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HISTÓÓ RICÓ DÓ RIÓ DA AREIA DE BAIXÓ-CANÓINHAS-SC

BIÓGRAFIA DE FREI GABRIEL


O PRESENTE TRABALHO APRESENTA A BIOGRAFIA DE FREI GABRIEL WZOREK E UM BREVE
HISTÓRICO DA COMUNIDADE DE RIO DA AREIA DE BAIXO, TAMBÉM CONHECIDA COMO RIO DA
AREIA DE SANTO ANTÔNIO, LOCALIZADA NO INTERIOR DO MUNICÍPIO DE CANOINHAS, NORTE
DE SANTA CATARINA NO KM 259 DA BR 280, ANTIGA SC 280..

Celso Wzorek

BIOGRAFIA DE FREI GABRIEL WZOREK, OFM

Celso Wzorek Páá giná 0


Foto de 1952

Foto de 1958

Celso Wzorek Páá giná 1


INTRODUÇÃO

No intuito de descobrir um pouco da história da colonização


polonesa no interior de Canoinhas, em especial na comunidade de Rio
da Areia de Baixo, também conhecida como Rio da Areia de Santo
Antônio, estava relendo antigos artigos escritos por João Wzorek, para
jornais de Canoinhas na esperança de encontrar registros sobre as
primeiras famílias de colonizadores a se estabelecer na região. João
Wzorek (irmão de Frei Gabriel) foi professor da localidade por muitos
anos e escrevia com muita frequência para os jornais da região,
escrevendo também artigos para o jornal polonês Lud de Curitiba.

Um destes artigos citava a biografia de Frei Gabriel. Esta


biografia é uma história muito interessante principalmente porque
mostra fatos sobre a vida das primeiras famílias polonesas que se
estabeleceram na região. Se já é grande a dificuldade de se conseguir
dados seguros sobre a imigração polonesa em Santa Catarina,
encontrar dados específicos sobre uma pequena comunidade rural no
interior de Canoinhas é praticamente impossível. A biografia em
questão possui vários dados sobre o Rio da Areia de Baixo e relata um
pouco do modo de vida dos primeiros poloneses que lá chegaram.
Considero o texto de Frei Gabriel confiável como dado histórico para a
comunidade de Rio da Areia de Baixo por ser um relato de quem
viveu a época em questão, embora ele mesmo tenha dito que “iria
romancear certas partes”.

Frei Gabriel iniciou sua biografia, porém, não conseguiu


completá-la. Faleceu aos 55 anos, provavelmente vítima de neurite e
outras complicações relativas a esta doença, descrita no capítulo
“DOENÇA E MORTE”, por Frei Gregório Jhonscher, que completou a
biografia, preenchendo desta forma, parte do vazio deixado pela
morte prematura de Frei Gabriel.

De posse desta biografia manuscrita, fotos antigas da família e


depoimentos de pessoas que conviveram com Frei Gabriel, pessoas
que participaram inclusive da primeira missa realizada na igreja de
Rio da Areia de Baixo em 1952, julguei por bem enriquecer o texto
com estes dados e deixá-lo disponível na internet para que possa ser
acessado por mais pessoas, em especial por aquelas que tiveram a
felicidade de conviver com a alegria de Frei Gabriel, que adorava
passar suas férias na localidade de Rio da Areia de Baixo,
enriquecendo a comunidade com seu saber, sua alegria e sua

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religiosidade otimista. Chamo de religiosidade otimista a religiosidade
de Frei Gabriel porque ele sempre nos ensinou que o paraíso começa
aqui no lugar em que vivemos agora. Os que conviveram com Frei
Gabriel sabem que a sua companhia trazia felicidade e bem estar.
Estar com ele era como estar num pedacinho do paraíso, mas, o
próprio Frei Gabriel sempre nos alertava: fiquem atentos e
conscientes para a vida presente, pois o futuro nada mais é que o
espelho do presente.

Tomei a liberdade de anexar um capítulo sobre a primeira missa


de Frei Gabriel, festa esta realizada na comunidade de Rio da Areia de
Baixo, incluindo fotos do evento. Ao final do texto acrescentei uma
segunda parte que é um breve resumo da história da comunidade de
Rio da Areia de Baixo, obtido através de pesquisas, de manuscritos,
artigos e relatos de amigos e parentes que vivem atualmente na
comunidade e outros que lá viveram e foram em busca de novas
oportunidades, principalmente em Curitiba, numa espécie de retorno
às origens, pois quase que a totalidade das famílias polonesas que
vivem no local migrou da região de Curitiba. O Paraná foi o local
preferido pelos imigrantes poloneses na década de 1860, em especial
a região de Curitiba, devido ao clima mais frio, o que facilitava a
adaptação dos poloneses acostumados com o rigor do inverno
polonês. Dentre estes relatos, além dos artigos do Professor João
Wzorek, destaco um manuscrito de Henrique Zella, manuscrito este
que deixou preciosas informações sobre as diversas famílias que se
instalaram na localidade formando a comunidade de Santo Antônio do
Rio da Areia, oficialmente conhecida como Rio da Areia de Baixo.

O relato a seguir é de Frei Gregório. Nele inseri fotos e um


capítulo sobre a primeira missa de Frei Gabriel:

Já faz alguns anos que os secretários da província me pedem o


necrológio de vários frades, que jazem em nosso cemitério de
Agudos. Acontece que com todos eles tenho convivido por
alguns anos neste seminário, o que certamente me dá condições de
escrever algo sobre os mesmos, mas neste algo, nem de longe
formaria o necrológio mais ou menos completo. Não saberia dizer
nada sobre a infância, juventude e entrada na ordem, enfim sobre
quase toda a vida deles, com exceção dos poucos anos que aqui
viveram. Por outro lado poderia consultar colegas de curso ou outros
confrades e pessoas que os conheciam bem. Mas isto faria
necessário escrever muitas cartas, que nem sempre são respondidas,

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ou então fazer viagens para entrevistas pessoais. Todos percebem
quanto trabalho isto daria, trabalho que só poderia fazer em âmbito
de província quem estivesse especialmente liberado para tanto.
Procurando resolver este problema, cheguei ao seguinte raciocínio:
mais fácil do que fazer tais pesquisas depois da morte é colher dados
biográficos ainda em vida de cada confrade. Ninguém melhor do que
ele saberá informar sobre o seu passado, embora estes informes
possam em parte apresentar aspectos de unilateralidade e distorção,
visto ninguém ser bom juiz quando julga sua própria causa.

Elaborei, portanto, uma lista de perguntas que poderiam servir de


base para uma entrevista. Quem assim o preferisse, poderia ele
mesmo lançar por escrito sua vida, o que alguns fizeram. Confrades
mais velhos e menos habilitados em escrever, seriam entrevistados.
Comecei, então o meu trabalho pelos mais idosos, pois, como se diz:
os novos podem morrer, mas os velhos devem-no.

Topei de imediato com uma dificuldade. Todo aquele a que ia


entrevistar perguntava sobressaltado: “você já conta com a minha
morte próxima? Que garantia você me dá de viver mais tempo do que
eu para depois escrever meu necrológio”? Custou-me, por vezes,
fazer o confrade compreender o meu plano que é: colher dados sobre
a vida de cada um das fontes mais seguras, para depois fazer duas
cópias, uma a ficar comigo ou em nosso convento e a outra para ser
juntada aos documentos do entrevistado na secretaria da província.

Com este mesmo propósito, dirigi-me há cerca de dois anos ou menos


até a cela do caríssimo confrade, agora já falecido, Frei Gabriel
Wzorek. A reação foi a que se podia esperar, mas, logo mais ele
compreendeu, concordou e prontificou-se a escrever, dizendo mesmo
que iria romancear certas partes. Nunca tinha imaginado que tão em
breve iria fazer uso deste escrito. Eis como ele começa:

“Não sei por que frei Gregório pediu que eu escrevesse os principais lances da minha
vida. ”Não sei, mas acho que é para ter dados quando eu bater as botas”. Acontece
que frades passam daqui para o além e deles nada se sabe, apenas os dados
registrados nos catálogos da província. O que é pouco.

E há vidas edificantes, de virtudes sutis e desconhecidas. Existem fatos e


acontecimentos que, se não são sinais de perfeição e acabamento na vida religiosa,
mostram pelo menos o esforço a boa vontade do frade e a grande misericórdia de
Deus. Se os fatos não edificam totalmente, dão ao menos coragem a quem os vem a
conhecer. “Mostram a luta, a tenacidade por um objetivo”.

