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Celso Wzorek
Foto de 1958
“Não sei por que frei Gregório pediu que eu escrevesse os principais lances da minha
vida. ”Não sei, mas acho que é para ter dados quando eu bater as botas”. Acontece
que frades passam daqui para o além e deles nada se sabe, apenas os dados
registrados nos catálogos da província. O que é pouco.
Hoje Canoinhas é uma bela e próspera cidade. Naquela época possuía umas
10 casas. Meu pai comprou um sítio a vinte km da cidade. Era uma bela floresta de
pinheiros, imbuias canelas e cedros. Havia caça abundante e grande, inclusive onça e
anta. Os índios também apareciam de vez em quando. Um dia chegaram em casa
uns 10 deles, perguntando pelo dono anterior daquele sítio. Queriam liquida-lo por
alguma razão. Ele, porém já estava em Pato Branco. A casa em que morávamos,
adquirida junto com o terreno, era de madeira e uma verdadeira fortaleza. As
paredes tinham uns 10 centímetros de espessura, beneficiadas a machado.
Como era caçula, ficava em casa com a mamãe, enquanto os outros iam
trabalhar nas roças. Escolas não havia e professor menos ainda. Então meus pais
resolveram mandar meu mano João estudar em Curitiba e formar-se professor.
A ESCOLA
Antes de entrar no seminário andei na escola que, somando tudo daria um
ano e pouco. Aprendi a ler e escrever com meu irmão João, que abriu uma escola
depois que voltou de Curitiba. Depois que ele foi transferido para Massaranduba, SC,
não houve mais escola estável.Vinha um professor, ficava dois meses e ia embora;
vinha uma professora, ficava outro tanto e ia-se também. Assim provei umas quatro
ou cinco professoras e professores
Houve tempos brilhantes no ano que o João lecionou. Ele formou um coral e
na escola havia até teatros nas festas. Uma noite eu tive uma pecinha para falar,
falei e adormeci debaixo da armação do estrado do palco. Compreenda, eu era
criança, e tinha sono.
Não acreditem que eu também não creio muito. Diziam para me encorajar a
trabalhar na roça que eu era preguiçoso. E para corroborar davam exemplos de
outros garotos da minha idade que trabalhavam duas vezes mais do que eu.
Respondia-lhes: eles não são caçulas. Caçula veio por último, mas é o primeiro nos
benefícios, saibam todos: O que resolveu tudo e ninguém mais me chamou de
vagabundo, foi o seguinte:
Meu pai veio da festa animado pela cerveja e por estes dizeres, e disse:” Se
me tivessem dado cem mil réis não teria ficado mais contente. Rapaz, continue
estudando, que vai longe!:” E trouxe presentes para mim: um par de tênis e um pião
com fieira para eu brincar. Quem cresceu naquele dia fui eu. Ninguém mais ousou
perturbar-me com teorias de trabalho na roça. Encontrava sorrisos em vez de mau
olhar.
Éramos três os irmãos mais novos. E formávamos um grupo unido, embora um, eu,
seis anos mais novo que o mais velho dos três, e três anos mais novo que o segundo,
não acompanhasse sempre o planejamento das aventuras. Mas, bons como eram,
eles me toleravam. O Félix era o manda-chuva. Ele falava e era isso; às vezes o
Miguel tentava dar um palpite. Eu nunca ia na onda. Sábado ao entardecer íamos
Depois dele veio frei Fabiano Gazdzicki, padre novo, saído de Petrópolis.
Homem muito social, compreensivo, amigo de todos, dos grandes e pequenos. Logo
conquistou todos com sua afabilidade e boas maneiras. Ficou muitos anos lá em
Canoinhas e quando saiu deixou saudades e lágrimas. Padre bom como esse, nunca
mais teremos , diziam. E parece que foi assim mesmo.
