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O Brasil, um país sem passado colonialista, está desde longos séculos ligado
à África, continente que forneceu grande parte da sua população. As relações de pessoas
e bens entre os dois continentes foram contudo interrompidas no século XIX,quando
ocorreu uma ruptura de relações históricas entre os dois. É curioso assinalar que o
“primeiro soberano a reconhecer a independência brasileira” foi o Obá Osemwede do
Benin(Silva, 1989:26),além de registrarmos que “missões dos reis do Abomey,de Onin
e de Porto Novo tinham sido freqüentes durante o período colonial, pois era através da
Bahia, do Rio de Janeiro e do Recife que o Governo português mantinha o grosso de
suas relações não apenas com os Estados africanos, mas também com Angola”.(Silva,
1989:26).
O Tratado de Reconhecimento da Independência do Brasil por Portugal,
mediado pela Inglaterra,em 29 de agosto de 1825,que não permitia a adesão das colônias
portuguesas ao Brasil e a Convenção entre o Brasil e a Inglaterra (assinada em 23/11/
1826),que dava aos navios ingleses“o direito de visita aos barcos brasileiros e permitia
o apresamento daqueles que se dedicassem ao tráfico, sendo seus armadores
considerados piratas”(Silva, 1989:30), além de outros textos, como o Bill Aberdeen
de 1845,limitaram a ação brasileira no Atlântico Sul. No artigo 3.° do Tratado de Paz e
Aliança Luso-Brasileiro, lê-se “Sua Magestade Imperial promete não aceitar as
proposições de quaisquer colônias portuguesas para se reunirem ao Império do Brasil”.
A criação de consulados brasileiros em África foi também uma ação penosa.
“Ainda em 1850,Paulino José Soares de Souza, Ministro dos Negócios Estrangeiros,
reclamava contra os obstáculos que o governo português punha à admissão de agentes
consulares do Brasil nos portos de suas possessões ultramarinas abertos ao comércio
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na votação da Resolução n.° i .724. que trata de uma solução negociada que levasse o
povo argelino à autodeterminação e independência e que obteve 62 votos a zero.
O Brasil vota favoravelmente aos textos relativos ao anti-colonialismo. mas
quando se trata de interesses de Portugal e da França é levado, pelo menos, a se abster,
em função das relações especiais com Portugal, consignadas no Tratado de Amizade e
Consulta, assinado em 1953 e complementado por seis acordos regulamentares,
subscritos pelo presidente Juscelino Kubitschek,em 1960. Já a Resolução n." 1.514(XV
Sessão da ONU, 14 de dezembro de 1960), que trata da Declaração de Outorga de
Independência aos Países e Povos Coloniais, obteve o voto favorável do Brasil, que
mostra assim a sua posição anti-colonialista. Vota também favoravelmente à Resolução
n.“ 1.541 que diz respeito à obrigação de oferecer informações por parte dos países
membros relativos aos territórios sem governo próprio, segundo o artigo 73 da Carta
das nações Unidas. Contudo, quando a resolução diz respeito às colônias portuguesas,
como no caso da Resolução n.® 1.542(15 de dezembro de 1960), que trata da obrigação
de Portugal fornecer informações sobre suas colônias, vota contra. O Brasil também
não só participou na elaboração de várias resoluções,como votou favoravelmente, numa
linha de inteira coerência, no que diz respeito à política de desenvolvimento para os
países subdesenvolvidos. Nossa posição na Comissão Econômica e Social foi sempre
presidida por uma linha de total coerência, desde a Resolução n.® 520(VI Sessão da
ONU, 12 de janeiro de 1952), até à atualidade. O Brasil tomou parte praticamente em
todas as medidas no sentido de encontrar soluções para o subdesenvolvimento,quer no
plano da América Latina, quer em relação ao mundo africano e asiático, fazendo
distinção entre medidas contra o subdesenvolvimento e posições terceiro-mundistas, que
envolviam a variável de luta anti-imperialista. No que toca à segregação, do ponto de
vista da raça, cor e religião, o Brasil, através do discurso do chanceler Horácio Lafer,
quando da abertura da XV Assembléia Geral das Nações Unidas (1960), solicitou a
inclusão do tema entre os assuntos a serem debatidos na XV Assembléia Geral. No plano
continental, a atenção do presidente Juscelino Kubilscheck estava virada para o
desenvolvimento do continente, através de vários mecanismos, tais como a Operação
Pan-americana - OPA.
