Você está na página 1de 9

Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/

Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e


Psicologia – ISSN 2178-1281

A PESQUISA HISTÓRICA COMO POSSIBILIDADE DE (RE)CONSTRUÇÃO DOS


TEMPOS

Sheila Cristina Ferreira Gabriel

1 Os tempos e sua vivência

Como é meu tempo? Vivemos em função do ontem, do hoje ou do amanhã?


Podemos viver de acordo com o tempo cronológico ou, conforme Agamben1,
o tempo “cairológico”. Ao meu ver, podemos viver os dois tempos, pois é improvável
conseguir viver harmoniosamente em nossa sociedade, desconsiderando o relógio e
o calendário (representações simbólicas do tempo), que foram criados exatamente
com a intenção de organizar as atividades dos indivíduos inseridos em sociedade.
Estes instrumentos sugiram com a intenção de servir ao homem no desenvolvimento
de suas atividades, porém o que se vê atualmente é a tendência do homem servindo
a estes instrumentos, uma vez que tudo o que se faz hoje é dependente da
observação do calendário e do relógio. A questão primordial é como conseguir
conciliar estes instrumentos de controle e direcionamento à qualidade do tempo
vivido. O tempo Cairós é o tempo da existência, do imprevisível do átimo, podemos
tentar controlar nosso tempo no sentido de conferir significados a ele, de contemplar
o que nos rodeia e não viver apenas mecanicamente, sob coerção. Por outro lado,
simultaneamente não podemos controlar o imprevisível o inesperado, então a
capacidade de lidar com estas situações vai depender das concepções e reflexões
que fazemos acerca do nosso tempo. Por exemplo, vivemos compulsivamente em
função de alcançar objetivos que nos dêem condições de vida melhores, compramos
uma nova casa, com espaços agradáveis para nossos filhos e para nós mesmos,
compramos mais um carro, uma TV nova, mas no afã destas conquistas, não
encontramos tempo (vilão?) para usar o ambiente agradável da casa com nossos
filhos, assistir a um bom filme com nosso companheiro (a) ou fazer um passeio no
carro novo com a família e/ou amigos.
Há ainda no tempo Chronos a problemática de vivermos em função do
relógio, temos hora para nascer, acordar, nos alimentar, enfrentar o trânsito,
trabalhar, estudar, divertir, dormir, até depois que morremos, temos hora para
sermos enterrados.
Outra questão é a ansiedade muitas vezes silenciosa quanto à questão do
tempo da vida. Vivemos em função da idade que temos, ou será da idade que nos
tem? Conforme reflete Lloret2,a idade nos tem, pois somos visualizados,
classificados, escolhidos ou descartados, em função do grupo etário em que nos
encontramos. Não se considera o que eu sou, mas a idade que eu tenho. Vivemos
em função da idade em que estamos enquadrados.
Quando crianças, contamos os dias para nos tornarmos adolescentes, depois
para nos tornarmos adultos, o que infere maior “autonomia” e “liberdade”. Quando

1
AGAMBEN, Giorgio. Tempo e história: crítica do instante e do contínuo. In: ______. Infância e
história: destruição da experiência e origem da história. Belo Horizonte: UFMG, 2005. p. 111-128.
2
LLORET, Caterina. As outras idades ou as idades do outro. In: LARROSA, J.; LARA, N. P. (orgs.)
Imagens do outro. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 13-23.

Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281
1
Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/
Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e
Psicologia – ISSN 2178-1281

