Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
como necessidades e interesses e como antagonismos, e em seguida „tratam‟ essa experiência em sua
consciência e sua cultura... das mais complexas maneiras... e em seguida (muitas vezes, mas nem sempre,
através das estruturas de classe resultantes ) agem, por sua vez, sobre a situação determinada (182).
O conceito de experiência thompsiano remete à ação dos sujeitos inseridos em relações
sociais determinadas – de classe, gênero, etnia. Importa reter o significado do verbo tratar,
referente à experiência tratada pela consciência e pela cultura, que diz respeito à
reelaboração, ressignificação de sentimentos, maneiras de pensar, de ser e de agir a partir
do mundo social em que vivem. Dizer que a experiência é resultante da imbricação da ação
dos sujeitos e das estruturas sociais existentes, é o mesmo que admitir que as
circunstâncias fazem os homens assim como os homens fazem as circunstâncias. Vale
ainda acrescentar um outro ponto importante a estas reflexões. A história, quer individual
ou coletiva, não é um processo finalístico, teleológico. Há que se considerar o papel do
acaso na história. Segundo Heller (1985), as fases decisivas do desenvolvimento foram
frutos do acaso. “As alternativas históricas são sempre reais: sempre é „possível‟ decidir em face delas, de
um modo diverso daquele em que realmente se decide” (p. 15).
Estas reflexões auxiliam a compreensão do assentamento como espaço social em processo
de construção, onde as distintas temporalidades –passado, presente e futuro – acham –se
imbricadas e são resultantes das ações dos sujeitos em determinadas circunstâncias. As
ações assim produzidas não se reportam às finalidades objetivas, predeterminadas, sempre
previsíveis, porém ao campo de possibilidades, de alternativas, de acasos. Esta concepção
permite o entendimento das distintas ações do mesmo espaço social. Em vários momentos
da pesquisa de campo, constatou-se a existência de inúmeras clivagens entre os assentados.
Há aqueles que ascenderam socialmente, os que abandonaram os lotes, os que se utilizam
de estratégias não condizentes com o Projeto de Reforma Agrária, os que recorrem ao
assalariamento, sem contar as clivagens de gênero e idade. Portanto não se trata de uma
realidade homogênea, embora todas as 176 famílias tenham recebido a mesma área dos
lotes (16 ha.), os mesmos benefícios referentes à infra-estrutura, como redes de água,
eletrificação, curvas de níveis, casas na Vila, escola, transportes, posto de saúde, créditos
especiais destinados aos projetos de reforma Agrária etc.
A fim de dar conta dos objetivos deste texto, optou-se primeiramente pela análise da
história do assentamento e de algumas trajetórias dos assentados. O momento atual,
caracterizado pela difícil peleja para ficar na terra, assim como as possíveis alternativas
3
futuras, compõe o quadro de reflexões, cuja linha mestra está ancorada nas idéias acima
expostas e nos dados coligidos durante a pesquisa empírica, traduzidos em 70 horas de
entrevistas orais, observações de campo, diálogos, produção de imagens fotográficas e
realização de uma oficina de argila, metodologia que permitiu a recriação das lembranças
por meio da memória sensitiva .
Em razão do processo de desenraizamento, provocado pelas inúmeras migrações durante a
vida, a cultura, o modo de vida do mundo de antes, foram perdidos em parte ou até mesmo
totalmente. Por meio das entrevistas, as lembranças do passado chegavam ao presente
sempre de uma forma muito fragmentada. Assim, o intento de recuperar este saber por
meio da narrativa oral, mostrou-se infrutífero. No que tange à argila, além do manifesto
desconhecimento, notava-se que existia da parte de alguns um sentimento de
desvalorização . Um informante chegou a afirmar que nenhuma mulher se sujeitaria a colocar as
mãos no barro e que ninguém iria comer ou cozinhar em panela de barro, que isto era coisa do passado e
que, hoje em dia, todo mundo só quer saber do alumínio.
A metodologia proposta visava à incorporação de objetivos teóricos e práticos relacionados
à (re)descoberta da experiência e do saber de homens e mulheres, originários de várias
regiões do país: Vale do Jequitinhonha/MG, interior da Bahia, de Pernambuco, Alagoas,
Paraná, Mato Grosso do Sul. Diante do silêncio e do indizível, concluiu-se que, além da
perda do saber da produção doméstica da cerâmica utilitária, houvera a perda das
lembranças. A situação encontrada, à primeira vista, sugeria a idéia do esquecimento e
também do silêncio. A inserção numa realidade social voltada para os valores de troca, o
desaparecimento das condições objetivas e sociais da produção dos valores de uso
contribuíram para a destruição da matéria - prima das lembranças. A terra não é mais a
mesma, sem contar que a produção de valores de uso era pautada pela sociabilidade
ancorada nas relações pessoais de reconhecimento e pertencimento mútuos. À medida que
as mãos manuseavam o barro, muitas lembranças foram aflorando à superfície. Cenas,
cenários, pessoas, objetos, sons, cantos, foram, paulatinamente, definindo a urdidura do
espaço da memória. O que havia sido omitido, silenciado, repentinamente, ia tomando
forma e significado. A imaginação imprimia energia às mãos modeladoras da argila. Esta
experiência metodológica se revelou bastante frutífera para o processo de recriação das
lembranças e também para o processo de reconstituição da identidade individual e social.
4
desapropriação da usina pelo não cumprimento dos interesses sociais foi ganhando espaço,
Desenvolvimento Agrário, Dante de Oliveira, à Araraquara, foi-lhe entregue a solicitação
das terras da Usina Tamoio no plano de desapropriação para a Reforma Agrária. (CAIRES,
p.373e ss).
Durante este tempo, as terras da Usina passaram a ser arrendadas a outros usineiros,
complicando ainda mais a situação dos trabalhadores estáveis, que lá permaneciam. Depois
de muitas idas e vindas, em 13/04/1989, o presidente José Sarney assinou o Decreto N.
97.660, pelo qual a fazenda Bela Vista do Chibarro, uma das seções da Usina Tamoio, foi
declarada imóvel rural de interesse social e classificada como latifúndio de exploração.
Estas breves considerações sobre o processo que resultou na desapropriação destas terras da
Usina Tamoio são importantes para a interpretação de muitas situações de conflitos entre os
próprios assentados no tocante à atual situação, quando muitos deles aderiram ao plantio de
cana destinada à Usina Zanin. Cana e Usina, no imaginário dos atuais assentados, formam
uma simbiose de medo, insegurança e impotência diante das possibilidades de perda do lote
e do fracasso do Programa de Reforma Agrária. Ademais, o fato das terras do assentamento
ocuparem o mesmo espaço geográfico daaquelas das usinas e da vila ser a antiga colônia da
seção Bela Vista, considerada uma das mais importantes, gera uma relação contraditória
entre os próprios assentados e as usinas que os cercam. De um lado, há um sentimento de
vitória, de conquista de terras de usineiro, símbolo máximo da riqueza e do poder político
nesta região; por outro lado, os usineiros concebem o assentamento como um fracasso e,
por diferentes estratégias, como será mostrado ao longo deste texto, procuram penetrar no
assentamento, por intermédio do plantio de cana. Neste embate, percebe-se o processo de
luta pelo território, enquanto espaço identitário, da memória, um lugar, que represente o
final das incertezas e da vida fragmentada, um lugar-cidadão, um lugar de incluídos e não
de excluídos.
O processo de constituição deste assentamento foi permeado por muitos conflitos que
envolveram, além dos trabalhadores demandantes de terra, a FERAESP, o INCRA, a CPT e
lideranças de partidos políticos. Após o decreto de desapropriação, houve uma longa
disputa em torno da ocupação das terras da Bela Vista. Inicialmente, essa ocupação se fez
com cerca de setenta e cinco famílias, selecionadas pelo Sindicato dos Trabalhadores
Rurais e pela Comissão Agrária Estadual do INCRA. Além destas setenta e cinco famílias ,
7
havia oito famílias que já moravam em terras da Usina, e, como foi dito acima, elas ali
permaneceram até a constituição do assentamento.