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Foi esta a bela introdução–justificativa que Frei Gabriel Wzorek nos
deixou para a sua autobiografia Infelizmente não chegou longe em
suas anotações, porquanto, rápida veio a doença e mais rápida ainda
a morte Vou, pois, transcrever “ipsis lipsis” o que ele nos deixou sobre
seu :

NASCIMENTO, INFÂNCIA E JUVENTUDE


“Até hoje se discute onde eu nasci. Se foi em Formigueiros ou Rio Verde,
ambos no município Paranaense de Campo Largo, a uns 15 km da cidade. Acontece
que esta discussão não leva a nada, pois Formigueiros e Rio Verde são dois nomes
para um mesmo lugar. Formigueiros é cortado pelo riacho Rio Verde, daí a confusão,
agora desfeita. Foi no dia 15 de setembro de 1924 que nasci, o último , o caçula de
11 filhos, 6 homens e 5 mulheres: Estefânia, Vicente, Francisco, Balbina, Verônica,
João, Vitória ,Leonora, Félix , Miguel e Gabriel (eu mesmo ).

Contam que na hora do batismo, na igreja Nossa Senhora das Dores de


Campo Largo ainda saiu discussão. Não sei quem queria que eu me chamasse
Sebastião. Não deu certo porque mamãe falou “tranchant”, vai chamar-se Gabriel. E
assim o Padre Ladislau Kula me batizou. Mais tarde, já frade filósofo em Curitiba
encontrei esse padre e disse-lhe que foi ele quem me batizou, e ele: ”Seja um bom
frade”. Procurei sê-lo, mas não sei se consegui satisfazer os desejos dele. Mais tarde
ele foi para Londrina dar aulas no seminário, e, octogenário, faleceu de uma queda
fraturando o crânio. Meu pai se chamava Leonardo Wzorek, mas era sempre
chamado Leon Parece que era carioca, pois nasceu no desembarque do navio que
trouxe meus avôs da Europa. Mais tarde esses imigrantes foram ao Paraná, por
causa do clima mais suave e não tão quente. Minha mãe chegou da Europa com três
meses. Nasceu no mar, é uma Atlântida. Seu nome era Mariana, mas todos a
chamavam de Maria Wszolek (Fchouek), que mais tarde passou para a corruptela
Solek e Soia. Wzorek é o diminutivo de wzór que significa exemplo, modelo. Wszolek
parece que significa joio ou palha.

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Casa na localidade de Formigueiros (interior de Campo Largo, PR) onde Frei Gabriel
nasceu. Foto de 1938.

MUDANÇA PARA CANOINHAS


Eu devia ter uns quatro anos. Esses anos todos passaram do mesmo modo –
ajudava mamãe em casa, cortando lenha e buscando água no posso. O restante do
tempo quando eu tinha uns dois anos e meio, minha família saiu de Campo Largo
para Ouro Verde que hoje se chama Canoinhas. Não me lembro da viagem que foi
de trem. Meu pai resolveu fazer fortuna em Santa Catarina com a erva-mate, que na
época tinha bom preço. Comprou 30 alqueires de terra e começou a explorar a terra
já em 1926. Mas não deu muita fortuna; o preço do ouro-verde (erva-mate) caiu logo
e caíram suas esperanças de enriquecer. Se ao menos pudesse ter aproveitado a
madeira abundante. Mas não, porque o governo vendeu a madeira a uma
companhia assassina yankee, a Lumber, que devastou toda a região, cortando a
madeira para a exportação e nós ficamos com as nossas mãos e braços para cultivar
a terra e viver dela.

Hoje Canoinhas é uma bela e próspera cidade. Naquela época possuía umas
10 casas. Meu pai comprou um sítio a vinte km da cidade. Era uma bela floresta de
pinheiros, imbuias canelas e cedros. Havia caça abundante e grande, inclusive onça e
anta. Os índios também apareciam de vez em quando. Um dia chegaram em casa
uns 10 deles, perguntando pelo dono anterior daquele sítio. Queriam liquida-lo por
alguma razão. Ele, porém já estava em Pato Branco. A casa em que morávamos,
adquirida junto com o terreno, era de madeira e uma verdadeira fortaleza. As
paredes tinham uns 10 centímetros de espessura, beneficiadas a machado.

Como era caçula, ficava em casa com a mamãe, enquanto os outros iam
trabalhar nas roças. Escolas não havia e professor menos ainda. Então meus pais
resolveram mandar meu mano João estudar em Curitiba e formar-se professor.

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Um ou dois anos depois meu pai construiu uma casa nova e a velha ficou
como depósito de erva-mate. Lembro-me desta mudança para a casa nova, passava
brincando , construindo casas e pontes com tijolinhos e barro, fazendo esculturas de
cascalho a canivete ou faca. O problema era que , quando faltava uma faca , minha
irmã corria à minha oficina e atelier, debaixo do assoalho da casa. E com certeza
achava mais de uma faca. De certo por isso tenho os dedos e as mãos com várias
cicatrizes: os dois indicadores estão meio deformados e o polegar esquerdo com um
belo talho. Fazia também moinhos que punha a funcionar no filete de água que
escorria do poço

A ESCOLA
Antes de entrar no seminário andei na escola que, somando tudo daria um
ano e pouco. Aprendi a ler e escrever com meu irmão João, que abriu uma escola
depois que voltou de Curitiba. Depois que ele foi transferido para Massaranduba, SC,
não houve mais escola estável.Vinha um professor, ficava dois meses e ia embora;
vinha uma professora, ficava outro tanto e ia-se também. Assim provei umas quatro
ou cinco professoras e professores

Houve tempos brilhantes no ano que o João lecionou. Ele formou um coral e
na escola havia até teatros nas festas. Uma noite eu tive uma pecinha para falar,
falei e adormeci debaixo da armação do estrado do palco. Compreenda, eu era
criança, e tinha sono.

Não acreditem que eu também não creio muito. Diziam para me encorajar a
trabalhar na roça que eu era preguiçoso. E para corroborar davam exemplos de
outros garotos da minha idade que trabalhavam duas vezes mais do que eu.
Respondia-lhes: eles não são caçulas. Caçula veio por último, mas é o primeiro nos
benefícios, saibam todos: O que resolveu tudo e ninguém mais me chamou de
vagabundo, foi o seguinte:

Chegou um dia um novo professor que logo apelidamos de “cunara” que


significava galho de pinheiro na nossa gíria. Dizem que era comunista. Por isso não
durou muito. Um dia o povo o mandou embora a ele e tudo que ele tinha. Um mérito
ele tem ao menos. É que me tirou do lombo a pecha de preguiçoso e vagabundo

Houve uma festa na capela. Os homens se reuniram em grupos, tomaram


uma cerveja e conversaram. A conversa caiu sobre a escola, rendimento dos alunos
etc. Alguém perguntou por fulano, outro por sicrano. Nem sempre o professor podia
dizer boas coisas e bonitas.

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Uma hora “saiu-se com esta:” se todos fossem como o Gabriel, aí sim. Antes
da aula ele está sempre com o livro aberto. Não fica devendo lição. Eu pergunto e ele
sabe“.

Meu pai veio da festa animado pela cerveja e por estes dizeres, e disse:” Se
me tivessem dado cem mil réis não teria ficado mais contente. Rapaz, continue
estudando, que vai longe!:” E trouxe presentes para mim: um par de tênis e um pião
com fieira para eu brincar. Quem cresceu naquele dia fui eu. Ninguém mais ousou
perturbar-me com teorias de trabalho na roça. Encontrava sorrisos em vez de mau
olhar.

Minha escola foi isso, antes de entrar no seminário: Quase nada.

CONVÍVIO COM A FAMÍLIA

Os pais, Leonardo e Maria – foto de 20/02/1944

Éramos três os irmãos mais novos. E formávamos um grupo unido, embora um, eu,
seis anos mais novo que o mais velho dos três, e três anos mais novo que o segundo,
não acompanhasse sempre o planejamento das aventuras. Mas, bons como eram,
eles me toleravam. O Félix era o manda-chuva. Ele falava e era isso; às vezes o
Miguel tentava dar um palpite. Eu nunca ia na onda. Sábado ao entardecer íamos

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tomar banho no tanque, depois, feriado a gente ia fumar no mato. Roubava fumo
do pai, pegava palha de milho no paiol e fósforo no maço e a gente ia curtir a
fumaça. Às vezes ficávamos com medo de tirar uma caixinha de fósforo. Podiam
notar. Então a gente apertava a caixinha no sentido da largura e, sem romper o selo,
os fósforos caiam bonitinho na mão. E íamos felizes com fogo e tudo. Um dia meu pai
pegou uma caixinha nova, com selo e tudo, e foi para a roça. Abriu a caixa e não
havia um palito sequer. Xingou os fabricantes e o custo de vida. Que ladrões se
aproveitam até nos fósforos. Mas não teve a ideia de pensar nos três pimpolhos
ladrões. Neste mesmo dia levei café às 9 horas para ele na roça. Estava sentado num
tôco, pálido e tremendo, com o cachimbo cheio, mas apagado. E disse: “corra para
casa e traga fogo, leve o café, não quero café, quero fumar”. E mostrou-me a
caixinha vazia. Fiquei penalizado e jurei daí pra frente deixar ao menos uns cinco
palitos na caixinha.

