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Jornalismo e Memória
Introdução
Este artigo tem como objetivo analisar a relação entre Jornalismo e Memória. A
atividade jornalística tem como tarefa o registro do cotidiano que, muitas vezes, acaba por
tornar-se a documentação dos fatos ocorridos em uma comunidade, e ainda que não seja seu
objetivo, o jornalismo acaba por escrever a história do lugar. As notícias e os exemplares dos
jornais, arquivados, constituem-se no viés condutor da memória local. Para entender este
fenômeno complexo, o trabalho inicialmente abrangerá uma revisão bibliográfica sobre as
diferentes concepções de memória propostas por autores que reconhecidamente trabalham
com o tema. Izquierdo3 (1989), por exemplo, traz para cena o fato de que é a memória que nos
proporciona um senso histórico e o senso de identidade pessoal e que também nos permite
aprender, numa cadeia em que sem memória o aprendizado não existe e ele não ocorre sem
experiências. Já Rosário4 (2002) coloca o fato de que a memória é o lugar da imortalidade,
ligando o presente ao passado, dando significação às coisas e às experiências que vivemos.
Ricoeur5 (2007) destaca que nós fazemos a escolha daquilo que ficará em nossa memória, a
1
Mestranda em Memória Social e Patrimônio Cultural pela Universidade Federal de Pelotas, especialista em Gestão de
Eventos - Ênfase Organizacional e Institucional pela Faculdade de Tecnologia SENAC Pelotas. Graduada em Comunicação
Social – Relações Públicas e Jornalismo pela Universidade Católica de Pelotas, e-mail: jerusa.michel@gmail.com
2
Mestre em Desenvolvimento Social e Mestre em Lingüística Aplicada UCPEL, docente do Centro de Educação e
Comunicação da UCPEL/RS, email: margareth.michel@gmail.com
3
Ivan Antonio Izquierdo, NASCEU EM Buenos Aires em 1937) é um médico e cientista argentino naturalizado brasileiro,
que construiu sua carreira no Brasil e foi pioneiro no estudo da neurobiologia da memória e do aprendizado, destacando-se
entre os cientistas brasileiros mais citados em todas as áreas do conhecimento.
4
Cláudia Cerqueira do Rosario é Bacharel em Filosofia (1984), Licenciada em (1988) e mestre em Filosofia pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (1990). É Professora Adjunta da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em Filosofia da Cultura, atuando principalmente nos seguintes temas:
mito, cinema, religião, filosofia e cultura.
5
Paul Ricoeur, filósofo francês, nascido a 27 de fevereiro de 1913, em Valence, e falecido a 20 de maio de 2005, em Chatenay-
Malabry, Paris, foi aluno de Gabriel Marcel e professor nas Universidades de Sorbonne e Chicago. F oi um dos grandes
filósofos e pensadores franceses do período que se seguiu à Segunda Guerra Mundial.
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A Memória
Para Ivan Izquierdo (1989) existem basicamente duas maneiras de conceber o fluxo
de tempo, uma é olhando do passado em direção ao futuro e a outra é olhando do futuro em
direção ao passado, entretanto, segundo o autor “em qualquer um dos casos, o fluxo nos
atravessa em num ponto, que denominamos presente” (1989, p. 89). Em seu artigo Memórias,
Izquierdo nos diz que:
Esse ponto evanescente, porém, é nossa única posse do real: o futuro não existe
ainda (...) e o passado não mais existe, salvo sob a forma de memórias. Não há
tempo sem um conceito de memória; não há presente sem um conceito de
tempo; não há realidade sem memória e sem uma noção de presente, passado e
futuro. (IZQUIERDO, 1989, p. 89)
6
Maurice Halbwachs nasceu em Reims em 11 de março de 1877 e faleceu em Buchenwald em 16 de maio de 1945 e foi um
sociológo francês da escola durkheimiana. Escreveu uma tese sobre o nível de vida dos operários, e sua obra mais célebre é o
estudo do conceito de memória coletiva, que ele criou
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http://www.dicionariodoaurelio.com/Memoria - Consultado em 25.06.2011.
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Não foram apresentados os números de página referentes a citações de Cláudia Cerqueira do Rosario, pois o artigo “O
Lugar Mítico da Memória”, disponível em http://www.unirio.br/morpheusonline/Numero01-2000/ claudiarosario.htm, não
possui numeração de páginas.
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Dr. Greg Miller é co-diretor do Psychobiological Determinants of Health Laboratory, Ph.D. em psicologia clínica na
Universidade da Califórnia, atualmente é professor de psicologia na Universidade de British Columbia.