Em seguida, foi nomeada pelo Estado uma Comissão Municipal que tinha como objetivo
abrir o cadastro a todos os trabalhadores da região e selecionar aqueles que deveriam
ocupar as terras da Fazenda Monte Alegre ( pertencente ao Estado), e a da Bela Vista.(3).
Foram escolhidas 120 famílias de acordo com as normas de seleção do INCRA. No entanto
este processo acabou sendo conturbado em virtude da presença de trinta e seis famílias,
provenientes do Vale do Ribeira, que já estavam acampadas nas terras da Usina Tamoio, e
da vinda de mais 27 famílias, provenientes do Acampamento de Promissão/SP. Os maiores
desentendimentos surgiram no momento da chegada do grupo das famílias provenientes de
Promissão. Segundo alguns depoimentos, tratou-se de uma verdadeira guerra. As famílias,
que já estavam instaladas, temiam pela perda das terras, e, por isso, organizaram-se e
fecharam todas as entradas do assentamento. Formaram verdadeiras trincheiras de homens,
mulheres e crianças, armados de paus, pedras, carabinas etc. Segundo as palavras do atual
presidente da FERAESP, os conflitos se deram em razão do descumprimento dos acordos
pelo INCRA.
O agravamento dos conflitos foi acrescido com a proposta do INCRA de reduzir para
12,5ha o módulo das terras, em resposta à demanda de 16ha dos trabalhadores e também
pela intenção deste Órgão em autorizar a vinda de mais 55 famílias de Promissão. Na
realidade havia uma tensão social muito grande em Promissão, já que as famílias estavam
acampadas havia mais de três anos. A estratégia do INCRA era dirigida no sentido de
aliviar as tensões, que se tornaram públicas, por meio de passeatas e divulgação pela mídia,
da situação social ali existente. Com isso, há um conflito entre os interesses do INCRA e
daqueles que já haviam entrado na terra, amparados pelo Sindicato e pela FERAESP
(ROSIM, 1998).Em relação ao grupo das 36 famílias, compostas por trabalhadores da
região do Vale do Ribeira, que ocuparam as terras sem a permissão do INCRA, houve uma
ordem de despejo no dia 4 de julho de 1990. Uma reunião de trabalhadores decidiu pela
permanência das famílias e a organização de piquetes nas quatro entradas da fazenda.
Novos conflitos se sucederam com as negociações dirigidas pelo Sindicato, que apresentou
__________________
(3) Os representantes desta Comissão pertenciam aos seguintes órgãos: INCRA, DAF, Sindicato dos
trabalhadores rurais, Casa da Agricultura, Prefeitura Municipal, Câmara Municipal e UNESP.
8
acampados de Promissão passaram a ser vistos como inimigos e não como iguais, como
pertencentes ao mesmo grupo social de espoliados. De demandantes de terra, passaram à
condição de invasores de terras dos próprios assentados, despejados pelo INCRA. Portanto,
observa-se que o campo de disputa muda de lugar; não se trata mais de uma luta de classes
entre trabalhadores e proprietários de terra, porém de uma luta pelo poder político entre
lideranças locais e INCRA, cujos efeitos mais imediatos são as divisões internas dos
trabalhadores .
Estas reflexões são importantes para a compreensão do significado de sujeito. Quem são
estes sujeitos? No caso dos trabalhadores, a condição de sujeitos não pode existir sem a
representação política das lideranças. Em outros termos, a identidade de acampado e
identidade de acampado e assentado é forjada pelos mediadores; são estes os seus
representantes, os seus porta-vozes. Produz-se neste novo contexto uma rede de relações de
dependência, muitas vezes, caracterizada pela outorga e clientelismo. Os relatos referentes
ao momento anterior à chegada ao assentamento revelam as infinitas reuniões com as
lideranças, as promessas feitas por elas, as idas e vindas, as viagens de um lugar para o
outro, enfim, a personalização das relações ocupa um lugar central neste contexto.
Depoimentos dos diferentes grupos dão conta desta fragmentação originária, que se
reproduz ainda hoje, por intermédio de novas divisões e subdivisões, desavenças
interpessoais, violências e até morte: há três anos atrás, um jovem foi assassinado por outro
durante um baile, em função de problemas anteriores.
Grupo proveniente de Promissão
De modo geral, as pessoas integrantes deste grupo ficaram acampadas em Promissão numa
área pertencente à família Ribas durante mais de dois anos. Muitos delas eram provenientes
da região de Campinas. As trajetórias de vida refletem uma longa caminhada por diferentes
lugares do Estado de São Paulo e também por outras regiões do país. A migração é de todos
os tipos: rural/rural; rural/urbana; urbana/rural; urbana/urbana. São vidas de migrantes, de
peregrinos em busca de um lugar, onde possam parar, se fixar.
Utiliza-se o seguinte conceito de trajetória:
“Trajetória social é o encadeamento temporal das posições sucessivamente ocupadas pelos indivíduos nos
diferentes campos do espaço social. Os indivíduos, em cada momento de sua existência, ocupam
simultaneamente várias posições, resultantes de seus lugares nos campos profissional e familiar. Durante o
passar do tempo, estas posições se movem, se redefinem em vários campos, traçando, assim, uma trajetória
social constituída por um conjunto de itinerários”. (Battagliola et ali, 1990, p. 3).
10
Este conceito, ao fornecer as condições para a análise dos caminhos percorridos pelos
indivíduos não somente no campo profissional como também familiar, abre as
possibilidades para as posições diferenciadas dos sexos no seio da família e também para
as diferenças de idade. Outro ponto importante é a noção de itinerários que acompanha
esta definição, ou seja, os vários caminhos resultantes da mobilidade temporal e espacial
dos indivíduos ao logo de suas vidas, onde é possível a descoberta do acaso como fator de
mudança de itinerários. Esta mobilidade social pode ser tanto ascendente como
descendente, dependendo das posições ocupadas tanto na família como no campo
profissional. Portanto, o recorte temporal deve sempre levar em conta as distintas posições,
e, no caso, destes trabalhadores, o espaço se constitui como um elemento imprescindível na
análise de suas trajetórias. Outra contribuição importante destas autoras se reporta aos
acontecimentos familiares e profissionais que conduzem à mudança de trajetórias, como
por exemplo, perda do emprego, morte na família, mudança para outras regiões etc. A
análise final se completa com os questionários biográficos, que recuperam a trajetória
profissional dos pais, cônjuges, filhos, e o nível de escolaridade de cada um deles. Esta
metodologia permite a construção do retrato social de cada indivíduo, que, em virtude dos
limites deste texto, será apenas exemplificado com alguns casos. Conquanto, o cruzamento
das informações contidas nos retratos e a análise das condições históricas e estruturais
permitem o conhecimento das diferentes experiências sociais.
No que tange ao Grupo de Promissão, uma de suas marcas é a passagem pelo
acampamento. Portanto, os relatos sobre este período são muito significativos. Consideram
que aqueles momentos foram decisivos para se compreender o significado de luta pela
terra. Por isso, diferenciam-se dos outros que não ficaram acampados, que não sabem o que
é viver embaixo de lona preta. Quando se reportam àqueles que estão plantando cana,
afirmam que muitos deles não dão valor à terra, porque não sabem o que é a luta pela terra,
identificando, portanto, luta pela terra com o tempo de passagem pelo acampamento.