chegamos à vida adulta, começamos a tentar não contar o tempo, uma vez que
queremos adiar a velhice, que para alguns traz incertezas e angústia, momento em
que os fios brancos do cabelo e as rugas do rosto são presságios (no imaginário das
pessoas) de decadência, improdutividade, e até inutilidade, culminando na morte 3. A
mudança não nos é bem vinda, não agrada, a tememos, porque o que é imprevisível
nos assusta e desestrutura.
No entanto, há outros que preferem viver o tempo em sua plenitude sem se
martirizar insistentemente com o fim, que é inevitável, porém tentam viver a vida sem
medo de se arriscarem, conseguem experenciar o tempo Cairós. O Soneto de
Fidelidade de Vinicius de Moraes nos ilustra esta reflexão quando diz “que seja
eterno enquanto dure”4.
Pensamos que a forma como vivemos o tempo presente, muito influenciará
nas contribuições que poderemos deixar e nas possibilidades que poderemos
alcançar, pois este presente é uma conexão entre passado e futuro e não um
instante solto e descontextualizado, pois segundo Salgado5 “ o presente faz parte de
uma sucessão temporal que está ligado ao antes e ao depois”.
O passado, especificamente, nos oportuniza escolher o que nos convém dar
continuidade e o que já comprovadamente não interessa ser repetido, ele corporifica
as experiências e vivências de um indivíduo ou de uma sociedade. O passado,
considerado sob a perspectiva apenas do Chronos, normalmente nos remete ao
“velho”, e este, àquilo que é descartável que não tem mais utilidade, isto se
concretiza nas vivências cotidianas principalmente nas sociedades ocidentais, onde
o indivíduo por já ter, na curva de Gauss --- que Lloret6 define como sendo “Uma
curva que começaria da esquerda a partir da baixa estatura da criança pequena, que
continuaria elevando-se até a altura e posição ereta do homem adulto e que
desceria sobre a posição encurvada do velho apoiado num bastão” --- alcançado o
declínio, a descida da curva, é visto e tratado como improdutivo, incapaz,
descartável.
Quando ultrapassado o período do homem adulto, este começa a ser limitado
nas suas ações e a ser desconsiderado de algumas práticas sociais, o velho é o ser
que já foi, que nas sociedades capitalistas já não produz, portanto não colabora para
o desenvolvimento desta sociedade, então é um peso para o Estado. Desconsidera-
se o tempo Cairós do indivíduo, aquele que propicia as experiências e vivências
como subsídios para o desenvolvimento da sociedade, por meio dos saberes
adquiridos, (re) significados e compartilhados, contribuindo para o desenvolvimento
de novos saberes.
Esta realidade também é representada na perspectiva dos documentos, que
muitas vezes são avaliados apenas pelo seu tempo Chronos, não considerando as
contribuições intelectuais, históricas, representantes do imaginário social que
poderão fornecer a uma sociedade.

2 As fontes, a pesquisa histórica e a construção do conhecimento

3
LLORET, Caterina, 1998, p. 13-23.
4
MORAES, Vinícius de. Livro de sonetos. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. p. 55.
5
Aula proferida no dia 31 de março de 2011 na Universidade Federal de Mato Grosso Campus
Rondonópolis.
6
LLORET, op. Cit., p. 18.

Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281
2
Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/
Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e
Psicologia – ISSN 2178-1281

