Você está na página 1de 10

MALAN, Pedro Sampaio.

“Relações econômicas internacionais do Brasil (1945-


1964)”. In: FAUSTO, Boris (org.). O Brasil Republicano, tomo III: economia e cultura
(1930-1964). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. p. 51-106.

3. O Governo Dutra (1946-1950): as expectativas frustradas

– “Os primeiros anos do governo Dutra foram marcados pela progressiva frustração das
expectativas latino-americanas e especialmente brasileiras quanto à continuidade da
cooperação econômica do governo norte-americano durante os anos de guerra, que se
havia refletido em um considerável aumento das relações comerciais e financeiras na
região: em 1945, 42% das importações norte-americanas eram originárias da América
Latina (contra 25% imediatamente antes da guerra). O Eximbank, que desde sua criação
em 1934 operava essencialmente com a América Latina, havia se transformado em uma
agência autônoma em 1945 e tinha tido sua capacidade de empréstimos elevada para
US$ 3,5 bilhões (contra 700 milhões em 1940). As expectativas pareciam promissoras.
Mas – retórica à parte – as reais prioridades norte-americanas estavam obviamente em
outras partes do mundo. [Nota de rodapé: Na verdade, o Eximbank concederia crédito
de US$ 1,9 bilhão à Europa no último semestre de 1945 e em 1946 contra US$ 140
milhões concedidos à América Latina no mesmo período] Coerente com seu projeto de
internacionalização da economia mundial, os Estados Unidos estavam preparados para
oferecer não mais que conselhos à América Latina e insistir no caráter global, e não
regional, da política norte-americana para o pós-guerra. Na Conferência Interamericana
sobre Problemas de Guerra e Paz, especialmente convocada em fevereiro de 1945, estes
conselhos seriam apresentados pela primeira vez: os países latino-americanos deveriam
eliminar restrições e controles cambiais e encorajar o fluxo de capitais privados. A Ata
da Reunião Chapultepec previa a realização de uma conferência interamericana para
discutir problemas econômicos da região, que os Estados Unidos só viriam a aceitar
fosse considerada em 1954, como preço pelo apoio político latino-americano à sua
intervenção na Guatemala”, p. 62-63

– “Mas o Brasil, em 1945-46, julgava-se um caso especial, confiante no caráter político


da ajuda financeira norte-americana, da qual se julgava amplamente merecedor por sua
leal colaboração no esforço da guerra. A decepção brasileira, de início militar, se
agravara rapidamente”, p. 63
– “A posição oficial dos Estados Unidos acerca destas solicitações foi definida ainda em
1946 nos seguintes termos: (a) o Brasil deveria procurar ampliar suas fontes internas de
financiamento antes de solicitar ajuda do governo norte-americano; (b) o Brasil deveria
distinguir entre seus programas de reequipamento e seus programas de
desenvolvimento. Os gastos com os primeiros deveriam ser considerados como
importações deferidas e financiadas com as amplas reservas internacionais acumuladas
nos anos de guerra; (c) para os programas de desenvolvimento, o interlocutor deveria
ser não o governo norte-americano, mas a instituição multilateral especialmente criada
para tal fim – o Brasil mundial e (d) de qualquer forma, o Brasil deveria ter presente que
seu desenvolvimento, em última análise, dependeria da habilidade de criar um clima
favorável ao ingresso de capitais privados”, p. 63-64

– “A posição norte-americana poderia ser discutida – como o foi à época. Em primeiro


