de
higiene, passando sobretudo por suas moradias e a insalubridade (COSTA;
SANGLARD, 2006). No entanto, a observação dessas medidas sanitárias e o
contexto de formação da Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP), fundada em
1897, não eram unanimes, como também não eram ambientes pacíficos e
lineares. A Constituição de 1891 regulamentava que assuntos de saúde e
saneamento seriam de responsabilidade dos municípios e estados. Enquanto a
Lei nº 85 de 20 de setembro de 1892, no artigo 58 transfere para municipalidade
o serviço da Polícia Sanitária. Hochman (1998) destaca ainda que na Capital
alguns “curadores itinerantes” entre 1898 e 1905: Eduardo Silva, Faustino Ribeiro Junior e
Domingos Ruggiano e concorda com a ideia de que estes curandeiros, tal como vemos para
Avellar, “confundiam os sinais para as autoridades”, sendo brancos, letrados e praticando artes
curativas não africanas. No caso em que apresenta o processo de Eduardo Silva é feita a menção
ao professor Vicente Avellar como um dos presentes no momento do depoimento de Eduardo
ao 1º Delegado Auxiliar dr. Sá Vianna - “Eduardo estava entre amigos, defensores e
admiradores” (ROCHA, 2020, p. 90), qual deles seria Avellar?
90
jornais ao fim do século XIX e se estendendo por décadas do XX, a Belle Époque
do Rio de Janeiro poderia ser vista como um período de “hipocondríacos”, por
isso seria tão lucrativo um emplastro anti-hipocondríaco, ou seja, um remédio
para curar a necessidade de se curar, ou do medo constante de adoecer.
Machado está nos alertando mais, Brás Cubas não era médico, não era
farmacêutico, Brás Cubas era um advogado que não deu certo em nada, viveu
buscando sem encontrar, e morreu desejando ver seu nome nos jornais,
associado ao milagroso emplasto.
A hipocondria que alarmava Brás Cubas era a mesma que conferia aos
três cavaleiros da civilização (Rodrigues Alves, Pereira Passos e Oswaldo Cruz),
principalmente ao médico devoto de Pasteur, plenos poderes para agir na
segurança sanitária do Rio de Janeiro e consequentemente no Brasil. Todos
eram fruto do “Século dos Micróbios”35, e diante das teorias de cura, algumas se
sobrepujaram como científicas, outras amargaram a criminalidade e algumas
passeavam entre um lugar e outro.
35 Louis Pasteur foi responsável por difundir uma nova teoria médica que se opunha à
teoria das miasmas e à teoria dos humores. Pasteur em 1851, enquanto pesquisava bactérias
que causavam a fermentação de vinhos descobriu que elas não conseguiam mais produzir
fermentação após o aquecimento da bebida, este processo recebeu posteriormente o seu nome:
pasteurização. No Brasil, a nova teoria médica é observada nos periódicos como Brazil-médico,
órgão oficial da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, e possuía pesquisadores de prestígio
como Oswaldo Cruz e Carlos Chagas associados ao Instituto Pasteur.
92
acusações estava a prática de receitar remédios homeopáticos e curar pela imposição das mãos
na sua residência no bairro da Piedade. No Inquérito movido contra Bento José Pereira (1928),
entre as provas elencadas pela polícia, estava o livro “O Médico Homeopático em família”,
93
enquanto suas práticas são descritas pelos policiais como africanistas nos autos, as demais
materialidades apresentadas como provas corroboram na descrição da polícia. Já no inquérito
contra Romulo de Carvalho Lavras (1929) foi apreendida como prova de crime uma caixa com
22 frascos de remédio homeopático, ao lado de 5 facas punhais, um cachimbo, 5 pedaços de giz
(pemba), uma lata contendo pólvora, cinco pacotes de chá Goyano, um charuto usado e um
cartaz de aviso.
94
Apesar dos sempre gratos alunos, que faziam questão de agradecer aos
préstimos do professor Avellar, sua carreira parece ter sido sempre de altos e
baixos. Com sucessivas mudanças de endereços e muitas entradas e saídas de
colégios pela cidade. Boa parte da trajetória de Avellar é possível de ser
resgatada pelas páginas dos jornais, onde fazia questão também de anunciar
seus feitos para além da sala de aula.
Assim vemos que entre 1881 e 1882, o professor Avellar oferecia aulas
de Caligrafia, português, francês e inglês, na Rua da Alfandega, número 213. No
entanto, já nos primeiros dias 1883, o professor está ocupando o número 174 da
Rua de São Pedro, passando a anunciar-se também na Rua Gonçalves Dias,
número 40, no mesmo ano. O ano de 1883 não deve ter sido fácil para o
professor, pois foi neste mesmo ano que seu pai faleceu. Já em 1884, retorna a
Rua São Pedro número 61. E, assim, segue fazendo nos anos posteriores, de
sobrado em sobrado pelas ruas do centro.
estava oferecendo algum curso ou aula, estava inaugurando algum novo Centro
Literário, Clube, Sociedade, são muitas instituições, por toda sua vida.
39 A Comissão do Centro ficou composta por: Damasceno Lucas como presidente; Rodolpho
Pontes como vice-presidente; Primeiro secretário Dias da Costa, Segundo secretário Luiz
Baptista, orador por parte dos sócios: Alexandre Stokler. Gazeta de Notícias, 1883, ed. 071, p.
2.
40 A diretoria é composta por: Vicente Avellar, Henrique Scott Junior, José A. de Azevedo
(caixeiro), Alfredo & C. (negociante), Antonio Lourenço Martins (caixeiro), João Cardoso Fontes
(guarda-livros), Sebastião Maia (caixeiro)
99
41 Comissão nomeada para elaborar o Estatuto: Professor Vicente Avellar, João Benevenuto e
Joaquim Jorge.
42 Primeira apresentação – peça em 4 atos O operário de Vicente Avellar. Diretoria: Presidente
Vicente Avellar Filho, vice-presidente: Guilherme Jacobs, secretário: Antonio José Mendes
Campos, tesoureiro: José Ferreira da Silva, procurador: Manuel Luiz Lacersa e cobrador: João
Linhares (Jornal do Brasil, ed. 7041, 1904, p. 5).
100
Fora com sua família, mas que deixa três profissionais da escripturação,
formados por ele “com grande satisfação”.
É DEMAIS!
O sr. Vicente Avellar, ilustrado e conhecido professor de escripturação,
quando se dirigia ontem às 5 horas da tarde, para o externato Hermes,
à Rua Sete de Setembro, n. 68, onde dá sua aula, foi-lhe vedada a
entrada e a seus discípulos, pelo diretor Manuel Affonso Pires, que
chegou a arranjar duas praças para estarem de sentinela à porta da
rua.
Aquele professor foi posto na rua como qualquer lacaio.
Parece-nos que a ação praticada pelo Sr. Pires excedeu a todos os
princípios de educação e bom senso (Diário de notícia, 21 de abril de
1891, ed. 2117, p. 1).
43Noronha Santos nos alerta que em 1893 o prédio do Liceu e Artes e Ofícios (na Rua da Guarda
Velha desde 1878) foi incendiado, passando por uma reconstrução, reinaugurando parte do
prédio apenas em 1916 (SANTOS, 1965, p. 141).
101
Para além, o que sabemos é que Avellar esteve envolvido, pouco antes
da queda do Império, com a política da Freguesia de Sacramento, daquelas
mesmas ruas por onde tanto deambulava. Entre agosto de outubro de 1889,
Avellar ocupou o cargo de secretário de gabinete do Partido Liberal, no Segundo
Distrito da Freguesia do Sacramento. Era ele quem assinava as notas de
convocação dos “eleitores liberais” para reuniões que aconteciam na Rua São
Pedro, n. 278ª. A campanha estava sendo feita em apoio ao Barão do Paraná.
Em 25 de outubro de 1889, a Gazeta de Notícias escreve:
44Externato Hermes – Os diretores até 1891 são M. P Moreira de Oliveira e Manoel Affonso Pires
(Jornal do Commercio, 1891, ed. 0057, p. 3), até maio daquele ano, ambos os nomes aparecem
como diretores, após novembro de 1891 apenas Manoel Affonso Pires aparece como Diretor do
Externato. Segundo Maia (2019, p. 78), o Externato Hermes era um colégio de relevância social
na Cidade do Rio de Janeiro. Com participação e promoção de competições (entre seus alunos,
meninos e meninas) em provas de Montanhismo, o Externato se destacava nos jornais, sendo
sempre homenageados por seu trabalho.
102
Diante de uma vida tão animada, era impossível não fazer desafetos,
ainda mais em um Rio de Janeiro efervescente, como aquele dos primeiros anos
da República. Onde havia grande movimentação de ideias e oposições, estava
lá o professor, tentava de tudo, engendrava planos mirabolantes, e não fazia a
menor questão de diminuir os riscos e inimizades que assumia pelo caminho.