Os saberes construídos por meio do imaginário individual e coletivo só são


possíveis de serem resgatados e (re) significados, devido ao esforço de civilizações
que muito antes do meu tempo já não se conformaram em deixar que as suas
experiências, descobertas e memórias se perdessem no e com o tempo. Trataram
de descobrir formas -- cada qual no seu tempo e com os recursos intelectuais e
materiais disponíveis – de registrar e preservar para a posteridade os seus
conhecimentos produzidos.
Estes conhecimentos que nos chegam em forma de vestígios, fontes
históricas, textos, são temporais, produzidos em um período presente, registrados
com um objetivo futuro, que no futuro fornecem um quadro do passado. Estes
textos, conforme Rüdiger7, “são construídos baseados num contexto, mas também
contribui para a construção e/ou resignificação do contexto existente”, portanto os
registros preservados e socializados poderão contribuir para o desenvolvimento de
novos saberes devidamente contextualizados.
Os documentos são produtos de uma ação intencional, no momento em que
um indivíduo decide compartilhar e deixar para a posteridade suas considerações
sobre um dado pesquisado, ou sobre sua sensibilidade, sendo assim, os
documentos se tornam fontes para que outros possam beber novos conhecimentos.
Portanto, o passado nesta perspectiva se torna “sólido na estrutura do tempo” 8,
estas fontes permitem o diálogo entre indivíduos que vivem ou viveram em tempos
diferentes.
Considerando as fontes de pesquisa histórica, estas são todas as
informações sobre a dinâmica social dos sujeitos no e através dos tempos, que são
registradas em determinados suportes: livros, periódicos, vídeos, áudio, mapas,
correspondências etc.9 Estas fontes podem ser primárias – fontes que não sofreram
intervenções ou interpretações -- ou secundárias – aquelas que discutem ou
interpretam as informações das fontes primárias.
O tempo, no contexto das fontes, volta a agir para o pesquisador de forma
muitas vezes cruel. Há necessidade de seleção cuidadosa e criteriosa das fontes,
pois muitas vezes estas estão dispersas e devem ser localizadas e selecionadas. No
entanto, o que o pesquisador não possui é tempo (Chronos), então sua pesquisa
poderá ser prejudicada pela impossibilidade de recuperação de fontes pertinentes ao
seu empreendimento, portanto a questão tempo para a realização da pesquisa deve
ser considerada na concepção do tema.
Outra questão do tempo é sua influência na preservação física dos
documentos, que frequentemente se encontram em má conservação, tendo o
pesquisador que manuseá-lo de forma cuidadosa para não danificá-lo ainda mais,
sendo importante já se ter uma pré-pesquisa para saber se existe alguma fonte
disponível e se estas poderão ser manuseadas.

7
Palestra do Encontro do Núcleo Gaúcho de História da Mídia, proferida em 2010.
8
REIS, José Carlos. História e teoria: historicismo, modernidade, temporalidade e verdade. Brasília:
UNB, 2003. p. 182.
9
PADILHA, Maria Itavra Coelho de Souza; BORENSTEIN, Miriam Susskind. O método de pesquisa
histórica na enfermagem: the ethodology of historic research in the nursing el método de investigación
histórica en la enfermería. Texto Contexto enfermagem, Florianópolis, v. 14, p. 575-584, out./dez.
2005.

Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281
3
Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/
Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e
Psicologia – ISSN 2178-1281

O pesquisador, portanto, deve estar preparado para lidar com: dificuldade na


localização dos acervos documentais; a dispersão dos materiais e perda de tempo
para localizá-los e reuní-los; a tendência à desoganização dos materiais
acumulados, devendo, portanto, manter um controle permanente sobre os
mesmos.10
No contexto das fontes ou documentos, a pesquisa histórica se faz relevante,
uma vez que destes se apropria para compor seu corpus de informação que será
devidamente contextualizado, (re) significado e contemplado no âmbito de sua
produção científica. E para discutirmos pesquisa histórica, se faz necessário
compreender conhecimento histórico e tempo histórico, que serão abordados a
seguir.

