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CONTANDO HISTÓRIAS DO BAIRRO SÃO PEDRO

Adilson José Regert

RESUMO

Contar histórias do Bairro São Pedro, consiste em resgatar não somente a memória
do mesmo, mas também a própria construção histórica do Município de Porto
União - SC. Dessa forma, a problemática evidenciada nesta pesquisa se apresenta
na seguinte sentença: É possível realizar um resgate e descrever os aspectos
históricos que envolvem o surgimento do Bairro São Pedro no Município de Porto
União - SC? Produzir um material de pesquisa com um teor sócio-econômico,
cultural e histórico, direcionando a evolução de pontos importantes, tradicionais e
1
culturais do Bairro São Pedro, é o objeto principal deste artigo, dessa forma, contar
a história de um bairro possibilita ouvir os relatos de vida, demonstrando seu
delineamento histórico até a contemporaneidade.

Palavras-chave: História Local. História Oral. Memória. Bairro São Pedro/Porto


União - SC.
1 HISTÓRIA LOCAL – PERSPECTIVAS TEÓRICAS

Segundo Reznik (2002), a historiografia brasileira está


impregnada por narrativas que discursam sobre a nação, a pátria, a
sociedade, o Estado brasileiro. Esta afirmação, longe de ser
tautológica1, designa o lugar que o recorte temático nacional assumiu
entre os historiadores brasileiros. Os grandes textos, os clássicos da
historiografia aqueles que tomaram lugar no panteão consagrado pelo
pensamento político e social, lidos como referências obrigatórias nas
universidades, escritos pelos que se tornaram mestres historiadores,
remetem-nos, inequivocamente, a uma história do Brasil.

Para tal, é importante relatar que os estudos sobre regiões ou


localidades específicas também remontam ao século XIX. A dimensão
continental brasileira suscitou, em contrapartida, nos últimos duzentos 2
anos, estudos sobre experiências locais, quer sejam sobre o espaço do
município, quer sejam sobre os estados da federação (ou as províncias
do Império), quer sejam sobre as regiões (o nordeste, o sul, etc.), no
seu recorte geográfico, econômico, ou propriamente como uma
construção historiográfica. Ainda está para ser inventariado esse leque
de estudos, de forma a poder se ter a dimensão do que, quando e como
foi produzido.

Nesse sentido, as narrativas historiográficas tem como


pressuposto uma forte lealdade e sentimento de pertencimento da
sociedade e dos indivíduos aí inseridos à entidade nacional.

A idéia básica é que todos somos, em primeiro


lugar, brasileiros. [...] um homem deve ter uma
nacionalidade, assim como deve ter um nariz e duas
orelhas. A nação foi, durante os últimos duzentos

1 Repetição de um mesmo conceito.


anos, um elemento central em nossos sistemas de
representação cultural. A idéia de ser brasileiro
esteve arraigado (e, ainda está) nas nossas
percepções do mundo, acima de outros sistemas de
representação cultural como, por exemplo, a
religião, a cor ou gênero. Nesses termos, a nação
forja uma estrutura na qual os indivíduos sentem-se
identificados, “costurados”. As identidades
nacionais estabilizam tanto os sujeitos quando os
mundos culturais que eles habitam, tornando
ambos reciprocamente mais unificados e
predizíveis (REZNIK, 2002, p.2).

Uma cultura nacional é um discurso, um modo de construir


sentidos, que influencia e organiza tanto as ações quanto a concepção 3
que se tem das pessoas. Esses sentidos são construídos, em grande
parte, pelas imagens e símbolos que são socializados, através de
inúmeros mecanismos de produção e difusão, estatais ou não, através
das mais variadas memórias e histórias; enfim, discursos, sobre o ser
brasileiro, sua história, seus gostos, seus comportamentos. Nesse
sentido, a identidade nacional é uma “comunidade imaginada”,
simbólica.

Através das ações, os homens entram em contato


com a realidade natural e social e participam do
processo de transformação e construção da
sociedade humana e do processo de acumulação do
saber. Neste processo qualitativo (criação de
cultura e civilização) e quantitativo (transformação
da natureza). Ao mesmo tempo, relativo, e absoluto;
único e substituível; particular e coletivo, sua
subjetividade resulta da interação com o mundo. Na
produção do conhecimento são elementos
fundamentais: o sujeito e o objeto; o pensamento e
a ação, onde questões e práticas estão em
permanente interação (NIKITUK, 2002, p. 1).