Até o ano seguinte, a questão do Fechamento das Portas parece não ter
tido andamento. Eis que em agosto de 1897, Avellar se une a um grupo de
caixeiros, negociantes e guarda-livros para criar o Club Caixeiral (também
chamado de União Caixeiral). Segundo a Gazeta de Notícias, o professor abriu
sua própria casa para receber a reunião com grande número de pessoas, para
a instalação do Club (Gazeta de Notícias, ed. 235, 1897, p. 2). O objetivo da
União podia ser lido também nas páginas do periódico, além de “agitar quanto
possível a questão do fechamento das portas das casas comerciais”, pretendia
“elevar o nível intelectual da grande classe.
Fica claro que havia uma disputa sobre a causa, e que ser associado ao
grupo de Avellar era uma ofensa de honra. E mais, Joaquim Teixeira que fez
questão de pôr seu endereço na assinatura da nota, levantava uma ameaça ao
Professor Avellar, valeria tanto aquela causa? Ressaltamos, não são
encontrados os nomes citados na nota em nenhuma reunião ou grupo proposto
por Avellar, haveria então um grupo rival buscando também o fechamento do
comércio? Aqui nos interessa o aparecimento das disputas em que Avellar se
mete, e como ele é malvisto por alguns, mesmo que consiga reunir grande
número de pessoas entorno de suas lutas.
professor Avellar com aquela conferência. Não sabemos quem escreveu a nota,
mas ele é logo respondido, pelo próprio Avellar. Em setembro do mesmo ano de
1899, lemos no periódico Cidade do Rio de Janeiro, que na Rua Chile, número
83, esteve o “infatigável” Professor Vicente Avellar inaugurando a “Escola
Commercial para o sexo feminino”. O evento que contou com a “presença de
muitos homens e cavalheiros” teve como orador oficial o Dr. João Severiano da
Fonseca Hermes45, que discursou sobre “as vantagens que há na instrução
feminina”. Os nomes de duas alunas são citados: Anna Costa Moreira, Olivia
Carneiro do Campos.
45Ninguém menos que o Primeiro homem chamado para compor o Gabinete de Deodoro,
Secretário Geral do governo em 1890, Deputado Federal (RJ) entre 1891-1893, sobrinho do
Marechal Deodoro da Fonseca (responsável pela Proclamação da República e Primeiro
Presidente Brasileiro) e irmão do oitavo Presidente da República Hermes da Fonseca (João
Severiano Hermes da Fonseca – CPDOC). Sobrenome recorrente inclusive, desde as querelas
no Externato Hermes.
107
Outro que fez muito sucesso ao passar pela noite da cidade é o “Professor
Roberth”, mais um europeu que trazia “um programa assombroso” de
prestidigitação. O professor, diziam, fazia jus ao título, pois era além de artista,
“homem da ciência” com trabalhos nas áreas de psicologia experimental e
matemática recreativa, além dos exercícios de memória.
111
ROBERTH
O 2º espectaculo dado pelo professor Roberth, ante-hontem, no Lyrico,
agradou ainda mais do que o primeiro, e isto quer dizer que despertou
enorme enthusiasmo.
Servio esta função para fortalecer o juízo que enunciamos a respeito
d’este ilustre artista e homem de sciencia na noticia que demos de sua
estéa: nos seus trabalhos sobre psychologia experimental e
mathematica recreativa, nos exercícios de memoria e prestidigitação é
notabilíssimo o professor Roberth, que reputamos celebridade
européa. Dá ele hoje a penúltima função, e escusa fazer notar que
organizou para esta noite um programma assombroso, cheio de
attractivos, surpresas e novidades (Jornal do Brasil, 1895, ed. 230, p.
5).
O MAGICO APPARENTE
Ou revelação dos segredos dos pelotiqueiros, contendo muitas e
engraçadas sortes recreativas de prestidigitação, passes, visões,
aparições e escamoteações de grandes efeitos e sensação.
Terceira edição, 1 vol. Broc...... 1$500
Eis um livro divertido. Com pouca despeza o leitor perspicaz poderá
fazer variadas sortes de prestidigitação que causam assombro e
espanto a quem não estiver iniado ao segredo de sua manipulação. É
um manual pratico escripto em linguagem ao alcance de todos.
79 RUA DO OUVIDOR 79 (Gazeta de Notícias, 1898, ed. 00255, p. 4).
É importante atentar para onde queremos chegar com essa pequena ida
aos espetáculos de ilusionismo, que eram sucesso no Rio de Janeiro daquela
época. Sem dúvidas Avellar esteve em muitos daqueles teatros, possivelmente
lera alguns daqueles manuais, afinal traziam informações que para ele estavam
em evidência. Quando se viu em uma região “carente” de entretenimento,
pensou em levar para aquelas pessoas, diversões que não “ofendiam a moral e
nem os bons costumes”. Já sabemos que o delegado não achou tão
interessante, impedindo o funcionamento do “Salão”. Não temos mais notícias
sobre a querela, que prometia Avellar não ficaria por menos, nada mais dizem
nas páginas dos jornais.
instalado na Rua São Leopoldo, depois transferido para Rua Haddock Lobo, foi
em abril acusado de agressão ao seu aluno Manoel Bitencourt49.
49 Inquérito aberto na Delegacia da 9ª Circunscrição, no dia 27 de abril, com base no artigo 303
do Código Penal (agressão).
50 Jornal do Comercio, 16 de maio de 1901, ed. 135, p. 3.
115
Fica difícil saber qual dos dois casos aconteceu primeiro. Pois ao
reconstituir a linha do tempo, vemos que o recorte de jornal sobre o furto, foi
publicado no dia 16 de maio, mas nada foi mencionado de quando a queixa de
furto teria sido registrada. Já, no dia 27 de abril de 1901, Avellar foi acusado por
João José Bitencourt, de agredir seu filho Manoel Bitencourt. O menino era aluno
do Collégio Rio de Janeiro. A verdade é que naqueles dias Avellar ficou
conhecido na 9ª Pretoria.
O professor não nega que tenha dado sim três batidas de palmatória na
mão do “endiabrado” Bitencourt. E explica que a pena foi aplicada nele e em
outro menino, de nome Ayres, pois os meninos estavam brigando naquela
manhã. Segundo Avellar, o menino Ayres recebeu pena maior de seis palmadas,
que foram em ambos “aplicadas levemente” e que não deu palmadas na parte
do dorso das mãos do menino e menos ainda em seus braços. Essas marcas
teriam sido causadas pela briga, então?
“praticando atos imorais com outro menino”. Bittencourt depois de algum tempo,
já em sala de aula, sai sem ser notado e corre para casa onde faz queixa para o
pai sobre a agressão, mas ou não diz sobre a briga, ou se diz, seu pai ignora o
fato e segue acusando Avellar pelas marcas do corpo de seu filho.
Temos, ao menos, uma pista de que, há cerca de vinte anos, Avellar teve
contato com um palestrante sobre o tema “Espiritualismo Moderno”, o Professor
Angelo Torteroli51. A palestra do professor Torteroli foi a segunda sobre o tema,
oferecida no espaço do Imperial Lyceu de Artes e Officios , como parte de uma
homenagem à morte de Luiz de Camões, uma “sessão fúnebre” aconteceria
posterior à palestra. Avellar era orador na ocasião, juntamente com Saturnino
Cardoso (Gazeta de Notícias, ed. 160, 1883, p. 2).
51 Afonso Angelo Torteroli (1849 -1928), Espírita Italiano, defensor dos ensinamentos de Alan
Kardec no Brasil. Diretor da Sociedade Acadêmica Deus, Christo e Caridade, fundada no
Império. Diretor do O Renovador Órgão Spirita. Foi tradutor das obras de Kardec no Brasil. Sócio
Fundador da Federação Espírita Brasileira (FEB), organizou em 1881 o I Congresso Espírita
Brasileiro pelo Centro da União Espírita do Brasil. Era opositor de Bezerra de Menezes,
considerado Neo-routanista (místico), enquanto Torteroli se considerava um líder dos
“científicos”. Em 1894 reorganizou o Centro da União Espírita do Brasil, mudando seu nome
para Centro da União Espírita de Propaganda do Brasil, divergindo da FEB em seus princípios e
buscando demonstrar como a FEB estava desvirtuando os ensinamentos de Kardec com
“ilusórias teses católicas de J. B Roustaing” (VALLE, 2010).
118
Notem, para nós que sabemos que o Grupo Jesus Nazareno e o Professor
Avellar “são a mesma pessoa”, é interessante ver que o endereço de Mme
Josephina e do Grupo são o mesmo. Ou seja, ou Josephina mentiu seu endereço
para não se comprometer ou, na verdade, o agradecimento e o anúncio partiram
de uma mesma pessoa: Vicente Avellar. A partir deste momento os anúncios e
os agradecimentos só aumentam. Avellar parecia mesmo estar fazendo sucesso
com a imposição de suas mãos curadoras.