3 O tempo como possibilidade da construção do conhecimento histórico por


meio da pesquisa histórica

Na perspectiva do tempo e da produção do conhecimento, nos propomos a


discutir a problemática da pesquisa histórica como possibilidade de uma melhor
compreensão do tempo presente, resultando em possíveis contribuições para o
tempo futuro, uma vez que proporciona o (re)descoberta de saberes, por meio de
fontes históricas, que sem este estudo, poderiam se perder no tempo.
Não há como conhecer o que não é passível de investigação, de análise de
(re) significação, conhecemos aquilo que nos é apresentado e que após
apreendido, se transforma em novos significados.
Os conhecimentos foram desenvolvidos por meio da capacidade do ser
humano de se comunicar através de símbolos criados por eles mesmos e dos quais
se utilizam para se orientarem no mundo.11
Estes símbolos foram se desenvolvendo e sendo registrados e conservados
para a posteridade, o que permitiu que os conhecimentos históricos fossem
produzidos, possibilitando – por meio dos calendários (tempo Chronos) --- “que a
idade das sociedades ou a duração dos processos sociais e suas fases ou épocas”12
fossem recuperada e preservada.
Considerando que não há sociedade sem sujeitos e que sem estes não há
conhecimento13, inferimos que são os sujeitos que, com suas experiências e
memórias, possibilitam a construção do conhecimento histórico utilizando-se de
“códigos lingüísticos, práticas especializadas, regimes de verdade, poderes
institucionais que são finitos e históricos”14.
Os sujeitos são seres temporais, sem eles não haveria a noção de tempo, o
tempo só existe em função da existência dos sujeitos.15 Estes sujeitos influenciados
pelo tempo são mutantes, portanto inseridos no conceito do devir (tempo Cairós),
em que o ser que foi ontem não é o mesmo que é hoje e não será o mesmo
amanhã, conceito baseado em Heráclito, cujo pensamento nega o estático, para ele
tudo é movimento, exemplifica dizendo que "O mesmo homem não pode atravessar

10
Ibid., p. 575-584.
11
ELIAS, Norbert. Sobre o tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. p. 7-32.
12
Ibid., p. 26.
13
REIS, José Carlos, 2003, 246 p.
14
Ibid., p. 156.
15
ELIAS, Norbert, op. cit., p. 15.

Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281
4
Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/
Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e
Psicologia – ISSN 2178-1281

o mesmo rio, porque o homem de ontem não é o mesmo homem, nem o rio de
ontem é o mesmo de hoje".
O conhecimento histórico, portanto, vem acompanhado da experiência do
tempo que carrega consigo a ideia de mudança. Todo historiador se apropria do
tempo para contemplar, conhecer o que está obscuro, e este tempo, o tempo
histórico é produzido por meio da articulação dos tempos Chronos e Cairós. 16
O tempo histórico, para alguns pensadores, é o terceiro tempo, que se
concretiza a partir do conceito de “longa duração” --- idealizada pelos Annales ---
que inclui e explica o evento, considerando a simultaneidade (apagamento da
diferença entre passado e futuro), sem desconsiderar a mudança qualitativa.
O tempo histórico considera a regularidade, homogeneidade, uniformidade do
tempo Chronos, juntamente com a concepção das mudanças humanas do Cairós.
Porém, o tempo histórico é um tempo original que difere do primeiro e do segundo
mas que os reune.17 O tempo histórico, segundo este autor é a descrição, análise e
acompanhamento dos homens e suas mudanças. A mediação dos dois primeiros
tempos para a consideração do tempo histórico se dá: “porque o tempo da
consciência, que é mudança permanente, não teria condições de se autocoordenar
e se conhecer sem uma certa relação com o tempo natural que é permanência.”18
O historiador se apropria do tempo histórico, ou seja, o acompanhamento dos
homens e suas mudanças --- para resgatar „o que é‟ no tempo, pois não se pode
recuperar „o que não é mais‟ --- para isto utiliza-se de subsídios que lhe propriciem
“manter a continuidade da consciência, preservando sua memória, protegendo-a
contra as suas rupturas, esquecimento, defasagem.”19 , tendo como resultado a
produção de material documental, que poderá se tornar fontes históricas.
O pesquisador que se envereda pelos caminhos da pesquisa histórica possui
uma problemática singular, ele não estava presente durante os acontecimentos, ele
apenas tem no seu presente a pretensão de por meio de vestígios “apreender o
mundo dos homens através do estudo de suas experiências do passado” 20, enfim,
resgatar parte do passado. Para isto, deve estar atento às mensagens internas
(conteúdos) dos vestígios e fontes e ter sensibilidade para “conceber, sentir e
receber todas as paixões humanas sem tê-la provado”21
Por estar o pesquisador em uma dimensão temporal diversa daquela em que
seu objeto de estudo está contextualizado, a pesquisa histórica exige do
pesquisador um novo olhar, um pensamento reflexivo, interpretativo, de
problematização, necessitando uma capacidade de distanciamento de seus “pré-
conceitos”, para que possa olhar para as fontes de forma a questioná-las,
considerando o tempo em que foram produzidas. O caminho na pesquisa histórica é
construído no caminhar. Então, o pesquisador histórico deve ter extremamente
aguçada a curiosidade para vasculhar, mesmo nos lugares improváveis, à procura
de informações que respondam aos seus questionamentos, a capacidade de