A ideia de me tornar padre veio assim: num belo dia, sem procurar. Não sei
se já sabia ler. Só sei que me caiu nas mãos um velho almanaque com muitas
figuras. Folhando e olhando, passei figura por figura. Uma delas me impressionou.
Representava um frade deitado no chão com capuz na cabeça e um árabe de
turbante ajoelhado sobre ele com punhal apontado para o peito. Perguntei a mamãe
o que aquilo significava e ela me disse: ”Esse padre no chão é um mártir, vai morrer
por sua fé por Cristo” Vai direitinho ao céu. “E sem pensar nada eu disse: ”Assim
quero ser também, morrer por Cristo”. Quem é Cristo e o que é morrer, eu não sabia.
Mas falei como criança. Passou algum tempo. Segunda feira era dia de lavar roupa.
Minha irmã ajuntou a roupa para lavar numa grande trouxa que colocou ao lado do
tanque, minha mãe sentada no degrau da porta, descascava batatinha para o
almoço. Eu andando de um lado para outro, procurando travessura. Cheguei perto
do tanque de roupa e deu-me uma brilhante ideia de vestir um vestido da minha
Ela saiu correndo atrás de mim, gritando ”Larga disso“! Corri para me
recolher no colo da mãe: ”Mamãe protege teu padre, que os hereges quem matá-lo!”
Minha mãe riu e mandou devolver o vestido. A paz entre minha irmã e eu
reinou.
Meu irmão João estudava em Curitiba. Numa carta ele escreveu que vinha
de férias, no fim do ano e me levaria para Curitiba para eu estudar. Escreveu ele;
“Pode ser engenheiro, advogado ou eu sei lá”. Gostei da carta e da ideia. Um dia
estava ao lado do fogão e a minha mãe mexendo nas panelas. Ataquei o assunto e
falei: “Mamãe, acho que não vou ser mais padre. Vou com o João para Curitiba
estudar para engenheiro ou advogado. Minha mãe parou de mexer, olhou-me e
disse: ”Você nem parece homem. Hoje quer isso amanhã aquilo. Desse jeito não vai
dar nada de você”! Indignei-me com essa fala e, intrigado, disse , batendo com o
punho no fogão:
Correram meses, talvez anos. Não tenho ideia de quantos anos eu tinha
nessa ocasião. A ideia de ir ao seminário ficou firme e um dia meu pai falou com frei
Fabiano. “Se o menino tem vontade de ir, que vá”! disse ele.“Que arrume o enxoval e
eu o levo ao seminário de Rio Negro, no Paraná”.
Era tudo tão gozado e esquisito. Entrou um frei professor para a aula. Mais
engraçado ainda, um padre dando aula. E assim foi: na aula eu não sabia o que
fazer. Ficava sentado ouvindo, Chegou frei Canísio Eberhardt com história do Brasil.
Ele ditava e mandou escrever o dia do fico, numa página de caderno. E disse: ”vocês
vão aprender isso para a aula que vem”. No estudo não sabia o que fazer. Ficava
sentado olhando os outros. Enjoei disso. Abri o caderno de fico e li; li e decorei mais
ou menos. Na outra aula frei Canísio falou: ”Tomem papel e escrevam o dia do fico.
Peguei o lápis e escrevi, e tirei nota 10.
Fiz a ligação: garoto, estudar é isso! Aprender de cor o que se ouve na aula. E
aí foi o meu sucesso! Sempre me defendi em tudo, pois, descobri o que é estudar.
Outra coisa: um dia frei Juliano Stepham, que dava português, perguntou a
um aluno o presente do verbo ser: eu sou, tu és ele é. E ele sabia; achei isso tão
bonito que disse comigo: ”vou aprender isso também”. Outra descoberta e outro
sucesso.
Dezembro de 1945 – Último ano no Seminário de Rio Negro, rumo ao noviciado em Rodeio.