Avellar vai ficando cada vez mais ousado em suas afirmações de cura.
Sobre sua outra e mais antiga profissão nada se vê nos jornais, nem mesmo
seus anúncios de scripturação que por tanto tempo o acompanhou.
4.3.1.1 – Regulamento
A organização da instituição de Avellar é notável, assim como a
incapacidade da defesa de transformar esses indícios em provas suficientes
para manter a pena em instancia superior. Veremos mais detidamente o
Regulamento da “Sociedade Scientífica de Estudos Philosóficos Jesus
Nazareno”, buscaremos compreender melhor as ideias de Avellar e seu grupo
em 1904 (Inquérito 0666, doc. 04717).
Artigo 1°
Quando pensamos que Avellar estava ali tratando de curas, onde ele é a
ferramenta da cura, é interessante alertar que os milagres dependem da fé, da
paciência e do perdão de Deus para as culpas. E fica um alerta aos que quiserem
“provas”, Deus não aceita imposições.
Artigo 2°
Tudo e qualquer irmão que não se portar convinientemente no
recinto deste templo será pela 1° vez admoestado e na
reincidência será, se for socio ficará suspenso por um mez e se
o não for será convidado a retirar-se.
Artigo 3°
As consultas para os sócios são meio dia até 1 hora, depois
dessa hora não se aceita reclamação alguma e para os que
o não são da 1 as 4 horas da tarde.
Artigo 4°
As sessões de estudos praticos e de mediuns nas [ilegível] feiras
começando as 6 horas da tarde, sendo que aquelle que não
estiver no recinto até as 7 horas noite será vedada a entrada.
Artigo 5°
E expressamente prohibido conversar durante as sessões e
tratar-se de assumptos estranhos a nossa afim de não perturbar
os nossos trabalhos.
129
Artigo 6°
Não é permitido trazer crianças menores de 7 annos assitirem
as sessões de estudos praticos as Quarta feiras.
Artigo 7°
Pedimos aos senhores assistentes que por occasião das
sessões conservarem-se em seus lugares, e os que estiverem
em pé não se collocarem na frente dos que estão sentados.
Artigo 8°
As mensalidades dos senhores. socios serão pagas
semestralmente bem assim dar a suas verdadeiras residências,
e caso de mudanças deixarem n’esta secretaria a sua nova
residencia.
Há uma mensalidade que deve ser paga pelos sócios, não é mencionado
o valor, mas deve ser pago semestralmente. Muito interessante também é o
pedido pela informação da “verdadeira residência”, alguns sócios buscavam se
proteger dando uma “falsa residência” ou havia medo naqueles que
frequentavam a Sociedade? Reforçavam que o endereço deveria ser atualizado
em caso de mudanças. Qual seria o interesse em ter o controle destas
informações sobre seus sócios? Poder encontrá-los em caso de necessidade?
Estatutos
da
Sociedade Beneficiente Scientífica e Artistica
Jesus Nazareno
52Sr. Frederico Augusto Borges, deputado pelo Ceará a partir de 1891 e Dr. Joaquim Eduardo
Avellar Brandão formado pela Universidade de São Paulo em 1884, com o sobrenome Avellar é
possível levantar a possibilidade de ser um familiar.
131
Condições Especiaes
A sociedade compõe-se, de numero illimitado associados de
ambos os sexos sem excepção de os quaes serão acceitos
depois de approvados sociado pagará mensalidade de 2000
dois mil por trimestre adiantados gosando de todas as [?]gens
acima alludidas.
O associado que se atrasar 3 mezes sem pré[?] ficará suspenso
até ulterior, deliberação.
Ao dia 25 de Dezembro a cada anno proce[?] distribuição de
esmolas aos indigentes e de Jesus a pobreza envergonhada.
O associado que propuzer 20 socios quitos [?]to ao titulo de
benemerito e ficará ipso-factor[?].
As consultas são diarias das 11 da manhã a 1 da tarde excepto
aos domingos.
São inadmissiveis conversas sobre política o qu[?] soaes.
Procurador
Antonio d’ Araujo Fontes
Membros do Conselho
hina Terra
Barros
[?]lia do Amaral
[?]hedes de Queiroz
[?]cisca Ramos
[?]ria Leopoldina de Faria Homem
[?]colina
[?]lina Maria d’ Oliveira
[?] de Faria Machado
[?]co da Silva Cardoso
Maria Elnia Hamm
[?]na Augusta Ramos da Fonseca
Socios Fundadores
Elza Augusta Ramos da Fonseca
Alfredo Ferreira Chaves
Clotilde Nob[u]
Maria Conceição de Mello
Olympia Catarina
Antonio de Araujo Fontes
Manoel da Costa Rios
Antonio Xavier
Francisco Puitino de Lemos
Thomaz de Freitas Canto de Mello
133
[?]da Silva
Faria Homem
[?]rolina de Faria Homem
[?]ia Vieira da Rosa
[?]ria José da Rosa
[?]lina Vlladão
Maria Carolina Valladão
Leonor Carolina Valladão
Amelia da Silva Montenegro
Francisco Ribeiro de Queiroz
Maria Barbosa Lopes
Maria Santos
Emilia Rosa d Oliveira
Virginia Lima
Candida Ramos
Julia Campos
Olympio Melita Ferreira Jemi
Professores em exercício
Romualdo de Alcantara - Portuguez e Franc
Vicente Avellar - Arithemetica e Inglês
Medicos em exercicio
Dr. Silva Brito - [Homeoparka]
Cirurgião Dentista
Francisco J. Ferreira Serpa Junior
A.F. de Sá Rego Advogado
Horario Medico
Das 11 as 3 horas da tarde
8h as 9h da manhã
Observação Final
O Presidente, Secretario, e Bibliotecario permaneceram
diariamente das 12h da tarde hora que finalizarão os traba[?]
sociedade.
[ilegível] 18 de Janeiro de 1904.
[ilegível] 1° Secretario
Por fim, a data de assinatura dos Estatutos diz ter sido em 18 de Janeiro
de 1904, no entanto, sabemos que desde maio de 1902 o “Grupo Spirita Jesus
Nazareth”, já estava atuando na Rua do Senado, n. 29, mas em outros moldes,
principalmente sem a presença do Laboratório, fundado em maio de 1904. Era
interessante, mostrar que era uma instituição recente, mas anterior ao Decreto
5.224 que aprovou o Regulamento Processual da Justiça Sanitária, justamente
a legislação que direcionou o Dr. Barroso até a Rua São Cristóvão naquela tarde
de sábado.
Calicote Guimarães
Athemar Alves da Silva
Alzira Guimaraes
Francisca Goulart
Luiza Alves da Silva
Manoel Dalnim de Saude
Alberto Lima
Vargeno [Lima]
Jacintho [Gome] Valladao
Alvaro Gomes Valladão
Albertina Coimbra
Guiomar Maria Guedes
Guimar Ferreira
Elvira Luiza da Conceição
João Martins de Queiroz
Francisca Ribeiro de Queiroz
Prachedes Maria de Queiroz
Izidora Maria da Conceição
Manoel Garcia Pereira Junior
Anna Hamm
Maria Santos
Julia Mendes
Manoel de Almeida Borges
Constancia Rodrigues
Amelia de Jesus [Vazén]
Cecilia Mendes
[Laurindo] Frederico Gomes
Thomas de Freitas Couto Mello
Amelia da Silva [Vellez]
Hespandria H. dos Santos
Alice Barro
Maria Candida
Josepha Monteiro dos Santos
Antonio da Costa Pinto
139
juntamente com o Dr. Vicente de Souza, seu xará agitador. Nesta reunião uma
“comissão de acadêmicos” que “consideravam a imposição da Vaccinação
Obrigatória, que o Congresso Federal estava para tornar lei, contrária aos
rigorosos princípios da República”. Avellar aparece nesta reunião propondo a
“criação de uma liga contra a vacinação obrigatória”, proposta que foi retirada ao
final da reunião, pois a proposta colocada pelo outro Vicente foi mais
calorosamente aceita:
Sabemos bem que essa ida “Pacífica” de Vicente de Souza não resolveu
as questões da Vacinação Obrigatória e a Lei entrou em vigor, exaltando os
ânimos, progressivamente, até a criação da Liga Contra Vacinação Obrigatória
em 5 de novembro de 1904. Avellar que sugeriu sua criação meses antes, não
participou das agitações da “Revolta da Vacina”, pois ao que indicam às fontes
estava passando uma temporada na Casa de Detenção.
