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Contemporaneidade
e inteligência
emocional
Pablo Bes
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Introdução
Do gestor contemporâneo, são exigidas capacidades técnicas que foram pre-
dominantes em outras épocas no mundo do trabalho, além de capacidades
sociais e comportamentais que surgiram a partir da globalização. Salienta-se
que é a partir da globalização que as organizações atuantes no mercado se
reconfiguram em busca de adaptação e flexibilidade para sua sobrevivência
e seu crescimento.
A inteligência emocional desponta como uma dessas capacidades sociais e
comportamentais e pode contribuir para a vida tanto pessoal quanto profissio-
nal do indivíduo, devido à possibilidade de promover um convívio social com
maior qualidade. Por envolver o conhecimento das emoções e a sua regulação
por parte dos sujeitos, bem como propor que se percebam os aspectos psico-
2 Contemporaneidade e inteligência emocional
Atualidade/ Desconexão e
Anacronismo Reatualização
presente dissociação
Encontro entre
Descontinuidade/ Possibilidade de
O não-vivido tempos e
cesura transformação
gerações
A verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a múltiplas coerções e nele
produz efeitos regulamentados de poder. Cada sociedade tem o seu regime de
verdade, sua ‘política geral’ de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe
e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem
distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns
e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da
verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como
verdadeiro (FOUCAULT, 1979, p. 12).
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Por se tratar de uma atitude acerca do tempo em que se vive, ser contem-
porâneo envolve mecanismos de desconexão e dissociação, que permitem
que os sujeitos possam remeter a outros contextos, outras épocas, captando
memórias de experiências anteriores, ou mesmo fazer projeções futuras,
visando a entender, explicar e aceitar (ou contestar) a vida atual. Agamben
(2009, p. 59) se refere ao tempo do contemporâneo afirmando que “[...] aqueles
que coincidem muito plenamente com a época, que em todos os aspectos a
esta aderem perfeitamente, não são contemporâneos porque, exatamente
por isso, não conseguem vê-la, não podem manter fixo o olhar sobre ela”.
Transpondo esse conceito para a questão do mundo do trabalho, mais espe-
cificamente para as teorias organizacionais e de gestão de pessoas, podemos
entender que ser ou se tornar um gestor contemporâneo, nesse caso, remete
à busca, ao mapeamento de tendências, que refutam verdades postas pelo
mercado, desenvolvendo e aprimorando competências, ou até mesmo criando-
-as — tanto as hard skills quanto as soft skills. Porém, isso é feito exercendo-se
as capacidades de crítica, de análise e de reflexividade a seu respeito.
Ao se referir à relação de desconexão e dissociação com o tempo presente
que deve existir naquele que é contemporâneo, Agamben (2009) admite existir
certa dose de anacronismo nessa relação, pois as coisas não seguem um fluxo
tão linear e ordenado. Logo, por vezes, vivenciamos experiências na atualidade
que já se fizeram presentes em outras épocas e eram contemporâneas àque-
les que as viveram anteriormente. O anacronismo se resume a um equívoco,
em que tentamos avaliar os fatos e fenômenos de um certo tempo histórico
a partir das lentes de outras épocas, o que produz sentidos distorcidos.
Diante disso, podemos nos perguntar: como não aderirmos e nos fixarmos
a determinados conceitos/impressões que nos subjetivaram ao longo da vida,
a partir da nossa cultura? Agamben (2009) busca responder essa pergunta
a partir da reatualização, que se faz necessária e em que são considerados
dois elementos, ao menos: a luz e a obscuridade. A esse respeito, o autor
acrescenta que:
[...] contemporâneo é aquele que mantém fixo o olhar no seu tempo, para nele
perceber não as luzes, mas o escuro. Todos os tempos são, para quem deles ex-
perimenta contemporaneidade, obscuros. Contemporâneo é, justamente, aquele
que sabe ver essa obscuridade, que é capaz de escrever mergulhando a pena nas
trevas do presente (AGAMBEN, 2009, p. 63).
Moda e contemporaneidade
Nosso mundo, nossa existência, embora algumas vezes tenha sido vista
assim, não ocorre de forma linear e ordenada, como se cada época fosse
pré-requisito das anteriores e como se a cada novo tempo tivéssemos virado
as costas para o passado. As ideias, os enunciados, as práticas e a cultura
de cada tempo histórico vão se somando e nos produzindo. Esse processo é
descontínuo e, por vezes, rompe com ideias potentes e predominantes, nos
levando a novos entendimentos, deixando verdadeiras cicatrizes com seus
acontecimentos. Bauman (2001), ao realizar um ensaio sobre a contempora-
neidade, reforça esse entendimento ao propor o conceito de modernidade
líquida. Nela, vemos em funcionamento uma era em que a fluidez parece
exigir-nos a todo instante a flexibilidade e a adaptação necessárias para a vida
em um mundo que assume não possuir a rigidez, a ordenação e a estabilidade
afirmada em outros séculos modernos.
Para ilustrar esse fato, podemos considerar a forma como as pessoas eram
vistas no início do século XX no ambiente organizacional quando surgiu a ciên-
cia da administração. A abordagem clássica, pioneira, considerava o operário
como um mero executor, plenamente racional, motivado exclusivamente pelo
dinheiro e ao qual era necessário supervisão funcional e coercitiva constante.
Esses preceitos se associavam à visão maquínica que se tinha das organizações
e aos pressupostos do homo oeconomicus. Com o surgimento de abordagens
humanísticas, essa visão se ampliou, abrangendo novas considerações para
a motivação, atentando para os aspectos psicológicos que constituem as
pessoas e que afetam seu desempenho, constituindo o homo socialis. Existia
aí uma cesura na forma como as pessoas eram consideradas no ambiente
organizacional, o que levou a outras teorizações, que desencadearam a atual
gestão humanizada de pessoas.
Caso houvesse de fato uma linearização e continuidade ao longo dos
séculos XX e XXI a esse respeito, não presenciaríamos organizações ainda
adotando os pressupostos clássicos da administração de pessoas do início
do século XX, não é mesmo? Porém, essas visões dicotômicas e contraditórias
acerca do ser humano no ambiente de trabalho ainda existem, sendo objeto
de disputa nas organizações atuais. Por isso mesmo, o contemporâneo pode
ser visto, segundo Agamben (2009), como o exercício de encontro e reencontro
entre os tempos e as gerações que a eles pertencem.
Contemporaneidade e inteligência emocional 7
Isso significa que o contemporâneo não é apenas aquele que, percebendo o es-
curo do presente, nele apreende a resoluta luz; é também aquele que, dividindo
e interpolando o tempo, está à altura de transformá-lo e de colocá-lo em relação
com os outros tempos, de nele ler de modo inédito a história, de ‘citá-la’ segundo
uma necessidade que não provém de maneira nenhuma do seu arbítrio, mas de
uma exigência à qual ele não pode responder.
Tipo de
Objetivo do emissor
feedback
dade se constitui pela soma das questões físicas, psicológicas e sociais; logo,
devemos ser hábeis tanto em relação ao nosso corpo quanto em relação à
nossa mente, o que nos tornará pessoas e profissionais diferenciados.
Referências
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