Afirmam ainda, que os outros conseguiram a terra de mãos beijadas, sem esforço. Pôde-se
observar a existência de laços de maior solidariedade entre algumas pessoas deste grupo,
sem contar a existência de cinco famílias aparentadas. Um dos pontos comuns é a
resistência ao plantio da cana. Consideram que plantar cana é descaracterizar a Reforma
Agrária por várias razões: trata-se um golpe na luta pela terra, desferido pelos próprios
11
assentados, o que, no fundo, é uma traição ao governo, à sociedade que paga os impostos, e
aos demais trabalhadores que estão no processo de luta; para eles, a Reforma Agrária tem
como objetivo a agricultura familiar. A produção de cana nos moldes estabelecidos pela
usina não permite as relações baseadas no trabalho familiar; o objetivo é a produção de
alimentos e não a cana; a produção de cana é sinônimo de não trabalho, pois tudo é feito
por máquinas da Usina, portanto, o resultado da Reforma Agrária seria a presença dos
vagabundos, dos ociosos, daqueles que vivem do arrendamento, da aposentadoria ou do
salário da mulher; a produção de cana é o meio da usina estar dentro do assentamento.
É interessante observar que estas razões são apontadas por todos aqueles que são contrários
à plantação de cana. Dentre os entrevistados deste Grupo, destaca-se a trajetória de Damião,
solteiro, que ficou no Acampamento durante quase três anos e foi responsável pela vinda de
vários membros de sua família, inclusive o tio João, que veio para o assentamento depois
da chegada das famílias de Promissão, e cuja trajetória é marcada, tal como muitas outras,
por sucessivas migrações. No caso do Sr. João, ele nasceu na Bahia, seu pai trabalhou como
meeiro nas fazendas de café na região oeste do Estado de São Paulo na década de 1940.
Ainda jovem, migra definitivamente para trabalhar nas fazendas de café em São Paulo,
juntamente com duas irmãs mais velhas, sendo uma delas, a mãe de Damião. Depois de
alguns anos, vai para o Estado do Paraná com as irmãs já casadas. Trabalha como parceiro
em várias fazendas, derrubando matas para o plantio de café, algodão, trigo, milho, arroz
etc. Durante este período casou-se com a filha de um outro parceiro no Paraná. Seu relato
aponta para as inúmeras experiências quanto à exploração do seu trabalho e de toda a
família. Segundo ele, quando havia a possibilidade de algum ganho, o proprietário rompia o
contrato de parceria . Esta situação se repetiu inúmeras vezes, até que um dos membros da
família decide voltar para o Estado de São Paulo e trabalhar como assalariado no corte da
cana em Limeira.
Os itinerários percorridos pelos membros desta família revelam o cruzamento de várias
situações experimentadas em comum. No que tange aos acontecimentos responsáveis pelas
inúmeras migrações, além da captação da renda dos parceiros, houve os períodos de seca
em que perderam toda a colheita, e, no caso do Sr. João, quando estava na Bahia, a
experiência da fome fez com que ele migrasse definitivamente para o Estado de São Paulo.
Retomando algumas passagens do discurso de Damião, nota-se que, embora sendo solteiro,
12
seu objetivo era lutar pela terra para si e para outros membros da família. Neste sentido, há
o cruzamento das trajetórias familiares e profissionais. Os acontecimentos decisivos para a
mudança de itinerários foram, vis-à-vis o recorte longitudinal, a fome do tio na Bahia, a
seca no Paraná, a alta exploração dos parceiros, a falta de perspectivas de emprego em
Limeira pelo fato de possuir um baixo nível de escolaridade, e os baixos salários auferidos
no corte da cana. Vale a pena ainda ressaltar a solidariedade advinda da rede familiar,
como a ajuda financeira do pai no momento do acampamento e, mais importante, o esforço
para trazer ao assentamento os demais irmãos e tio.
Na encruzilhada da trajetória familiar e laboral residem os elementos constitutivos das
experiências sociais. Assim, pode-se compreender as razões apontadas por Damião para a
não aceitação do plantio da cana no assentamento. Para ele, a cana representa o golpe fatal
no programa de Reforma Agrária, ao desmontar a agricultura familiar e inviabilizar,
politicamente, o movimento de luta pela terra em nível nacional. Neste ponto, as distintas
temporalidades entrecruzam-se. O tempo passado informa o presente e também o projeto
futuro. A experiência da proletarização e a ausência de perspectivas são tratadas,
reelaboradas, redefinidas, segundo os valores, a cultura, produzindo a visão de mundo, que
engloba as três temporalidades. É também defensor da moradia no lote ao invés da vila, a
fim de que a produção familiar possa ocorrer. Os cuidados com a roça e animais somente
podem se realizar sob a vigilância constante do dono. “Boi só engorda sob as vistas do dono”.
Damião relata, em profundidade, as penúrias vivenciadas no Acampamento.
Vale a pena acrescentar alguns traços da trajetória de Zulmira, pertencente a este Grupo.
Ex-arrendatária na região de Campinas, onde plantava juntamente com os filhos e o marido,
legumes, ao se decidir- ir para o Acampamento de Promissão, desmontou a casa, para
remontá-la no Acampamento, e quando veio para o Assentamento, a desmontou e a
remontou definitivamente no seu lote. A casa foi retratada nos diversos tempos-espaços: no
sítio arrendado com a plantação da última plantação de beringelas, no Acampamento e
também no Assentamento.
13
Como foi dito acima, as famílias pertencentes a este grupo realizaram as articulações
políticas com o Sindicato de Araraquara e com a FERAESP(criada em 1989). Segundo os
relatos, estas famílias foram desapropriadas de suas terras por um Decreto do Governo
Estadual que considerou a área ocupada no Vale do Ribeira, reserva ambiental. A promessa
do governo era a doação de outras terras aos desapropriados. Em razão do Decreto, houve a
proibição de derrubada de matas, de plantações, enfim do desenvolvimento da atividade
agrícola. Ao mesmo tempo, não houve o cumprimento das promessas do governo. Os
relatos são unânimes em relação aos períodos de fome, angústia e ameaças de policiais e
outros agentes do governo estadual. Muitas famílias de posseiros expropriados saíram,
enquanto outras resistiram por meio de pressões junto ao INCRA e DAF(hoje, ITESP). Aos
poucos, iniciou-se a organização destas famílias, lideradas por uma mulher, dona Maria
Barbosa apelidada, Maria Che Guevara, em alusão à defesa da causa dos espoliados e do
papel que exerceu durante muito tempo na organização deste assentamento. Atualmente,
não faz mais parte de nenhum grupo, tornou-se evangélica, reside na cidade com o marido e
filho e possui um carrinho de lanches para complementar a renda do lote. Ela e o marido
vão todos os dias ao lote; além da horta, possuem um projeto de plantação de mamão.
A história de Maria Barbosa inicia-se no interior de Pernambuco. Sua mãe é indígena
(também possui um lote no assentamento); mantém silêncio sobre o pai, que abandonara
sua mãe muito cedo. Em razão da união de sua mãe com um homem violento, deixa o
sertão e vai para a cidade. Decorridos alguns anos, regressa e encontra sua mãe casada com
outro homem. Em seguida vai para a Bahia, conhece o atual marido e o rouba, pois a mãe
dele era contra o casamento, pelo fato dele ser branco de olhos azuis e ela ser negra e
descendente de índio. Vem para a cidade de São Paulo, e, aos poucos, toda a família do
marido e parte da sua seguem a mesma rota. Em São Paulo, trabalhou numa fábrica de
costura e o marido era chefe de segurança. A família, dispondo de algumas economias,
compra terras no Vale do Ribeira e se muda para lá. Depois de algum tempo, são
notificados de que aquelas terras eram parte da reserva ambiental e que a escritura era falsa.