Nos jornais, o caso de Avellar com a Justiça dos Feitos da Saúde Pública,
só começa a aparecer em 24 de agosto, com uma nota na Gazeta de Justiça:
A verdade é que não é difícil de imaginar, que de fato ele já soubesse dos
atendimentos de Avellar na Sociedade Scientífica Estudos Philosphicos Jesus
Nazareno, já que o professor nunca fez questão alguma de esconder seus
poderes. Qualquer um com acesso aos jornais, diariamente, na cidade do Rio de
Janeiro, conhecia, mesmo que de passagem, o nome de Vicente Avellar. E
desde 1902 era cotidianamente apresentado com seus dons de cura, fosse pelos
anúncios da Sociedade, ou pelos agradecimentos feitos por antigos pacientes
que se viam curados pelas obras do professor curador.
3.3.1.5 – A Fé
Antes de seguirmos aos feitos de Avellar após sua absolvição no STF,
voltemos às provas levantadas pelo Doutor Barroso. Aqui nos interessa muito o
periódico A Fé que é anexado ao Inquérito. O Exemplar que vemos no Inquérito
é do Ano II de produção, tem data de 12 de março de 1904 e apresenta como
Redator Chefe o Professor Vicente Avellar com Colaboradores Diversos. A Fé –
Orgão Defensor os Dogmas do Occultismo.
“Rogerio Bacon” para garantir que “Deus é a ultima ratio rerum” (é a ideia final
das coisas).
Figura 20 - Curas
Admiráveis
A FÉ
No patamar do Templo eil-a cahida...
Mal se contem de joelhos; pobresinha.
Orphã sem lar, sem pão e ali sosinha,
Implora aos fiéis, n’um doce olhar, vencida
Antonio Quintiliano.
(Processo 0666, doc. 04710).
NOTICIARIO
A espelunca da rua do Senador Euzebio, que sobre a capa de
espiritismo explorava os incautos com a tal denominação de
Oriente Espírita do Brasil, foi cercado pela polícia e obrigado a
fechar as portas.
O tal psychologo da rua General Camara 317, teve uma boa
lição, querendo introduzir inovações a guiza de homem formado
149
3.3.2 O Occultismo
Antes, do Inquérito de 1907, vamos tratar de uma outra fonte, esta, não
relacionada em nenhum processo ou inquérito criminal. O professor Vicente
Avellar produziu muitas obras durante a vida. Tanto obras de cunho jornalístico,
quanto propagandístico. Uma em particular, nos interessa aqui, o livreto: “O
151
a Cruz de Camargue, que agrega em uma frase as três virtudes teologais 54: “A
fé está ancorada em meu coração”. A simbologia está relacionada ao
romantismo francês e à mística católica que envolve a França do século XIX 55,
valores caros ao nosso professor, como veremos.
a Igreja foi relacionado ao barco que reúne e transporta os fiéis, e a ancora como uma salvação
dos cristãos (DANIELOU, 1993, p. 60).
153
Por ora nos mantemos na obra de Avellar, pensando neste símbolo como
representante da produção de Avellar relacionada à um cristianismo místico ou
um ocultismo cristão, dos quais ele nos deixa algumas pistas.
58No contexto da produção literária da França no último cartel do XIX, entre Românticos, destaca
o Decadentismo, onde apartir de um fenômeno histórico-político, partindo de um contexto
particular sociopolítico, símbolos e recordações da fase crepuscular de antigas civilizações
aparece nos quadros mentais da Europa do Iluminismo. A sensação de viverem em uma época
terminal, perpassa obras e artistas. Em sentido mais restrito o Decadentismo apresenta-se como
plano estético da literatura francesa a partir de meados do século XIX, uma reação irracionalista,
um retorno ao onirismo ao fantástico, à imaginação. Na espiritualidade levantam-se muitas
vertentes: catolicismo estético, rosa-crucianismo, budismo, ocultismo, magia, cabala, espiritismo,
teosofia, quiromancia, astrologia, todos apresentando-se como opositores de um positivismo e
cientificismo. DECADENTISMO. Disponível em:
<https://edtl.fcsh.unl.pt/encyclopedia/decadentismo>.
155
É possível notar que Avellar não usou a tradução de nenhum autor de seu
tempo, assim como o autor datado de 1917, não teve acesso à tradução que
acreditamos ser do próprio professor Avellar, que já sabemos dominava o idioma
francês. É uma pena que o restante do poema não tenha sido publicado por ele,
apenas o primeiro verso. Vale a pena citar também, que a mesma inscrição
compõe a lápide do autor original, falecido em 1850 (NÓBREGA, 1957). Terá
sido escolhido pela fama, ou pelo conteúdo para compor a capa da publicação
de Avellar? É perfeitamente possível que pelos dois motivos. E justamente por
isso, apenas o primeiro verso compõe a citação. O poema romântico, apesar do
aspecto “hermético” não fala de questões do espírito, mas de um amor não
revelado, o que em nada, ou quase nada, dialoga com o livro de Avellar. Mas na
primeira frase a presença das palavras alma e mystério, dão o ar que o professor
busca em seu título, é do “occultismo” do professor Vicente Avellar que estamos
tratando aqui.
156
59 Barros (1999) ao tratar do Esoterismo em sociedades do século XVII ao XIX, afirma que o
esoterismo se trata de uma forma de pensamento onde a natureza delimita as bases que a
ilustram. Assim, o esoterismo evocaria uma ideia de secreto, de um espaço espiritual. Para
Faivre (1994) o esoterismo só poderia existir como sincretismo, em reunião das três religiões
Monoteístas, a alquimia, as artes mânticas, postas em circulação nos séculos XV ao XIX.
60 O Cristianismo esotérico aparece como uma incógnita para Barros (1999), ele questiona se há
e os cabalistas, surge uma polêmica e uma divisão. Enquanto cabalistas usavam da matemática
sem interesses em manipular o mundo físico, mas com a ideia de investigar os mundos “supra-
sensíveis”. Compreende-se então as filosóficas ocultas como o resultado dessa busca teórica de
compreensão do universo. Dividiam o Universo em três níveis: o primeiro, o inferior e elemental,
onde vivemos e é explorado pela filosofia natural, pela Medicina e pela magia natural; o segundo
é o astro planetário, celestial; o terceiro como mundo intelectual, explorado por cerimônias
religiosas e da magia cerimonial. Deus emanaria influências até nosso mundo, e o mago
pesquisaria estradas para a ascensão (BARROS, 1999).
63 Barros (1999) alerta para necessidade de estudos mais profundos sobre os paradoxos
impostos pela maçonaria no século XVIII, no entanto define a maçonaria como uma organização
que se inicia tal como guildas medievais e se aprimora com o tempo, sem deixa, porém escritos
sobre seus simbolismos e saberes.
64 O “germe” do espiritismo está diretamente ligado ao processo que Àries (2003) chama de
Ele como um dos “apóstolos da religião de Christo” afirma ter sofrido com
a violência desses “titans”, se coloca como “a maior vítima” tendo servido “de
experiência”. O fato de o Regulamento Sanitário ter entrado em vigor em março
daquele ano, parece ser um ponto importante para Avellar, que sabemos,
recebeu a visita do Inspetor Sanitário em junho. Ele realmente se apresenta
como uma grande vítima, que apesar das tentativas saiu com mais “força” de
todo a investida do “mau” contra si. Por fim reforça sua “missão” cristã, ao
perdoar seus agressores, tal como o “Christo”.
161
O professor vai abrindo caminho para o objetivo final de sua obra: revelar
suas “curas assombrosas”. Para isso segue apresentando os valores de sua
crença: a Fé, como “virtude tão poderosa que com ela tudo se obtém”. Ainda
demonstrando seus valores místicos afirma que não uma fé qualquer “quebrada
pelo orgulho, maior dos crimes, o maior dos pecados”. Mas uma fé resiliente,
uma fé que resiste, na vida, na luta e na esperança. São claramente valores que
Avellar já apresentava em seus documentos em 1904, quando afirma que a fé é
fundamental para o processo de cura de seus “pacientes”. A força de seus
conhecimentos psíquicos é “assombrosa”, mas é fundamental também, que se
deixe uma brecha para escapar aos casos em que não derem certo: falta de fé!
e periódicos, para tratar dos que curam com as mãos e meios espirituais. E
segue com pesadas críticas às leis e seus defensores. Por fim o golpe final na
própria formação dos médicos e cientistas: a compra de diplomas, uma denúncia
ao sistema de educação, que ele próprio, enquanto professor na sua origem, dá
peso.
Figura 24 - Fotografia do Sr. Custódio Ribeiro Figura 25 - Fotografia do Sr. Custório Ribeiro
Rabello, antes da cura (1909) Rabello, depois da cura (1909)
Se Avellar era um curador tão bom quanto era profeta, havia algo de
errado com os milhares de depoimentos de cura que dizia ter. Porque, com essas
profecias que encerra o livro, são bem mixurucas. Talvez não tivesse escolhido
as melhores já que afirma ter: “outras muitas que dizem respeito a questões
particulares que não vem ao caso publicá-las”. Devia pensar ser melhor esperar
para publicar depois que acontecessem os fatos, com certeza ficava mais fácil
de “profetizar”.