Em dezembro de 1960,o imperador da Etiópia. Hailé Selassié,fez uma visita
ao Brasil. Para alguns autores, como Guy Martinière, essa visita “(...) dévait consacrer
le point de départ d’une poliíique africaine du Brésil, couronnant les premières initiatives
de la diplomatie brésilienne prise par le fondateur de Brasilia en direction du continent
noir, avaní de connaitre une impulsion véritable grâce aux initiatives de M. Quadros”.
(Martiniere, s.d.: 1 lObis).
Com o curto Governo de Jânio Quadros surge uma estratégia política global
para África. Jânio, que já havia abordado o problema das relações com África durante
a sua campanha eleitoral, afirma em 31 de janeiro de 1961: “Atravessamos horas das
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para o Brasil pelo presidente Quadros figuravam alguns refugiados políticos em Dakar,
provenientes da Guiné e de Cabo Verde, entre eles Fidelis Cabral de Almada que,com
a independência da Guiné-Bissau passou a ocupar diversas posições ministeriais em seu
país. Quadros parecia acreditar na possibilidade de uma mudança de posição portuguesa
ou na possibilidade de a influenciar, procurando, ao mesmo tempo, expandir o seu
relacionamento com a África independente.
No período Jânio Quadros se registram ainda algumas pequenas missões de
prospecção, como a do deputado Coelho de Souza, que visitou vários países: Guiné,
Costa do Marfim, Gana, Nigéria e Camerum. Desta viagem resultou um volumoso
relatório que foi encaminhado ao chanceler.
A nova política externa de Jânio Quadros, principalmeníe no que toca às
relações com Cuba e países socialistas, levou ao surgimento de uma forte reação
conservadora no plano interno, ao que se acrescenta a tomada de posição da colônia
portuguesa no Brasil, estabelecendo uma série de alianças destinadas a neutralizar as
iniciativas no que se refere às colônias portuguesas em África. O posicionamento em
relação ao conflito ideológico Leste-Oeste acarretou críticas no plano das relações com
0 continente africano. “As condições de permissibilidade da política externa
independente nao eram, no entanto, consideráveis. No campo estratégico-mililar, os
limites eram dados por uma ordem mundial, naquela época ainda muito condicionada
pelas relações leste/oeste’'(Lafer, 1988:61). No âmbito das Nações Unidas se registram,
comojá vimos, as abstenções no caso da Argélia e de Angola. No campo econômico o
Brasil continua a manifestar posições coerentes no que toca a preços de produtos de
base, industrializados e de medidas em geral contra o subdesenvolvimento, quer no
âmbito das nações Unidas, quer no de fóruns especiais.
O apoio à emancipação dos territórios não autônomos, qualquer que seja a
fórmula utilizada em relação à dependência das metrópoles, segundo Santiago Dantas,
era um dos pontos da chamada Política Externa Independente. Santiago Dantas fez
esforços no sentido de convencer as autoridades de Lisboa a mudarem de posição em
relação às colônias e a encontrar uma via de solução pacífica,com a qual o Brasil podería
colaborar. O Brasil,em pleno regime parlamentar, vota nas nações Unidas em favor do
projeto de Resolução n.® 1.742(30 de Janeiro de 1962), com ressalvas, que prevê a
criação de um Comitê para obter informações sobre a situação dos territórios sob a
administração de Lisboa, caso Portugal não obedecesse ao estipulado na Resolução n.®
1,542. Santiago Dantas, no decurso de uma viagem à Europa, passou por Lisboa, onde
o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Franco Nogueira, lhe fez saber do
interesse de Portugal em alargar o Tratado de Amizade e Consulta às colônias, permitindo
a abertura de portas comerciais para os produtos brasileiros em África. Santiago Dantas
teria permanecido fiel à tese de que o Brasil nao abandonaria seus princípios antico-
lonialistas, embora admitisse a manutenção da iniluência portuguesa em relação aos
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conta que o Brasil se afastara do continente africano por mais de um século e que o
conhecimento da realidade africana, de suas culturas, é relativamente recente no Brasil,
bastando para tanto recorrer à evolução da bibliografia afro-brasileira. Os estudos sobre
0 negro brasileiro só se iniciam no princípio do nosso século e as referências ao mundo
cultural africano, à sociedade africana,são recentíssimas. Não havia, portanto, um clima
de conhecimento sobre África. Com a entrada de milhões de imigrantes europeus, na
segunda metade do século XIX, reforçou-se a idéia de que o Brasil era um país
essencialmente ocidental, tanto que o presidente Jânio Quadros, pelo Decreto n.° 54.465,
de 14 de abril de 1961, criou o Instituto Brasileiro de Estudos Afro-Asiáticos(IBEAA),
com o objetivo de estudar as realidades e de editar obras sobre o mundo afro-asiático.