Aí começa a sua luta para unir as pessoas, que estavam sofrendo os efeitos da
desapropriação, em torno da reivindicação de uma outra terra, uma vez que já não havia
14
mais condições de voltar para São Paulo. Em suas inúmeras andanças – incluindo uma
visita ao Acampamento de Promissão – acabou conhecendo o presidente do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Araraquara, ocasião em que tomou conhecimento das terras da
“Bela Vista”. Seu relato revela as idas e vindas aos órgãos do governo estadual , ao INCRA
para encontrar uma solução para ela e as demais pessoas, que estavam na mesma situação.
Aliás, em vários momentos, faz referências ao coletivo.
O papel desempenhado por esta mulher é bastante singular. Toda sua trajetória é marcada
por vários acontecimentos que representam o avesso da condição feminina, sobretudo nas
áreas rurais. Suas práticas, em muitos momentos, romperam a estrutura do patriarcado. Foi
capaz de roubar o marido, liderar a vinda de toda a família para São Paulo e também
organizar os posseiros do Vale do Ribeira para o assentamento e aí se firmar como uma das
lideranças mais fortes durante as fases iniciais de organização, sem contar seu decisivo
papel nas discussões contrárias à plantação de cana no assentamento. Apesar de se
analfabeta, em nenhum momento absteve-se de pressionar os homens do escritório do
UNCRA em São Paulo em sua luta pela terra. Admite ter tido uma posição contrária à
vinda das famílias de Promissão:
Retomando as reflexões anteriores, a presença dela no Vale do Ribeira foi graças ao acaso,
responsável pela mudança de rota de todas as famílias deste grupo, e também dos parentes
que viviam em outros lugares e que foram trazidos ao assentamento. Nesta lista incluem-se
muitos pais de assentados, vindos de Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Maranhão e filhos
solteiros, provenientes da cidade de São Paulo. A realidade empírica demonstra, além do
cruzamento das trajetórias familiares e laborais, a existência do campo de possibilidades, aí
incluindo o acaso, como elementos estruturantes das experiências dos sujeitos.
Segundo os desdobramentos da fase inicial de constituição do assentamento, este grupo
tornou-se rival daquele de Promissão, tal como se observou em muitos depoimentos
dos interesses dos assentados. As disputas políticas entre os mediadores, que se colocaram
como seus legítimos representantes, revelam o deslocamento das reais necessidades
econômicas e sociais dos sujeitos desta história. O resultado, tal como transparece nos
relatos é, para muitos, o desalento. A luta ideológica dos mediadores suplantou a luta dos
assentados, tal como bem mostra MARTINS (2000).
No decorrer do tempo, o processo organizativo foi se fragmentando com a criação/ extinção
de muitas comissões e outras cooperativas. Em nenhum momento, houve a experiência de
produção coletiva no assentamento. Os lotes são individuais, as máquinas colhedeiras são
alugadas, sendo este um dos problemas apontados, pelas razões seguintes: atraso na
colheita porque os proprietários destas máquinas, primeiramente, colhem os cereais (milho,
arroz) dos grandes fazendeiros; os valores pagos correspondem a 20% do total da colheita;
em virtude do atraso, há uma perda de produtividade, porque há riscos de apodrecimento do
produto, sem contar que, no momento da comercialização a oferta abundante que implica
no rebaixamento dos preços; Ausência de uma balança (balanção) para pesar o milho antes
de ser transportado para os depósitos. Alguns afirmaram que este fato implica em fraudes
por parte dos intermediários, algo que seria evitado por meio do controle de peso feito pelos
produtores.
Além da COAPRA, há uma outra, COBELA (cooperativa da Bela Vista), recentemente
fundada, registrada, mas ainda não em funcionamento. Esta cooperativa conta com o apoio
da Prefeitura Municipal e tem por objetivo o incentivo da agricultura familiar. Há ainda, a
Cooperativa dos Produtores de Cana que reúne aqueles que aderiram ao plantio da cana.
Estas cooperativas, com objetivos distintos, reproduzem a fragmentação originária e,
conseqüentemente, as dificuldades da criação de um projeto único neste assentamento.
Revela, ainda, a inviabilidade de uma gestão centralizada em torno de um único projeto de
administração. O INCRA, enquanto representante do governo federal, possui o poder
institucionalizado, porém, em virtude da ausência/omissão no tocante à resolução de muitas
questões, não possui a capacidade de gestão do assentamento. A existência desta
fragmentação conduz a uma espécie de vazio de poder, algo reclamado pelos próprios
assentados. Deste modo, quando se referem ao plantio da cana ou ao arrendamento de lotes
para os fazendeiros da região, ao aluguel das casas da vila, da permanência de um invasor
no assentamento, reclamam uma ação coercitiva para impedir estes desmandos e estas
20
De acordo com as informações colhidas no ITESP, das 176 famílias, apenas 30% possuem
casas nos lotes. Este dado é importante para a análise das atividades desenvolvidas pela
família, segundo os sexos e também a idade. A grande maioria dos depoentes manifesta o
desejo de morar no lote pelas seguintes razões: não é possível desenvolver a agricultura
familiar porque muitos lotes acham-se distantes da vila. Isso implica em longas caminhadas
e perda de tempo; até alguns anos atrás, os ônibus não circulavam pelos lotes, o que
implicava em dificuldades para as crianças freqüentarem a escola. Atualmente, este
problema já não mais existe; não residir no lote inviabiliza a produção doméstica de
animais de pequeno porte, de hortas, enfim a produção advinda do quintal, geralmente, a
cargo das mulheres, e que se constitui num elemento importante para a reprodução do
grupo familiar, sem contar que a produção de excedentes pode ser uma alternativa par
complementar a renda; a indústria doméstica, nestes caos, acaba inexistindo e mesmo a
produção do lote é prejudicada. Os exemplos são inúmeros: vaca que morreu em razão de
mordida de cobra, roubo de animais, bezerros que nasceram e morreram em função de
terem caído em poço d‟água, formigas que podem devorar as plantações num curto espaço
de tempo etc; a moradia no lote representa outras facilidades, tais como: comer comida
quente na hora do almoço, maior aproveitamento do tempo.
Ademais destas justificativas, todos os entrevistados afirmaram que nos lotes é possível
desenvolver uma sociabilidade diferente daquela da vila. Em muitas ocasiões, mencionaram
o sossego, liberdade, ausência de brigas e fofocas, sem contar o contato mais direto com a
natureza. Muitas mulheres afirmaram que na vila não é possível possuir galinhas por causa
dos roubos. Uma delas chegou a mencionar que seu vizinho matava seus frangos e, numa
das vezes, confessou-lhe que aproveitara até as vísceras como isca para pescar. Uma outra,
que é separada do marido, afirmou que, em muitas ocasiões, são jogadas pedras no telhado
de sua casa à noite, além do barulho freqüente na rua.
Estes casos apontam para uma sociabilidade totalmente diferente daquela existente no
mundo rural de antes. Não se observa aqui a mera transposição de uma sociabilidade
pautada nas relações pessoais de parentesco, compadrio e vizinhança, assentadas nos
valores tradicionais, nas festas ligadas à produção agrícola, no mutirão, na troca de dias. A
passagem pelo universo urbano produziu-lhes a experiência da fragmentação da vida e do
22
trabalho assalariado, que deixaram marcas no comportamento e nas relações sociais. Trata-
se muito mais de um hibridismo, de uma bricolagem, em que se misturam diferentes
universos culturais, diferentes formas de comportamento social. No entanto, não se trata
de uma anomalia e sim de uma realidade que reflete as andanças destes caminhantes
por diferentes espaços sociais. Nesta longa caminhada, houve muitas perdas e bem poucos
ganhos. Em linhas atrás, concebeu-se o assentamento como espaço social em processo de
construção, onde as distintas temporalidades –passado, presente e futuro – acham –se
imbricadas e são resultantes das ações dos sujeitos em determinadas circunstâncias. As
ações são produzidas num campo de alternativas e de acasos. No tocante aos aspectos
culturais, houve um intenso processo de desenraizamento. As festas, de cunho religioso,
praticamente desapareceram. A festa de Reis, a Folia só existem nas lembranças dos mais
velhos. (SILVA, 2001). Na verdade, muitas memórias são guardiãs da Folia de Reis,
inclusive, foram encontrados dois antigos foliões entre os assentados.