A vida era, e é, e continua bela. Deus seja louvado: A gente se entendia e


quando se desentendia, era por pouco tempo. Meu irmão Miguel tinha as faces
rosadas. Havia uma menina também com faces rosadas como dois botões de rosa.
Ela se chamava Chica. Daí para o Miguel ser Chica não foi longe. Ficou Chica e não
gostou. Um dia de inverno tínhamos ascendido o fogo no rancho ao lado da casa
para nos aquecermos do frio. O Miguel estava assando batatas no fogo. Abri a porta
e gritei prá dentro: ”Chica asse uma para mim!” Nem tinha terminado o pedido e
levei uma batatada no olho direito, que ele me atirou. Mas a outra batata ele assou
para mim. E logo comemos juntos e tudo esquecido. Foi a maior briga que tivemos

Aos domingos depois do terço e da ladainha na capela, meus manos


pegavam a pistola e a espingarda e íamos caçar inhambus na “Fazendinha” que meu
pai tinha. A fazendinha era uma terra de pinheiros e erva-mate, onde havia caça.
Aos domingos também a garotada se reunia ao redor do tanque para tomar banho.
Hoje daquele tanque nada mais resta, apenas um pequeno riacho.

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A partir da direita: Aleixo (sobrinho), João (irmão e professor), Vicente (irmão), Leonardo (pai), Frei Gabriel, Leonora (irmã),
Estefânia (irmã), Pedro Zella (marido de Estefânia), Felix (irmão). O menino é Gabriel Zorek (sobrinho, filho de Leonora).

O CONTATO COM OS PADRES


Recebíamos visitas dos padres três ou quatro vezes por ano. O padre vinha
com o sacristão, no lombo do burro. Ficava dois ou três dias em cada capela. O
primeiro frade que conheci foi frei André Malinski. Dele tenho uma vaga recordação.
Um dia chegamos os três antes da missa na capela. Era inverno, Frei André tinha
feito fogo fora da capela e estava se aquecendo. Chegamos lá com receio. Ele,
muito simples, puxou conversa conosco e perdemos o receio. Achamos o homem
muito legal. Depois dele veio o Frei Bonifácio Matinow. Esse era enérgico. Pisava
firme com o pé no púlpito e o púlpito estremecia. Isso ainda com perna doente, pois,
sofria de erisipela. Imaginem o que seria com pernas sadias!

Depois dele veio frei Fabiano Gazdzicki, padre novo, saído de Petrópolis.
Homem muito social, compreensivo, amigo de todos, dos grandes e pequenos. Logo
conquistou todos com sua afabilidade e boas maneiras. Ficou muitos anos lá em
Canoinhas e quando saiu deixou saudades e lágrimas. Padre bom como esse, nunca
mais teremos , diziam. E parece que foi assim mesmo.

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A VOCAÇÃO
É possível que algum deles tenha tido alguma influencia remota sobre minha
vocação e minha entrada no seminário. Nenhum deles falou alguma vez sobre
vocação religiosa e sacerdotal. Ao menos que eu me lembro.

A ideia de me tornar padre veio assim: num belo dia, sem procurar. Não sei
se já sabia ler. Só sei que me caiu nas mãos um velho almanaque com muitas
figuras. Folhando e olhando, passei figura por figura. Uma delas me impressionou.
Representava um frade deitado no chão com capuz na cabeça e um árabe de
turbante ajoelhado sobre ele com punhal apontado para o peito. Perguntei a mamãe
o que aquilo significava e ela me disse: ”Esse padre no chão é um mártir, vai morrer
por sua fé por Cristo” Vai direitinho ao céu. “E sem pensar nada eu disse: ”Assim
quero ser também, morrer por Cristo”. Quem é Cristo e o que é morrer, eu não sabia.
Mas falei como criança. Passou algum tempo. Segunda feira era dia de lavar roupa.
Minha irmã ajuntou a roupa para lavar numa grande trouxa que colocou ao lado do
tanque, minha mãe sentada no degrau da porta, descascava batatinha para o
almoço. Eu andando de um lado para outro, procurando travessura. Cheguei perto
do tanque de roupa e deu-me uma brilhante ideia de vestir um vestido da minha

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irmã. Fiz rápido enquanto ela estava virada para outro lado. Pus o vestido e disse :
“Olhem aí o Padre “.

Ela saiu correndo atrás de mim, gritando ”Larga disso“! Corri para me
recolher no colo da mãe: ”Mamãe protege teu padre, que os hereges quem matá-lo!”

Minha mãe riu e mandou devolver o vestido. A paz entre minha irmã e eu
reinou.

Meu irmão João estudava em Curitiba. Numa carta ele escreveu que vinha
de férias, no fim do ano e me levaria para Curitiba para eu estudar. Escreveu ele;
“Pode ser engenheiro, advogado ou eu sei lá”. Gostei da carta e da ideia. Um dia
estava ao lado do fogão e a minha mãe mexendo nas panelas. Ataquei o assunto e
falei: “Mamãe, acho que não vou ser mais padre. Vou com o João para Curitiba
estudar para engenheiro ou advogado. Minha mãe parou de mexer, olhou-me e
disse: ”Você nem parece homem. Hoje quer isso amanhã aquilo. Desse jeito não vai
dar nada de você”! Indignei-me com essa fala e, intrigado, disse , batendo com o
punho no fogão:

“Vai ver como eu vou ser padre”! E fui-me embora.

Correram meses, talvez anos. Não tenho ideia de quantos anos eu tinha
nessa ocasião. A ideia de ir ao seminário ficou firme e um dia meu pai falou com frei
Fabiano. “Se o menino tem vontade de ir, que vá”! disse ele.“Que arrume o enxoval e
eu o levo ao seminário de Rio Negro, no Paraná”.

E tudo pronto, embarcamos no trem em Canoinhas, rumo a Rio Negro. Em


Marcílio Dias, um copo de nó- de- pinho - cerveja de fabricação canoinhense, amarga
como fel e preta como carvão. Não tomei o copo que me ofereceu- ele tomou com
muito gosto.

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NO SEMINÁRIO

Chegamos no seminário pelas 2:30 horas da tarde, no dia 5 de fevereiro de


1937. Já havia visto uma casa tão grande na cidade, mas não como aquela: Fiquei
opresso diante do que vi. Entramos. Quem nos recebeu foi Frei Cipriano Chardon, que
era um dos três orientadores (prefeitos). Fui apresentado e a minha linguagem deve
tê-lo impressionado, pois perguntou se em casa nós falávamos Francês. Eu disse que
não, que falávamos uma língua própria nossa: português e polonês com algumas
palavras em alemão. Tudo declinado pelos sete casos do polonês. Pois que o locativo
ainda existe naquela língua complicada. Naquele momento os meninos estavam
saindo do café da tarde. O corredor estava cheio de rapaziada. Nunca vi tanta gente
de uma só vez, nem mesmo nas festas que havia lá nas capelas de Santo Antonio do
Rio De Areia.

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Foi tudo rápido. Frei Cipriano chamou um tal de Ilmo Buss e Mario Mayer ,
ambos de Canoinhas, que eu conhecia. Um levou minha malinha, e o outro a mim e
fomos subindo a escada. Achei um armário onde guardei os meus poucos bens. O
Mario Mayer foi legal, acompanhou-me em todos os lugares, mostrando e
explicando como era a vida aí dentro. Não senti saudades ainda porque a novidade
de tudo era ainda maior que a lembrança do pai, da mãe, dos irmãos e irmãs que
deixei a 76 km atrás.

De tarde frei Alexandre Wiesmann chamou-me e perguntou que estudos eu


tinha. Eu tinha um ano de escola do mato. Mandou copiar um trecho de um livro.
Minha letra era legível e bonita, mais que hoje. Hoje o braço está cansado, e já não
escreve tão bonito. Ele olhou e disse: “Vá até a sétima classe no fundo do corredor”.
Era o primeiro ano do primário. Fui entrei na sala cheia de molecada. Um maiorzinho
veio me receber e indicou-me um lugar.

Era tudo tão gozado e esquisito. Entrou um frei professor para a aula. Mais
engraçado ainda, um padre dando aula. E assim foi: na aula eu não sabia o que
fazer. Ficava sentado ouvindo, Chegou frei Canísio Eberhardt com história do Brasil.
Ele ditava e mandou escrever o dia do fico, numa página de caderno. E disse: ”vocês
vão aprender isso para a aula que vem”. No estudo não sabia o que fazer. Ficava
sentado olhando os outros. Enjoei disso. Abri o caderno de fico e li; li e decorei mais
ou menos. Na outra aula frei Canísio falou: ”Tomem papel e escrevam o dia do fico.
Peguei o lápis e escrevi, e tirei nota 10.