Trabalhar e conhecer os princípios que organizam o saber


histórico e suas relações com o espaço vivido é, portanto, essencial à
formação do indivíduo e, respectivamente da sociedade onde vive.
Verifica-se ainda, que os estudos da história local conduzem à estudos
dos diferentes modos de viver no presente e em outros tempos, que
existem ou que existiram no mesmo espaço. Nesse sentido, a proposta
para os estudos históricos é de favorecer o desenvolvimento das
capacidades de diferenciação e identificação, com a intenção de expor
as permanências de costumes e relações sociais, as mudanças, as
diferenças e as semelhanças das vivências coletivas, sem julgar grupos 4
sociais, classificando-os como mais evoluídos ou atrasados.

Segundo Pollak (1989), estudar as memórias coletivas


fortemente constituídas, como a memória nacional, implica
preliminarmente a análise de sua função. A memória, essa operação
coletiva dos acontecimentos e das interpretações do passado que se
quer salvaguardar, se integra, como verifica-se, em tentativas mais ou
menos conscientes de definir e de reforçar sentimentos de
pertencimento e fronteiras sociais entre coletividade de tamanhos
diferentes: partidos, sindicatos, igrejas, aldeias, regiões, clãs, famílias,
nações, etc. A referência ao passado serve para manter a coesão dos
grupos e das instituições que compõem uma sociedade, para definir
seu lugar respectivo, sua complementaridade, mas também as
oposições irredutíveis.
Manter a coesão interna e defender as fronteiras
daquilo que um grupo tem em comum, em que se
inclui o território (no caso de Estados), eis as duas
funções essenciais da memória comum. Isso
significa fornecer um quadro de referências e de
pontos de referência. É portanto, absolutamente
adequado falar, como faz Henry Rouso, em memória
enquadrada, um termo mais específico do que
memória coletiva. Quem diz enquadrada diz
trabalho de enquadramento. Todo trabalho de
enquadramento de uma memória de grupo tem
limites, pois ela não pode ser construída
arbitrariamente. Esse trabalho deve satisfazer a
certas exigências de justificação. Recusar levar a
sério o imperativo de justificação sobre o qual
5
repousa a possibilidade de coordenação das
condutas humanas significa admitir o reino da
injustiça e da violência. À luz de tudo o que foi dito
acima sobre as memórias subterrâneas, pode-se
colocar a questão das condições de possibilidade e
de duração de uma memória imposta sem a
preocupação com esse imperativo de justificação
(POLLAK, 1989, p. 6).

Postular em defesa do estudo da história local na historiografia


oficial significa, antes de tudo, optar por temáticas ligadas ao cotidiano
de comunidades específicas, com referência geográfica ou sociológica,
que, por certo, passariam despercebidas para as abordagens genéricas.
O estudo de temas locais opera em escala de observação pontual, com
possibilidades de contatos empíricos com documentos, museus,
bibliotecas e testemunhos de pessoas que vivenciaram fatos históricos
num passado recente e que são fontes vivas do cotidiano vivenciado
por estas comunidades (ALVES; SCHALLENBERGER; BATISTA, 2005).

Para tal, a preservação da memória sempre foi um desafio para o


historiador e para os educadores, comprometidos com a disseminação
e construção do conhecimento histórico. A valorização da história local
é o ponto de partida para esse processo de formação do cidadão, do
agente histórico, pois ela irá romper com a noção de história que se
prende apenas ao passado, aos grandes nomes e aos grandes feitos.
Mas é preciso preparar o professor para isso.

O desenvolvimento local sustentável, como


processo dinâmico de transformação da sociedade e
do meio, repousa, em grande parte, sobre a
participação ativa e criativa das comunidades locais. 6
Sem essa participação, verifica-se apenas a
implementação de programas tecnocráticos cuja
eficácia funda-se na combinação conjuntural e
efêmera de uma vontade política e da
disponibilidade de meio financeiros e humanos
(VARINE, 2002, p. 287).

A educação popular para o desenvolvimento visa criar ou


reforçar a comunidade e seu domínio do próprio território, dando-lhe
as ferramentas necessárias á concepção, à expressão, à formulação de
projetos, à realização dos mesmos, à cooperação interna e externa.