A presença da cultura de massa, sobretudo a televisiva, faz com que sejam reproduzidos os
valores urbanos no assentamento, mesmo nos lotes, dado que há eletrificação em todos eles.
Filmes, novelas, programas esportivos, noticiários, shows, desenhos animados, são
assistidos por toda a família, segundo as preferências de cada um dos membros. Por outro
lado, a proximidade da cidade, as facilidades de acesso por meio de ônibus, permitem que
as pessoas estejam em constante contato com o modo de vida urbano, algo facilmente
notado na maneira de se vestir, em alguns hábitos, como por exemplo, a preocupação
excessiva das mulheres com a limpeza da casa, o uso de panelas de alumínio bem areado
etc. Vale a pena ainda lembrar que um dos projetos do Conselho de Desenvolvimento
Comunitário, acima mencionado, refere-se à instalação de computadores no assentamento,
não apenas na escola como também na sede do Conselho, objetivando o acesso a todos os
interessados. Um outro elemento desta diversidade é a recriação de laços comunitários
entre os habitantes de lotes vizinhos, que pertencem à Comunidade de Santa Clara, ligada à
cidade de Araraquara. Os momentos de reunião/união entre eles são vários:
rezas, missas na Igreja São Judas Tadeu na vila, coletas/oferendas aos mais necessitados,
que envolvem os moradores da cidade, pertencentes a esta comunidade, ajuda mútua na
construção das casas nos lotes e também nas atividades produtivas. A recriação destes laços
de sociabilidade, mediada pela religião católica, constitui-se numa espécie de economia
23
moral, que, além de sedimentar a convivência entre estas pessoas, dando-lhes o sentimento
do pertencimento ao lugar, ao território, contribui para o sucesso econômico de todo o
grupo. Outro ponto importante é que todos os integrantes desta comunidade, além de não
aderirem ao plantio de cana, possuem posições políticas que enxergam nesta prática um
desvio do Projeto de Reforma Agrária. Ao se referirem ao assentamento, manifestam um
sentimento de pertencimento comum: a nossa Bela Vista , algo que não foi observado vis-
à-vis outros grupos. O modo de vida deste grupo se enquadra na definição de agricultores
familiares, que produzem para a subsistência e também para o mercado, além de possuírem
uma pequena indústria doméstica. Quanto aos demais, pertencentes às igrejas evangélicas,
muitos plantam cana, enquanto outros são contrários à essa prática. Das dezesseis famílias
ligadas ao MST, a maioria aderiu ao plantio da cana, segundo os depoimentos.
Acredita-se que a compreensão das diferenciações sociais existentes entre os assentados
deva incluir estas reflexões a fim de responder a uma questão percuciente: por que alguns
conseguiram êxito e outros não, já que todos partiram das mesmas condições? Os estudos
clássicos sobre o campesinato, baseados em outras realidades históricas, são importantes
para o entendimento da lógica e da estrutura interna da organização camponesa, porém, a
história deste assentamento não pode ser interpretada a partir da simples transposição dos
conceitos que foram elaborados para a análise de outras realidades históricas. O conceito
de economia moral diz respeito ao contrato social e ao código moral dos grupos sociais
envolvidos. Em outros termos, a economia moral baseia-se na “idéia tradicional das
normas e obrigações sociais, das funções de cada segmento social dentro da comunidade
(4). Na realidade, a construção do novo espaço social incorpora estes traços do mundo
tradicional. Não se trata de um mero retorno ao passado, mas da recriação de valores do
passado e do presente, formando uma simbiose. Portanto, além dos conflitos, a vida
cotidiana é constituída por estes laços de solidariedade, baseados na tradição e também nas
relações de parentesco. Há um outro ponto a ser considerado. Os depoimentos são
unânimes no tocante à vila como lugar de muitos conflitos. Todavia a análise feita acima
não corresponde à idéia de que na vila não haja solidariedade e nos lotes não haja conflitos.
____________
(6) A definição é de Thompson (1979, p. 66); outros autores podem ser referenciados a respeito desta questão,
além de Thompson (1998, p. 203-266) que, ao responder aos seus críticos, trouxe novas contribuições às
formulações anteriores: Scott (1976), Moore Jr (1987), Polanyi (1980), Martins (1989).
24
O espaço social não é sinônimo de espaço físico. Muito embora haja a diferenciação entre
estes dois espaços, onde existe a predominância dos conflitos na vila, nem todas as pessoas
dos lotes são unidas por laços de solidariedade. Algumas delas vivem completamente
isoladas das demais, graças às discórdias existentes. O crime, acima citado, envolveu
jovens que moravam nos lotes.
Estas considerações são importantes à análise do lugar das mulheres neste assentamento,
levando-se em conta as relações de gênero, as posições políticas e a divisão sexual do
trabalho. No que concerne às relações de gênero, as mudanças havidas são poucas,
segundo uma das lideranças. A violência de gênero existe em alguns casos, da mesma
forma que a violência contra as crianças. Em contrapartida, as mulheres ocupam muitas
posições políticas junto às comissões, inclusive o atual Conselho de Desenvolvimento
Comunitário conta com várias delas. Anteriormente, a titularidade do lote era permitida
aos homens, e, somente nos casos de impedimento deles (morte, invalidez), é que este
direito estendia-se às mulheres. Atualmente, graças às mudanças jurídicas, as mulheres são
titulares juntamente com os homens. No que tange à divisão sexual do trabalho, as
mulheres ocupam as mais distintas posições: donas de casa, empregadas domésticas na
cidade, sem contar que muitas delas trabalham na terra nas atividades da horta, da criação
de animais de pequeno porte, na ordenha, no cuidado das roças de milho, feijão, café e
demais produtos do lote; há ainda aquelas que comercializam os produtos da horta e da
indústria doméstica na feira. Segundo a maioria dos depoimentos, são as mulheres as
responsáveis pela maior parte dos trabalhos. O assalariamento urbano, por meio dos
serviços domésticos, constitui uma realidade para muitas jovens e também mulheres
casadas com filhos pequenos. Algumas delas contratam outras mulheres do assentamento
para cuidar dos filhos enquanto trabalham, outras deixam-nos sob a guarda de parentes ou
nas creches da cidade. Esta situação atinge um grande número de mulheres, algo que pode
ser constatado pelo número delas que estão presentes nos ônibus das 6:00hs. Estas possuem
a dupla jornada de trabalho, pois quando chegam em casa, vão desempenhar as tarefas
domésticas como lavar, passar, cozinhar. Os finais de semana são dedicados aos trabalhos
de limpeza, lavagem de roupa, não lhes sobrando tempo para o descanso. Portanto, este é
um exemplo de que a divisão sexual do trabalho, baseada na determinação dos afazeres
domésticos às mulheres, continua se reproduzindo neste assentamento. Este é um modelo
25
para a universidade; ela e o marido vendem lanches com o intuito de auferir um rendimento
complementar; esta atividade é realizada à noite; o fato de não residir no lote, segundo ela,
não lhe traz prejuízos porque ela e o marido trabalham aí durante todo o dia. A unidade
familiar constitui-se na matriz da organização social do assentamento. Desta sorte, cabe
também a pergunta: onde estão os jovens?
A primeira constatação foi a existência de uma grande diferenciação social entre os jovens.