Fiz a ligação: garoto, estudar é isso! Aprender de cor o que se ouve na aula. E
aí foi o meu sucesso! Sempre me defendi em tudo, pois, descobri o que é estudar.

Outra coisa: um dia frei Juliano Stepham, que dava português, perguntou a
um aluno o presente do verbo ser: eu sou, tu és ele é. E ele sabia; achei isso tão
bonito que disse comigo: ”vou aprender isso também”. Outra descoberta e outro
sucesso.

Foi até aqui que funcionou a mão já trêmula de Frei Gabriel


Wzorek, minada pela miastenia. Ficamos desta sorte, privados da
segunda parte de uma bela biografia. Tentaremos, no entanto,
completar da melhor maneira possível , o que falta , baseando-nos
em algumas anotações que ele mesmo deixou e ainda que o Frei
Simão Voigt, frei Fernando Jansem e Frei Galdino Zella dele
escreveram, além daquilo que sobre ele ficamos sabendo
através da convivência pessoal .

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AINDA NO SEMINÁRIO

Dezembro de 1945 – Último ano no Seminário de Rio Negro, rumo ao noviciado em Rodeio.

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Gabriel passou 9 anos, de 1937 a 1945, no seminário Seráfico
São Luiz de Tolosa, em Rio Negro, no Paraná. Cursou dois anos de
primário, 4 anos de ginásio e 3 anos de colégio. No segundo ano
primário, a turma dele constava de 35 alunos. No primeiro ginasial ela
ficou reduzida a 30 alunos, dos quais 19 foram reprovados e apenas
11 passaram de ano, entre eles o Gabriel, é que o latim, tão temido
vitimava muita gente no segundo e terceiro ginasial a turma contava 16
elementos. Foi naquela época que se introduziu mais um ano de estudos em
Rio Negro, o assim chamado sétimo ano, ou seja, terceira colegial. A
turma do Gabriel foi a primeira a experimentar esta inovação e por
isso fizeram o noviciado não em 1945, e sim em 1946. Nesse último
ano de seminário a turma foi enriquecida por um novo colega, na
pessoa de Zacarias Machado, vindo de São Paulo e que se entrosou
muito bem na classe.

O NOVICIADO
Aos 25 de dezembro de 1945 partiu de Rio Negro a turma do
Gabriel, rumo ao noviciado de Rodeio. Eram ao todo 10 candidatos à
ordem, contando junto o Jarbas Maceno, depois frei Crisólgo Maceno,
que fora sacristão do capelão militar na FEB, capitão frei Alfredo
Setaro, OFM. Estes noviços foram introduzidos na vida religiosa pelo
padre mestre frei Hugolino Becker e pelo vice-mestre Frei Faustino
Wessolly. O Gabriel recebeu na vestição o nome de Frei Lucínio. Mais
tarde retornou ao nome de batismo frei Gabriel

FILOSOFIA E TEOLOGIA
Frei Gabriel cursou 2 anos de Filosofia em Curitiba e, como ele
deixou anotado, pensava naquela época em ficar irmão leigo. Seu
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padre mestre foi Frei Januário Bauer, que também lecionava hebraico
e pedagogia. No primeiro ano a turma dele foi a única em Curitiba,
devido ao acréscimo do sétimo ano em Rio Negro.

Já em principio de 1949, Frei Gabriel acha-se em Petrópolis, RJ,


onde passou cinco anos a Sagrada Teologia. Emitiu os votos de
profissão solene a oito de Janeiro de 1950. Foi ordenado sacerdote a
25 de Julho de 1952, por Dom Manuel Pedro da Cunha Cintra, bispo de
Petrópolis, na igreja Sagrado Coração de Jesus. Celebrou Primícias em
Rio de Areia de Baixo, interior de Canoinhas, SC, localidade onde
residia sua família, a tres de agosto de 1952. Houve missa campal,
mas durante a mesma, todos tiveram que refugiar-se na capela
devido a forte chuva que começou a cair Frei Gabriel inclusive ficou
engripado e com febre.

PRIMEIRA MISSA FESTIVA

A primeira missa festiva de Frei Gabriel foi realizada na


comunidade de Rio da Areia de Baixo, local onde vivia sua família, no
dia 3 de agosto de 1952. Foi um grande evento, não só para a
comunidade, mas para todas as comunidades vizinhas. Foi organizada
uma grande festa na capela local. As comunidades vizinhas reuniram-
se na capela esperando a comunidade local e os familiares de Frei
Gabriel que saíram em procissão da casa da família que distava
aproximadamente dois quilômetros da capela. Todo o evento foi
documentado com fotos.

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Algumas pessoas chegaram a se assustar com os flashes das
máquinas fotográficas dentro da pequena igreja, algo conhecido por
poucas pessoas da comunidade no ano de 1952. Ao pipocar dos
primeiros falshes, algumas pessoas contaram depois da missa, que as
luzes causaram a impressão de que um milagre estava acontecendo
na pequena capela de Santo Antônio do Rio da Areia. A solenidade
iniciou-se com missa campal, em um altar enfeitado e armado no alto
da pequena escadaria que dava acesso a capela. No entanto, uma
forte pancada de chuva obrigou a continuidade da cerimônia no
interior da capela.

Celso Wzorek Páá giná 18


A procissão parte da casa da família rumo à capela da comunidade.

À frente dos padres caminha Leonardo Wzorek, o pai de frei Gabriel.

A procissão caminha rumo à capela.

A procissão chega na capela da comunidade

Celso Wzorek Páá giná 19


A igreja da comunidade enfeitada com o povo esperando a chegada da procissão.

Celso Wzorek Páá giná 20


Com o altar montado em frente à capela teve início a missa campal.

Uma forte pancada de chuva obrigou a continuidade da cerimônia no interior da capela.

Celso Wzorek Páá giná 21


TRANSFERÊNCIAS
A primeira transferência levou frei Gabriel em 1954 ao
Seminário Frei Galvão de Guratinguetá, onde ficou por um ano.
Passou depois dois anos no seminário Santo Antonio de Agudos.
Deu-se aí um episódio interessante Sabíamos que o Pe provincial
estava precisando um professor para o nosso colégio de Garnstock,
na Bélgica. À mesa do café foi abordado o assunto, e como
costumávamos mexer muito com Frei Gabriel, acabamos propondo o
nome dele. Não sei como foi, mas esta conversa extravasou
chegando aos ouvidos do Pe. Provincial e realmente Frei Gabriel foi
escalado para Garnstock em 1957. Permaneceu naquele colégio até
1960, na qualidade de professor. Não gostou muito de lá por causa do
frio muito intenso. Retransferido para Agudos continuou aqui até o fim
da vida. Em 1965 foi eleito guardião do convento de Agudos, cargo,
que a meu ver exerceu a contento de todos. Ele mesmo, porém,
abominava o guardianato, dizendo que tinha graves razões para isso.
Expos seus motivos ao Pe. Visitador, que no próximo capítulo aliviou-
lhe os ombros deste peso. Quais tinham sido estas graves razões
nunca ficamos sabendo. Fato é que ficava irritado, quando alguém
falava que ele daria um bom guardião ou que seria candidato para
este cargo.

Frei Gabriel foi excelente professor, dotado de grande


capacidade intelectual e todo devotado ao seu ofício. Dezenas de
padres que foram seus alunos e centenas de seminaristas que
frequentaram suas aulas, exaltavam a sua capacidade de professor,
sempre alegre, comunicativo, expansivo, bondoso e de singular
didática.

Como sacerdote, Frei Gabriel empenhava-se em atividades


pastorais no final de semana, ajudando os vigários das vizinhanças,
sobretudo na paróquia de Vila Falcão, em Bauru. Nas férias pregava
retiros a religiosas, substituía vigários e coadjutores e chegou mesmo
a pregar missões populares por vários meses.

Celso Wzorek Páá giná 22


PERSSONALIDADE DE FREI GABRIEL
Apresento aqui em grande parte o testemunho de frei Simão
Voigth, que foi colega de curso do falecido. Refere-se a este
testemunho na maior parte dos tempos de convivência no seminário
e por isso ocorrem alguns termos que estavam em uso naquela época
e que poderiam parecer menos apropriados num necrológio. Peço a
compreensão dos prezados leitores para isso.

Escreve Frei Simão: ”Frei Gabriel era um homem que participava


de tudo, sem exceções ou dispensas. Participava não apagadamente
e sim fazendo notar sua presença de diversos modos, todos
positivos”.