[...] a educação popular não visa apenas á satisfação


da demanda de públicos específicos; ela deve ser,
sobretudo, a fonte de uma cultura comum
construída a partir dos aportes de todos os
membros da comunidade, agregando aportes
externos destinados a facilitar a integração dessa
comunidade em comunidades mais amplas, em
nível regional [...] (VARINE, 2002, p. 289).

Toda comunidade é um bando de saberes, alguns formais e


explícitos, outros informais ou virtuais, que podem um dia ou outro ser
úteis, seja para uma pessoa em particular, seja para o conjunto da
comunidade ou para uma categoria de seus membros.

[...] do trabalho humano o documento se constitui


em fruto da satisfação de alguma necessidade
historicamente determinada. As coisas mais banais
do cotidiano, todas as coisas que o homem constrói,
tudo que deriva do seu trabalho, são expressões da
presença humana e, portanto, vestígios ou fontes
documentais a serem consideradas (LUPORINI, 7
2002, p. 326).

Na história oral, a pesquisa e a documentação estão integradas


de maneira especial, uma vez que é realizando uma pesquisa, em
arquivos, bibliotecas, etc., e com base em um projeto que se produzem
entrevistas, que se transformarão em documentos, os quais, por sua
vez, serão incorporados ao conjunto de fontes para novas pesquisas. A
relação da história oral com arquivos e demais instituições de consulta
a documentos é, portanto, bidirecional: enquanto se obtém, das fontes
já existentes, material para a pesquisa e a realização de entrevistas,
estas últimas tornar-se-ão novos documentos, enriquecendo e, muitas
vezes, explicando aqueles aos quais se recorreu de início (ALBERTI,
2004).
2 O BAIRRO SÃO PEDRO EM FONTES ORAIS

Quem entre os moradores ou antigos moradores do bairro não se


lembra de como era bom ouvir o apito do trem fazendo todos
acompanhar bem distante ao longo do seu trajeto diário e noturno, um
pouco antes da meia-noite, por exemplo, quando ele fazia a sua última
chegada vindo de outros lugares. A passagem de trem com inúmeros
vagões era feita pelo meio de várias regiões da cidade de Porto União e
cortava de uma maneira quase total o Bairro São Pedro. Ali ele fazia
manobras para ajustar a máquina, as cargas e trilhos. Pelo menos duas
linhas cortavam o bairro, uma para o sul e outra para o leste de Santa
Catarina. Mas além de apitos de máquinas ferroviárias, tínhamos
também apitos de inúmeras fábricas, que davam a cada morador, uma
idéia de que o tempo estava passando e que havia hora para tudo, para
trabalhar, para gerar manufaturas, para descansar, para fazer o lanche 8
entre um turno e outro.

Houve muito progresso no interior do bairro nos últimos anos,


que se expandiu para todo o município porto-uniense, como bem conta
um comerciante, que há muitos anos chegou até a região ainda verde,
tomada pela vegetação típica, com apenas alguns cidadãos que ali
escolheram pra erguer suas casas, que se tornaram seus vizinhos, seus
amigos, seus consumidores e clientes, que deram não só lucros, mas
também trouxeram uma agradável e sincera amizade ao senhor Leoni
Cottet. Ele diz em entrevista2, que quando chegou em 1979, havia
apenas algumas casas, um conjunto habitacional da Cohab 3, cemitério,
Escola Básica de 1º grau, poucos estabelecimentos comerciais de
varejo e, verificando essa condição, resolveu construir e trabalhar com
um pequeno barzinho que mais tarde se transformou em um

2 Entrevista concedida pelo Senhor Leoni Cottet, no dia 4 de setembro de 2010 a


Isabel Horofchko dos Santos e cedida ao autor.
3 Companhia de Habitação do Estado de Santa Catarina.
mercadinho. Tudo foi se transformando com o passar do tempo,
moradores tomando os espaços de potreiros e construindo seus lares.

Segundo relatos, a Igreja é um ponto de referência há muito


tempo por ser onde tudo começou, desde as pequenas reuniões que
faziam os primeiros moradores ao redor de um pequeno monte de
lenha. Ali eram decididos como o local teria que ser traçado e marcado
na história. Em reuniões informais como esta que se tomavam rumos e
decisões para se fazer as festas, construção de barracas, venda de xixo
(espetinho de carne) e a construção da grande fogueira, como é feito
até hoje, um trabalho totalmente voluntário.