além de reunir intelectuais brasileiros interessados no assunto. Esse instituto, que cessa
as suas atividades em 1964, chegou a editar 34 obras, além de numerosas publicações
avulsas,tendo organizado vários seminários e debates. Em 1959 surge na Bahia o Centro
de Estudos Afro-Orientais(CEAO): em 1963 surge em São Paulo o Centro de Estudos
e Cultura Africana(CECA), transformado em 1968 em Centro de Estudos Africanos
(CEA),integrado à Universidade de São Paulo e,finalmente,em 1973, é criado no Rio
de Janeiro o Centro de Estudos Afro-Asiáticos(CEAA).Como vemos,o interesse pelos
estudos africanos é de recente data no Brasil.
O embaixador Saraiva Guerreiro, em entrevista que nos concedeu, admitiu
que 0 conhecimento de África entre os diplomatas decorreu,em boa parte, do convívio
com diplomatas africanos nas nações Unidas.
A sociedade brasileira estava e, de certo modo, está ainda distanciada do
continente africano sob os mais variados pontos de vista, o que leva, como é natural, a
não revelar um interesse claro. Na verdade, a aproximação com África, ou melhor, a
reaproximaçào deu-se ao longo de um processo, com momentos emblemáticos, como
foi 0 caso do período da presidência Jânio Quadros. O período da chamada Política
Externa Independente cobre abusivamente, a nosso ver. um período(janeiro de 1961 a
março de 1964), durante o qual surgiram estilos diferentes na condução da política
exterior. Se a Política Externa Independente aproximou o Brasil das teses terceiro-
mundistas,sem que o Brasil tivesse uma postura terceiro-mundista, mas sim de um país
englobado no Terceiro Mundo, a política exterior articulada pelo embaixador João
Augusto de Araújo Castro, a política dos 3 D (desarmamento, desenvolvimento e
descolonização, XVII Assembléia Geral da ONU),permitiu um aprofundamento global
a nível do sistema internacional, na perspectiva da emergência de um mundo multipolar,
em que o Brasil podería fazer parte de um novo centro, aumentando suas responsabili
dades internacionais. Por exemplo, no campo do desenvolvimento, o Brasil tomou
posições claras e extremamente coerentes que o aproximaram da África, da Ásia e
reforçaram a aproximação no plano sul-americano. O Brasil tende a apresentar-se como
uma potência média no cenário internacional, reflexo do seu desenvolvimento e do desejo
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Período 1964-1990
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1964). No que toca aos Objetivos Nacionais, continuava Castello Branco “(●●●) A
consistência entre todos os objetivos nacionais só pode ocorrer se houver
autodeterminação (...) sem interferência externa, qualquer que seja sua posição geo
gráfica em relação aos atuais centros de poder e ideologia”. Em relação ao mundo
Ocidental, o presidente afirmava: “No caso brasileiro, a política externa não pode
esquecer que fizemos uma opção básica, da qual decorre uma fidelidade cultural e
política ao sistema democrático (...) o interesse do Brasil coincide, em muitos casos,
em círculos concêntricos, com o da América Latina, do Continente Americano e da
comunidade ocidental”. Em relação ao neutralismo, acusava-o de passividade,
indeterminação, emotividade imatura, extorsão internacional e como uma fuga à
realidade. A diplomacia, para Castello Branco, “(...) deve ser também um instrumento
destinado a caixear recursos para o nosso desenvolvimento econômico e social como
meio de fortalecimento do poder nacional”.