Era sempre o mesmo no bom sentido da palavra, revelava


sempre o gênio bom, que todos conhecem. Parece nunca ter tido
verdadeira crise vocacional. Foi fiel a si mesmo. Seguir retilineamente
se caminho. Foi sempre o mesmo colega e confrade para todos e de
todos. Parece não ter tido preferência ou ligação mais especial com
alguém dentro da turma ou fora dela. Era sinceramente dado com
todos e ligado a todos. Era pessoal com todo o mundo, tinha ligação
direta com cada um, uma imediates pessoa a pessoa. Abordava a
todos e se deixava abordar por todos, com espontaneidade. Não era
de amizade ou coleguismo superficial. Era capaz de abrir-se mais
profundamente e acolher compreensivamente, quem se abrisse com
ele para assuntos sérios e de responsabilidade. Mostrava equilíbrio e
ponderação em tais ocasiões, revelando que sua capacidade de
brincar e fanfarronar, desafiar e teatralizar, era coisa que alguém que
tinha a “cuca” bem no lugar. Em horas sérias podia-se contar com ele,
era um amigo valioso. Por outro lado foi sempre brincalhão. Rapazola
magricela de seus 15 a 16 anos, pertencente a divisão dos médios ,
não era dos mais angelicamente bem comportados. Sem ser mau
elemento, estava no conceito dos um tanto “arruaceiros“. O Gabriel
era vivaz, brincalhão e brioso entre outras coisas. Alto e magro , tinha
que conviver com uma “turminha da pesada” que mexia com o

Celso Wzorek Páá giná 23


Wzorek a toda a hora , provocando-o nos seus brios, tirando-o do
sério, armando-lhe ciladas e pregando-lhe peças e desafios .E o
Wzorek, bom colega como era, tinha que entrar na dos outros,
fazendo-se de desafiador responder á altura , mesmo nas horas de
silencio ou em momentos de disciplina mais rigorosa. E ele não era
o tipo de engolir provocações ou levar desaforo para casa. Desta
maneira os “adversários” conseguiam o que desejavam, mesmo
porque era tudo entre amigos: acontecia então a “baguncinha”,
acontecia que o Pe prefeito (hoje orientador) pegava o Wzorek
justamente na hora em que devolvia um beliscão , um soco ou
qualquer coisa semelhante. No meio daquela turma “tremenda” o
Wzorek era um deles para tais efeitos, era colega e preferia arriscar-
se a levar um pito, a falhar entre os colegas, decepcionando-os ou
traindo-os. Preferia levar sozinho o castigo a denunciar os colegas ou
defender-se de qualquer jeito. Mordia os beiços e pegava aquela
“fossinha”, mas aguentava. Era ele que levava bronca em público por
algum flagrante de desordem. Teria sido então desordeiro? Sim e Não!
Sim no sentido de que eventualmente era vítima do brio de não levar
desaforo para casa e de ter reagido à altura, com o azar se pego. Não
no sentido que seria injusto qualifica-lo de desordeiro, injusto mesmo.
Ele gostava de estar tranquilo, cuidando dos deveres e levava a sério
a boa ordem das coisas. É com satisfação que a gente se lembra das
horas de apuro daquele Wzorek, pego em travessuras, porque
provocado por outros. E ele nunca levava a mal tais colegas: a
compensação dele estava em que eventualmente acontecesse aos
companheiros a mesma desgraça de serem pegos e ele não. Aí, na
sombra, ria-se e caçoava dos que tinham rido e caçoado dele. Tudo
era na mesma. A turma dos “fuzarqueiros“ entendia-se
perfeitamente. E o Wzorek nem por isso deixava de estar muito bem
com todos os demais. Andava em “más companhias” por força das
circunstancias, subentendendo-se, que tais más companhias eram
coisa muito inocente, questão apenas de vitalidade juvenil.

Nesse contexto é preciso acrescentar, que o Wzorek


casualmente flagrado em desordens, era muito perdoado e até
apreciado pelo prefeito e Vice-prefeito, que lhe davam pitos, os quais
ele aceitava sem revolta. Ele entrava na jogada, fazia-se de
humilhado pecador, que mereceu a reprimenda, mas isto sem excluir
que, dada a chance, ele por um instante endereçasse uma ”banana”
de revide aos colegas malandros, que o tinham levado ao banco dos
réus. Encolhido e murcho na aceitação do pito, ele chispava um olhar
que bem dizia: Amanhã vai ser com vocês e vai ser a minha vez de
rir. E tal “amanhã” vinha mais depressa do que se poderia esperar.

Celso Wzorek Páá giná 24


Algum da turma pego em flagrante que ia para a berlinda, então era o
Wzorek, que lá do seu canto, caçoava furtivamente da pobre vítima.
Mas em tudo isso o Gabriel tinha o sentido dos limites; nunca se
meteu em encrencas que o comprometessem em assunto realmente
grave. E os superiores bem sabiam disso; bem viram que aquilo tudo
era coisa de adolescente vivo e cheio de exuberância. Assim o vice –
prefeito Frei Amando Doetsch (em fala com Frei Gregório Cipriano
Chardong, então prefeiro) era um caso quase escandaloso. Dava
aquelas broncas no Gabriel, quando o pegava em “delito”, mas todo o
mundo sabia que ao dar a bronca, ele fazia quase por fita, pois
mantinha nos olhos um sorrisinho também malandro e de
compreensão, e sabíamos que no fundo ele tinha real estima pelo
Wzorek. Por vezes dava uma hora de silencio ao faltoso, mas logo
depois, uma conversinha acabava reduzindo tudo e diminuindo para a
metade e, enfim perdoando tudo de vez. “Lembro-me – escreve Frei
Simão – que certa ocasião, nem sei mais por que, eu disse ao Gabriel:
‘ Puxa você merece um monumento !’ E ele empolgando-se todo,
bateu o punho fechado no peito e sentenciou solene: ’Eu sou o
monumento de mim mesmo!’. Claro, logo depois de tal tirada teatral,
era ele o primeiro a rir-se desta bobagem. Era este o jeito dele,
sempre o conheci assim, desde jovem até o fim. Sua companhia
fraterna era gostosa. Todos os que o conheceram estimavam-no“.
Outro tópico do frei Simão conta e dos quais inúmeros outros
semelhantes poderíam contar: “Sabendo-se que ele havia morado em
um lugar chamado lagoa suja, perguntei-lhe se ele era ”lagoa sujano”
ou “lagoano sujo”. A tais gozações provocativas ele fingia que estava
furibundo. Enchendo o peito ou botando o dedo em riste, dava aquela
resposta, defendendo sua dignidade. Tudo não passava de um
teatrinho, de uma solenidade artificiosa e brincalhona. Nunca se
ofendia com tais coisas, nunca se mostrava emburrado com alguém,
muito menos guardava uma ponta de rancor ou ressentimento
permanente; levava tudo na brincadeira, sem jamais ofender-se.
Tinha a alma aberta para todos. Frei Gabriel foi sempre positivo na
sua maneira de ser. Parece que jamais criou caso com quem quiser
que fosse, tanto superiores como colegas. Mantinha sua
individualidade própria sem dramatizar coisas que não o merecem.
Parece não ter tido dotes especiais de líder, mas sempre se podia
contar co ele. Caminhou com naturalidade na sua opção vocacional
feita, aceitando conscientemente tudo aquilo que os anos de
formação iam trazendo: horários, estudos, praxes comunitárias, feitio
pessoal dos diversos superiores que vinha tendo. E tudo isso não
porque fosse anódino ou apagado, mas conscientemente e sempre
aceso, de antenas bem ligadas, participante. Embora, voluntarioso,
Celso Wzorek Páá giná 25
nunca foi cabeçudo: era inteligente demais para cair na cabeçudice.
Sempre aberto a aceitar amigavelmente a opinião alheia, e mesmo
para reconhecer que por vezes merecia correção. Enfim aquele gênio
bom.”

Foi assim que Frei Simão descreveu seu colega de curso, e devo
dizer que foi muito feliz nesta caracterização, pois Frei Gabriel foi tudo
isso. Tinha personalidade e assim continuou sempre ligado aos outros
esses belos traços da juventude manteve-os vida a fora, mesmo mais
tarde como clérigo e durante os longos anos de magistério. Havia na
fala dele e no seu modo de se apresentar, algo de “papudo”, de
espalhafatoso e exagerado, que provocava os outros a mexerem com
ele. Dessa maneira, frequentes vezes, na sala de recreio e em outros
lugares, ele se tornava centro de conversa e da gozação de todos. A
cada provocação assumia uma atitude teatral de autodefesa, de
valentia e superioridade, mas tudo não passava de uma encenação
que divertia o máximo a turma e não feria e não magoava ninguém.

Frei Gabriel era homem de fácil conversa e foi até apelidado de


falador. Estabelecia contato e amizade com todo e qualquer tipo de
pessoa que cruzasse seu caminho. Gostava de fumar e certamente
fumava demais.