lugar, o Brasil queria ajuda para financiar gastos em moeda estrangeira, que não
poderiam ser realizados com recursos captados domesticamente, apenas com
exportações ou financiamento externo. Quanto às reservas internacionais do Brasil, é
fundamental observar que ao longo de quase todo o governo Dutra, mas em especial no
período 1947-48, antes da explosão dos preços do café, o problema central do setor
externo da economia brasileira era o saldo de pagamentos em moedas conversíveis,
mais especialmente em dólares norte-americanos. As famosas reservas internacionais
acumuladas durante os anos da guerra não permitiam financiar déficits da magnitude
dos observados para com a área conversível: em fins de 1946, dos US$ 730 milhões de
reservas totais apenas cerca de US$ 100 milhões eram reservas líquidas disponíveis para
a área conversível, o restante sendo formado por libras esterlinas (bloqueadas por
decisão britânica) e moedas inconversíveis (somando US$ 273 milhões), e por ouro
depositado nos Estados Unidos (US$ 365 milhões) [Nota de rodapé: Deve ser notado
que a dívida externa pública consolidada em 31 de dezembro de 1946 era da ordem de
644 milhões de dólares].
Em início de 1946, contudo, as maiores preocupações das autoridades econômicas do
recém-instalado governo Dutra estavam voltadas para a inflação [Nota de rodapé: A
resposta do governo Dutra, após tentar inutilmente uma modificação na legislação do
imposto de renda, foi reduzir os investimentos públicos, já afetados pela eliminação em
1946 da taxa de 5% sobre operações cambiais que constituía a principal fonte de
financiamento do Programa de Obras Públicas e Reequipamento iniciado em 1944]. A
situação econômica externa parecia extremamente favorável [Nota de rodapé: As
exportações aumentaram em cerca de 50%, levando ao maior superávit na balança
comercial que o Brasil conhecera até então em dólares correntes – cerca de 350 milhões
de dólares. As importações, apesar de terem crescido a taxa ligeiramente superior,
superaram, pela primeira vez, em dólares correntes, o valor das importações de 1928-
29], especialmente após a eliminação por parte do governo norte-americano do preço-
teto sobre o café em julho de 1946. Comprometidas com a doutrina liberal e com o
projeto norte-americano de uma economia mundial aberta, as autoridades monetárias
relaxaram várias restrições à saída de divisas do Brasil – uma medida aparentemente
destinada a estimular novos ingressos de capitais privados no futuro. Uma análise mais
cuidadosa, não só da situação internacional como da composição das reservas e da
estrutura do comércio internacional do Brasil, teria aconselhado uma atitude mais
cautelosa.
Com efeito, é – e era – sabido que à época existiam estreitos controles sobre fluxos
financeiros internacionais, e que os objetivos norte-americanos e, especialmente, do
FMI consistiam na eliminação de restrições ao comércio internacional. A ausência de
fluxos internacionais de capitais privados e de linhas organizadas de crédito
internacional criou um problema de liquidez mundial, somente resolvido, no imediato
pós-guerra, através da União Europeia de Pagamentos, do FMI e de empréstimos de
governo a governo sob a égide do Plano Marshall.
As autoridades monetárias e cambiais do governo Dutra, contudo, aparentemente
depositaram vasta confiança em uma solução duradoura para o potencial desequilíbrio
do balanço de pagamentos nacional através da conta de capital, vale dizer, através de
uma política liberal de câmbio que, em estimulando as saídas de capital, pudesse
estimular também ingressos brutos em proporção ainda mais significativa no futuro.
Como notaram fontes insuspeitas ao analisar o período, ‘... evidentemente, não havendo
capitais nos países europeus, o que houve foi uma saída espantosa de divisas do país’.
[Nota de rodapé: O Decreto-Lei nº 9025 de 27 de fevereiro de 1946 estabeleceu
absoluta liberdade nas operações cambiais] De fato, entre 1946 e 1952 a economia
brasileira experimentou uma saída líquida de divisas da ordem de 500 milhões de
dólares.[Nota de rodapé: Obviamente, parte da saída de divisas deveu-se à progressiva
valorização do cruzeiro, dado que a taxa de 18 a 19 cruzeiros por dólar norte-americano
permaneceu praticamente constante de 1939 a 1952, enquanto os preços internos mais
que quadruplicaram no período. Em 1952 a taxa cambial no mercado negro era da
ordem do dobro da taxa oficial]
A alegação das autoridades monetárias e cambiais do governo Dutra, ou mais
precisamente, da Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC), para a
liberalização cambial de 1946: ‘condições favoráveis do mercado de câmbio’ deveriam
ter sido objetivo de uma discussão mais aprofundada posto que as condições favoráveis
se limitavam à área de moedas inconversíveis, e não era aqui que residia o problema
fundamental do balanço de pagamentos brasileiro.
O problema fundamental para o balanço de pagamentos brasileiro não só em 1946,
como nos dez anos que se seguiram, era a questão da inconvertibilidade das moedas de
países que absorviam cerca de metade das exportações brasileiras”, p. 64-65