Embora o Marechal Castello Branco tenha, de certo modo, criticado o colo
nialismo, principalmente no que se refere à necessidade do “desaparecimento de
situações de exploração econômica de certas matérias-primas pelas metrópoles, colo
cando-nos em desvantagem no mercado mundial”, levava em linha de conta que a “nossa
política aníicolonial se defronta com o problema dos laços afetivos e políticos que nos
unem a Portugal.” Castello Branco chegou a defender a idéia da constituição de uma
comunidade Aífo-Luso-Brasileira, “talvez a solução residisse na formação gradual de
uma comunidade Affo-Luso-brasileira, em que a presença brasileira fortificasse econo
micamente o sistema.” E acrescentou: “Qualquer política realista de descolonização não
pode desconhecer nem o problema específico de Portugal, nem os perigos de um desen-
gajamento prematuro do Ocidente.”
Mantiveram-se relações normais com os novos países africanos, mas a política
em prol de Portugal levantou algumas críticas por parte do presidente Senghor, do
Senegal, quando de sua visita ao Brasil em setembro de 1964; ele considerava pouco
realistas as posições de Castello Branco. Senghor chegou a propor a mediação brasileira
entre Portugal e as colônias.
Apesar das boas relações com a África do Sul, do incremento de trocas
comerciais que ocorreu, o Brasil vota a favor da Resolução 2202A (XIX Assembléia
Geral da ONU), que previa o desencorajamento do estabelecimento de relações
econômicas e financeiras com esse país.
Durante o mandato de Castello Branco foram realizadas duas missões de
promoção comercial no continente africano, respectivamente em 1965 e 1966.
A política externa brasileira dos governos militares, no que toca ao continente
africano, sofreu modificações apesar de, como afirma Oliveiros Ferreira, “A política
externa brasileira nunca fugiu, nos dez anos de Castello a Geisel, de algumas constantes
básicas. Sua origem é comum: militar: sua fonte, comum: seguramente os estudos do
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4) a verdadeira paz não pode ser identificada como a simples manutenção do status
quo,como resultante do equilíbrio do poder, nem ser “instrumento da ampliação da
distância que separa as nações ricas das nações pobres”, implica, ao contrário,
mudanças das regras do comércio internacional e alteração do mecanismo de
distribuição mundial do progresso científico e tecnológico: não há verdadeira paz
sem desenvolvimento;
5) nossa posição é, portanto, “de ativa solidariedade com os países em desenvolvi
mento”,competindo “à nossa diplomacia estreitar o entendimento com os povos que
travam conosco a dura batalha” do progresso;
6) nossa política externa deve ser globalista e de íntima cooperação com os países em
desenvolvimento e de intenso diálogo com os países desenvolvidos; deve estar à
altura do momento histórico que vive o Brasil e das profundas transformações
ocorridas nos últimos 25 anos no panorama mundial,com o surgimento de numerosos
Estados, que conferiram “nova dimensão à comunidade internacional”, pois,“em
nossos dias, pela primeira vez na evolução humana, vê-se que a História não mais
se faz em continentes ou áreas estanques, mas se projeta, ao contrário, como a
realização coletiva de toda a humanidade”
Com o objetivo de consolidar as relações com asjovens nações africanas, o
chanceler Gibson Barbosa, acompanhado dc uma grande comitiva de que faziam parte
entre outros Wladimir Murtinho (Departamento de África e Oriente Próximo), Paulo
Tarso Flexa de Lima(Promoção Comercial), Ronaldo Costa(Assuntos Econômicos),
André Teixeira de Mesquita (Protocolo), Rubens Ricupero (Departamento Cultural).