Apreciava muito um cafezinho e aproveitava qualquer intervalo


de suas atividades para se beneficiar com um deles como lhe corria
sangue polonês nas veias, sabia dar o devido apreço à “irmã
caninha”, sem contudo passar dos limites da conveniência, não
gostava de coisa doces, mas as festas e os recreios que participava,
deviam ser regados com uma boa cerveja gelada. Estes “vícios”
imprimiam-lhe um cunho muito humano, no bom sentido da palavra,
e assim contribuíam para facilitar mais o contato e a comunicação
com os outros. Tornou-se desta maneira uma figura sempre presente
na comunidade e sua presença era alegre e comunicava, uma alegria
fraterna. Continua, por outro lado, Frei Simão: “Ele também tinha
horas que ficava meditativo, quase nostálgico-ensimesmado,
tranquilo com seus pensamentos, enquanto fazia sózinho uma
caminhada à gruta de Nossa Senhora no Rio Negro. Mas não no
sentido que ficasse tristonho e anti-social; isso ele nunca foi . Numa
palavra ele sabia unir os momentos de fogosidade esportiva e
fanfarronice a outros momentos de calma, tranquilo desfruto de um
por de sol e meditava introspecção. Certa vez-conta Frei Simão –
disse-me ele, quando já estávamos nos últimos anos de Rio Negro,
que gostava do domingo, mas por outro lado, á tarde desse dia,
sentia algo nostálgico, como que tristeza, saudoso e meditativo, mas
Celso Wzorek Páá giná 26
não infeliz. Dizia: ‘Domingo à tardinha me bate uma saudade não sei
do que. Fico sentimental!´.

O MATEMÁTICO
Referindo-se as tantas qualidades de Frei Gabriel, ficaríamos em
falta se não mencionássemos a sua inteligência, que foi muito acima
da média; em matemática, então foi brilhante. Era o matemático da

Celso Wzorek Páá giná 27


turma. Isso tornou-o mais tarde em Agudos, uma autoridade
matemática ao lado de Frei Onésimo Dreyer. A matemática não foi
para ele apenas uma matéria de aula que ensinava com gosto e
facilidade, mas tornou-se um verdadeiro hobby. Passava horas e dias
debruçado sobre seus cálculos e sabia degustar plenamente as puras
alegrias de um problema difícil que conseguira resolver. Pôs-se a
calcular inúmeros problemas complexos e lançava-os ao depois,
devidamente ilustrado por gráficos e desenhos geométricos, em
pastas especiais, que aos poucos iam avolumando-se em suas
estantes. Elaborava em cartolina esquemas, gráficos e deduções de
formulas, para ilustrar o assunto em aula. Era hábil também em
fazer cubos e toda a sorte de sólidos geométricos de papelão, para
servir como material didático. Em um diário escrito entre 1945 a
1951 deixou anotado, ao referir-se aos cálculos integrais e
diferenciais: “são um prenúncio do céu, manifestando a sabedoria de
Deus. Também pela matemática posso louvar ao Senhor”. E mais
adiante: “Até hoje em 2 ou 4 lugares senti alegria: ´´Primeiro na
oração, segundo no estudo da matemática, terceiro no céu estrelado,
quarto na flor. Isto: as puras alegrias. Cronológicamente a primeira
foi a matemática “ No fim do diário ele chega a afirmar: “O grande
sol da minha vida foi a matemática”.

Frei Gabriel foi um bom conhecedor da astronomia. Lia muito


sobre o assunto e sabia manejar o telescópio e as lunetas. Após o
jantar dirigia-se frequentes vezes ao seminário e logo estava cercado
por um grupo de alunos aos quais explicava as constelações e outras
curiosidades do céu. Lembra Frei Simão que o Gabriel, apesar do seu
talento e propensão para a Matemática, sempre portou-se de forma
simples e humilde neste terreno. Tinha ele todas as qualidades para
ser designado a uma especialização em matemática, mas ao que
consta, jamais manobrou neste sentido; contentou-se com o Registro
de Matemática obtido num curso de CADES em 1961 e um ano de
Matemática que fez em Aquisgrana, na Alemanha. De resto serviu
como um simples professor. Vejo nisto - diz Frei Simão - aquela
“retilineidade“ simples, muito franciscana e sem mistura que foi estilo
dele em tudo.

Celso Wzorek Páá giná 28


Celso Wzorek Páá giná 29
ESPORTISTA
Outra característica marcante de Frei Gabriel foi sua predileção
pelo esporte. Escreve Frei Simão: “Estou a vê-lo em plena corrida ou
no voo de um pulo, todo suado, atento, disparando uma bola ou
atirando- se com toda a garra e vontade.“ Mesmo quando já professor
aceitava de bom grado o convite para um jogo. É claro que com o
correr dos anos sua agilidade foi aos poucos diminuindo e as varizes
na perna impediam-no de destacar-se nos esporte e depois até de
praticá-los. Tudo o que ele mesmo não conseguia mais realizar,
compensava pelo vivo e apaixonado interesse pelo esporte. Não
perdia facilmente um jogo de futebol na TV. Nos domingos á tarde
era inútil procurar Frei Gabriel em qualquer outro lugar que não fosse
algum campo de jogo no seminário. Fumava aí tranquilamente um
cigarro após o outro, enquanto apreciava o jogo, torcia e animava a
rapaziada . Não suportava o Corinthians, e a razão disso não estava
no time como tal, mas no excessivo entusiasmo do “corinthiano
roxo,” Frei Agostinho Piccolo que acabou enchendo-lhe a paciência.

Apreciava a natação e praticava-a com assiduidade. Durante


certa época dizia-se convicto de que o banho de piscina preservava
de resfriado e constipação. Diante disso não admira que Frei Gabriel
se tivesse tornado um grande amigo dos alunos que muito o
estimavam e admiravam, justamente porque ele mostrava tanto
interesse pelas coisas deles. Foi com muito acerto que duas
olimpíadas internas do seminário, tão bem ideadas e organizadas por
Frei Uli Stiner e equipe, receberam o nome de “ Primeira olimpíada de
Frei Gabriel” e “ Segunda olimpíada Frei Gabriel“. Outro grande hobby
seu, foi a leitura. Gostava de ler, sobre tudo romances de ficção
futurista. Um ex-aluno seu (Dallagnol) que era militar, manda-lhe
regularmente dinheiro para comprar livros franceses, preferivelmente
de ficção. Frei Gabriel comprava os tais livros, lia-os avidamente, para
depois remetê-los ao amigo. É Claro que com isso melhorou cada vez
mais seus, aliás, já muito aprimorados conhecimentos da língua
francesa, de que era professor. A par dessas leituras apreciava
também muitos filmes futuristas ou de bang-bang. Servia-lhe tudo
isso de higiene mental.

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Na piscina do seminário de Agudos

Celso Wzorek Páá giná 31


O RELIGIOSO FRANCISCANO
Já fizemos referencia ao espírito apostólico de Frei Gabriel que o
levava a trabalhar nas paróquias nos fins de semana e nas férias e a
pregar retiros. Quanto a piedade pessoal foi um frade de muita fé.
Fez sérios esforços para cumprir seus deveres religiosos de
franciscano: seus votos, a regra, a missa diária, o ofício divino, a
meditação e as demais práticas da comunidade; e tudo isso com
equilíbrio, naturalidade e autenticidade. Nada de exageros ou
afetação. Escreve Frei Simão: “Ele não era um teorizador, mas um
fazedor. Tinha sua piedade, sua espiritualidade, seu franciscanismo.
Foi fazendo tudo que a caminhada ia trazendo. Viveu sua vida com
simplicidade, autenticidade e fidelidade á vocação que escolheu.
Certamente fez parte dos que seguiram São Francisco em verdade
e merecem a coroa prometida. É digno de inveja e de santa inveja“.

Terminando esta consideração transcrevo os votos de seu


sobrinho Frei Galdino Zella:

“Que a sua vivência de fraternidade nos una!

Que sua alegria e amizade nos contagie!

Que sua piedade de exemplar religioso nos traga a Paz e Bem!”.

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Na Alemanha em 1958

DOENÇA E MORTE
Celso Wzorek Páá giná 33
Frei Gabriel esteve sempre com boa saúde ou pelo menos
nunca esteve gravemente doente. Quando teólogo em Petrópolis foi
operado de apendicite. Mais tarde teve que se submeter a uma
operação de varizes na perna, cujos incômodos o acompanharam pelo
resto da vida.

Foi pelo mês de outubro de 1979 que ele começou a sentir algo
de estranho nas pernas, as quais se lhe afiguravam mais pesadas do
que antes, pelo que chegou a comentar: “Sou como um gigante com
pernas de barro”. Ou então: “Estou com as pernas bichadas”.