O NOVICIADO
Aos 25 de dezembro de 1945 partiu de Rio Negro a turma do
Gabriel, rumo ao noviciado de Rodeio. Eram ao todo 10 candidatos à
ordem, contando junto o Jarbas Maceno, depois frei Crisólgo Maceno,
que fora sacristão do capelão militar na FEB, capitão frei Alfredo
Setaro, OFM. Estes noviços foram introduzidos na vida religiosa pelo
padre mestre frei Hugolino Becker e pelo vice-mestre Frei Faustino
Wessolly. O Gabriel recebeu na vestição o nome de Frei Lucínio. Mais
tarde retornou ao nome de batismo frei Gabriel
FILOSOFIA E TEOLOGIA
Frei Gabriel cursou 2 anos de Filosofia em Curitiba e, como ele
deixou anotado, pensava naquela época em ficar irmão leigo. Seu
Celso Wzorek Páá giná 16
padre mestre foi Frei Januário Bauer, que também lecionava hebraico
e pedagogia. No primeiro ano a turma dele foi a única em Curitiba,
devido ao acréscimo do sétimo ano em Rio Negro.
Foi assim que Frei Simão descreveu seu colega de curso, e devo
dizer que foi muito feliz nesta caracterização, pois Frei Gabriel foi tudo
isso. Tinha personalidade e assim continuou sempre ligado aos outros
esses belos traços da juventude manteve-os vida a fora, mesmo mais
tarde como clérigo e durante os longos anos de magistério. Havia na
fala dele e no seu modo de se apresentar, algo de “papudo”, de
espalhafatoso e exagerado, que provocava os outros a mexerem com
ele. Dessa maneira, frequentes vezes, na sala de recreio e em outros
lugares, ele se tornava centro de conversa e da gozação de todos. A
cada provocação assumia uma atitude teatral de autodefesa, de
valentia e superioridade, mas tudo não passava de uma encenação
que divertia o máximo a turma e não feria e não magoava ninguém.
O MATEMÁTICO
Referindo-se as tantas qualidades de Frei Gabriel, ficaríamos em
falta se não mencionássemos a sua inteligência, que foi muito acima
da média; em matemática, então foi brilhante. Era o matemático da
DOENÇA E MORTE
Celso Wzorek Páá giná 33
Frei Gabriel esteve sempre com boa saúde ou pelo menos
nunca esteve gravemente doente. Quando teólogo em Petrópolis foi
operado de apendicite. Mais tarde teve que se submeter a uma
operação de varizes na perna, cujos incômodos o acompanharam pelo
resto da vida.
Foi pelo mês de outubro de 1979 que ele começou a sentir algo
de estranho nas pernas, as quais se lhe afiguravam mais pesadas do
que antes, pelo que chegou a comentar: “Sou como um gigante com
pernas de barro”. Ou então: “Estou com as pernas bichadas”.
O SEPULTAMENTO
Consultada pelo Pe. Provincial, a comunidade de Agudos insistiu
em que Frei Gabriel fosse sepultado no seminário de Agudos, onde
por tantos anos trabalhou. Antes que o corpo saísse de São Paulo,
Sua Eminência o Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns fez com os
confrades a recomendação do corpo, realçando na alocução a
simplicidade, a alegria e a bondade do confrade falecido. Às 10 horas
da noite o corpo chegou ao seminário, onde foi velado durante a noite
toda, nas dependências da portaria. Às 9 horas da manhã houve
solene missa, concelebrada por 15 padres, entre os quais figurava
sua Exia Dom Cândido Padim, OSB, MD Bispo Diocesano de Bauru.
A missa foi presidida pelo Pe. Provincial, Frei Basílio Prim, que
falou no sermão, da despedida e de novo nascimento. A seguir, às 10
horas do dia 31 de Janeiro de 1980, fez-se o sepultamento de Frei
Gabriel, com a presença de 5 sobrinhos dele, além de muitos amigos,
vindos de Agudos e Bauru. Após baixar o caixão na cova, usaram a
palavra Frei Basílio, Dom Candido Padim, Frei Walter Hugo e o Pe.