De acordo com os dados coligidos, foi possível estabelecer uma classificação inicial em
dois grupos de jovens assentados: o primeiro grupo constitui minoria e é composto por
aqueles indivíduos que trazem consigo o capital cultural, os valores e a ética do homem do
campo e da cultura caipira. Os jovens que se enquadram neste grupo pensam em dar
continuidade à luta dos pais, vêem a terra como valor de uso, possuem o savoir-faire do
plantio de hortaliças, café e do cuidado com os animais; vivem com suas famílias nos lotes
e conjugam o trabalho da terra com os estudos na cidade. O segundo grupo é constituído
por aqueles cujas trajetórias de vida pouco têm a ver com o modo de vida do meio rural, ou
no trabalho na terra, pois foram socializados no meio urbano e por isso carregam consigo os
valores e as representações deste universo social. Este segundo grupo, constituído por uma
grande parcela dos jovens, reproduz, no meio rural, valores do mundo urbano, como a
maneira de vestir, o modo de falar, as gírias. O fetichismo das mercadorias produzidas pelo
capitalismo - o gosto pelo “hap”, ou pelo “hip-hop”, pela cultura de massa e pelos ícones da
indústria cultural - ganham espaço na proporção inversa em que se dissolve o vínculo com
a terra, com a cultura caipira e com a ética do trabalho característica do meio rural. Em
muitos casos, estes jovens não vêem perspectivas de êxito na agricultura familiar, a opção
viável que se lhes apresenta é o assalariamento urbano e a busca de maior qualificação nas
atividades deste setor. Desejam comprar carros, roupas e eletrodomésticos. Muitos
vislumbram a possibilidade de realizar um curso profissionalizante ou ingressar no ensino
superior. A procura de qualificação profissional traduz o anseio de deixar o trabalho árduo
no campo em direção à cidade.
Agindo de acordo com esta lógica, há casos em que jovens assentados optam por morar em
casas de parentes, ou “repúblicas”, na cidade, facilitando assim o acesso ao mercado de
trabalho urbano. As ocupações femininas encontradas foram: trabalho doméstico, baby
sitter , secretárias; as masculinas englobam os serviços de comércio, indústrias e construção
27
civil. Foi possível constatar também o preconceito que recai sobre estes jovens assentados,
quando ingressam no ensino médio e são obrigados a estudar em escolas situadas no meio
urbano. Um outro problema que, nos últimos anos, tem se tornado freqüente entre as jovens
é a gravidez na adolescência. O número de meninas grávidas vem questionando a eficácia
das campanhas de prevenção e conscientização, sem contar que, em razão das
discriminações, abandonam a escola, comprometendo o projeto de uma carreira
profissional. Há também casos de jovens que vivenciam situações de exclusão no interior
do próprio assentamento. Estes não estudam e não possuem lotes para cultivar, sendo
levados a prestar serviços informais e temporários para outros assentados ou para as usinas
da região, desempenhando tarefas como a quebra do milho, corte de cana, colheita de
laranja. Alguns destes jovens residem no casarão, em condições extremamente precárias;
para um deles, em nível do imaginário, há a busca da superação das necessidades por meio
da ética do trabalho, valor transmitido por sua finada mãe, a quem gostaria de um dia
provar, mesmo que morta, o valor do „filho que ela deixou aqui na terra”
Há duas irmãs, Lena (secretária em uma clínica) e Dinha (babá), que moram em
imóvel alugado, em bairro residencial de Araraquara, filhas de pais pernambucanos,
imigrados, trabalhadores rurais assentados. Logo que chegaram ao assentamento, em 1993,
tiveram um sentimento de estranhamento.
É possível constatar, também, o preconceito que recai sobre esses jovens assentados,
quando ingressam no ensino médio e são obrigados a estudar em escolas situadas no meio
urbano. A entrevista realizada com Lena e Dinha, mostra que a „mentira‟ é uma forma
recorrente de se tentar encobrir a vergonha do estigma de „assentadas‟, ou como chamam os
moradores do meio urbano: „pés-vermelhos‟, „brucutus‟, ou ainda, „mortos de fome‟.
É possível constatar que o trabalho na terra exige um conhecimento que pode ser aprendido
por jovens procedentes do meio urbano, através da experiência, da observação e do uso da
inteligência. A realidade social revela-se então um processo complexo, dinâmico e
contraditório, exigindo dos jovens muitas adaptações.
Ademais da migração de jovens para o meio urbano, há também a migração internacional –
caso de duas moças e um rapaz, que foram para o Japão na condição de dekassegui. A
análise das trajetórias dos jovens precisa ser incorporada àquela dos pais. Por inúmeras
vezes, ouviu-se dos pais a preocupação com o futuro dos filhos. O estudo é o projeto mais
28
irregularidades, até então, elas continuavam ocorrendo, pois o INCRA não havia se
pronunciado a respeito. Segundo um dos técnicos, nos assentamentos sob a
responsabilidade do governo do estado de São Paulo, a organização é diferente. Dois
exemplos são citados: a orientação para que não haja as agrovilas, a fim de que a
agricultura familiar seja viável, ou seja, morar no lote é condição sine qua non para o
desenvolvimento do projeto de reforma agrária; nos casos de irregularidades, os laudos são
enviados à Justiça do Estado que os analisa, e, em seguida, o ITESP toma as providências
cabíveis.
Em diversas ocasiões neste texto, foram feitas referências a este órgão, responsável pelo
assentamento. De acordo com todos os relatos – dos assentados e dos mediadores -, a ausência
do INCRA no tocante à resolução dos problemas é o fator responsável pelo insucesso deste
assentamento. As principais questões apontadas são as seguintes: omissão no tocante às
irregularidades, como o arrendamento disfarçado, o plantio de cana nos lotes, o abandono e
venda de lotes, o aluguel de casas da vila para pessoas da cidade, presença de invasores etc; a
presença esporádica dos funcionários deste órgão no assentamento, ocorrendo de uma a duas
vezes ao ano; ausência no tocante à resolução de questões referentes ao crédito, às dívidas, à
comercialização dos produtos, às formas organizativas etc;
De um lado, o INCRA é visto como inimigo dos assentados; a omissão é interpretada como
sendo a forma do assentamento não dar certo. Ou seja, o INCRA é o culpado. Segundo a
ideologia da culpa (Martins, 2000 b), pode-se perceber que, ao responsabilizarem o INCRA,
enquanto o outro, muitos assentados e os próprios mediadores eximem-se de auto-examinarem
suas próprias ações. Por outro lado, alguns assentados reconhecem a importância dos
investimentos do INCRA, tais como: eletrificação na vila e nos lotes, rede de água em todos os
lotes e construção de curvas de nível também em todos os lotes, ou seja, investimentos de
infra-estrutura. Quando apontam as irregularidades afirmam que a ausência do poder faz com
que cada um aja do melhor jeito que lhe aprouver, gerando a bagunça, os vagabundos, que
ficam nos bares enquanto as mulheres trabalham como empregadas domésticas na cidade,
enfim toda uma sorte de acusações interpessoais que impedem o aprofundamento das
reflexões sobre a própria realidade em que vivem.
32
refletido de um corpo real, que não é visto e nem entendido. Esta imagem lembra o mito da
caverna, descrito por Platão.
A produção familiar: a reinvenção de práticas e estratégias
Objetiva-se neste momento, oferecer mais algumas informações sobre as diversidades da
produção e da maneira de produzir a fim de completar o retrato do mosaico desta realidade
social.
Desde o início da constituição do assentamento, houve o predomínio da plantação de
cereais (lavoura branca). O milho foi o produto privilegiado. A maneia de produzir
associa a mão-de-obra familiar com o uso de máquinas no preparo da terra, no plantio e
também na colheita. O uso da mão-de-obra refere-se à carpa, realizada duas vezes durante o
ciclo desta cultura. A inexistência de irrigação faz com que haja apenas uma única
plantação anual. Esse fato conduz à ociosidade da terra e também, pelo que se observou,
dos homens. Por isso mesmo, o milho é denominado pelos próprios assentados de planta de
vagabundo. Quando a família mora no lote, durante o tempo da produção do milho, outras
atividades são desenvolvidas, como a produção de outros produtos, como o feijão, arroz,
café, mandioca, legumes, verduras, frutas e criação de animais, porcos, cabras, ovelhas e
gado leiteiro. Ao contrário, se a família não residir no lote, e este se situar distante da vila, a
produção doméstica e a criação de animais de pequeno porte ficam inviabilizadas.