– “Em 1947-48, portanto, o problema cambial do setor externo da economia brasileira


era o saldo de pagamentos em moedas conversíveis, mais especificamente em dólares
norte-americanos”, p. 66

– “Certamente, o problema não era apenas brasileiro. A ‘escassez de dólares’ era um


tema de repercussão mundial, resolvido – para a Europa através de empréstimos de
governo a governo sob a égide do Plano Marshall”, p. 66

– “A presença do presidente Truman no Rio, contudo, para a sessão de encerramento da


Conferência [Interamericana sobre Defesa do Continente], em setembro de 1947,
permitiu a Dutra insistir na ‘Doutrina’ do Brasil como caso especial e os EUA
concordariam em uma missão conjunta para discutir problemas econômicos brasileiros.
Mas, as precisas instruções que o Departamento de Estado transmitiu ao chefe da parte
americana da Missão ratificariam a orientação das linhas gerais da política do governo
americano anteriormente traçadas: ‘A Comissão deve dar particular atenção à
capacidade do Brasil para expansão econômica através do uso máximo de seus recursos
internos. A Comissão não deve se dedicar à apreciação dos méritos de projetos
específicos ou analisar a desejabilidade de obter financiamento externo. A Comissão
deve, no entanto, considerar medidas destinadas a encorajar o fluxo de capital privado
para o Brasil’. O cuidado norte-americano em evitar qualquer comprometimento oficial
com o financiamento de programas brasileiros de desenvolvimento pode ser explicado –
prioridades quanto à reconstrução europeia à parte – como uma reação à intensidade
crescente das solicitações brasileiras, que refletiam não apenas uma preocupação com os
graves pontos de estrangulamento em transporte e energia como também a deterioração
da situação do balanço de pagamentos a curto prazo, que os preços do café no mercado
internacional só eliminariam – e temporariamente – a partir de 1949”, p. 67

– Segundo consta numa nota de rodapé assinalada por Malan, entre as dificuldades
encontradas em levar a cabo sua missão de difundir o credo liberal no Brasil, Abbink
demonstrou preocupação particularmente “com a persistência do pensamento
nacionalista na delegação brasileira, o que é particularmente verdadeiro entre aqueles
não inteiramente familiarizados com os Estados Unidos e seu desenvolvimento”. Para
maiores detalhes e para a lista completa das dezenas de técnicos, políticos e militares
brasileiros incorporados na Missão Abbink, ver P. Malan... , p. 68

– “Como bem notou A. Fishlow, ‘vantagens econômicas modestas poderiam ser obtidas
pelas nações latino-americanas, mas apenas bilateralmente e condicionadas a seu
suporte aos mais amplos objetivos da segurança norte-americana: manter o hemisfério
livre do comunismo”, p. 68

