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Universidade Federal de Ouro Preto

Profa. Luisa Rauter Pereira


Aléxia Leles de Castro - 21.1.3111
Guilherme Miranda Silva Vinhal - 21.1.3356

Em primeira instância, para iniciarmos esse ensaio, será preciso debruçar sobre um conceito
enigmático para as pessoas, o conceito de tempo. De acordo com o dicionário, o tempo é
caracterizado por um espaço onde os eventos acontecem, porém, muitas outras interpretações
são possíveis; Antônio Cândido disse que “tempo é o tecido de nossa vida”, o conhecimento
popular diria que tempo é tudo que temos, alguém apressado poderia dizer que é tudo que
falta e por aí vão milhares de pontos de vistas. Bom, para os historiadores o tempo, em junção
ao ser humano, é o objeto de observação, buscando entre essa interação as mudanças sociais.
Contudo, o fato é que o tempo também se alterou para nós em razão a modificação da nossa
forma de entender a vida e as estruturas sociais, a diferença não se deu na essência do tempo -
na sua configuração matemática -, mas na forma em que o tempo é percebido pela sociedade e
como trabalhamos com ele.

Em conjunto com as modificações sociais, veio a alteração da percepção de tempo. Enquanto


a sociedade conduzia-se de maneira mais rural, voltada à agricultura como única de
sobrevivência, quem delimita o tempo é a própria natureza, e os humanos que dela dependiam
também trabalhavam de acordo com seu ritmo. Contudo, em determinado momento a
sociedade adota alguns ritos de passagem, relógios e outros marcadores temporais são mais
facilmente encontrados, e o ritmo dos acontecimentos é ditado pela vida social emergente das
cidades. Porém, nenhuma dessas modificações e outras não citadas foram tão impactantes
quanto o fortalecimento e expansão do capitalismo industrial.

Logo que começa a 1º revolução industrial próximo a 1760, os produtos manufaturados que
eram feitos em sua totalidade pelo artesão no tempo determinado por ele, são substituídos por
grandes empresas que trabalham com o ritmo de produção acelerada e fracionada entre os
trabalhadores, visando a maior produção em menor tempo. Diante disso, o trabalhador é
forçado a responder pela sua produtividade através de um tempo específico e limitado,
perdendo o controle de sua mão de obra e o resultado de seu trabalho. Acima de tudo,
somente parte do valor produzido pelo seu tempo de trabalho será retornado ao proletariado,
pois trabalhando utilizando a infraestrutura de um proprietário dos meios de produção, deve a
ele uma parcela do que produz. Logo, uma parte de sua mão de obra é cedida para o
contratante, que por sua vez possui para si o lucro gerado pelo trabalhador, se apropriando da
sua produção feita durante um período de tempo não remunerado, tal fenômeno foi estudado e
nomeado pelo sociólogo Karl Marx em suas obras, levando a alcunha de Mais Valia. O
conceito, que delimita a perda do controle de seu tempo pelo trabalhador em detrimento ao
lucro do patrão, gerou diversos impactos na sociedade, como o sentimento de aceleração
devido ao tempo de trabalho, urgência em decorrência da alta demanda e as patologias
psicológicas pela exposição constante ao estresse.

Diante da importância do tempo para um retorno financeiro, que significa dentro da sociedade
capitalista a própria existência, o sentimento de urgência foi se tornando natural. Atualmente,
é necessário ter um bom emprego, e para se garantir o bom emprego é necessário bons
estudos, que necessitam do investimento de tempo, que novamente significa dinheiro, ou seja,
a aceleração do tempo está diretamente, e ciclicamente, relacionada à acumulação de capital.
O sucesso parece estar altamente relacionado com o quanto de tempo e dinheiro você
consegue investir em seu futuro, e em uma sociedade desigual, nem todos possuem os
mesmos recursos para garantir uma estabilidade. Dentro desse contexto, o futuro se apresenta
mais importante do que o próprio presente, gerando uma perda de conexão com o momento
atual, uma vez que seu retorno financeiro está ligado ao seu tempo de produção. Assim, a
frase popular “o tempo é dinheiro” gera as mais diversas sensações, mas nenhum
questionamento sobre sua veracidade. A famosa “corrida para pegar um lugar no futuro”
acaba por adoecer as pessoas, não à toa patologias como Burnout e Depressão são cada vez
mais relatadas em ambientes de trabalho com alta produção e tarefas estressantes. Notando
tais situações, muitos estudos foram feitos sobre a apropriação do tempo do trabalhador e os
impactos em sua vida e saúde, Suely Rolnik foi uma entres os diversos autores que
propuseram a se debruçar sobre o tema, e em sua obra “Esferas da insurreição”, escrita em
2018, a psicanalista trabalha com Freud e Karl Marx como referências, utilizando de
conceitos importantes desses estudiosos. De forma que, Rolnik traça um paralelo sobre como
o capitalismo vem se modificando para conseguir extrair cada vez mais do ser humano,
deixando a lógica do mais valia para trás, se apropriando agora do chamado “Pulso Vital”,
que seria a própria energia que nos move, ou seja; nossas causas, nossas lutas e também nossa
saúde mental, provocando na sociedade o adoecimento citado anteriormente.
Diante disso, não é difícil perceber que cada vez mais estamos vivendo em um ritmo
acelerado, onde tudo gira em torno do menor tempo possível a ser gasto; carros mais velozes,
aceleração de mídias e produções automatizadas são cada vez mais comuns. A tecnologia se
tornou uma ferramenta para se otimizar o tempo, gerando uma enorme discrepância entre a
percepção de tempo de um jovem totalmente imerso no mundo digital e um adulto agricultor
da região mais rural do país, fazendo com que diversas linhas temporais aconteçam
simultaneamente para essas pessoas.