Em fins de outubro sofreu a primeira queda no corredor, ao


voltar das aulas. Dias depois caiu uma segunda vez, ao subir a
escada. Viu-se então forçado a usa muletas e evitar escadas por isso
mudou-se do primeiro andar para uma cela do andar térreo. Em
novembro tornou-se necessário transporta-lo em uma cadeira de
rodas para as aulas e outras dependências do convento. Logo ao
sentir os primeiros sintomas da doença, Frei Gabriel consultou o
médico do convento, Dr Manoel Lopes. Este diagnóstico uma
polineurite e lhe prescreveu uma boa dose de vitamina B12, porém
sem resultado qualquer. Diante disso e preocupado com os outros
sintomas que vinham se manifestando, o médico recomendou que ele
procurasse um neurologista em Bauru, o que foi feito sem tardança.
Este iniciou um tratamento de polineurite, mediante vitaminas,
ginásticas e choques elétricos, visando estimular os músculos. Teve
então o confrade doente de ir 3 a 4 vezes por semana a Bauru, a fim
de submeter-se ao tratamento prescrito. Curioso é que não sentia
dores, mas apenas desfalecimento muscular. Aos poucos a respiração
e a deglutição ficaram difíceis e também não conseguia mais
escrever. Por fim a junta de três médicos que dele cuidava, resolveu
interná-lo no hospital de base de Bauru. Correspondia isso
inteiramente aos ardentes desejos de Frei Gabriel, que queria a todo
custo sarar logo para poder pregar a Novena de Natal em Piraí-do-sul
e, como era de seu costume, passar as férias junto aos irmãos e
parentes em Canoinhas e outros lugares.

A doença, todavia, avançava implacavelmente. Os médicos


começaram então a julgar, não em alguma dúvida, que se tratava de
miastenia. No dia 16 de dezembro, ao meio dia, Frei Barnabé Lima,
telefonando do hospital de Bauru, surpreendeu-nos com a notícia
assustadora de que Frei Gabriel estava passando muito mal. Acabava
de sofrer uma parada respiratória O Pe Guardião Frei Valter Hugo de
Almeida e Frei Leo Schmidt dirigiram-se imediatamente ao hospital
.Chegando lá , encontraram o doente na UTI , onde teve uma segunda
Celso Wzorek Páá giná 34
parada respiratória. Frei Walter logo lhe administrou a Unção dos
Enfermos, que ele aceitou prontamente, fazendo o sinal positivo com
o dedo polegar. Para prevenir maiores problemas os médicos fizeram
a operação de traqueotomia e ligaram o aparelho de respiração
artificial, enquanto eles mesmos, já não tinham mais esperanças,
dizendo que só um milagre poderia salvar o doente.

No dia 27 de dezembro Frei Gabriel recebeu a visita de um


irmão seu, acompanhado de duas irmãs, além de um sobrinho e um
primo. Só puderam avistar através dos vidros da UTI, mas o doente
reconheceu-os a todos. No dia seguinte devido a uma melhora, pôde
voltar ao seu quarto no hospital. Frei Gabriel estava lúcido e
consciente, mas apenas conseguia articular com sua voz apagada
algumas palavras devido a traqueotomia. Quando seu sobrinho Frei
Galdino o visitou quis saber pormenorizadamente tudo a respeito de
seus parentes e da visita do dia anterior.

Entrementes havia sido resolvido levar Frei Gabriel a São Paulo


para ali tentar os últimos recursos da medicina. Frei Galdino
encarregou-se de transmitir–lhe esta resolução e dispô-lo
psicologicamente para a viagem. Rolaram lágrimas pela face do
doente, mas ele não se opôs; aceitou tudo com otimismo e
espontaneidade, apesar das noites de insônia por que tinha passado
da angustia que lhe causava a respiração artificial. No dia 30 de
dezembro afinal foi transportado a São Paulo em ambulância
equipada com oxigênio médico e enfermeiro, para qualquer
emergência, quando às 11 horas chegou ao hospital de Santa
Catarina em são Paulo, teve uma nova parada respiratória. Conduzido
as pressas á UTI, foi “ressuscitado” mais uma vez. Permaneceu ali
durante uma semana toda, registrando-se uma melhora que deu
esperança de vê-lo em breve, fora de perigo. Já fazia movimentos e
andava pelo quarto, alimentava-se razoavelmente e respirava sem
problemas, sentia apenas muita fraqueza. No dia 22 chegou mesmo a
escrever uma carta para sua irmã e seu primo na qual dizia
textualmente: “Comigo tudo bem. Na segunda feira saio do hospital e
volto para casa. O médico me falou agora mesmo isto.
Completamente curado! 99,5 % curado“.

De fato dia 26 de janeiro recebeu alta, indo para o nosso


convento do Provincialado. Embora o consolassem com o contrário,
da parte dos médicos não houve mais esperança de salvar-lhe a vida.
No convento foi assistido pelos cofrades, em especial pelo enfermeiro
de Agudos, Frei Geraldo Círio Nogueira. No domingo, dia 27, Frei
Gabriel foi à missa e a noite assistiu o Jornal Nacional na TV. Na terça
Celso Wzorek Páá giná 35
feira à noite os confrades notaram que ele estava delirando um
pouco, mas como não tinha febre e a pressão estava normal,
imaginaram que fosse consequência da fraqueza. Apesar disso
avisaram o médico, que ficou de vir no dia seguinte. No dia 30 de
janeiro de 1980, exatamente um mês depois que chegou de São
Paulo, após ter andado pelos corredores do convento, sentiu-se
perdido. Levaram-no então ao quarto e o Pe provincial ministrou-lhe
mais uma vez a Unção dos Enfermos. Rezando e consciente até ao
fim, Frei Gabriel expirou placidamente, como se adormecesse,
precisamente às 10 e 40 horas da manhã. Contava com apenas 55
anos de idade, com 32 de vida consagrada a Deus e 26 de
sacerdócio. No seu atestado de óbito consta como causa mortis:
Insuficiência respiratória –Broncopneumonia –poliradículo-neurite.

O SEPULTAMENTO
Consultada pelo Pe. Provincial, a comunidade de Agudos insistiu
em que Frei Gabriel fosse sepultado no seminário de Agudos, onde
por tantos anos trabalhou. Antes que o corpo saísse de São Paulo,
Sua Eminência o Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns fez com os
confrades a recomendação do corpo, realçando na alocução a
simplicidade, a alegria e a bondade do confrade falecido. Às 10 horas
da noite o corpo chegou ao seminário, onde foi velado durante a noite
toda, nas dependências da portaria. Às 9 horas da manhã houve
solene missa, concelebrada por 15 padres, entre os quais figurava
sua Exia Dom Cândido Padim, OSB, MD Bispo Diocesano de Bauru.

A missa foi presidida pelo Pe. Provincial, Frei Basílio Prim, que
falou no sermão, da despedida e de novo nascimento. A seguir, às 10
horas do dia 31 de Janeiro de 1980, fez-se o sepultamento de Frei
Gabriel, com a presença de 5 sobrinhos dele, além de muitos amigos,
vindos de Agudos e Bauru. Após baixar o caixão na cova, usaram a
palavra Frei Basílio, Dom Candido Padim, Frei Walter Hugo e o Pe.
Almir, a quem por 15 anos Frei Gabriel ajudou na paróquia de São
Benedito. Nos últimos tempos Frei Gabriel falava seguidamente que
iria morrer cedo. Dizia então ”seja quando Deus quiser, onde Deus
quiser, e como Deus quiser!” E Deus quis assim!

Celso Wzorek Páá giná 36


Descanse em paz!

Frei Gabriel Wzorek

*15/12/1924

†30/01/1981

Celso Wzorek Páá giná 37


SEGUNDA PARTE

RIO DA AREIA DE BAIXO

HISTÓRICO DA COMUNIDADE DE RIO DA AREIA DE BAIXO

Figura 1- Festa e 1º missa de Frei Gabriel Wzorek - 03/08/1952

Celso Wzorek Páá giná 38


Rio da Areia de Baixo é uma comunidade rural no interior de
Canoinhas, SC, situada geograficamente entre as localidades de Rio
Pretinho e Rio dos Pardos. Está localizada às margens da rodovia BR
280 (antiga SC 280 hoje federalizada) km 259, a 25 quilômetros após
Canoinhas para quem viaja no sentido Canoinhas a Porto União. A
comunidade tem como seu padroeiro Santo Antônio, ao qual é
dedicada a capela local, por isso também é conhecida por Rio da
Areia de Santo Antônio.

A região sofreu muito com a Guerra do Contestado, entre 1912


e1916, pois o município de Canoinhas é considerado como um dos
centros desta guerra. As causas da Guerra do Contestado não se
resumiram ao conflito de limites entre Paraná e Santa Catarina. Uma
das principais causas foi o problema social gerado pela grilagem 1 de
terras pelo “Sindicato Farquar”, também conhecido como “Trust”
(conglomerado de empresas do investidor norte americano Percival
Farquar) que assumiu a construção da ferrovia São Paulo Rio Grande
do Sul a partir de 1906, após a compra das empresas que detinham o
contrato com o governo para a construção da ferrovia. O fim da
Guerra do Contestado apenas terminou com o conflito territorial entre
Paraná e Santa Catarina. O problema social não foi resolvido e os
caboclos que participaram dela foram esquecidos. Eram caboclos que
participaram da Guerra do Contestado porque perderam suas terras
para a Lumber (o sindicato Farquar), sem direito a nenhuma
indenização. Os caboclos remanescentes da guerra e que tinham
perdido suas terras, suas famílias e tudo o que possuiam se reuniam
em grupos, chamados jagunços, e perambulavam pela região
trazendo muita insegurança para os colonizadores. Somente por volta
do ano de 1925, nove anos após o término da Guerra do Contestado e
a diminuição dos ‘jagunços’, os colonizadores começaram a sentir
segurança para se instalar nas terras compradas da Lumber na
região. Começaram então a chegar os primeiros pioneiros de origem
polonesa desta comunidade, onde já residiam algumas famílias de
origem portuguesa como as famílias de Francisco Cubas, Antônio
Simplício, Agostinho Machado, Evergistro Nunes e outras, como os
Maias, Ferreiras, Carvalho e Pereira.

