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UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO

UFOP - UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO

ABDIAS VIEIRA PORTO NETO


ÁGATA BÁRBARA BRITO AVELAR

Luto, Velhice e a Mudança na Percepção do Tempo Histórico

MARIANA – MG
2023
UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO

ABDIAS VIEIRA PORTO NETO


ÁGATA BÁRBARA BRITO AVELAR

Luto, Velhice e a Mudança na Percepção do Tempo Histórico

Ensaio apresentado à disciplina


Teoria da História, ministrada pela
Profª. Drª. Luiza Rauter Pereira, na
Universidade Federal de Ouro Preto
como requisito de avaliação.

MARIANA – MG
2023
UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO

Luto, Velhice e a Mudança na Percepção do Tempo Histórico

Conforme o historiador alemão, Reinhart Koselleck, experiência é o passado em que


possuímos lembranças das quais seus acontecimentos foram absorvidos pelo
presente. Ela também pode ser pensada num sentido espacial, passível de acessar
pedacinhos do passado pertencentes a um todo e, embora possam ser datados de
maneira racional, tais fragmentos não são organizados de forma cronológica,
tampouco são partes de uma continuação linear do tempo passado. Por outro lado,
a expectativa é o presente do futuro, e está relacionada à ideia de horizonte, de tal
forma que a medida em que andamos em sua direção, o caminho se transforma em
espaço de experiência e o horizonte torna a se alargar. Dessa maneira, podemos
inferir que o que move a história são as diferentes experiências e expectativas que
se relacionam e que se tensionam, gerando, consequentemente, as mudanças
históricas.

Se pudermos entender a experiência a partir da mudança e da flexibilidade de suas


interpretações no decorrer do tempo, por outro lado, não conseguimos conceber a
expectativa sem a existência da experiência. A conexão entre tais categorias se
caracteriza por incontáveis viabilidades ou impossibilidades delimitadas entre si,
como por exemplo, a surpresa. As experiências geram um certo conforto por conta
de uma certa previsibilidade do futuro, no entanto, o ato de ser surpreendido por
alguma imprevisibilidade reflete um deslocamento ou recomposição em relação ao
passado e futuro e, segundo Koselleck, “[...] no processo de determinação da
distinção entre passado e futuro, [...], constitui-se algo como um “tempo histórico” (p.
16). Ou seja, o percurso entre a experiência e a expectativa é o útero dos fatos
históricos.

No entanto, é preciso levar em conta que a experiência é um processo complexo e


multifacetado, sendo, portanto, necessário que se tenha em consideração a sua
dimensão subjetiva, que pode variar de pessoa para pessoa. Assim, as experiências
são assimiladas de uma forma individual, sendo que cada pessoa pode ter uma
compreensão diferente dos acontecimentos que ocorrem no seu quotidiano.
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Apoiando-se neste pressuposto, de fato os aspectos culturais e biológicos do


homem também exercem uma influência frente ao palco criado entre o
tensionamento da experiência e a expectativa. De tal modo que o envelhecimento é
um fator capaz de alterar a forma de como se percebe a passagem do tempo. Para
Simone de Beauvoir, o velho é “[...] um indivíduo que tem uma longa vida por trás de
si, e diante de si, uma expectativa de sobrevida muito limitada.” (p.445). Dessa
maneira, a lembrança possui um peso preponderante em relação à expectativa. Pois
enquanto o indivíduo que deseja progredir, conforme seus objetivos, necessita
esquecer o seu passado para se dispor às novas mudanças e experiências, os mais
velhos temem o decaimento do corpo, de sua potencialidade, bem como, do findar
da vida, e, por conta disso, se agarram nas lembranças a fim de tentar esquecer o
futuro.

Seguindo nesta mesma linha de raciocínio, podemos apreciar a obra “A Máquina de


Fazer Espanhóis”, do escritor português, Valter Hugo Mãe, em que nos conta a
história de Antônio Jorge da Silva que, aos 84 anos de idade, perde a esposa e
passa a morar num lar de idosos após decisão de seus filhos. A morte de sua
longínqua companheira de vida, a chegada ao lar da “Feliz Idade” com apenas duas
trouxas de roupas e uma imagem de uma santa apesar do seu ceticismo, são, tal
como uma terrível experiência de luto e abandono, a morte de uma parte
significativa do seu passado. Pois, de acordo com Beauvoir, “A morte de um
parente, de um amigo, não nos priva apenas de uma presença, mas de toda aquela
parte de nossa vida que estava ligada a eles” (p.452).