16
REIS, José Carlos, op. cit. 246 p.
17
Ibid., 246 p.
18
Ibid., p. 202.
19
REIS, José Carlos, 2003, p. 148
20
REIS, José Carlos, 2003, p. 241.
21
Ibid., p. 217.

Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281
5
Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/
Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e
Psicologia – ISSN 2178-1281

dialogar com os documentos é imprescindível, tanto para fazer as perguntas quanto


para estar atento às respostas.22

4 Metodologia da pesquisa histórica

O método na pesquisa histórica sofreu modificações com a emergência da


História cultural que para CARDOSO23 é “[...] uma nova forma de abordar eventos e
interrogar a realidade contemporânea, incluindo nela, novas fontes, novos objetos,
novos sujeitos”. A história cultural propiciou à pesquisa histórica ampliação com
relação:
 As abordagens – Sociológica. Antes predominava-se as teológicas e
políticas
 Aos objetos de estudo – História da mulher; História dos adolescentes;
Manuais didáticos
 As fontes de pesquisa – Além das oficiais, inclui-se registro de
narrativas orais, fotografias, filmes, inventários particulares,
correspondências particulares.24

Mas qual caminho percorrer na pesquisa histórica para se alcançar os


objetivos? Há um caminho único possível?
Para Reis25, não. Porque para se apropriar de um método, é preciso observar
as práticas de historiadores, e a história muda, portanto, as práticas não são
estanques, mudam com o tempo, Porém, o pesquisador precisa se apropriar de um
método que lhe permita caminhar por entre os trilhos obscuros da pesquisa, um
ponto inquestionável é que o pesquisador precisará apropriar-se do seu pensar para
ir construindo seu marco metodológico e teórico, por meio das fontes disponíveis,
dialogando com os vestígios, questionando-os, tendando identificar o não dito, nas
entrelinhas. E para isto ele terá que se desapropriar do tempo Chronos e se
relacionar com o tempo Cairós, para que ele consiga, apesar do pouco tempo,
instituir maior qualidade possível nas suas análises.
Um dos métodos possíveis seria o Hermenêutico idealizado por Dilthey 26, que
prevê a compreensão e interpretação dos fatos, numa perspectiva do contexto da
época em que eles ocorreram, sem desconsiderar o contexto do pesquisador que
não pode se fazer neutro no processo. Desconsidera o caráter positivista do método,
que é objetivo e não possibilita a subjetividade inerente às pesquisas das ciências
humanas e sociais. Padilha27 reitera que “os estudos de natureza sócio-histórica
compreendem o estudo dos grupos humanos no seu espaço temporal [...]”.

22
GUNTHER, Hartmut. Pesquisa qualitativa versus pesquisa quantitativa: esta é a questão?.
Psicologia: teoria e pesquisa, n. 2, v. 22, p. 201-209, maio/ago., 2006.
23
CARDOSO, Cancionila Janzkovski. Relatório da Pesquisa de Pós-Doutorado: Cartilha Ada e
Edu: produção, difusão e circulação: (1977-1985), 2009. Relatório (pós-doutorado) Universidade
Federal de Mato Grosso, Universidade Federal do Paraná, 2009. p. 8.
24
TAKAMATSU, Sônia Midori. A biblioteca César Bierrenbach: o centro de ciências, letras e artes e
a utopia do conhecimento. Campinas, 2011. Dissertação (mestrado) Universidade Estadual de
Campinas. Campinas: UNICAMP, 2011. 152 p.
25
REIS, José Carlos, op. cit.
26
DILTHEY, 1984 apud REIS, 2003.
27
PADILHA, Maria Itavra Coelho de Souza, 2005, p. 576

Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281
6
Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/
Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e
Psicologia – ISSN 2178-1281

A abordagem metodológica da pesquisa histórica pode acontecer nas


perspectivas Qualitativas ou Quantitativas, sendo a primeira mais utilizada por estar
mais alinhada aos princípios subjetivos da pesquisa histórica, porém não é
impossível a utilização de dados quantitativos para colaborar com as informações
quali. A afirmação de que devemos adequar o método ao objeto e utilizá-lo de forma
que contribua da melhor maneira possível para a execução do trabalho vem
expressa por Gatti.28
Quando pensamos em pesquisa qualitativa, pensamos no tempo Cairós:
subjetividade, experiências, indução, Gunther apresenta na visão de Flick, von
Kardorff e Steinke as seguintes características da pesquisa quali.:

a) Realidade social é vista como construção e atribuição social de


significados
b) A ênfase no caráter processual e na reflexão
c) As condições objetivas de vida tornam-se relevantes por meio de
significados subjetivos
d) O caráter comunicativo da realidade social permite que o refazer
do processo de construção das realidades sociais torne-se ponto
de partida da pesquisa.29

Quanto à perspectiva quantitativa, nos remetemos logo ao Chronos, lembra


número, controle, organização, tem como objetivo a mensuração, trata
estatísticamente dos dados coletados, para Gatti, os pesquisadores devem
considerar dois aspectos ao se utilizar o método quantitativo:

primeiro que os números, frequências, medidas, têm algumas


propriedades que delimitam as operações que se podem fazer com
eles, e que deixam claro seu alcance; segundo que as boas análises
dependem das boas perguntas que o pesquisador venha a fazer, ou
seja, da qualidade teórica e da perspectiva epistêmica na abordagem
do problema.30

Independente da abordagem adotada, a pesquisa histórica deve, ao tentar


reconstituir um tempo passado --- mesmo que esta reconstituição não seja da forma
exata como os fatos aconteceram, sendo isto impossível, uma vez que o
pesquisador não estava lá no momento em que os mesmos (fatos) ocorreram e
mesmo que estivesse, a leitura que fazemos de uma ação, pode não ser a mesma
leitura que o outro realiza --- se apropriar de vestígios que por meio de interpretação
e questionamentos o levem a uma (re)significação --- que possibilite a produção de
documentos que poderão contribuir para o desenvolvimento de novas pesquisas e
produção de novos documentos. De acordo com Certeau:

Em história tudo começa com o gesto de separar, de reunir, de


transformar em “documentos” certos objetos distribuídos de outra
maneira. [...] Na realidade, ela consiste em produzir tais documentos,

28
GATTI, Bernardete A. Estudos quantitativos em educação. Educação e pesquisa, São Paulo, n. 1,
v. 30, p. 11-30, jan./abr., 2004.
29
FLICK; VON KARDORFF; STEINKE, [19--?] apud GUNTHER 2006, p. 202.
30
GATTI, Bernardete A., op. cit., p. 13.

Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281
7
Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/
Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e
Psicologia – ISSN 2178-1281