– “Do ponto de vista das relações Brasil-Estados Unidos, a situação permaneceu


inalterada até 1950 quando ocorreram algumas mudanças que afetariam – ainda que
temporariamente – o curso futuro desta relação. Em junho de 1950 o Congresso norte-
americano aprova – sob o nome de Act of International Development – o projeto de lei e
o pedido de verba que lhe havia sido encaminhado por Truman em junho de 1949, e que
correspondia ao quarto ponto do seu discurso de posse em janeiro de 1949 [Nota de
rodapé: ...4) tornar o conhecimento técnico norte-americano disponível para as regiões
mais pobres do mundo]. A lei continha um proviso que permitia o estabelecimento de
comissões econômicas mistas para negociar conjuntos de objetivos para ajuda técnica e
econômica. Apenas oito países requisitaram tais comissões, dentre eles o Brasil. A
escassa recepção deveu-se, em parte, ao desencanto acumulado desde 1945 e, em parte,
ao fato de que a autorização para instalação das Comissões conjuntas representava ‘não
mais para uma sugestão no sentido de que o governo dos Estados Unidos e o governo
do país receptor poderiam tentar a administração conjunta de uma agência de
programação econômica no país receptor.
É curioso observar que o acordo constituindo a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos
foi celebrado em dezembro de 1950 entre os respectivos governos, quando Vargas já
havia sido eleito presidente com posse marcada para 31 de janeiro de 1951 e fazia seis
meses que se lutava na Coréia. Não teria sentido especular sobre a extensão em que tais
eventos poderiam eventualmente ter contribuído para acelerar a decisão norte-
americana, pela qual o Brasil se empenhara desde o pós-guerra. Importa, sim, assinalar
que a criação da Comissão Mista não representou uma continuidade natural das
experiências anteriores de cooperação [Nota de rodapé: A continuidade natural da
cooperação em termos de uma extensão de Missões tipo Abbink havia sido sugerida ao
próprio Abbink que encaminhou a sugestão ao Departamento de Estado. Esta instruiu
Abbink para que ‘cozinhasse’ (soft-pedal) a ideia]. Pelo contrário, enquanto a Missão
Abbink-Bulhões (1948), por exemplo, por ordens expressas do Departamento de Estado
‘não deveria considerar os méritos de projetos específicos ou avaliar a inabilidade de
obter financiamento externo...’, a função principal da Comissão Mista seria a
‘elaboração de projetos concretos e bem trabalhados, suscetíveis de imediata apreciação
por instituições financeiras tais como o Eximbank e o Banco Mundial.
Em verdade, cabe adiantar que depois de dois anos de atividades conjuntas iniciadas em
julho de 1951, a Comissão Mista fez publicar, em dezembro de 1953 quando encerrou
suas atividades, aquilo que constitui, certamente, não só uma das melhores análises
contemporâneas da economia brasileira, como também a base para os trabalhos e
projetos iniciais do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, que seria criado
em 1952, em pleno governo Vargas.

Notas de leitura:

Os primeiros anos do Governo Dutra, conforme assinala Malan, foram marcados


por expectativas que pareciam promissoras, mas que vão se mostrando frustrantes na
medida em que as relações econômicas entre o Brasil e os Estados Unidos vão
consideravelmente diminuindo. Como se veria, as reais prioridades dos EUA estavam
voltadas para outras partes do mundo – à título de exemplo, vejamos o caso do
Eximbank.

Mas – retórica à parte – as reais prioridades norte-americanas estavam


obviamente em outras partes do mundo. [Nota de rodapé: Na verdade,
o Eximbank concederia crédito de US$ 1,9 bilhão à Europa no último
semestre de 1945 e em 1946 contra US$ 140 milhões concedidos à
América Latina no mesmo período] Coerente com seu projeto de
internacionalização da economia mundial, os Estados Unidos estavam
preparados para oferecer não mais que conselhos à América Latina e
insistir no caráter global, e não regional, da política norte-americana
para o pós-guerra. Na Conferência Interamericana sobre Problemas de
Guerra e Paz, especialmente convocada em fevereiro de 1945, estes
conselhos seriam apresentados pela primeira vez: os países latino-
americanos deveriam eliminar restrições e controles cambiais e
encorajar o fluxo de capitais privados. A Ata da Reunião Chapultepec
previa a realização de uma conferência interamericana para discutir
problemas econômicos da região, que os Estados Unidos só viriam a
aceitar fosse considerada em 1954, como preço pelo apoio político
latino-americano à sua intervenção na Guatemala”, p. 62-63

O fato é que frente às solicitações de cooperação econômica do governo


brasileiro, que se acreditava merecedor de tratamento especial por ter participado e
apoiado os EUA na Segunda Guerra Mundial, assim se manifestaram o governo dos
EUA:

A posição oficial dos Estados Unidos acerca destas solicitações foi


definida ainda em 1946 nos seguintes termos: (a) o Brasil deveria
procurar ampliar suas fontes internas de financiamento antes de
solicitar ajuda do governo norte-americano; (b) o Brasil deveria
distinguir entre seus programas de reequipamento e seus programas de
desenvolvimento. Os gastos com os primeiros deveriam ser
considerados como importações deferidas e financiadas com as
amplas reservas internacionais acumuladas nos anos de guerra; (c)
para os programas de desenvolvimento, o interlocutor deveria ser não
o governo norte-americano, mas a instituição multilateral
especialmente criada para tal fim – o Brasil mundial e (d) de qualquer
forma, o Brasil deveria ter presente que seu desenvolvimento, em
última análise, dependeria da habilidade de criar um clima favorável
ao ingresso de capitais privados”, p. 63-64

Neste ponto, o autor convida a refletir e discutir a posição norte-americana


quanto às demandas econômicas do Brasil. Malan chama a atenção para os seguintes
pontos: a questão dos gastos em moeda estrangeira e a questão das reservas
internacionais serem grande parte em moedas não conversíveis.
Porém, o autor assinala que o principal problema do recém-instalado governo
Dutra era o combate à inflação. Ao mesmo tempo, concomitante ao enfrentamento do
problema da inflação, vê-se uma certa liberalização cambial ser realizada pelas
autoridades monetárias do governo Dutra.
– “O problema fundamental para o balanço de pagamentos brasileiro não só em 1946,
como nos dez anos que se seguiram, era a questão da inconvertibilidade das moedas de
países que absorviam cerca de metade das exportações brasileiras”, p. 65

– “Em 1947-48, portanto, o problema cambial do setor externo da economia brasileira


era o saldo de pagamentos em moedas conversíveis, mais especificamente em dólares
norte-americanos”, p. 66

– “Certamente, o problema não era apenas brasileiro. A ‘escassez de dólares’ era um


tema de repercussão mundial, resolvido – para a Europa através de empréstimos de
governo a governo sob a égide do Plano Marshall”, p. 66

Do ponto de vista do governo dos Estados Unidos, o desenvolvimento latino-americano


deveria se pautar a partir de grupos privados, os quais teriam um papel de muito mais
destaque do que o próprio governo norte-americano poderia oferecer ao governo
brasileiro.

“A presença do presidente Truman no Rio, contudo, para a sessão de


encerramento da Conferência [Interamericana sobre Defesa do
Continente], em setembro de 1947, permitiu a Dutra insistir na
‘Doutrina’ do Brasil como caso especial e os EUA concordariam em
uma missão conjunta para discutir problemas econômicos brasileiros.
Mas, as precisas instruções que o Departamento de Estado transmitiu
ao chefe da parte americana da Missão ratificariam a orientação das
linhas gerais da política do governo americano anteriormente traçadas:
‘A Comissão deve dar particular atenção à capacidade do Brasil para
expansão econômica através do uso máximo de seus recursos internos.
A Comissão não deve se dedicar à apreciação dos méritos de projetos
específicos ou analisar a desejabilidade de obter financiamento
externo. A Comissão deve, no entanto, considerar medidas destinadas
a encorajar o fluxo de capital privado para o Brasil’. O cuidado norte-
americano em evitar qualquer comprometimento oficial com o
financiamento de programas brasileiros de desenvolvimento pode ser
explicado – prioridades quanto à reconstrução europeia à parte – como
uma reação à intensidade crescente das solicitações brasileiras, que
refletiam não apenas uma preocupação com os graves pontos de
estrangulamento em transporte e energia como também a deterioração
da situação do balanço de pagamentos a curto prazo, que os preços do
café no mercado internacional só eliminariam – e temporariamente – a
partir de 1949”, p. 67

É importante contrapor e observar que o próprio governo dos EUA indicavam


receios quanto à persistência de um certo pensamento nacionalista nas autoridades,
técnicos e delegações brasileiras que era um problema à difusão do credo liberal norte-
americano. Não esquecendo do discurso anticomunista como meio de acordo para
cooperação econômica com os Estados Unidos.