Pelo que vemos, fazer profecias não era mesmo o forte de Avellar, ele era
um gênio da propaganda, isso sem dúvidas. Termina seu livro deixando aberto
um espaço para escrever o endereço onde poderia ser encontrado, o que sugere
que as mudanças continuavam a ser constantes. Todo seu livro nos levanta
muitas possibilidades de conhecer melhor a experiência religiosa que Avellar
pratica, prega e os serviços que vende.
Não era apenas a cura o negócio de Avellar, ele fazia também “trabalhos
benéfico”, magias ocultistas e profecias, mesmo que não fossem tão boas. A
publicação em 1909 do livro “O Occultismo e as curas assombrosas
produsidas pelo conhecido professor Vicente Avellar” é além de uma
“revelação” de seus dons e doutrina, uma propaganda de seus serviços, mas
sobretudo uma denúncia aos “charlatães da esmeralda”, ou seja, uma crítica aos
médicos que promoviam a repressão aos que, como Avellar, curavam por meios
espíritas. No entanto, apesar de falar abertamente do processo que sofre em
1904, não comenta em nenhum momento o outro problema que teve com a
polícia em 1907, será que considerava um desabono ser preso por cartomancia,
enquanto anunciava-se como mulher nos jornais, Mme. Thebas?
167
significava muito, naqueles tempos. O nome da Thebas aparecia nos jornais com
suas profecias e os resultados de suas previsões.
ULTIMA CARTADA
ADEUS FUTURO
AS CARTOMANTES BALDAS AO NAIPE
NA POLÍCIA
TUDO EMBARALHADO
Zelosa (ilegível) polícia: a chefatura de polícia, pouco a pouco
vai fazendo desaparecer do solo carioca todos os elementos
considerados periclitantes pelas leis escritas do país.
Depois da campanha contra o “bicho”, o famigerado bicho que
viciou a população inteira, atirou-se a polícia à repressão do
lenocínio e de outras maleitas morais que infelicitam os
costumes da terra, seguindo-se como medidas sanatoria ou
sanitária, o despacho do pessoal perigoso, sobro água, livro do
circuito, vulgarmente denominado expulsão.
Não parou por ai o movimento profilático da chefatura: as leis
escritas condenam a cartomancia, a chiromancia, a
chirognomia, a graphomancia, o sybilismo, o occultismo, a
adivibala clássica o tenebrosa.
Ora, se as leis condenam todo esse acervo de adivinhações
kabalísticas, a chefatura resolveu fazer uma devassa completa
172
65
A MON CHER ET REGRETTÉ AMI ALEXANDRE DUMAS FILS
A vous, ilustre Ami je dédie ces pages, fruit de nos lngus conversations sur cette Science de la chiromacie
que vou aimiez tant et que vous appeliez <<la Grammaire de l’avenir>>. Je vous les dédie avec une
profonde et éternelle reconnaissance pour tous les conseils et encouragements que vous m’avez donnés,
et aussi parce que se suis inspirée par la ^me foi qui vous a fait écrire cette belle pensée dans votre préface
des Mousquetaires: <<Ceux que nous pleurons ne sont plus là où ils étaiet, mais ils sont tojours là où nous
sommes.>> A. De Thèbes (Tradução nossa).
66CHIROMANCIA. Jornal do Commercio, 30 de maio de 1898, ed. 0149, p. 2.
67Pierre Adolphe Desbarolles (1801 - 1886) é considerado o pai da Quiromancia moderna, tendo
aperfeiçoado os métodos deixados por Arpentigny. Disponível em: < https://www.appl-
lachaise.net/desbarolles-adolphe-pierre-1801-1886/>.
176
68
Segundo Davis (2018, nota 43) a matéria é do dia 31 de março de 1893.
69
Davis utiliza esta forma de escrita do sobrenome de Anne Savigny.
177
Este livro é muito raro, e foi difícil conseguirmos uma edição, mas ao final
do que acreditamos ser quase impossível para o doutorado, e já cogitávamos
deixar para outro momento, por um golpe de sorte e do destino conseguimos
uma edição “Discarted” da Universidade de Derby (Inglaterra). Com o que
sabemos através de Davis (2018), o nome de Thèbes teria sido sugerido por
Dumas em referência à obra.
70
It was Dumas who suggested to Savary that she adopt the professional name ‘Madame de Thebes’ in
reference to a play he had been working for years called La Routhe de Thèbes, a psychological drama
centred on a mysterious Woman. He never finished the play but the creation of madame de Thèbes was
completed to great effect. By the times Dumas died in 1985, the Thèbe’s was well established and for next
two decades the elite of Parisian Society made their way to her Consulting rooms at 29 avenue de Wagram.
178
encontramos uma primeira parte com uma leitura do teatro francês do século
XIX, uma breve exposição da vida de Dumas e seus dramas de 1845 a 1887. A
segunda parte que a nós interessa mais se dedica ao La Routhe de Thèbes,
iniciando por uma discussão sobre Religião e Ciência, seguindo pelo papel das
mulheres na peça, uma apresentação dos temas principais do “romance”: amor,
casamento e adultério.
Lewis (1998) ao tratar das obras anteriores de Dumas, afirma que o autor
nunca teve a religião como um tema apropriado para ser tratado em suas peças,
por considerar o tema profundo demais para o teatro, mas por diversas vezes
apresentou sua posição fascinação à ciência, como em Le Docteur Servans
(1848), onde apresenta um capítulo sobre a espetacular (quase miraculosa)
capacidade da ciência de trazer alguém da morte, mesmo que brevemente. La
Routhe de Thèbes é segundo Lewis (1998) a única obra de Dumas que trata de
ciência e religião, e que é impossível saber ao certo sua razão, pois Dumas não
faz comentários diretos sobre suas razões, o crítico considera mais provável que
Dumas esteja reagindo aos debates de sua época.
Geneviève e contrasta com a maioria das mulheres jovens de sua época, onde
o amor não tem importância principal em sua vida (LEWIS, 1992).
71 Portanto, na origem, o nome Thèbes estaria ligado à Tebas grega e não à Tebas egípcia. No
fim, ambas as figuras são do imaginário mítico e utilizadas como símbolos de sabedoria e magia.
Uma diferença básica entre as duas é que a Esfinge grega é representada por um corpo de leão
com a cabeça de uma mulher, sendo, portanto, feminina, enquanto a Esfinge egípcias é
masculina, representada pela cabeça de um faraó e o corpo de um leão. No Egito as esfinges
são responsáveis por “escoltar os mortos”, tendo relação com as práticas funerárias egípcias.
Para maiores debates sobre as figuras das Esfinges em sua representação simbólica grega ou
egípcia recomendamos a leitura do artigo “O SILÊNCIO DA ESFINGE: O ERRO DE ÉDIPO E A
REDESCOBERTA RESPOSTA AO ENIGMA” de Jane Connell (2013)
180
ARTE E ARTISTAS
72Margareth Rago em sua obra Do Cabaré ao Lar (1985), vai apresentar o teatro, assim como
as fábricas como ambiente mal vista pelos homens que construíam o perfil da mulher ideal para
sociedade burguesa.
181
73
O filme mudo de 1915 - Madame de Thèbes e o HQ “DAMPYR” número 12, o original em Italiano foi
publicado no ano de 2000, no Brasil chega em 2005. No caso da HQ há uma outra personagem que é
retratada sob o mesmo nome de Madame Thebas e de quem iremos tratar em sua especificidade -
Matylda Průšová – que assume a mesma alcunha de Anne Sabigny, já na década de 1930 e em Praga.
74 CS d' Arpentigny Disponível em: http://worldcat.org/identities/lccn-nr88004530/
182
75
MON CHER ALEXANDRE.
Je ne sais si vous pensez comme moi. — la cause en est sans doute dans l'exercice de ma profession, —
maisj'ai acquis la conviction que, favorable ou non, nous subissons une.directionsinon immuable, du
moins bien difficile 'a éviter.
Sans doute les événements lesplus importants nous semblent amehésparle hasard — et ma vie en est un
exemple continuel— mais pour les hommes de bon sens le hasard est aveugle, et absurde par conséquent
faut donc croire à des influences supérieures, à des rencontresfatales, ou heureuses, évidemment
ménagées.par la destinée.