pelo simples fato de recopiar, transcrever ou fotografar estes objetos


mudando ao mesmo tempo o seu lugar e o seu estatuto.31

5 Compartilhando nossas reflexões

Os seres humanos são naturalmente curiosos e empreendedores, buscam


constantemente superar seus conhecimentos e produções, trabalham com
finalidades diversas, seja para se desenvolver financeiramente, socialmente ou
intelectualmente. Nós pesquisadores trabalhamos com a intenção de superarmos
nossos próprios limites intelectuais, intencionando produzir novos conhecimentos
que possam ser compartilhados com outrem.
Os pesquisadores que lidam com a pesquisa histórica, realizam um trabalho
singular pois vasculham os lugares onde a maioria não quer estar (porões, galpões,
caixas velhas e empoeiradas, etc) em busca de um vestígio que lhe sinalize
possibilidades de (re)descobertas e possíveis (re)construções de um passado que
merece ser (re)significado, compartilhado e preservado.
No contexto do pesquisador histórico, o tempo é um fator salutar, pois
influencia todas as nossas vivências, inclusive e com muita ênfase a vivência
acadêmica, onde somos sufocados por atividades que estão todas cronometradas e
devem ser cumpridas sem maiores argumentações.
Na pesquisa histórica, o pesquisador se apropria do tempo histórico para com
os seus óculos, analisar um fato que ocorreu há tempos, e que deve ser analisado
despido de pré-concepções, com o olhar do tempo da época em que os fatos
aconteceram e não com as percepções do seu tempo presente.
Percebemos também que o conhecimento histórico que é produzido por meio
da pesquisa histórica, está intimamente ligado ao tempo, seja para nos situar em um
espaço temporal, seja para nos elucidar as experiências vividas pelo sujeito na
sociedade. Então a capacidade individual de lidarmos com os tempos (Cairós e
Chronos) influenciará o nosso desenvolvimento como acadêmico, como profissional
e como indivíduo inserido e participante de uma sociedade.

REFERÊNCIAS

1 AGAMBEN, Giorgio. Tempo e história: crítica do instante e do contínuo. In:


______. Infância e história: destruição da experiência e origem da história. Belo
Horizonte: UFMG, 2005. P. 111-128.

2 LLORET, Caterina. As outras idades ou as idades do outro. In: LARROSA, J.;


LARA, N. P. (orgs.) Imagens do outro. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 13-23.

3 MORAES, Vinícius de. Livro de sonetos. São Paulo: Companhia das Letras,
1991. 165 p.
31
CERTEAU, 2002 apud CARDOSO, 2009, p. 8.

Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281
8
Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/
Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e
Psicologia – ISSN 2178-1281

4 SALGADO, Raquel Gonçalves. Aula sobre o texto tempo e história de


Agamben. Dia 31 de março de 2011. Informação verbal.

5 RÜDIGER, Francisco. Estratégias para a pesquisa da história da mídia. In:


ENCONTRO DO NÚCLEO GAÚCHO DE HISTÓRIA DA MÍDIA, 3., 2010, Porto
Alegre. Palestra... Porto Alegre: Alcar, 2010. Disponível em:
<http://www.youtube.com/watch?v=GukivornF90> Acesso em: 27 abr. 2011.

6 REIS, José Carlos. História e teoria: historicismo, modernidade, temporalidade e


verdade. Brasília: UNB, 2003. 246 p.

7 PADILHA, Maria Itavra Coelho de Souza; BORENSTEIN, Miriam Susskind. O


método de pesquisa histórica na enfermagem: the ethodology of historic research in
the nursing el método de investigación histórica en la enfermería. Texto Contexto
enfermagem, Florianópolis, v. 14, p. 575-584, out./dez. 2005.

8 ELIAS, Norbert. Sobre o tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. p. 7-32.

9 GUNTHER, Hartmut. Pesquisa qualitativa versus pesquisa quantitativa: esta é a


questão?. Psicologia: teoria e pesquisa, n. 2, v. 22, p. 201-209, maio/ago., 2006. p

10 CARDOSO, Cancionila Janzkovski. Relatório da Pesquisa de Pós-Doutorado:


Cartilha Ada e Edu: produção, difusão e circulação: (1977-1985), 2009. Relatório
(pós-doutorado) Universidade Federal de Mato Grosso, Universidade Federal do
Paraná, 2009.

11 TAKAMATSU, Sônia Midori. A biblioteca César Bierrenbach: o centro de


ciências, letras e artes e a utopia do conhecimento. Campinas, 2011. Dissertação
(mestrado) Universidade Estadual de Campinas. Campinas: UNICAMP, 2011. 152 p.

12 GATTI, Bernardete A. Estudos quantitativos em educação. Educação e


pesquisa, São Paulo, n. 1, v. 30, p. 11-30, jan./abr., 2004.

Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281
9

Você também pode gostar