Almir, a quem por 15 anos Frei Gabriel ajudou na paróquia de São
Benedito. Nos últimos tempos Frei Gabriel falava seguidamente que
iria morrer cedo. Dizia então ”seja quando Deus quiser, onde Deus
quiser, e como Deus quiser!” E Deus quis assim!
*15/12/1924
†30/01/1981
1
Grilagem é o termo usado para o ato de falsificar documentos para ilegalmente se
apropriar de terras devolutas ou de terceiros.
Celso Wzorek Páá giná 39
diziam estar enriquecendo os moradores de toda a região do planalto
norte catarinense e sul do Paraná, especialmente no município de
Canoinhas. Além disto, as terras tinham um preço mais acessível. O
preço acessível tinha como principal fator o fato de que o comprador
adquiria a terra, porém, toda a madeira de lei existente continuava
sendo propriedade da Southern Brazil Lumber & Colonization
Company; o comprador tinha sua ingenuidade explorada e nunca era
devidamente esclarecido deste detalhe. A madeira de lei (pinheiros,
imbuias e carvalhos seculares) era a verdadeira riqueza das terras
locais.
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A Lumber não possuía este contrato. Ela comprou as empresas que o detinham.
Isto deixou muitas dúvidas sobre o direito dela explorar e vender tais terras, pois o
contrato falava apenas em terras devolutas e existiam muitas famílias de
agricultores vivendo na região. Estas famílias foram expulsas de suas propriedades
gerando um grande problema social que foi a verdadeira grande causa da Guerra
do Contestado, embora o problema de limites entre Paraná e Santa Catarina seja
citado como motivo da Guerra do Contestado.
Celso Wzorek Páá giná 41
grande quantidade de madeira eram chamadas de ‘caíva’, palavra de
origem indígena que significa terra imprópria para o cultivo. Estas
terras chamadas de ‘caíva’ tinham uso comum das famílias polonesas
da região embora tivessem seus proprietários definido. Nelas eram
criados porcos e gado em pequena escala visando o consumo próprio
e não a venda comercial. À medida que um pedaço de terra passava
a ser agricultável, após à extração da madeira pela Lumber, o
proprietário o cercava para cultivá-lo de forma que os animais
criados pelos demais vizinhos não prejudicassem a lavoura. Os
colonos só podiam cultivar tais terras depois que a Lumber extraísse
a madeira nela existente. Isto não acontecia só por força de contrato,
mas pela impossibilidade de cultivo de terras cobertas de florestas
centenária com imbuias e pinheiros de enorme diâmetro. A
quantidade de pinheiros, imbuias, carvalhos e outras árvores
centenárias era praticamente imensurável. Esta madeira possuia
altíssimo valor, verdadeiro tesouro, que na prática foi doado pelo
governo brasileiro aos empresários americanos através do
conglomerado de empresas da Lumber conhecida na época conhecido
como o “Sindicato Farquar” ou “Trust”. Cito o termo ‘doou’ pelo fato
de que o governo brasileiro da época, além de pagar a construção da
ferrovia ao “Sindicato Farquar” deixou o “Sindicato Farquar” com o
direito de explorar a ferrovia, ficando ainda o mesmo como legítimo
proprietário das terras numa extensão de 30 quilômetros ao longo da
ferrovia(15km de cada lado). A justificativa para este contrato era que
o “Sindicato” promoveria a colonização da região através da venda
das terras aos colonizadores, sem que o governo brasileiro precisasse
investir nesta colonização.
http://www.pmc.sc.gov.br/conteudo/?item=16772&fa=2445
última consulta em 24/01/2014.
http://www.histedbr.fae.unicamp.br/revista/revis/revis16/img1_1
6.pdf última consulta em 24/12/2014.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/geosul/article/viewFile/13359
/12284 última consulta em 27/01/2014