183
O que é possível compreender nas relações, tanto das obras quanto dos
autores que se dedicavam à Quiromancia, por ordem de autoria Arpentigny,
Desbaroles e Madame de Thèbes é que Alexandre Dumas Filho exerceu grande
influência sobre os dois últimos, e que provavelmente foi aluno do primeiro. É
possível notar na leitura atenta das obras que enquanto em Arpentigny há uma
evidente crença na ciência enquanto saber inquestionável e superior a qualquer
superstição, e por isso mesmo está o tempo todo relacionando sua científica
leitura dos sinais das mãos, ao mais antigos como Platão, Aristoteles e
Ptolomeu, assim como criticando aos “quiromantes”, à quem atribui o fardo de
terem deturpado informações, legando a Quiromancia à um espaço de
descrença mesmo aos mais crentes (ARPENTIGNY, 1856, p. 78). Arpentigny
era exemplo, bastante clássico, de um homem de seu tempo, o homem da
ciência pura e inquestionável, mesmo que no fundo de suas crenças, houvessem
inúmeras relações com os temas místicos, esses eram “negados” em nome da
construção de um pensamento lógico.
Les rencontres fatales, funestes même, ne montpas manqué au moment (où, sans
expérience,j'entrais dans le monde, mais votre illustre père et vous avec lui et.après lui, vous avez, étema
bonne influencepartoutet toujours.
C'est vous qui le premier m'avez encouragé, à mon début, à persévérer dans celle science mystérieuse;
c'est vous qui m'avez écrit, de celte plume, alors célèbre, illustre aujourd'hui: «La Chiromancie sera la
grammaire de l'organisationhumaine. »
C'est vous enfin qui m'avez généreusement aidé, soutenu dans ces lémjis
Aussi c'est à vous quej'adresse la dédicace de ce livre comme um hommage cordial, comme un
lémoignaqe de ma gratitude, de mon inaltérable amitié et de ma nrofonde estime.
An. DESBARROLLES.
184
de moral dos homens, mas também para acessar seu destino. Fica evidente na
produção de Desbaroles a aproximação que ele faz da ciência e do “mistério”,
do espiritual, sem, no entanto, abraçar este último, ainda dá maior ênfase ao
cérebro e à razão:
Você tem certeza de que Deus falou com Abraão, que Moisés o
viu face a face no Sinai e recebeu dele as Tábuas da Lei? Que
76
A partir de fa phrénologie, èpiàe du crâne qui contient le cerveau «toutes les sciences soumises à
l'influence cérébrale, pomme la physiq'gnomônie, la chiromancie, la chirognomonie et la graphomancie
(divination par l'écriture), révèlent par de certains signes faciles à lire pour tout homme qui veut bien se
'donner la peine de voir : le caractère, les aptitudes, les instincts et.les passions des hommes, et en se
prouvant l'une par l'autre, elles affirment, par. leur harmonie même, que tout l'organisme humain est
soumis à l'influence d'une direction unique : Le cerveau! Comme toute la création est soumise à une
direction unique : Dieul.
185
77
Êtes-vous sur que Dieu a parle à Abraham, que Moises l’a vu face à face sur de Sinai, et a reçu de lui les
Tables de La Loi? Que Jesus est son fils sans l’intervention d’aucun homme, qu’il est revenu de la mort por
passer encore quarante jours sur la terre? Où sont les preuves?
Certains hommes sincéres nous ont dit que cela était ainsi, et de ces choses irrationnelles et anormales,
céus qui croyaient ont fait des dogmes au nom desquels l’humanité supérieure se passionne, lutte,
souffre, espére, afirme.
Il y a des gens qui se sont fair arracher les entralles, brùler, livrer aux bètes, pour prover cette cérité que
rien ne prouve. Il y em a d’autres qui ont tué leurs semblables par milliers pour a meme demonstration.
L’emirismo nous domine donc de tous les cótes. Il nous saisit au momenta u nous sommes vênus au onde,
sans que ceux qui nous y mettent sachent, ni tout de suíte ni plus tard, comment et surtout pourquoi ils
nous y ont mis, et cet empirisme ne nous abandone meme pas à la mort puisque le uns nous prometttent
l’imortalité de l’alme, tandis que les autres ne nous garantissent que le neant et que, ni cruxci ci ni céux-
la, n’apportent Scientifique à ‘appui de ler dire. Par conséquent, si nous n’avons à reprocher à la
Chiromancie que de ne pas etre explicable, ele peut nous repondre qu’elle a cela de commun avec nombre
de choses dont notre corps et notre âme font tous le jours leus profit physique et moral. Ne soyons pas si
absolus dans nos affirmations, devant les phénomènes mystérieux dans leurs causes, puisqu’ils sont
evidentes par leus résultats.
186
judaico-cristã, onde nada se poderia comprovar nada, mas que nem por isso
deixaram de serem vistas como verdades absolutas, pelos séculos.
78
Nous avons le grand tort de négliger, de dédaigner les legendes millenaires, les superstitions, que, de
genération em génération, les peuples se transmettent. Au fond, tout au fond, il y a quelque chose de
sacré, peul-ètre une parl de la verité premiére, une part du secret de l’origine de l’homme. Superstition,
c’est bientôt dit. Mais tout ici-bas est superstition, Notre bonheut par l’argent, superstition; nos
distinctions de fortune de rang, de titres, superstition; notre idée de l’homme et de la soci`té, superstition.
Les vérités presentes seront dans millle ans ou avant, erreur et superstition. Et, sachant cela, je ne trouve
pas si sol que certains sabants brevetés pourraient l’imaginer, de me tourner vers le passé, d’écouter as
voix et de chercher à comprendre pourquoi et comment tant de sages disparus faisaient état
d’approfpndir des mystères qui, aujourd’hui, sont dédaignés. Ces mystères étaient, pour eux, les
principales sciences à posséder. Les mages, les devins expliquaient les songes. Essayons de sovoir ce qu’ils
pouvaient em dire. Notre Science moderne, si aisément satisfaite d’elle-memê, se contente du sourire du
dédain ou de la négation de l’ignorance. Qu’elle ait tort ou raison, j ela supplie de me pardonner de ne
pas la croire infaillible, et de m’être aventurée au pays des rêves pour tenter de reconnaitre ce mystérieux
187
terrain et d’em établier une première care um peu moins fantaisiste que celles dessinées dans tant de
naives Cefs des Songes.
79 É necessário nos lembrar aqui, que Madame A. de Thèbes faleceu em 1916. Ou seja, antes
de falecer a Madame deixou ainda o conteúdo para mais uma Almanaque. Estes almanaques
tiveram grande circulação no mundo todo, e foi reproduzido em vários momentos pelos jornais
brasileiros e cariocas, que traduziam parte de suas previsões para o ano.
80 Gabriel Syveton era historiador e político francês, eleito deputado em 1902. Morreu em 8 de
janeiro de 1905 em sua casa, sufocado por gás. A polícia determinou que ele havia se suicidado,
no entanto figuras políticas da direita nacionalista afirmavam que Syveton havia sido
188
tendo alertado o então político francês para uma “morte brusca”, isso segundo a
reportagem havia sido poucos meses antes. O responsável pelo relato, procura
então a profetiza em sua casa na Wagram afirma que a casa não era nada
extravagante, “na ante-camara” do salão não há coisas extranhas, nem
alambiques mysteriosos. É uma habitação de burguesa, honesta de gestos
elegantes”. Ao descrever a Madame, o repórter afirma: “correctamente vestida
de luto, não tinha nenhuma serpente a assoviar por entre seus belos cabelos”. A
madame conta então como foi a consulta de Sylveton, dezoito meses antes dos
acontecimentos, e afirma que não pôde ver na ocasião, de fato como seria a
morte do político, mas que lhe afirmou que seria “um fim brusco, nem uma hora
ficará doente, como não morrerá na sua cama” (Correio do Brazil, 18 de janeiro,
1905, pp. 1 – 2).
Sobrinho e Luiz Bravo, e trazia o desejo de aglutinar cultural e socialmente a população do sétimo
distrito de Paraíba do Sul (RJ), pequena localidade entre Petrópolis e outro distrito do Paraíba
do Sul, Entre-Rios.
189
Tudo isso não prova grande coisa, e se pode dizer que os céticos
são aqueles que não veem nem ouvem, porque não querem ver
nem ouvir.
É curioso, pelo menos e a própria Madame de Thébas não exige
uma fé cega em seus vaticínios, tem tanta modéstia quanto
clarividência. Para saber o que nos sucederá no ano de 1909 fui
visitá-la a sua habitação, discreta e com todo o conforto possível,
190
Ele faz questão de citar as palavras ditas pela profetisa, para que
nenhuma detalhe se perdesse de seus simbolismos e metáforas. E nada de bom
era visto para o ano de 1909, onde uma passagem de Mercúrio para Marte, traria
“terríveis acontecimentos”.
E nada parecia mesmo escapar dos tristes dias de Marte, nem os amores,
nem as mulheres, nem as amizades, nem os negócios, nem mesmo o teatro.
Tudo está fadado, naquele ano, a perecer de grandes escândalos, vinganças,
violência, tudo terrível!