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Para Bérgson (1990) o presente avança no tempo sem parar, tocando um plano móvel
que traduz a representação atual que o indivíduo tem do mundo. O vértice do cone é o
presente e simula a relação entre o real e o psíquico, concentrando a imagem a partir do corpo
ao mesmo tempo em que faz parte do plano da representação, uma vez que o toca
pontualmente. A memória avança, acrescentando imagens e aumentando o cone, formando
novas representações de um lado, e ações e reações de outro.
Maurice Halbwachs, outro grande estudioso do campo da memória, foi aluno de
filosofia de Bergson, entretanto se afasta de seu mestre, abrindo espaço para outras influências
10
Filósofo francês, Henri Bergson nasceu em Paris, a 18 de outubro de 1859 e morreu na mesma cidade a 4 de janeiro de
1941, é um marco na filosofia moderna: substituindo pela visão biológica a visão materializante da ciência e da metafísica, ele
representa o fim da era cartesiana. Exprime, em nível filosófico, um novo paradigma baseado na consciência, adquirido pela
cultura de seu tempo, das conexões entre a vida orgânica e a vida social e psíquica.
11
Na base P temos a realidade presente, em AB temos a memória, em SAB temos o ponto de contato entre percepção,
memória e a realidade presente. Com o tempo a distância entre S e AB aumenta, mas o contato com a realidade nunca é um
perceber puro, desconectado de AB. Aspecto importante da teoria: a memória responde ao chamado do presente. É o tipo de
coisa que vinculo à posição de Ludlow (na posição de Burge a memória responde ao chamado do passado, por assim dizer).
Compreensão do Cone de Memória de Bérgson a partir de Ecléa Bosi, em sua obra Memória e Sociedade, 1979, pp. 47-48.
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O Jornalismo
A sociedade é produto da comunicação e comunicar é muito mais do que transmitir
informações. De acordo com Francisco Rüdiger15 (1998), é a comunicação que fornece a
condição para a interação social. A sociedade representa muito mais do que uma simples
interação entre indivíduos, é constituída a partir de uma comunidade de ação e comunicação.
A sua existência é necessária para o desenvolvimento da vida e principalmente para o
desenvolvimento de uma vida social com sentido. Rüdiger (1998) nos diz que:
A sociedade se confunde em sua estrutura com a cultura, na medida em que
representa um fenômeno gerado simbolicamente pela comunicação. A
12
Gottfried Wilhelm von Leibniz nasceu em Leipzig em 1 de julho de 1646 e faleceu em Hanôver em 14 de novembro de
1716, foi um filósofo, cientista, matemático, diplomata e bibliotecário alemão.
13
François Simiand nasceu em Grières em 18 de abril de 1873 e faleceu em Saint-Raphael em 13 de abril de 1935, foi um
sociólogo e economista, conhecido por sua participação no jornal de sociologia ‘L'Année Sociologique’ fundado em 1898 por
Émile Durkheim e onde publicava os resultados de suas pesquisas e as de seus alunos, tendo sido membro também da Escola
Francesa de História da Economia.
14
Émile Durkheim nasceu em Épinal em 15 de abril de 1858 e faleceu em Paris em 15 de novembro de 1917, sendo
considerado um dos pais da sociologia moderna, foi o fundador da Escola Francesa de Sociologia, posterior a Marx, que
combinava a pesquisa empírica com a teoria sociológica, reconhecido como um dos melhores teóricos do conceito da coesão
social.
15
Franciso Rüdiger, nasceu em Porto Alegre-RS, é formado em Jornalismo pela UFRGS, mestre em Filosofia pela UFRGS,
doutor em Ciências Sociais pela USP, e professor da Famecos desde 1986. Autor de diversas publicações, entre as quais estão
“Cibercultura e pós-humanismo (2008)” e “Martin Heidegger e a questão técnica” (2006).
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internet, entretanto, segundo a Associação Mundial Jornais – WAN, calcula-se que um bilhão
de pessoas em todo o mundo lêem um jornal todos os dias, o que comprova que os jornais em
papel continuam sendo um veículo popular e poderoso no relato e análise dos eventos que
afetam nossas vidas.
O jornalismo como o conhecemos hoje é fruto de uma troca de comunicações que se
basearia na chamada “imparcialidade jornalística” e existiria para guiar a sociedade num
caminho de justiça e igualdade. Luiz Beltrão 18 e Newton de Oliveira Quirino 19 (1986) nos
dizem que a sociedade e a comunicação estão intimamente ligadas e que pode-se determinar o
nível de civilização de uma sociedade ou agrupamento social pelas formas, instrumentos e
eficácia de seu sistema comunicacional.