Apesar do capitalismo ser um dos grandes responsáveis pela distorção da percepção do


tempo, não podemos ignorar que outras experiências podem afetar nossa percepção temporal,
como dito anteriormente, o tempo pode ser definido pela realidade em que se está inserido.
Sendo assim, entender outras facetas da interpretação do tempo seriam interessantes para
construirmos um panorama maior sobre o tema…

Nesse sentido, em busca de explorarmos outras percepções temporais e suas determinadas


distorções, entraremos mais a fundo no texto de Simone de Beauvoir. A escritora francesa,
deixa muito claro como essa assimilação do tempo, em especial, na ótica de um idoso,
acontece. O tempo durante a velhice, pode ser tanto uma fonte de felicidade, quando se
rememora o seu eu de outrora, mas ao mesmo tempo também, pode ser muito cruel, uma vez
que, diferentemente de quando se é jovem e enxerga o tempo e a vida como um universo
infinito e ilimitado de possibilidades, para o velho, ele opera de forma contrária, ele é
limitado, é finito.

A sensação de que seu passado, independente se você foi bem-sucedido ou não, se você foi
feliz ou uma pessoa triste e amargurada, recaí sob seu presente quase como uma muleta, se
apoiando e se alimentando daquilo que você foi um dia ou do que se arrepende de não ter
sido. Isso, na perspectiva de uma pessoa mais velha é, na grande maioria dos casos, a tônica
de sua vida. E seu futuro, agora cada vez mais encolhido pelo curso da natureza humana o faz
refém de seu passado, enquanto o presente e o tempo avançam diante dos seus olhos para o
que será comum a todos nós um dia, a morte.

A forte conexão com a infância e a juventude que essas pessoas possuem, de acordo com
Beauvoir, se dá pelo fato de que, quando adultas, e ocupadas com suas vidas profissionais e
seus afazeres, crie uma tensão que a impede de abraçar as impressões do mundo que se criam
quando é mais novo. E, somente quando se alcança uma idade avançada, que essa tensão se
dissipa e aquilo que experimentou durante suas fases iniciais da vida é retomado, no formato
de lembranças e memórias afetivas, mesmo que essas contenham inúmeras lacunas devido à
idade e a dificuldade de se lembrar de tudo com exatidão.

Simone de Beauvoir também é muito assertiva quando, em uma passagem do texto, discorre
sobre o modo como a morte de alguém que consideramos uma pessoa querida nos afeta e
como isso causa uma ruptura com nosso passado. Não somente a falta de sua presença nos
aflige, mas o fato de que essa pessoa leva consigo todo um conjunto de experiências que a
nossa vida compartilhava com a dela. E, nesse sentido, gostaria de compartilhar uma
experiência pessoal com intuito de enriquecer o diálogo com o texto de Beauvoir. Tive a sorte
e o privilégio de conviver com meus avós maternos por pouco mais de vinte anos e, pude
perceber e fazer algumas conexões pertinentes da minha relação com eles com aquilo que
Simone de Beauvoir expõe no texto. Percebi como de fato, as lembranças da juventude eram
tão importantes para os meus avós, como Beauvoir menciona, que “o passado é o que nos
sustenta” (p. 455). Durante anos ouvi histórias dos mais variados temas e, aprendi como a
jovialidade, já ausente devido a avançada idade deles, era algo de muito valor para os dois. A
maneira como ambos voltavam ao passado para contar como foi determinada época ou lugar
era algo que me emocionava muito, pois percebia, com a riqueza de detalhes das memórias
que eles compartilhavam comigo, mesmo já tendo as ouvido diversas vezes, como aquilo
havia os marcado. Como a existência deles perpassa todos aqueles momentos e se
canalizavam no presente. A forma como ambos experimentaram o tempo era muito diferente
da minha. Suas perspectivas para o futuro eram, como já dito anteriormente, finitas. Mas, foi
no momento em que os dois faleceram que, ao ler o texto, entendi com muita clareza, aquilo
que Beauvoir disse. Compreender que aquelas pessoas queridas não estão mais conosco é
muito difícil e, logicamente a forma como se enxerga o futuro, já sem eles, também muda.
Portanto, a maneira como se vive e sente o tempo e as diversas temporalidades, está
intimamente ligado a realidade que se está inserido e como, essa realidade é dinâmica, já que
a qualquer momento nossa perspectiva para o futuro, ou mesmo nosso horizonte de
expectativas pode mudar e gerar toda uma nova apreensão do tempo.

Em síntese, as reflexões aqui apontadas são apenas duas das diversas formas de perceber o
tempo. A memória e a experiência são totalmente subjetivas, o que faz com que o tempo
também seja, mesmo que funcione em um padrão universal em torno do número 60. Como
dito anteriormente, a percepção temporal varia de acordo com a experiência vivida, e os
aprendizados, sentimentos, e demais nuances que dela são absorvidas. De fato, tudo o que
temos é o tempo, e o que dele decidimos significar, e qual o sentido que buscamos dar a esse
espaço onde a vida acontece.

ROLNIK, Suely. Esferas da Insurreição: Notas para uma vida não cafetinada. São Paulo. N-1
Edições, 2018.

BEAUVOIR, Simone de. “Tempo, atividade, História”. In. A velhice. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1970.

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