Alarico da Silveira(Imprensa), Alberto da Costa e Silva, entre outros, de 25 de outubro
a 22 de novembro de 1972, visitou nove países africanos da costa Ocidental: Costa do
Marfim, Gana, Nigéria, Gabão, Camerum, Dahomey,Togo, Zaire e Senegal, país em
que terminou a visita, coincidindo com a presença de uma ‘comissão mista Brasil-
Senegal,que tratava das relações culturais. Esta viagem,que cobriu mais de 20.000 km,
tendo 0 chanceler Gibson Barbosa pronunciado cerca de 80 discursos, passou a ser citada
emblematicamente como um momento de aproximação com os países africanos
francofones e anglofones da Costa Ocidental e ainda o Zaire, vizinho de Angola, onde
havia sido estabelecida uma nova embaixada. A esta viagem seguiu-se, em 1973, uma
missão comercial organizada pela Câmara de Comércio Afro-brasileira, que visitou nove
países.
A viagem de Gibson Barbosa abria um intenso diálogo com os países
africanos, mas “le nouveau dialogue avec TAfrique indépendent s’ouvrait sous une
condition expresse: le Brésil ne remetíait pas en cause son alliance privilégiée avec
Lisbonne. Si le Brésil ne classait plus lesjeunes nations d’Afrique soutenant peu ou prou
les forces de libération des territoires portugais parmi les éléments révolutionaires d’un
tiers-monde potentiellement destructeur du monde Occidental comme il avait eu tendence
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à le faire de 1964 a 1969, les pays de TAfrique devaient bien comprendre, en échange,
que Tamitié luso-brésilienne ne soufrait aucune contestation”(Abreu, 1988: 57). Para
Guy Martinière, “en dépit de divergences aigues qu’il ne cacahait d'ailleurs pas,
notamment à propos de 1’attitude du Brésil envers la politique coloniale du Portugal, le
ministre brésilien des Relations Extérieures aspirait à trouver une langage commun avec
TAfrique (...) Comme le Brésil n’aspirait aucunement à remettre en cause les liens
privilégies de 1’Afrique et des anciennes métropoles européennes qui retlétaient les
formes de sa propre intégration à la communauté Internationale, les pays de T Afrique
ne devaient pas non plus chercher à remettre en cause l’amitié luso-brésilienne et le
dialogue alors, mais alors seulement, pourrait être effectivement fécond.”(Martiniere,
1978: 22). Por sua vez Wayne A. Selcher afirma: “The year 1972 was picked for a
decisive campaign to win a share of African market for Brazilian manufactures, utilizing
trade missions and an official tour by Foreign Minister Gibson Barbosa and a highranking
commercial retinue to West África and Zaire to propose facilities,fmances,and technical
aid. The govemment expects Afro-Asian acceptance of its compaign.”(Selcher, 1974:
95).
Do nosso ponto de vista, os autores precedentes descartaram a motivação
política brasileira de se aproximar do continente africano, com conseqüências externas
e internas. Do ponto de vista externo, o chanceler Gibson Barbosa ouviu da parte de
numerosos estadistas africanos uma solicitação para que o Brasil abandonasse a sua
tradicional posição de privilegiar as relações com Lisboa,o que do ponto de vista interno
foi importante no sentido dessa modificação, ou melhor, de se criar um clima favorável
às mudanças que vieram mais tarde. A Nigéria, Gana,o Senegal, o Camerum e mesmo
o Zaire,entre outros,fizeram saber ao chanceler Gibson Barbosa das dificuldades com
que viam o Brasil face à sua posição em relação às colônias portuguesas. Por outro lado,
0Brasil passa a melhor conhecer a África e as suas aspirações, fortalecendo um contato
diplomático direto com as novas nações africanas.
Cerca de 17 acordos bilaterais foram assinados entre o Brasil e os 9 países
visitados pelo chanceler Gibson Barbosa, nos campos da cooperação técnica, comercial
e cultural. Só com a Costa do Marfim foram negociados quatro acordos. O Brasil também
passou a participar do Banco Africano de Desenvolvimento(BAD). Assinou,também,
acordos com a Algéria, no campo do petróleo e contratos com a Líbia.