A sociedade se confunde em sua estrutura com a cultura, na medida em que
representa um fenômeno gerado simbolicamente pela comunicação. A
comunicação é o mecanismo de coordenação da interação social, torna possível
o consenso entre as pessoas. Em função disso, não pode ser reduzida à pura e
simples transmissão de experiências, consiste no processo pelo qual os sujeitos
têm uma experiência comum da realidade, constroem seu mundo como
coletividade (RÜDIGER, 1998, p. 37).
18
Luiz Beltrão de Andrade Lima, nasceu em1918 em Olinda, e foi um grande colaborador do avanço do campo das ciências
da comunicação no Brasil e na América Latina. Trabalhou no Diário de Pernambuco, onde foi revisor e repórter. também foi
funcionário público e foi um estudioso de jornalismo na época em que trabalhou no Diário de Pernambuco e em 1967 tornou-
se o primeiro doutor em comunicação no Brasil.
19
Newton de Oliveira Quirino, ex-aluno de Luiz Beltrão, posteriormente colega de pesquisa e autor de livro em parceria com
o mestre.
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Jornalismo e Memória
Pode parecer contraditória a preocupação de relacionar jornalismo e memória uma
vez que, segundo o senso comum, o jornal de hoje serve para embrulhar o peixe de amanhã.
Segundo Fernandes20 “no jornalismo considerado em sua especificidade, ao realizar escolhas,
haverá sempre o predomínio da busca do novo. Os jornais são escritos para a divulgação de
acontecimentos de seu tempo, sem a preocupação de anotá-los para uma geração futura”.
Neste caso pode parecer paradoxal a relação entre jornalismo e memória, mas para a autora:
Há, porém, laços estreitos entre estes elementos constitutivos dos meios de
comunicação nas sociedades contemporâneas. Eles mediam a relação dos sujeitos
e interferem nas transformações do que acontece. Produzem sentidos para os
processos históricos nos quais esses sujeitos estão inseridos. Ao fazê-lo, destacam
os fatos da atualidade, que se tornam memoráveis no futuro. O que foi
selecionado como mensagem jornalística, ao registrar aspectos relevantes da
realidade acaba envolto numa espécie de luz ou claridade, chamando a atenção
dos historiadores. (FERNANDES, 1997)
Para Ivan Izquierdo, a memória é o nosso senso histórico e também o nosso senso de
identidade pessoal, como então não associar a memória ao fazer jornalístico, uma vez que, é a
partir do que recordamos que podemos escolher o que é importante ou não, no presente. Ao se
elaborar a pauta de um jornal, escolhe-se o que será lembrado e o que será esquecido. Para
Fernandes
20
Profª Dra. Terezinha Fátima Tagé Dias Fernandes. Departamento de Jornalismo e Editoração Escola de
Comunicação e Artes Universidade de São Paulo São Paulo – S.P / Brasil.
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Na verdade, fatos novos não são criados a partir do nada. São articulados a
partir de um passado que se fez linguagem e vai sendo reconstituído nos
sujeitos que produzem narrativas jornalísticas do presente rastreando os
sentidos dos fatos no passado. Esta articulação é permanente. (FERNANDES,
1997) 21
A midias então passam então, segundo Henn 22 (2006, p. 179) “a constituir um lugar
privilegiado para os agenciamentos envolvendo a memória coletiva e, sobretudo, o
enquadramento da memória”. A partir deste agendamento, os indivíduos passam a se
identificar com os acontecimentos públicos relevantes para o seu grupo. Segundo Burke 23
(2000, p.70) “Lembram muito o que não viveram diretamente. Um artigo de noticiário, por
exemplo, às vezes se torna parte da vida de uma pessoa. Daí, pode-se descrever a memória
como uma reconstrução do passado”.
A memória então como uma forma de acesso ao passado, e é fonte de identidade
tanto pessoal quanto coletiva. Memória individual e coletiva alimentam e guardam
informações relevantes para os sujeitos e têm, por função primordial garantir a coesão do
grupo e o sentimento de pertinência entre seus membros.
A informação e a comunicação são mediadoras do processo de construção da
memória e de identidade, que não são somente individuais, mas peças do contexto social que
precede e continua além do homem e dos grupos sociais.
Um aspecto interessante apresentado por Jiani Adriana Bonin24 (2009) é o de
pensarmos na ação das mídias como lugares de memória, sobre isso ela nos diz que:
21
A citação não possui número de página, pois o artigo disponível em http://www.entretextos.jor.br/ page_txt.asp?
smn=2&txt=39&sbmn=5 não possui numeração de páginas.