As razões apontadas pela não construção da casa no lote reportam-se à ausência de uma
linha de crédito que contemple este item. No entanto, aqueles que residem no lote, a
fizeram com os próprios recursos e com muitos esforços. Inicialmente, ergueram um
ranchinho de apenas um ou dois cômodos, e, aos poucos, foram construindo a casa
definitiva. O ranchinho não foi demolido e nem a sua função de outrora é escondida pela
família. Ao contrário, a presença das duas casas é um comprovante do processo de ascensão
social e um marco importante da experiência familiar . As lembranças do período em que
moraram no ranchinho são permeadas pela dureza do trabalho na terra, totalmente coberta
pelo capim colonião. Paulatinamente, as marcas do trabalho familiar foram imprimindo
uma nova feição ao lugar, transformado em nosso lugar, nossa terra, nossa casa. O
ranchinho, gênese do processo de apropriação da terra, concentra um conjunto de
elementos simbólicos, essenciais á compreensão das diferenciações sociais entre os
assentados. Em torno dele, desenvolveu-se o trabalho familiar, a indústria doméstica, a
34
espaço social, a feira representa a recriação de novos e velhos costumes, onde se acham
imbricados o comércio de mercadorias, mediado pelo dinheiro, a troca direta e a
sociabilidade, baseada em relações primárias. São temporalidades que se entrecruzam no
mesmo espaço social.
A cana: a cultura proibida/consentida
O plantio de cana é a questão que mais suscita controvérsias neste assentamento. De um
lado, há aqueles que se justificam enquanto fornecedores de cana, jamais como rentistas,
arrendando as terras para usinas e fazendas. Por inúmeras vezes, solicitou-se uma cópia do
contrato, porém não foi possível consegui-lo; até mesmo o presidente da Cooperativa de
Produtores de Cana negou-se a fornecê-lo. Este conflito, como já foi mostrado ao longo
deste texto, atinge não apenas os assentados como também os representantes do ITESP, do
poder local, da FERAESP e as lideranças. No assentamento da fazenda Monte Alegre,
houve várias tentativas de plantio de cana, incentivadas pelas usinas, mas os objetivos não
foram logrados (STETER, 2000). Em suma, trata-se de uma cultura proibida pelo INCRA
nos termos das relações de produção existentes, porquanto consentida por este Órgão, na
medida em que a prática continua sendo pautada pela omissão. E mais ainda. O aumento
daqueles que estão aderindo à cana tem crescido anualmente. Os cálculos do ITESP
referem-se à aproximadamente cinqüenta e dois lotes com plantio de cana.
A maior justificativa apresentada é a inadimplência junto ao Banco do Brasil. Segundo
fontes fidedignas, no período de 1995-2001, o financiamento do Banco do Brasil foi em
torno de R$ 1.440.000,00; os produtos financiados foram o feijão, arroz e milho. Deste
montante, a inadimplência gira em torno de 30%. Além deste aspecto econômico, há o
político, pois a cana representa o produto dos usineiros, cujos interesses são contrários
àqueles dos assentados. Desde os primeiros anos, houve tentativas de plantio de cana. As
primeiras plantações foram queimadas gerando um conflito enorme entre os assentados,
inclusive um deles, acusado de ser o mentor deste ato, sofreu um processo judicial, pelo
qual ainda responde. Este acontecimento envolveu a FERAESP, que se constituiu como
defensora do acusado, e foi muito propagado pela imprensa da cidade. Portanto, a volta da
cana representa o reflorescimento das lembranças deste passado conflituoso. Há ainda a
memória daqueles que foram empregados das usinas, cujas lembranças são carregadas de
muito sofrimento. Muitos deles, homens e mulheres, ao se lembrarem deste tempo,
37
choraram e manifestaram além da dor, sentimentos de cólera. Para estes, mesmo que
passem fome, segundo suas palavras, jamais plantarão cana em seus lotes. Portanto não são
apenas os cálculos econômicos os responsáveis pela adesão ou não à cana. Uma depoente,
ao se lembrar do tempo em que era cortadora de cana emociona-se e afirma: Então eu tenho
muita revolta...Se eu pudesse, eu não via um pé de cana na minha frente. Eu nem gosto de lembrar.
Acredita-se que estes elementos invisíveis são extremamente fecundos à análise em torno
do plantio da cana no assentamento, além daqueles já mencionados. Este acontecimento
surtiu efeitos profundos na vida desta mulher, que, embora, parte de um tempo passado,
continua definindo suas práticas presentes e informando seus projetos futuros. Em vários
momentos afirmou que, se, por ventura, o marido aderir ao plantio da cana, ela não
vacilaria em deixá-lo. Seu relato revela também a consciência política em relação aos
usineiros, definidos como exploradores dos pobres e seus inimigos. E mais. Os usineiros
são vistos como contrários ao projeto de assentamento, dado que aquelas terras pertenciam
ao grupo do qual fazem parte, e, na medida em que arrendam as terras dos assentados,
estão corroborando para o fracasso da Reforma Agrária. A presença de um assentado, que
responde por um processo de invasão de lote, cuja trajetória é totalmente anômala em
relação ao projeto de Reforma Agrária, é uma confirmação das suposições de muitas
pessoas. Trata-se de um ex-policial, invasor de um dos lotes, que tem uma oficina mecânica
na frente da casa e que se coloca como o fundador e presidente da Associação de
assentados que plantam cana . Segundo foi apurado, mantém ligações com um deputado da
cidade, que é defensor dos interesses dos usineiros. É casado com uma enfermeira que não
mora no lote, possui um nível de escolaridade superior aos dos assentados (nível médio).
Seu relato não confirma as suposições existentes. Entretanto, a presença de grandes
máquinas e de grandes quantidades de adubos e outros corretivos para o solo são um
testemunho da produção dos usineiros, algo que se afasta completamente da condição
financeira dos assentados. Este fato é recorrentemente comunicado ao INCRA pelos
técnicos do ITESP, por meio de laudos, fotos e outros registros.
O plantio de cana é um grande desafio para o projeto de Reforma Agrária. A proibição do
INCRA não se concretiza em ações que resultem no fim desta atividade. A cada ano,
aumenta o número daqueles que aderem à esta cultura. Como foi mencionado em outras
partes deste texto, a ideologia da culpa camufla outras questões e conflitos.
38
segurança quanto à saúde, certeza de que nunca vão passar fome e a esperança de que o
assentamento lhes possibilita continuar ali. Quanto à terra, todos afirmaram que ela é a
fonte da vida, é um patrimônio não somente para os filhos que permanecem como para
aqueles que partem. No que concerne aos jovens, os projetos são diferenciados, mas mesmo
aqueles, que manifestaram o desejo de ir para a cidade, esperam que seus pais continuem na
terra, enquanto estes objetivam deixar a terra para seus filhos.
Os conflitos gerados em torno do plantio de cana revelam que a proposta da Reforma
Agrária, enquanto um projeto social, é a bandeira de luta daqueles que almejam ficar na
terra e desenvolver a agricultura familiar produzindo alimentos para eles e para os
habitantes da cidade, segundo muitos depoimentos. Para este projeto se concretizar, há
necessidade da presença do órgão governamental, responsável pelo assentamento, e uma
política de financiamento diversa da que existe atualmente.