As portas estavam abertas a uma maior aproximação entre o Brasil e asjovens
nações africanas, “mais le grand dessein de M. Gibson Barbosa, réconcilicr le tiers-
monde avec 1’occident pour assurer au Brésil une place importante dans une nouvelle
politique mondiale, ne pouvait certainement pas se réalizer avec la seule affínnation
d'une ‘neutralité active’.”(Abreu, 1988: 60).
Finalmente,com o Governo do presidente Ernesto Geisel, as relações com o
continente africano sofreram um aprofundamento, principalmente no que toca ao
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em manter boas relações com eles. No período do presidente João Baptista Figueiredo
foram também assinados cerca de 25 tratados com países africanos, aprofundando,
portanto, uma relação importante da diplomacia brasileira.
Na Mensagem do presidente João Figueiredo ao Congresso Nacional na
abertura da Sessão Legislativa,em 1° de março de 1980,lê-se:“No tocante ao continente
africano, cujos povos têm com os brasileiros tantas e tão importantes afinidades, está-
se abrindo nova etapa de nossas relações. Estão retomados os contatos e foijados vínculos
de confiança com as nações africanas. Agora, devemos rapidamente operacionalÍ2ar
nosso relacionamento. Especialmente com as nações de língua comum - Angola,Cabo
Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe - estamos passando a uma
fase mais produtiva, como evidencia a aceleração de contatos, visitas, entendimentos,
verificada nos últimos doze meses. O Brasil manteve firme posição no que diz respeito
aos problemas da instalação de um verdadeiro regime de maioria no Zimbábue e na
autodeterminação e independência da Namíbia.”{Resenha de Política Exterior do Brasil,
MRE,num.24,janeiro, fevereiro e março de 1980, p. 4).
A fala presidencial faz referência a uma característica da diplomacia desse
período, a confiabilidade no Brasil por parte dos outros atores, nomeadamente dos
africanos, ponto posto em evidência em várias falas do chanceler Ramiro Elysio Saraiva
Guerreiro. O Brasil deveria alinhar ao princípio da soberania nacional o princípio da
credibilidade, de país confiável. O aprofundamento das relações com o continente
africano e a sua operacionalização levaram em conta estes princípios fundamentais do
relacionamento. Por outro lado, face à crise internacional, “(...) la carence brésilienne
en ressources devait être compensée par une presence plus qualitalive sur la scène
internationale.”(Abreu, 1988: 92).
O aprofundamento das Relações com os países do continente africano é posto
em evidência por vários autores que estudaram o período Figueiredo:“Do ponto de vista
político, as relações do Brasil com África durante o período Figueiredo foram aprofun
dadas dentro da linha de aproximação encetada no Governo Geisel. São testemunho disso
as posições brasileiras sobre as questões africanas e internacionais de interesse comum
(marcadas pela proximidade com aquelas tomadas pela OU A), a viagem do Presidente
Figueiredo à África - precedida pelas operosas toumées do chanceler Saraiva Guerreiro
- e as visitas ao nosso país de seis chefes de Estado africano.”(Pereira, 1985: 95-6).
As visitas do chanceler Saraiva Guen^eiro a países africanos, nomeadamente
aos países da chamada Linha de Frente, em 1980,foram fundamentais para o aprofun
damento qualitativo das relações do Brasil com África.Em entrevista que nos concedeu,
0 embaixador Saraiva Guerreiro pôs em evidência que a política exterior do governo
Figueiredo foi uma continuação da política externa de Geisel, um “aprofundamento”,
uma “adaptação”. Segundo ele, as relações foram preponderantemenle políticas e não
econômicas, daí uma certa dificuldade de explicar as aproximações com África.
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significado especial, por sua vocação de elo entre os três continentes, de enlace entre
povos. E São Vicente, por sua posição privilegiada dentro deste arquipélago, destacou-
se sempre nessa tradição, tomando-se o porto por excelência na rota entre o Brasil e a
Europa.”{Resenha de Política Exterior do Brasil, MRE,n.° 49, abril, maio ejunho de
1986, p. 38).Em Angola,onde foi igualmente significativamente recebido,o presidente
teve ocasião de reafirmar as posições brasileiras em relação à África Austral. Na ocasião,
uma ampla comissão, coordenada pelo chefe do Departamento de África, embaixador
Carlos Coutinho Peres, aprofundou, com os representantes de Angola, os acordos já
assinados com esse país.