As principais famílias de origem polonesa que chegaram à


localidade foram os Wzorek, Zorek, Prussak, Kviatcowski, Rutecki,
Rodjec, Bigas, Loskievicz e Czhimicowski. A maioria destas famílias
veio para a região devido à fama da erva mate, o ouro verde, que

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Grilagem é o termo usado para o ato de falsificar documentos para ilegalmente se
apropriar de terras devolutas ou de terceiros.
Celso Wzorek Páá giná 39
diziam estar enriquecendo os moradores de toda a região do planalto
norte catarinense e sul do Paraná, especialmente no município de
Canoinhas. Além disto, as terras tinham um preço mais acessível. O
preço acessível tinha como principal fator o fato de que o comprador
adquiria a terra, porém, toda a madeira de lei existente continuava
sendo propriedade da Southern Brazil Lumber & Colonization
Company; o comprador tinha sua ingenuidade explorada e nunca era
devidamente esclarecido deste detalhe. A madeira de lei (pinheiros,
imbuias e carvalhos seculares) era a verdadeira riqueza das terras
locais.

Alberto Bigas, um dos colonizadores que chegou à região nesta


época, construiu um moinho de trigo movido com a força da água,
pois energia elétrica ainda não chegava a estes recantos. O moinho
beneficiava trigo para as diversas localidades da região.

A família de Walter Sholze e a família Brey eram as únicas


famílias de origem alemã que se estabeleceram na localidade. Estas
eram as principais famílias da comunidade de Rio da Areia de Baixo.

Na comunidade de Rio dos Pardos destacam-se os Wipiewski e


os Sopzak. Em Valinhos as principais eram: Figura, Domanski,
Vardenski, Maieski e Zella. Em Bonetes destacavam-se os Oleskovicz
e Durau. Em Rio Pretinho as principais famílias, que chegaram à
localidade em 1923, foram Joaquim Pinto de Almeida, João Galicowski
e Sebastião Damas. Mais tarde chegou José Antunes de Lima que
construiu no local o moinho de trigo chamado “Flor De Trigo”.

No Rio da Areia de Baixo o Sr. Czhimicowski dava aulas aos


rapazes de 14 a 18 anos de idade. As aulas eram basicamente leitura
e matemática e eram dadas no idioma polonês.

Havia uma pequena capela no terreno do Sr. Francisco Cubas,


onde a comunidade se reunia para a celebração do culto e a reza do
terço, que era celebrado no idioma polonês, sendo por isso pouco
frequentado pelos “brasiliani”, nome que os poloneses davam aos
moradores de origem portuguesa, os quais todavia frequentavam as
missas que eram celebradas em média a cada três meses.

A comunidade era atendida por Frei Bonifácio, Frei André e Frei


Fabiano. Frei Fabiano fez uma reunião com a comunidade falando da
precariedade da capela que comportava no seu interior nem 10% das
pessoas que compareciam para a missa. Nesta reunião a comunidade
decidiu pela construção de uma nova capela capaz de abrigar a todos
e que fosse mais funcional e em terreno próprio. O terreno foi doado

Celso Wzorek Páá giná 40


pelo Sr. Francisco Zorek e neste terreno foi construída a primeira
escola. Esta escola começou a funcionar um ano antes da construção
da nova capela. O primeiro professor desta escola foi João Wzorek, ao
qual muito esta comunidade deve, pois, dedicou a maior parte da sua
vida na educação das crianças da comunidade. No começo da nova
escola as aulas eram ministradas na parte da manhã em polonês e na
parte da tarde em português.

A fusão dos primeiros poloneses com os portugueses


(chamados de “brasiliani” pelos poloneses) nos cultos dominicais
iniciou-se por volta do ano de 1938.

Em 1945 as aulas passaram a ser ministradas apenas em


português. Consequência do nacionalismo do Estado Novo de Getúlio
Vargas2 (1937 – 1945) que buscava implantar nos filhos de imigrantes
europeus o sentimento de brasilidade. Para isto, coibia o ensino em
língua estrangeira nas escolas da zona rural usando, em algumas
ocasiões, a técnica de transferir professores de comunidades
polonesas para comunidades alemãs e professores de comunidades
alemãs para comunidades polonesas. Com o fim das aulas em
polonês e a integração entre portugueses e poloneses, a língua
polonesa foi aos poucos caindo em desuso; as crianças não mais
aprendiam o polonês e apenas os mais idosos falavam a língua.

Uma das grandes riquezas do local era a madeira. Imbuias e


pinheiros seculares cobriam a região, entretanto os colonizadores
compravam as terras sem ter direito à exploração da madeira. As
terras ao longo da ferrovia Mafra – Porto União foram cedidas pela
união à companhia americana Lumber como parte do pagamento pela
construção da ferrovia3. A Southern Brazil Lumber & Colonization
Company era quem as vendia aos colonizadores. Os colonizadores,
porém, ficavam sem o direito de explorar a madeira que continuava
sendo propriedade da Lumber. Os colonos podiam apenas cultivar a
terra sem usufruir da madeira. As terras não cultiváveis devido à
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Maiores informações sobre o nacionalismo na educação no período do Estado Novo
podem ser vistas no link de “Cadernos de História da Educação” disponível em:
http://www.seer.ufu.br/index.php/che/article/view/3711/2716

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A Lumber não possuía este contrato. Ela comprou as empresas que o detinham.
Isto deixou muitas dúvidas sobre o direito dela explorar e vender tais terras, pois o
contrato falava apenas em terras devolutas e existiam muitas famílias de
agricultores vivendo na região. Estas famílias foram expulsas de suas propriedades
gerando um grande problema social que foi a verdadeira grande causa da Guerra
do Contestado, embora o problema de limites entre Paraná e Santa Catarina seja
citado como motivo da Guerra do Contestado.
Celso Wzorek Páá giná 41
grande quantidade de madeira eram chamadas de ‘caíva’, palavra de
origem indígena que significa terra imprópria para o cultivo. Estas
terras chamadas de ‘caíva’ tinham uso comum das famílias polonesas
da região embora tivessem seus proprietários definido. Nelas eram
criados porcos e gado em pequena escala visando o consumo próprio
e não a venda comercial. À medida que um pedaço de terra passava
a ser agricultável, após à extração da madeira pela Lumber, o
proprietário o cercava para cultivá-lo de forma que os animais
criados pelos demais vizinhos não prejudicassem a lavoura. Os
colonos só podiam cultivar tais terras depois que a Lumber extraísse
a madeira nela existente. Isto não acontecia só por força de contrato,
mas pela impossibilidade de cultivo de terras cobertas de florestas
centenária com imbuias e pinheiros de enorme diâmetro. A
quantidade de pinheiros, imbuias, carvalhos e outras árvores
centenárias era praticamente imensurável. Esta madeira possuia
altíssimo valor, verdadeiro tesouro, que na prática foi doado pelo
governo brasileiro aos empresários americanos através do
conglomerado de empresas da Lumber conhecida na época conhecido
como o “Sindicato Farquar” ou “Trust”. Cito o termo ‘doou’ pelo fato
de que o governo brasileiro da época, além de pagar a construção da
ferrovia ao “Sindicato Farquar” deixou o “Sindicato Farquar” com o
direito de explorar a ferrovia, ficando ainda o mesmo como legítimo
proprietário das terras numa extensão de 30 quilômetros ao longo da
ferrovia(15km de cada lado). A justificativa para este contrato era que
o “Sindicato” promoveria a colonização da região através da venda
das terras aos colonizadores, sem que o governo brasileiro precisasse
investir nesta colonização.

Celso Wzorek Páá giná 42


Bibliografia

http://www.pmc.sc.gov.br/conteudo/?item=16772&fa=2445
última consulta em 24/01/2014.

http://www.histedbr.fae.unicamp.br/revista/revis/revis16/img1_1
6.pdf última consulta em 24/12/2014.

http://www.seer.ufu.br/index.php/che/article/view/3711/2716 ultima consulta em


27/01/2014

https://periodicos.ufsc.br/index.php/geosul/article/viewFile/13359
/12284 última consulta em 27/01/2014

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