Além do mais, é possível perceber nos relatos narrado pelo personagem Antônio
Jorge Silva, uma mudança drástica na percepção do tempo após a morte de sua
querida esposa. Seu espaço de experiência sofre uma profunda alteração após o
inesperado episódio, detalhes que antes eram vivenciados quase que de forma
rápida e automática, passam a apresentar uma nova temporalidade, tal como
podemos observar nesta seguinte passagem:

[...] o tempo não é linear, o tempo vicia-se em ciclos que obedecem a lógicas
distintas e que se vão sucedendo uns aos outros repondo o sofredor, e
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qualquer outro indivíduo, novamente num certo ponto de partida, é fácil de


entender, quando queremos que o tempo nos faça fugir de alguma coisa, de
um acontecimento, inicialmente contamos os dias, às vezes até as horas, e
depois chegam as semanas triunfais e os largos meses e depois os didácticos
anos. mas para chegarmos aí temos de sentir o tempo também de outro
modo. perdemos alguém, e temos de superar o primeiro inverno a sós, e a
primeira primavera e depois o primeiro verão, e o primeiro outono, e dentro
disso, é preciso que superemos os nossos aniversários, tudo quanto dá
direito a parabéns a você, as datas da relação, o natal, a mudança dos anos,
até a época dos morangos, o magusto, as chuvas de molha tolos, o primeiro
passo de um neto. o regresso de um satélite à terra, a queda de mais um
avião, as notícias sobre o brasil, enfim, tudo [...] (MÃE, 2010, p. 48).

O velho tende a se voltar para o passado quando o presente e o futuro o


decepcionam. A infância habita sempre a pessoa, mas, enquanto o adulto não tem
tempo para evocá-la, o velho rumina suas memórias afetivas de grande valor. A
mídia e o marketing tendem a valorizar aquilo que é atual, jovem e em voga,
enquanto desvalorizam o passado e o velho. Isso leva a uma romantização do
progresso, que implica uma desvalorização do idoso como representante da
continuidade. Os idosos representam um passado distante da contemporaneidade,
mas ainda coexistente com ela. Eles podem sentir sentimentos de angústia e
deslocamento do próprio tempo devido às mudanças constantes que veem ao seu
redor, e à falta de amparo em realidades concretas para manterem sua identidade.

Ao nos referirmos ao tempo, costumamos pensá-lo como uma linha contínua, no


entanto, a experiência nos mostra que ele é constituído por diversos momentos, que
podem ser facilmente revisitados. Assim, a expectativa do futuro não existe sem a
experiência do passado, e esta, por sua vez, é moldada pela expectativa do futuro.
Sendo assim, o tempo é um fluxo contínuo de experiências, onde cada momento
está conectado aos outros. E a experiência vivida pelo personagem Antônio Jorge
Silva, apenas nos remete a uma reflexão sobre a forma como o tempo é percebido
pelos idosos. E, neste sentido, podemos afirmar que a memória é um dos principais
pilares que sustentam a experiência. Pois, é através da memória que o idoso pode
evocar os momentos felizes da sua vida, bem como, os momentos de tristeza e dor.
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REFERÊNCIAS

DANTAS, S., & FERREIRA, V. (2020). O tempo não para: presentismo e diferentes
temporalidades no processo do envelhecimento. Revista De História Da UEG, 9(2),
e922013. Recuperado de
<https://www.revista.ueg.br/index.php/revistahistoria/article/view/9876>

DE BEAUVOIR, Simone. A velhice. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1970.

MÃE, Valter Hugo. A máquina de fazer espanhóis. 1. ed. Carnaxide: Editora


Objetiva, 2010.

KOSELLECK, Reinhardt. Futuro passado. Contribuições à semântica dos tempos


históricos. Rio de Janeiro: Contraponto; Ed. PUC-Rio, 2006.

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