Durante o período do presidente Samey,o Brasil recebeu significativas visitas
de chefes de Estado africanos, entre os quais o presidente da Argélia, Chaddli Benjedid,
em outubro de 1986,o presidente do Zaire, Mobuto Sesse Seko N'gbengu Wa Za Banga,
em fevereiro de 1987,a visita do presidente Aristides Pereira, de Cabo Verde,em abril
de 1987. Um ano depois, em abril de 1988, éa vez de recebera visita do presidente de
Moçambique, Joaquim Chissano, ocasião em que o presidente José Samey, em seu
discurso de boas vindas, em 8 de abril, teve a oportunidade de voltar a condenar a África
do Sul; “(...) a persistência do regime cruel e anacrônico do apartheid na África do Sul
(...)”. Por sua vez, o presidente moçambicano teve a oportunidade de afirmar em seu
discurso:“Saudamos o Brasil pelas suas posições corretas e corajosas no que concerne
à solidariedade para com os países da África Austral e em especial pela condenação do
apartheid (...)”{Resenha de Política Exterior do Brasil, MRE,n.“ 57,abril, maio ejunho
de 1988, p. 8).
Uma visita que merece destaque foi a do presidente da Organização do Povo
do Sudoeste Africano, Sam Nujoma, em março de 1987. José Samey afirmou, perante
o presidente da SWAPO, que “não há razões aceitáveis que impeçam o Governo sul-
africano de aplicar a Resolução 435 do Conselho de Segurança das nações Unidas para
a solução do problema”{Resenha de Política Exterior do Brasil, MRE,n.° 52,janeiro,
fevereiro e março de 1987, p. 55). Na ocasião, o presidente Samey pôs também em evi
dência o gesto simbólico do Brasil, ao receber, dois dias antes, 25 estudantes namibeanos
num curso intensivo de língua portuguesa.
Um ato de vontade da diplomacia brasileira foi sem dúvida a Resolução das
nações Unidas 41/11, de 27 de outubro de 1986, que trata da criação da Zona de Paz e
Cooperação no Atlântico Sul. um primeiro ordenamento de um processo em marcha no
campo da paz e da cooperação,aproximando os países ribeirinhos do Atlântico Sul.Este
documento pôs fim às especulações relativas à criação de um pacto do Atlântico Sul.
“O título da declaração repousa,de um lado, num conceito geográfico- o Atlântico Sul
-, algo de concreto e real, isto é, na acepção de hidroespaço, conceito recente, e, por
outro, numa possibilidade real e substantiva de aproximação através do desenvolvimento
de um mecanismo de cooperação entre os intervenientes”(Mourão, 1988:49).
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pela vontade política reiteradamente explicitada pelo lado brasileiro e igualmente por
diferentes Estados Africanos poderão propiciar o desenvolvimento de alternativas
estratégicas, fundamentadas nos respectivos interesses.
Exportações
Ano Total Variação África Part. Variação
US$1000 % US$1Q00 % %
1979 15.244.377 +20.4 692.882 4.5 + 4.5
1980 20.132.401 +32.1 1.313.199 6.5 +89.5
1981 23.293.037 +15.7 1.953.339 8.4 +48.7
1982 20.175.071 -13.2 1.384.927 6.9 -29.1
1983 21.899.333 + 8.5 1.237.855 5.7 -10.6
1984 27.005.336 +23.3 1.976.342 7.3 +59.7
1985 25.639.001 - 5.1 2.021.698 7.9 + 2.3
1986 22.393.401 -12.7 945.123 4.2 -53.3
1987 26.225.115 +17.1 1.059.088 4.0 +12.1
1988 33.786.532 +28.8 1.098.135 3.3 + 3.7
1989 31.390.429 - 7.1 1.012.721 3.2 - 7.8
1990 34.382.620 + 9.5 965.867 2.8 - 4.6
Fonte: Brasil, Banco do Brasil, Cacex.
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