O senhor Leoni, fecha a entrevista dizendo que além de ser


comerciante, foi também um amigo nas horas em que a população
vizinha mais necessitava, pois como era um dos poucos moradores que 9
possuía automóvel na época, ajudou na locomoção até hospitais e
consultas, que até mesmo ultrapassavam as divisas estaduais, já que
não tinha estradas asfaltadas no lado catarinense, tornando assim mais
fácil ir até Curitiba no Paraná ou São Paulo.

Em busca dessa memória adormecida, foi entrevistada outra


personalidade ilustre do bairro, seus relatos complementam fatos
históricos, pessoa esta que não deixa a memória ser esquecida, se
chama Clóvis Coelho. No começo da conversa ele afirma ser natural de
Canoinhas - SC e, veio pra cá em 1969. Ele já trabalha com fotografias
antigas e sabe de muitos fatos antigos, como uma cachoeira que muita
gente desconhece que existiu no terreno onde hoje está localizada a
associação de funcionários do supermercado Glória.

Clóvis inicia contando que a Sinhá Ana Bita foi mesmo uma
mulher que tinha uma influência muito forte sobre as terras daquele
local, sendo que o bairro tinha ainda na época o nome de Nossa
Senhora do Iguapê, mais tarde denominando Bairro de Tócos, porque
segundo informações foi ali estocada uma quantidade enorme de
tócos4.

Foi uma capelinha, que foi construída por Sinhá Ana Bita, o
primeiro marco histórico, o ponto inicial do Bairro São Pedro que se
tem notícia até hoje. Foi numa casa próxima da capelinha que Sinhá
Ana Bita, começou a dar hospedagem aos tropeiros, bem como para as
pessoas que passavam por aquele trajeto, causando comentários dos
moradores locais a respeito do contexto em que se dizia que ali
também foi usado como uma casa de prostituição, não sendo possível
afirmar, porque só é sabido através de alguns comentários 5.

Os tropeiros passavam pelo lado da igreja, fazendo um trajeto


por dentro da propriedade do senhor Hilário Andrucho, passavam por
dentro de um riozinho que hoje se tornou uma vala, saindo então onde 10
hoje é o prédio da empresa Reunidas, na avenida João Pessoa.

E a partir da Sinhá Ana Bita as famílias foram se estabelecendo


ao redor dessa capelinha, o chamamento de toda uma comunidade da
época se criava e se constituía a partir da capela, era a capela na beira
de rio, trazendo as pessoas de longe e se instalando ali ou apenas
rezando dentro da igreja, iniciando uma comunidade.

A partir daí vieram famílias pioneiras como a família Melo,


depois os Mayer, os Silva. Não podemos numerar as famílias porque
acabamos esquecendo de uns mais tradicionais que esses citados e
acabaria entrando em uma discussão. Mas, como afirma o Senhor

4 Entrevista concedida pelo Senhor Clóvis Coelho em no dia 4 de setembro de 2010


a Isabel Horofchko dos Santos e cedida ao autor.
5 Idem.
Clóvis, “não podemos deixar a luz da memória e do resgate histórico se
apagar”6.

O Bairro São Pedro não era muito bem visto, devido ao grande
número de casebres que foram se instalando paralelamente às linhas
férreas, construídas por invasão de operários que ajudaram na
construção da malha ferroviária, vindos de outras regiões do Brasil
com poucos recursos financeiros. Criou-se assim um rótulo ao local
chamado de “linha velha” causando nos munícipes certo menosprezo a
determinadas regiões do Bairro São Pedro. Atualmente a área está
reurbanizada, revitalizada e conta com a mesma atenção dada ao resto
do bairro.

Após a enchente de 1983, sendo o bairro localizado em uma


parte alta do município de Porto União, sem riscos de 11
desmoronamentos e enchentes, realmente começou a valorização do
Bairro São Pedro, novas oportunidades surgiram, houve um alto índice
de vendas de imóveis, o que fez disparar o valor dos terrenos e o que
estava progredindo aos lentos passos começou a ter passos largos, pois
o Bairro São Pedro começou a ser redescoberto pela população
paranaense de União da Vitória e do lado do bairro Santa Rosa de
Porto União. De fato, o único bairro intocável pelas águas do Rio Iguaçu
se tornou posteriormente, área nobre do município de Porto União.

Logo com inúmeras pessoas vindas de fora dessas terras altas e


arborizadas, o bairro começa a se transformar, a necessitar de
padarias, oficinas, supermercado, maior linha de ônibus urbano e
assim por diante, conforme as necessidades foram crescendo.