Um outro ponto que valeria a pena ressaltar é a relação entre as trajetórias familiares e
profissionais e a atual condição social. Em outros termos, o ethos do trabalho relacionado à
terra; este aspecto é muito importante para a análise da diferenciação social entre os
assentados. O ethos é também um elemento constitutivo da memória. Em muitas ocasiões,
pôde-se perceber a memória como um fator gerador de práticas relacionadas ao grande
esforço para ficar na terra, sobretudo por parte daqueles que construíram as casas nos lotes.
Eles conservam o ranchinho como símbolo, como marco da entrada na terra. Sentem-se
orgulhosos em mostrar como eram e como estão agora, como ascenderam socialmente por
meio do trabalho duro de toda a família. Não somente a casa, mas as árvores plantadas, os
animais, as demais construções, enfim tudo o que possuem representa a marca do trabalho.
Ao mesmo tempo, produzem projetos calcados na utopia, nas próprias forças, na proteção
divina e na ajuda do governo. Ao se reportarem ao plantio de cana, manifestam o medo de
perderem a terra. Aqueles que possuem horta, café, frutas afirmam que a cana é uma
ameaça por causa das queimadas, do agrotóxico, da presença das grandes máquinas e dos
usineiros que estão dentro do assentamento. Todos disseram que vão resistir; caso percam
as plantações irão à justiça, e, se for necessário, não importam em deixar a terra num
caixão. Ao mesmo tempo, indignam-se diante do desperdício de dinheiro público por meio
de investimentos em eletrificação, água, curvas de níveis, dado que tais gastos não são
necessários ao plantio de cana. As práticas em torno da defesa do projeto de Reforma
40
Agrária inserem-se no conjunto do ethos no qual a terra possui , ademais de suas funções
para garantir a sobrevivência, a simbologia da multiplicação, da transformação.
Lavoura é talento, esse talento tem que ter força para levantar, como é que vai nascer um filho meu
desnutrido, eu tenho que ir ao médico para levar ele, é como uma lavoura, uma semente, como um talento é
a mesma coisa! Se eu planto um pé de milho, eu quero ver ele bonito, ver uma boa espiga, eu tenho de
agradar aquele pé de milho, e como eu agrado! ... A Reforma Agrária é um talento (Sr. João).
Na antigüidade greco-romana, o talento era a denominação da moeda existente, algo que
aparece também em algumas passagens bíblicas. Ao transformar a terra em terra-talento,
ele a (re) significa , empresta-lhe a qualidade do dinheiro, responsável pela sua
sobrevivência, atribui-lhe uma aura, invisível, porém real. Neste momento, a memória
estabelece os liames entre passado e presente e se transfigura em devir. O talento é o tropo
linguístico que sintetiza o reencontro com a terra e com os seus frutos, que lhe permite
animar a planta por meio da conversa, do toque, do cuidado e até mesmo de se confundir
com ela numa relação simbiótica de dependência mútua. A Bela Vista é um diamante bruto que
precisa ser lapidado para que a Reforma Agrária seja como a Gralha Azul...A Gralha Azul ela é do sertão,
ela trabalha, ela pega o pinhão e enterra... Então, ela é um „bichinho‟ assim que trabalha... Tem que ser
como a Gralha Azul. A reforma agrária tem que ser como a Gralha Azul (Maria).
Aprender com a natureza... , transformar a reforma Agrária num talento, talvez
sejam as tarefas ausentes nos cadernos daqueles que detêm o poder de decisão neste
assentamento...
BIBLIOGRAFIA
ANDRADE, E. A. Processo de trabalho, espaço e sociabilidade: a sericicultura no assentamento de reforma
agrária do Horto Silvânia. Dissertação de mestrado, UNESP/Araraquara, 1997.
BARONE, L. A. Revolta, conquista e solidariedade: a economia moral dos trabalhadores rurais em três
tempos. Dissertação de Mestrado. PPG/Sociologia/UNESP/Araraquara, 1997.
______________Religião, política e economia: “o drama da re-socialização” num assentamento rural
paulista. Texto apresentado para o Exame de Qualificação de Doutorado.
PPG/Sociologia/UNESP/Araraquara, 2002.
BATTAGLIOLA F et al. Dire as vie: entre travail et famille. La construction social des trajectoires. Paris:
CNRS/CSU-IRESCO, 1991.
BERGAMASCO, S. M. P. A realidade dos assentamentos por trás dos números. Estudos Avançados. Dossiê
Questão Agrária. Censo dos Assentamentos. As teses do MST. V. 11, set/dez, 1997, p. 37-49.
BRUMER, A . et al. Tensões na Transição Democrática Brasileira. São Paulo em
Perspectiva, nº 2, V.11, 1997, p.35-41.
Cadernos de Pesquisa . Retratos de Assentamentos. Araraquara, Ano I , N.1, 1994.
Cadernos de Pesquisa. Retratos de Assentamentos. Araraquara, Ano IV, N. 6,1998.
CAIRES, A . C. R. Nem tudo era doce no Império do açúcar (vida, trabalho e lutas na usina Tamoio-
1917/1969). Dissertação de Mestrado. PPG/Sociologia/UNESP/Araraquara, UNESP,1993.
CARNEIRO, M. J. Política pública e agricultura familiar: Uma leitura do PRONAF. Estudos Sociedade e
Agricultura. Abril, N. 8, 1997, p.70-82.
CHIOVETTI, S. P. Reestruturação produtiva na agroindústria paulista e a luta dos trabalhadores rurais
assalariados. Lutas Sociais. N. 6, 2º semestre de 1999, p151-173.
41
MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia alemã. (I Fuerbach). Tradução de José Carlos Bruni e Marco Aurélio
Nogueira. 4ª edição. São Paulo: Editora Hucitec, 1984.
MOORE, Jr., B. Injustiça. As bases sociais da obediência e da revolta. São Paulo: Editora Brasiliense, 1987.
MOREIRA, R. J. Agricultura familiar e sustentabilidade: valorização e desvalorização econômica e cultural
das técnicas. Estudos Sociedade e Agricultura. Abril, N. 8, 1997, p 51-69 .
NAVARRO, Z.. Sete Teses Equivocadas Sobre as Lutas Sociais no Campo: o MST e a Reforma Agrária. São
Paulo em Perspectiva, N.2, vol.11, 1997, p.86-93
.
NEVES, D. P. Agricultura familiar e mercado de trabalho. Estudos Sociedade e Agricultura. Abril, N. 8,
1997, p.7-25.
____________ Assentamento rural: reforma agrária em migalhas. Niterói: EDUFF, 1997
POLANY, K. A Grande Transformação- As origens da nossa Época. Rio de Janeiro: Editora Campus,1980.
ROSIM, L. H. A vontade do estado e o querer dos trabalhadores. Retratos de Assentamentos. Cadernos de
Pesquisa. Araraquara, Ano IV, N. 6, 1998, p.87-108.
SCOTT, J. C. The Moral Economy Of The Peasant Rebelion And Subsistence In Southeast Asia. Worcester,
Yale University Press, 1976.
SILVA, M. A . M. Fiandeiras, tecelãs, oleiras... redesenhando as grotas e veredas. Projeto História, N. 16,
1998, p. 75-104.
_______________ Errantes do fim do século. São Paulo: Editora daUnesp,1999.
_______________A cultura na esteira do tempo. São Paulo em Perspectiva. Fundação SEADE, V. 15, N. 3,
jul/set/2001, p.102-112.
_______________Migração. Uma metodologia em busca das lembranças. Texto apresentado no 29º.
Encontro Nacional do CERU, realizado na USP/São Paulo, maio de 2002.
STETER, E. A . A cana nos assentamentos rurais. Presença indigesta ou personagem convidada. Dissertação
de mestrado, PPG/Sociologia/UNESP/Araraquara, 2000.
THOMPSON, E. P. Tradición, Revuelta y Conciencia de Clase. Barcelona: Editorial Crítica, 1979.
________________ Costumes em comum: Estudos sobre a Cultura Popular Tradicional. São Paulo:
Companhia das Letras,1998.