– “Como bem notou A. Fishlow, ‘vantagens econômicas modestas poderiam ser obtidas
pelas nações latino-americanas, mas apenas bilateralmente e condicionadas a seu
suporte aos mais amplos objetivos da segurança norte-americana: manter o hemisfério
livre do comunismo”, p. 68

– “Do ponto de vista das relações Brasil-Estados Unidos, a situação


permaneceu inalterada até 1950 quando ocorreram algumas mudanças
que afetariam – ainda que temporariamente – o curso futuro desta
relação. Em junho de 1950 o Congresso norte-americano aprova – sob
o nome de Act of International Development – o projeto de lei e o
pedido de verba que lhe havia sido encaminhado por Truman em
junho de 1949, e que correspondia ao quarto ponto do seu discurso de
posse em janeiro de 1949 [Nota de rodapé: ...4) tornar o conhecimento
técnico norte-americano disponível para as regiões mais pobres do
mundo]. A lei continha um proviso que permitia o estabelecimento de
comissões econômicas mistas para negociar conjuntos de objetivos
para ajuda técnica e econômica. Apenas oito países requisitaram tais
comissões, dentre eles o Brasil. A escassa recepção deveu-se, em
parte, ao desencanto acumulado desde 1945 e, em parte, ao fato de
que a autorização para instalação das Comissões conjuntas
representava ‘não mais para uma sugestão no sentido de que o
governo dos Estados Unidos e o governo do país receptor poderiam
tentar a administração conjunta de uma agência de programação
econômica no país receptor.
É curioso observar que o acordo constituindo a Comissão Mista
Brasil-Estados Unidos foi celebrado em dezembro de 1950 entre os
respectivos governos, quando Vargas já havia sido eleito presidente
com posse marcada para 31 de janeiro de 1951 e fazia seis meses que
se lutava na Coréia. Não teria sentido especular sobre a extensão em
que tais eventos poderiam eventualmente ter contribuído para acelerar
a decisão norte-americana, pela qual o Brasil se empenhara desde o
pós-guerra. Importa, sim, assinalar que a criação da Comissão Mista
não representou uma continuidade natural das experiências anteriores
de cooperação [Nota de rodapé: A continuidade natural da cooperação
em termos de uma extensão de Missões tipo Abbink havia sido
sugerida ao próprio Abbink que encaminhou a sugestão ao
Departamento de Estado. Esta instruiu Abbink para que ‘cozinhasse’
(soft-pedal) a ideia]. Pelo contrário, enquanto a Missão Abbink-
Bulhões (1948), por exemplo, por ordens expressas do Departamento
de Estado ‘não deveria considerar os méritos de projetos específicos
ou avaliar a inabilidade de obter financiamento externo...’, a função
principal da Comissão Mista seria a ‘elaboração de projetos concretos
e bem trabalhados, suscetíveis de imediata apreciação por instituições
financeiras tais como o Eximbank e o Banco Mundial.
Em verdade, cabe adiantar que depois de dois anos de atividades
conjuntas iniciadas em julho de 1951, a Comissão Mista fez publicar,
em dezembro de 1953 quando encerrou suas atividades, aquilo que
constitui, certamente, não só uma das melhores análises
contemporâneas da economia brasileira, como também a base para os
trabalhos e projetos iniciais do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico, que seria criado em 1952, em pleno governo Vargas.

Vejamos que essas questões vão emparedando os governos da América Latina e


em especial o Brasil a forçarem crescente e progressivamente uma cooperação
econômica norte-americana. Daí a criação da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos
com Truman, e o início do Segundo Governo Vargas.
Por último, é fundamental sublinhar que Malan mostra que a CMBEU não é
uma continuidade institucional e econômica das missões anteriores, tais como Abbink.

Você também pode gostar