A origem da festa da fogueira ocorreu em uma reunião de amigos


que coincide com o inverno e no calendário religioso com a data de

6 Idem.
devoção a São Pedro. A improvisação de uma fogueira foi suficiente
para que nos anos seguintes a experiência se repetisse com sucesso,
tornando-se uma tradição de importância tal que desencadeou um
movimento para denominar a localidade até então conhecida por
Tócos, para Bairro São Pedro.

A história das maiores fogueiras de festejos juninos do Bairro


São Pedro é interessante, foi ali no bairro que ergueram a maior
fogueira, com 42 metros de altura. Hoje ela é acesa eletricamente, mas
já foi acesa com tocha e os mais ousados subiam no alto da fogueira
sem qualquer tipo de segurança. Até apareceu a fogueira no programa
da Rede Globo, Fantástico, em 1978, quando os participantes da
organização da festa foram até Curitiba, capital do Estado do Paraná
para anunciar o evento.
12
Seu Leoni, conta que a fogueira de São Pedro e São Paulo trouxe
sempre inúmeros turistas para o local, pela curiosidade e pela saudade
de inúmeras pessoas que por aqui viveram e cresceram vendo a
queima da fogueira que por muitas vezes foi a maior do mundo. Isso
impulsiona a economia em tempos de festa, gerando um gigantesco
investimento tanto na quadra toda da igreja, com o comércio popular,
quanto nos arredores. A grande massa populacional se concentra em
noites e dias frios durante quase duas semanas de festa, pois é
realizada a pequena e a grande fogueira em datas previamente
marcadas para o deleite de quem aprecia.

A partir de uma festa de caráter popular é possível reconhecer a


construção da identidade cultural do Bairro São Pedro em Porto União-
SC, a qual está ligada aos laços de amizade e união das pessoas que
compõem esta sociedade, sendo a fogueira o símbolo que representa
esse processo de entrelaçamentos.
A primeira e antiga igreja, chamada de igrejinha, teve que ser
demolida para aumentar as dependências de trânsito de pessoas
durante a festa da fogueira, deixando claro que faltou consciência a
respeito de um patrimônio histórico tão importante.

Clóvis Coelho nos conta que em 1977, ele estava servindo o


Exército em Brasília e o único telefone que tinha no bairro era o da
família Carneiro. Hoje ele diz que não consegue atravessar a rua
principal que é a avenida João Pessoa, devido ao alto índice de veículos
que passam por ali. Seu Hilario Andrucho, que tinha ali o Bar Marlene
era o único que tinha uma televisão, para o povo assistir a copa de
1970.

13
3 O BAIRRO SÃO PEDRO EM FONTES ESCRITAS

Diante da análise dos aspectos históricos que envolvem o


surgimento do Bairro São Pedro, no Município de Porto União, Estado
de Santa Catarina, verificou-se que o tema desta pesquisa, se baseia na
importância do passado do Bairro São Pedro, consistindo na análise de
uma visão do passado, proporcionando entender como se tornou o
maior e mais populoso bairro desse município. Dessa forma, quando se
buscou fontes históricas a partir da produção historiográfica local,
encontram-se ainda, poucos materiais que façam referência ao tema
deste trabalho. Em “Apontamentos Históricos de União da Vitória
1768-1933”, Silva (2006), faz diversas referências e citações a
existência ali, de fatos, eventos, nomes e instalações diversas entre os
anos de 1880 a 1916 que representam o então Arrabalde (Arrabalde)
de Tócos (Tôcos).

A primeira citação feita por Silva (2006, p. 43), faz referência ao


ano de 1880 em forma de uma nota informativa: “Nesse ano de 1880,
surgiram mais “fogos” na sede da Freguesia de União da Vitória; e
também, no arrabalde “Tócos”. A presença de uma figura feminina
merece atenção especial no texto deste mesmo autor; trata-se de Ana
Pereira da Maia Bita conhecida popularmente como Sinhana Bita que
chega a União da Vitória em 1882. Erguendo ali no Arrabalde Tôcos
uma capela de madeira, em homenagem ao Senhor Bom Jesus de
Iguape, as reuniões e festas populares organizadas por Sinhana Bita
são destacadas na seguinte forma:

Às festividades de Sinhana Bita, foram sempre


imensamente concorridas: foguetório à beça, rezas,
fandangos e churrascadas por tais ocasiões e quase
nunca faltaram em cena o cacete e o trabuco que
faziam terminar os folguedos! (SILVA, 2006, p. 47).
14
Ainda na mesma nota, o autor completa a existência de várias
cruzes nas próximas a capelinha marcando a morte de policiais e civis
envolvidos nas festividades organizadas por Sinhana Bita. Quando se
aponta o recolhimento de impostos do ano de 1891, destaca-se o nome
de Bento Gonzales e, por este ser proprietário de uma casa de negócios
no Tócos: “[...] Bento Gonzales, de sua casa de negócio nos Tócos,
40$000, de abertura e 30$000 de multa por não ter satisfeito o
pagamento no tempo devido” (SILVA, 2006, p. 66).

A fundação da primeira Charqueada em União da Vitória é


apontada como sendo realizada pelo Coronel Timóteo de Souza Feijó,
onde funda no ano de 1896, no arrabalde Tócos, uma charqueada, que
foi a primeira nesse gênero em União da Vitoria. Em 1897 é fundada a
Sociedade “Progresso União” com uma banda musical, onde apresenta
certa rivalidade com a banda dos Tócos. “Essa Banda era rival da dos
“Tócos” ali organizada por Leopoldo Pereira Weiss, conhecido pelo
apelido de Pupe” (SILVA, 2006, p. 79). No registro referente ao ano de
1898 a passagem do Bispo de Curitiba D. José de Camargo Barros (o
primeiro do estado) pela região é o ponto principal destacado por
Silva.

A população em peso foi encontrar no arrabalde


“Tócos” o Bispo D. José, que estava de regresso da
sua excursão pastoral a Palmas e Guarapuava. A
Igrejinha em que pontificou D. José era ainda a
primitiva, de construção de madeira e coberta de
taboinhas (SILVA, 2006, p. 82).

Ainda dentro do ano de 1898, encontra-se o pedido de


reconhecimento de posse para uma área de terras com 12.484 metros
quadrados no arrabalde dos Tocos, a pedido de Sinhana Bita. Durante o
conflito do Contestado, União da Vitória serve de rota de passagem
para diversas tropas que estariam se deslocando aos focos de conflito. 15
Após a morte no combate do Irani, o corpo do Coronel João Gualberto é
conduzido para Curitiba, onde a passagem do cortejo fúnebre é
descrita da seguinte forma: “Chuva impertinente câe, no momento em
que o caixão mortuário, pela população de União da Vitória, é recebido
no arrabalde Tocos” (SILVA, 2006, p. 123).

Em março de 1953, criou-se a Escola Eulina Ribeiro, que


funcionava no terreno da Igreja do Bairro São Pedro. Conforme
documento de Decreto nº 147/19627, a Prefeitura abriu crédito
especial destinado ao pagamento dos terrenos adquiridos dos
Senhores Osvaldo Nicolau Schmitt, Alceu Sampaio Carneiro e das
Senhoras Elizabeth Schulze e Helena Hams para a construção do Grupo
Escolar de Tócos, dando lugar ao Grupo Escolar Germano Wagenführ,
criado pelo Governador do Estado de Santa Catarina, Dr. Celso Ramos.

7Documento que está no acervo pertencente à Prefeitura do Município de Porto


União-SC.
A escola passou a funcionar em prédio próprio, sob direção da
professora Iolanda Alves Clausen. O prédio foi construído
especialmente para escola, em terreno doado pela Prefeitura Municipal
de Porto União, Estado de Santa Catarina, por carta de posse n°. 893,
em data de 17 de fevereiro de 1962 pelo então Prefeito Costa Junior.
Passou a denominar-se “Escola de Educação Básica Professor Germano
Wagenführ”, em março de 2000.

Mas havia realmente a necessidade de uma nova estrutura para


atender as necessidades do bairro que cresceu muito e precisava de
instalações maiores. Infelizmente preservar o prédio antigo tornaria
necessário um novo terreno para o colégio novo e isto seria
economicamente inapropriado para o Estado, a escola foi demolida e
outra foi construída no mesmo terreno. Em 2009 o Governador Luiz
Henrique da Silveira inaugurou o novo prédio. 16
A antiga escola teve muitas contribuições, como auxílio aos
moradores, alojamento durante as enchentes, votações eleitorais e
centro de discussões sobre assuntos do bairro, sendo então necessária
a preservação do acervo fotográfico, de documentos que ajudam a
contar e escrever a sua história.