22
Ronaldo Henn, Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo e professor no PPG em Ciências da
Comunicação da Unisinos.
23
Peter Burke nasceu em Stanmore em 1937 e é um historiador inglês com doutorado em Oxford (de 1957 a 1962), foi
professor de História das Idéias na School of European Studies da Universidade de Essex, professor na Universidade de
Sussex e professor da Universidade de Princeton, atualmente é professor emérito da Universidade de Cambridge.
24
Jiani Adriana Bonin é doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo, professora de curso de
especialização em Comunicação Popular e Alternativa da UEL e professora do Cesumar.
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associações, grupos de debate, jurado de eventos culturais etc. Isto ocorre porque a
comunidade reconhece nele a capacidade de liderar e de influenciar. Dotado de princípios
éticos, o comunicador comunitário deve aproveitar esse contato direto para estar sempre
aprendendo com a comunidade de modo a poder servi-la cada vez melhor, sem jamais impor
os seus processos, mas sempre discutindo, democraticamente, o melhor caminho em cada
situação (CAMPOS, 2006).
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Michel e Oliveira, 2006; Ribeiro, Renhardt e outros (2007); Baini e Saab (2010), entre outras.
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Walter Benedix Schönflies Benjamin nasceu em Berlim em 15 de julho de 1892 e faleceu em Portbou em 27 de setembro
de 1940, foi um ensaísta, crítico literário, tradutor, filósofo ne sociólogo judeu alemão, associado à Escola de Frankfurt e à
teoria Crítica.
30
A Mnemosia, deusa da reminiscência, era a musa do gênero épico entre os gregos.
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precisa entregar-se inteiramente a ele, e, sem perda de tempo, comprometer-se com ele”.
(1983, p. 61-62).
Para Benjamim o sujeito moderno, leitor ávido de informações apresenta uma nova
forma de lidar com a memória, que se forma fugaz. Para a imprensa importa aquilo que é
novidade, assim rapidamente ela substitui informações por outras mais novas, e este processo
se torna contínuo, por isso a imprensa estará condenada a não contribuir com a memorização
dos fatos e não deve ter muitas pretensões junto à questão da memória. Porém Benjamim
(1983) torna possível outra concepção no que se refere ao jornalismo comunitário que pode se
tornar instrumento de aquisição, conservação e evocação da memória de uma determinada
comunidade, isto porque apesar de predominar no jornalismo a busca pelo novo, ressalta-se
que seus discursos produzem sentido para os processos históricos e destacam os fatos que se
tornarão memoráveis no futuro, principalmente quando são produzidos e relatados a partir da
própria comunidade.
Segundo Enne e Tavares (2004) “eternizar um dado momento através da escrita é,
sob certo aspecto, domesticar e selecionar a memória.” Partindo deste principio, os jornais,
principalmente os impressos, podem ser um instrumento valioso para a construção da história
de um determinado lugar, pois são vestígios, traços do passado que podem ajudar na
constituição e preservação da memória de uma comunidade.
Considerações
A partir das diferentes teorias abordadas no decorrer do texto pode-se afirmar que o
jornalismo, em especial o jornalismo comunitário, são mediadores do processo de construção
da memória e de identidade, que não são somente individuais, mas peças do contexto social
que precede e continua além do homem e dos grupos sociais.
Com base no conceito de Ivan Izquierdo (1989), de que a memória é o nosso senso
histórico e também o nosso senso de identidade pessoal, como não podemos deixar de
associá-lo ao fazer jornalístico, uma vez que, é a partir do que recordamos que podemos
escolher o que é importante ou não, no presente. Temos então a visão de Henn (2006) para
quem as mídias se constituem em lugar privilegiado em que a memória coletiva é agenciada e,
sobretudo, é enquadrada.
Sendo assim, nos baseamos no fato de que o jornalismo comunitário, e tomamos
como exemplo o jornal comunitário “O Pescador”, busca ser um espelho da comunidade a que
se destina e tem como proposta principal a busca e seleção de fatos memoráveis para os
moradores da comunidade assim como de suas lutas sociais. Embora o jornalismo sofra a
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forte influência dos princípios da cultura de massa sobre o indivíduo que emite e recebe a informação
jornalística, os jornais comunitários podem e devem usar uma espécie de ‘filtro’ diferente do
existente nos veículos de comunicação massivos, para a partir daí construir uma outra prática
em que a narrativa contribua para que aquilo que é narrado esteja efetivamente ligado tanto à
identidade social como a representação que os moradores da comunidade fazem de si e isto
contribua para a construção e preservação de sua memória como indivíduos, como grupos e
como comunidades.
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