192
Não há dúvidas de que Madame de Thébas era uma mulher muito bem-
informada das situações políticas e sociais pelo mundo, suas profecias de 1909
refletem isso. E de sua fama, a profecia que ganhou maior destaque na história
foi aquela que fez no Almanaque de dezembro de 1913, para o ano de 1914,
onde previa guerra. Mas como vimos, já em 1909 as previsões da Madame eram
de guerra, disputas, fogo. O deus Marte já estava agindo nas influências bélicas
há tempos, segundo ela. De fato, o início da Primeira Guerra Mundial em 1914
deu vazão às profecias e inúmeras crenças de que havia uma disputa no campo
espiritual, do bem contra o mal e de que a razão pura estava levando a “frieza”
ao espírito dos homens (RUICKBIE, 2018; DAVIS, 2018).
resgatar três obras inspiradas em Anne Victorine Savigny, um filme, uma opereta
da qual infelizmente não temos grande informações, e um HQ.
Antes de sua morte, A. de Thèbes teve seu pseudônimo usado como título
de um filme mudo sueco, escrito por Martin Jørgensen e Louis Levy e dirigido
por Mauritz Stiller82. A película original de 68 minutos estreou em 2 de agosto de
1915 na Suécia. Este é o primeiro filme de Mauritz Stiller e foi considerado
perdido por décadas, quando foi reencontrado na França em 2004. Enviado para
Suécia foi restaurado e sua versão restaurada com 50 minutos foi lançada em 3
de abril de 2007, com um prólogo e três partes.
A Parte um do filme inicia trinta e cinco anos depois, com a condessa Julie
doente esperando seu filho, o então já sucessor do pai, Conde Robert (Nicolai
Johannsen). Antes de morrer a condessa lhe entrega uma carta onde conta a
história de seu nascimento e lhe informa que a cigana que é sua mãe tem um
colar com uma foto de Julie (Figura 34). Seu empregado na sequência entra na
sala e lê a carta e se mostra interessado, mas Robert não lhe diz nada e esconde
a carta.
Logo vemos Von Volmar indo ao gabinete de Madame Thébas para saber
de sua sorte, como faziam muitos aristocratas e políticos, pela fama que tinha a
madame e suas previsões (Figura 38). Thébas ao analisar a mão do Barão lhe
diz que vê a esperança de uma grande vitória política e assina A. de Thèbes
(Figura 39). No Parlamento, Volmar apresenta a predição de A. de Thèbes como
uma prova de seu valor, e é recebido com grande alegria por seus partidários. A
profecia de Thèbes é evidentemente muito considerada por aqueles homens
poderosos, suficiente para garantir a vantagem do Barão e acender a discórdia
entre os partidários de Conde Robert (Figura 40), que pedem que alguém
detenha a mulher.
A terceira parte inicia, novamente com Von Volmar lendo um jornal, onde
está a notícia de que Madame Thébas foi presa na noite anterior. E logo entra
sua filha com a carta que Madame Thébas lhe enviou, sem saber do que se
204
tratava, entrega junto com o colar da Condessa Julie. Von Volmar se alegra e
mostra a carta da Condessa à sua filha, afirmando que agora tinha todas as
provas de que Robert era um simples aventureiro (Figura 45).
Figura 50 - Madame Thébas negando seu filho Robert pela última vez.
207
83 Uma base de dados financiada pela FAPESP e CAPES que reúne todos os espetáculos
teatrais exibidos em São Paulo entre os anos de 1914 e 1934. Disponível em:
<https://teatromusicadosp.com.br/pesquisar-espetaculos>.
208
CASINO
4.1.2.3 HQ DAMPHYR
Analisando a produção artística, entorno da figura de Madame Thebas,
dos dias mais atuais, encontramos a HQ de nome “DAMPYR” criada pelo Italiano
Sergio Bonneli nos anos 2000. Onde uma Madame de Thèbe aparece como
personagem. Essa Thébas de Bonneli (Figura 53) está entrelaçada à história
popular da região de Praga na República Checa, onde o turismo da rua Golden
Lane fatura com a lenda de um cartomante. Magdalena Prusova ou Matylda
Průšová, teria sido uma cartomante e astróloga que morava na Golden Lane,
número 04, a mesma rua onde viveram os “Alquimistas” de Rodolfo II de
Habsburgo, rei da Bohemia e da Hungria, imperador do Sacro Império
Romano Germânico, no século XVII (DAUXOIS, 1999).
212
87Todo o processo de transferência para o Museu da República desta coleção, foi acompanhado
e analisado pelo amigo e Historiador Luiz Gustavo Alves, e pode ser muito mais profundamente
compreendida em sua dissertação: “Liberte Nosso Sagrado” as disputas de uma reparação
histórica (2021).
215
88 Obrigada Caio Moraes, pelo convite e por fazer um excelente trabalho coordenando e
organizando esses pesquisadores que como eu, não estavam mais sozinhos pesquisando
“macumbeiros” pelo Brasil.
89 Não podemos deixar de citar o trabalho espetacular que o Historiador Eduardo Possidônio vem
realizando diante de tantas dificuldades que foram também se impondo, porque obviamente nem
tudo são flores, mas o trabalho de pesquisa, rastreio e cruzamento de informações, feito por
Possidônio, construiu uma galeria de consulta aos processos, recortes de jornais, através de
planilhas, que é gentilmente cedida aos pesquisadores que delas precisarem.
216
que envolviam esta prática e seu diálogo com nosso personagem Vicente Avellar
no contexto da repressão que estudamos nesta Tese.
BR RJANRIO
Marcella Maria de Oliveira Fem. 1898 Cartomante Habeas Corpus
BV.0.HCO.0458
Afro-carioca
Manoel Gomes Masc. 1904 ACERVO YM - CPDOC SEM MAIS
Cartomante
Joana da Rosa
Fem. 1904 Cartomante ACERVO YM - CPDOC SEM MAIS
Rosalina de Maria
Curandeiro BR RJANRIO
Vicente Ferreira Avelar Masc. 1907 Inquérito
Cartomante CQ.0230
BR RJANRIO
Laura Fernandes Fem. 1907 Cartomante Inquérito
CQ.0269
Curandeira BR RJANRIO
Maria de Carvalho Faria Fem. 1907 Inquérito
Cartomante CQ.0274
BR RJANRIO
Antonia Sampaio Fem. 1907 Cartomante Inquérito
CQ.0275
BR RJANRIO
Luiza Bigamo Fem. 1907 Cartomante Inquérito
Maço 2536 N 299
218
Inquérito
João Pinto Mas. 1912 Cartomante BR RJANRIO CS.0.PCR.701
Processo
Inquérito
João Pinto da Silva Mas. 1919 Cartomante BR RJANRIO CS.0.PCR.1666
Processo
Inquérito
Alice Abdo Fem. 1927 Cartomante BR RJANRIO CS.0.PCR.4567
Processo
BR RJANRIO
Manoel Mendes da Câmara Masc. 1928 Cartomante Habeas Corpus
CS.0.HCO.6164
Inquérito
Eduardo Pinto Masc. 1929 Cartomante BR RJANRIO CS.0.PCR.4983
Processo
Conceição Sugranez Martinez Fem. 1930 Cartomante ACERVO YM - CPDOC SEM MAIS
219
BR RJANRIO
Helena Wilson Fem. 1934 Cartomante Inquérito
CS.0.IQP.7536
BR RJANRIO
Tristana Gutierrez Fem. 1937 Cartomante Inquérito
CS.0.IQP.8091
BR RJANRIO
Catharina Smith Fem. 1937 Cartomante Habeas Corpus
CS.0.HCO.8133
BR RJANRIO
Amalia Augusta Gonçalves Fem. 1939 Cartomante Inquérito
CS.0.IQP.8633
220
BR RJANRIO
Durvalina de Oliveira Pereira Fem. 1939 Cartomante Inquérito
CS.0.IQP.9399
Cartomante
Olga Nicolette Fem. 1940 ACERVO YM - CPDOC SEM MAIS
Leitura de mãos
“Há mais coisas no céu e na terra do que sonha a nossa filosofia”, poderia
ser Hamlet ou Rita ou Vicente Avellar ou Madame de Thébas ou qualquer cliente
ou esfinge cartomante do Rio de Janeiro. A busca por desbravar os mistérios do
destino e do amor, levava há muitos a subirem ladeiras do Morro do Castelo ou
entrar em sobrados de “paredes sombrias” e “ar de pobreza”. Com o Código
Penal de 1890 a cartomancia passou a ser considerada crime: usar de
“cartomancias para despertar sentimentos de ódio ou amor, inculcar cura de
moléstias curáveis ou incuráveis, enfim, para fascinar e subjugar a credulidade
pública”´(CP, 1890, art. 157).
222
Apesar dos mais de trinta processos que temos hoje disponível para
análise, onde é possível resgatar histórias e personagens certamente, tão ricos
quanto o que pretendemos desbravar nesta Tese, vamos apresentar sete que
estão englobados entre 1904 e 1907, este último ano, o ano da Caçada às
Cartomantes, feita pela polícia, onde foi preso “a Madame Thébas” carioca,
Vicente Avellar. Vamos então compreender melhor os personagens que
aparecem neste contexto.