Também através de provas materiais, conseguiu-se o documento


da Lei que autoriza o Município a receber por doação área de terra
destinada à instalação de um Cemitério em Tócos. Outro documento
importante é a Lei de 1963 que passa a denominar o Bairro Tócos para
“Bairro São Pedro”. Como segue a seguir a transcrição da Lei, que foi
escrita à mão nos livros de leis antigos da prefeitura municipal:

Lei nº. 391 – Salustiano Costa Júnior, Prefeito


Municipal de Porto União, usando de suas
atribuições. Faço saber a todos os habitantes deste
município que a Câmara Municipal de Porto União,
decretou e eu sanciono a presente Lei. Art. 1º - O
Bairro de Tocos, desta cidade, passa a denominar-se
“Bairro São Pedro”. Art. 2º Esta Lei entrará em vigor
na data de sua publicação, revogadas as disposições
em contrário. Prefeitura Municipal de Porto União,
30 de agosto de 1963.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Utilizando a História Oral como metodologia de pesquisa,


buscamos os depoimentos de algumas pessoas, as quais contribuíram
para o desenvolvimento do bairro no período entre 1950 a 1970.
Justificamos a escolha do referido recorte temporal tendo em vista que 17
o mesmo contempla dois fatos importantes na história do bairro: o
surgimento da Festa da Fogueira e a mudança do nome do bairro.
Conhecer a história do bairro ou de lugares que significaram muito
para nossa cidade permite reconhecer que somos parte dessa história,
seja da igreja, da escola, do lazer na pracinha, ou da geografia das ruas.

O uso de fontes vivas, pelo meio de depoimentos de antigos


moradores, nos dá uma nova visão de como o bairro em outros tempos
era formado, catalogar essas informações unindo a outras, a partir
dessas entrevistas, fotos e documentos antigos coletados, nos permite
ampliar a pesquisa histórica.

Pesquisar na comunidade quem são os antigos moradores, e


buscar seus relatos nos faz voltar ao passado, vivenciando suas
emoções e seus sentimentos que só a memória intocável e preservada
é capaz de projetar para que seus depoimentos se transformem em
compreensão de como era o bairro, as principais transformações por
que passou, quais os motivos que levaram a tais mudanças, além de
conhecer como era a vida antigamente, como as pessoas se divertiam,
como se locomoviam de um lugar a outro, quais os principais
problemas que enfrentavam. Ao analisar o relato de um morador que
traz dados tão ricos, comparamos o modo de vida do passado com o
atual, entendendo o que permaneceu e o que mudou, pode-se observar
que algumas coisas permanecem até hoje como a festa da fogueira.

A partir de fontes orais é trivial que aconteçam contradições


entre os relatos, mas em contrapartida os objetivos não foram
alterados, pois permitiram conhecer melhor os vários sentimentos, os
vários pontos de vista que sobre os assuntos e histórias relevantes que
as pessoas ergueram. Permite compreender que a história tem vários
interlocutores, e as versões de um mesmo episódio podem guardar
grandes contestações.
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REFERÊNCIAS

ALBERTI, V. Manual de história oral. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora


FGV, 2004.

ALVES, P.; SCHALLENBERGER, E.; BATISTA, A. A. A história regional:


desafios para o ensino e a aprendizagem. Akrópois, Umuarama, v.13,
n.1, Jan./Mar., p.39-45, 2005.

LUPORINI, T. J. Educação patrimonial: projetos para a Educação Básica.


Ciências e Letras, n.31, Porto Alegre, Jan/Jun, p.325-338, 2002.

NIKITUK, Sonia, M. L. (2002). A história local como instrumento de


formação. X Encontro Regional de História.
<www.uff.br/ich/anpuhrio/anais/2002/comunicacoes?nikitiuk%20so
nia%20m%20l.doc>. Acesso em: 2 Mai. 2011.
POLLAK, M. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio
de Janeiro, v.2, n.3, p.3-15, 1989.

REZNIK, Luís. (2002). Qual o lugar da história local? V Taller


Internacional de História Regional y local. Disponível em:
<www.historiadesaogoncalo.pro.br/txt_hsg_artigo_03.pdf>. Acesso em:
2 Mai. 2011.

VARINE, H. Patrimônio e educação popular. Porto Alegre: Faculdade


Porto Alegrense de Educação, 2002.

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