Era bem possível que o baralho de cartas encontrado fosse mesmo para
consultas, ou não, poderia ser apenas um baralho comum. Como não há
descrição do tipo de baralho encontrado, apenas aceitamos a informação da
polícia e entendemos que era um baralho utilizado para leitura da sorte,
juntamente com os búzios. Essa relação de práticas afro-brasileiras e
cartomancia não é algo raro de se ver, apesar de ter a cartomancia quase
sempre relacionada à magia europeia, a prática dos sortilégios no Rio de Janeiro
não descartava nada.
Sabemos que Zebinda Costa Braga, presa em 1895, era preta baiana e
costureira, que foi presa por prática de cartomancia aos 38 anos na Rua Senador
Pompeu, número 266, onde encontraram um baralho de cartas. Através do
224
Zebinda
É uma negra baixa, gorda e dada a festas. Morou um tempo na
rua do Senador Pompeu. Seu pai é o tio Antônio, empregado do
Banco Alemão, também feiticeiro célebre.
Zebinda está agora na travessa das Partilhas. Só tem um prazer
na vida: dar festas, danças, fazer candomblés. Gasta todo
dinheiro que ganha – e ganha muito – nas festas e proteção
anormal que dá a certas amigas.
Esta negra é cartomante e não faz nada sem despachos ou
ebós, pede 20$000 por cada um e arranjou um feitiço: o rabo de
boi, preparado com rezas para mistérios do amor...
Joana da Rosa, a russa, dizia ser casada e ter 22 anos de idade, não nega
a prática da cartomancia, coisa mais comum entre os acusados no artigo 157.
Pelo contrário a moça afirma viver da cartomancia e que já estava no Brasil há
muito tempo fazendo esta “indústria”. Afirma ter vivido muito tempo em São
Paulo e na Cidade de Santos e vindo de lá para o Rio de Janeiro. Já Rosalina
de Maria, de 21 anos, casada e russa, afirma ser companheira de Joana com
quem faz a vida da mesma forma, pondo cartas.
Foi atraído por um anúncio que viu nos jornais desta Capital,
dirigiu-se a Rua da Alfandega, 161, residência da espanhola
Laura Fernandes e ali encontrando-se com esta procurou
227
Por último, temos a declaração dada no dia vinte e dois de dezembro por
Nathália Varela Coelho, natural da República Ocidental do Uruguay, com 32
anos, afirmava ser casada e doméstica, moradora na Rua da Alfandega 161.
Nathália em sua declaração dizia ter cedido, “por favor” à Laura Fernandes, um
quarto de sua residência à mais ou menos seis meses e que esta não fazia
moradia ali e sim em Niterói. Laura, segundo Nathália, vinha “as vezes” até o
sobrado, para pôr cartas para homens e mulheres que a procuravam. Segundo
Nathália:
É o mesmo Inspetor que faz a investigação nos casos de maio, mas neste,
os testemunhos são mais variados. Logo na página inicial vemos datilografado
o resumo da acusação: “Da sindicância que mandei proceder ao seu respeito,
estou informado ser Mme. Luiza, cartomante e prostituta, publicando o anúncio
acima para mais atrair a expectativa de clientes”. O anúncio dizia: “Cartomante
– Mme Luiza, espanhola, boa tiradora de cartas, dá consultas só a senhoras das
7 horas da manhã às 9 horas da noite, preço 2$ na rua Riachuelo, n. 27 (AN,
maço 2536, nº 299, p. 1).
Em seu depoimento Luiza afirmou ser verdade que “bota cartas”, mas que
só fazia isto pois é doente e não pode trabalhar. Já Alberto Casemiro Botelho,
no dia sei de agosto de 1907, declarou ser brasileiro, ter vinte e quatro anos,
solteiro e residir na mesma casa que Luiza na Rua Riachuelo, n. 27 e que sabe
que ela vive de Cartomancia. Maria de Oliveira Sacchi, trinta anos, casada e
residente na mesma casa que Luiza, sabe que ela vive de cartomante e tem visto
muitas pessoas entrarem no quarto dela, o que fizeram lá não sabia dizer. Ao
que parecia todos os moradores da casa de cômodos sabiam que Luiza vivia de
“cartomancia” e a polícia pega o depoimento de seis moradores do sobrado,
231
para pesquisas futuras que dialogam com o que foi apresentado nesta tese e o
contexto da repressão, mas extrapolam seguindo pelas linhas das experiências
religiosas. A presença inegável de estrangeiros e estrangeiras pondo cartas é
também outro fator que deve estimular novas investigações para colorir ainda
mais o cenário das experiências religiosas no Rio de Janeiro.
Cobras e lagartos
RUA S. JOSÉ, 9 -1
Chamamos atenção da polícia para a celebérrima cartomante Rachel,
a qual vive de adivinhar o futuro, extorquindo aos incautos quantias a
pretexto de lhes dizer o que lhes há de acontecer.
A casa desta mulher serve mais para pouco de entrevistas a mulheres
casadas, e outras muitas coisinhas que a polícia deve esmerilhar. A
mesma com um tipo a que estabeleceu à custa do produto da sua
indústria. S. Ex. o Sr. Chefe de polícia deve sindicar desse negócio, e
acabar de vez para sempre com o charlatanismo que infesta e explora
o povo incauto.
O Juca Rosa (O CARBONÁRIO, 1882, ed. 148, p. 3).
92 Sem dúvidas, era do médico alemão Franz Mesmer (1734 – 1815), que Thereza se referia.
Mesmer defendeu sua tese de doutorado em Viena, sobre a influência dos planetas no corpo
humano, levantando a teoria de que haveria um fluido que se expandia por todos os indivíduos
e que poderia ser manipulada para operar a cura. Fonte bibliográfica inválida especificada..
93 “GRANDE ADIVINHA DO UNIVERSO. Acaba de chegar do Sul a muito conhecida professora
de várias sciências. Thereza Meraldi. Sonambula Magnetizadora pelos estudos do Dr. Mesmer,
fundador do magnetismo; a maior cartomante d’este século pelos estudos da astrologia e como
tal conhecida em todo mundo. Adivinha todo o passado, presente e futuro com a legítima
cartomancia, única professora que a tem. Esta afamada professora tem a honra de oferecer as
suas salas de consultas a todas as pessoas que a desejarem consultar. A professora fala vários
idiomas acha-se residindo à rua da Carioca n. 128, sobrado”.
236
Conclusão
Chegar ao final da escrita de uma pesquisa como esta, talvez seja mais
difícil do que a iniciar. Os quatro ano de pesquisa da tese, somam-se aos 2 anos
de pesquisa para dissertação, que se somam à trajetória desde primeira
graduação em Química, talvez, mesmo, ao amor pela ciência construído no
Curso Técnico e primeira projeto de Iniciação científica que participei. A pesquisa
e a ciência sempre foram paixões inebriantes. Ao lado da ciência sempre esteve
uma outra e mais antiga paixão: o mundo “oculto”, a espiritualidade, as
experiências religiosas não cristãs.
Um fator definidor para esta pesquisa existir é a criação religiosa que tive,
é da mente e das crenças de uma mulher macumbeira que saiu esta Tese. Uma
mulher que nasceu em uma família macumbeira e de origem cigana,
miscigenada e moradora do subúrbio carioca. É a partir deste lugar que
construímos os olhares que escreveram a trajetória de Vicente Avellar. O
professor Vicente Avellar e a Madame A. de Thébas foram excelentes
companheiros de caminhada nessa estrada que Exu abriu quando profetizou
este doutorado, e agora encerra esta Tese, sem findar o caminho, pois, Exu é a
esfera que não tem fim e Olonã – senhor de todos os caminhos.
Ou seja, sua circulação pela cidade e pelos grupos sociais depois de 1907
é quase como uma pessoa comum. Avellar torna-se professor novamente,
recebe prêmios, escreve livros, participa de palestras e investigações espíritas
(em núcleos kardecistas), participa de disputas sociais liderando grupos de
inquilinos95 contra abusos dos proprietários e morre em 1928 no Hospital
Hahnemanniano, onde Oswaldo Avellar, seu filho mais velho, era médico. No
final de sua história conseguimos resgatar que o curador fez escola e conseguiu
ter ao menos um filho que seguiu seus passos de curador, mas médico e
homeopata.
Referências
Fontes
Processos e Inquéritos
95
Jornal do Brasil, ed. 067, 09 de março de 1921, p. 10.
242
Periódicos
Livros
AVELLAR, Vicente. "O occultismo" e as curas assombrosas
produsidas pelo conhecido professor ... “: 1ºfasciculo. Livro- Localização:
Obras Gerais - V-267,1,1 n.3 Publicação: Rio de Janeiro : Typ. Internacional,
1909. Biblioteca Nacional.
Bibliografias