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ANTIGA
Introdução
Durante muito tempo, o termo “pré-história” designou o período anterior
à utilização da escrita pelo homem. Hoje em dia, essa divisão está sendo
problematizada. Afinal, ainda que a escrita tenha sido uma transformação
muito importante, isso não significa que os povos ágrafos não possuíssem
história, ou que estivessem em um estágio inferior de desenvolvimento. Por
exemplo, é possível estudar os processos de sedentarização e as práticas
agropastoris a partir de vestígios não escritos deixados por essas sociedades.
Neste capítulo, você vai estudar o conceito de Pré-História, o seu surgi-
mento e as críticas contemporâneas a essa nomenclatura. Você também
vai conhecer a periodização da Pré-História e verificar a importância da
Revolução Neolítica, compreendendo o processo de sedentariação e o
desenvolvimento de atividades agropecuárias.
Pré-História: o que é?
Tradicionalmente, as origens da humanidade eram situadas pelos historiadores
numa época conhecida como “Pré-História”. Hoje, entretanto, essa expressão
já não é mais aceita por todos os historiadores. A Pré-História costumava ser
2 A Pré-História e a Revolução Neolítica
Hoje, essa visão é encarada com reservas. Outras fontes, como imagens,
objetos do cotidiano e relatos orais, passaram a ter a mesma importância
da escrita no processo de conhecimento histórico. Essa transformação,
do ponto de vista historiográfico, se deveu às ponderações da chamada
escola dos Annales, criada em 1989 a partir da iniciativa de Marc Bloch
e Lucien Febvre. Além disso, recentes avanços científicos e tecnológicos
colaboram na tarefa de estudar o passado. É o caso da análise do DNA,
de programas de computador que reconstroem rostos humanos a partir de
um crânio e de métodos científicos que determinam a idade de fósseis e
de restos arqueológicos.
A invenção da escrita como marco inicial da história também pode ser
questionada pelo fato de ela não ter ocorrido ao mesmo tempo em todo o
Planeta. Muitos povos só entraram em contato com a escrita no final do século
I a.C., durante a expansão de Roma. Ainda hoje, tribos indígenas do Brasil e
grupos aborígines da Austrália, por exemplo, não fazem uso de nenhum sinal
gráfico para representar palavras.
Assim, Silva e Silva (2010, p. 343) corroboram a crítica elaborada por
Borloz (1990):
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Periodização da Pré-História
Existem diferentes periodizações para a Pré-História. Segundo Funari e No-
elli (2002), a partir de 1816, Christian J. Thomsen, o primeiro conservador
do Museu Nacional Dinamarquês, deu ordem às sempre crescentes coleções
de antiguidades. Ele classificou-as em três idades: da pedra, do bronze e do
ferro. A ideia era, realmente, muito simples: antes de o homem aprender a
usar metais, vivera numa idade da pedra e, após ter aprendido, utilizou, de
início, apenas o cobre e o bronze, só mais tarde passando ao ferro. Apenas
com a teoria do evolucionismo haveria, no entanto, uma verdadeira revolução
no entendimento da questão das origens do homem.
4 A Pré-História e a Revolução Neolítica
O sistema de três idades funciona bem para grande parte da Eurásia (mas
não para o Japão) e com algumas ressalvas para o sudeste da Ásia. A Aus-
trália e o Pacífico têm apenas idades da pedra; os primeiros metais foram
introduzidos pelos europeus. A idade do bronze africana provavelmente
veio depois de sua idade do ferro, e as Américas só trabalharam o cobre,
abstendo-se do bronze ou do ferro. Refletindo suas histórias diferentes, as
Américas criaram suas próprias terminologias, às vezes com o objetivo de
entender o crescimento de estados e civilizações na América Central e do
Sul (Arcaica, Formativa, Clássica, etc.) ou sequências locais na América do
Norte (Silvícola, Anasazi, etc.). Desde os anos 1960, surgem cada vez mais
datas absolutas, sobretudo as datações por radiocarbono, formando a base
para uma pré-história mundial comparativa, de modo que hoje podemos
perguntar o que estava acontecendo no mundo em 18 mil ou 5 mil a.C. As
datas absolutas não resolveram todos os nossos problemas cronológicos,
mas desviaram a atenção de quando as coisas aconteceram para por que
elas aconteceram.
A sedentarização e a agricultura
A história documentada é apenas a ponta de um iceberg que remonta ao
aparecimento da espécie humana na Terra. Antropólogos, historiadores da Pré-
-História e arqueólogos ampliaram a visão do passado em centenas de milhares
de anos. Seria impossível compreender a história do homem sem levar em conta
as descobertas desses pesquisadores. A transformação dos seres humanos (ou,
mais precisamente, de certos grupos de seres humanos em algumas áreas) de
caçadores e pescadores em agricultores, de vida migratória para sedentária,
constitui uma revolução. As transformações climáticas e ecológicas permitiram
essa mudança, deixando marcas indeléveis até os dias de hoje.
Uma série de revoluções e transformações modificaram o modo de vida
do homem, mas não há uma datação absoluta. Veja o que afirma Gosden
(2012, p. 12):
A sedentarização e a pecuária
Como você viu, o termo “Revolução Neolítica”, cunhado pelo arqueólogo
Childe (1999), faz referência às mudanças culturais, materiais e sociais ex-
perimentadas pelo homem ao longo de um grande período de tempo. Essas
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havia um intervalo menor entre o nascimento dos filhos [...]” (SILVA, 2018,
p. 28). Em relação à pecuária propriamente dita, ainda que não exista uma
data precisa da domesticação dos bovinos, há diversos registros de bois
e vacas na arte rupestre, em cavernas, em diferentes lugares da Europa.
As representações zoomórficas retratam a aproximação dos homens com
os animais.
Isso fez com que alguns cientistas afirmassem que o gado foi um dos pri-
meiros animais a serem domesticados, e não somente por fornecer alimentos
e outros produtos, mas também porque auxiliava o homem na agricultura.
Por sua vez, “[...] a domesticação do cachorro remonta há 16.000 antes da
presente era, sendo a cabra 9.500 anos, o porco 9.200 anos, a ovelha 9.000
anos, os bovinos 8.400 anos e o asno 5.500 anos [...]” (MAZOYER, 2010,
p. 104–105).
Porém, nem todas as culturas utilizaram bois e vacas para a alimentação.
Para os hindus, por exemplo, esses animais são sagrados e não podem ser
mortos. Alguns povos pastores africanos criavam o gado para utilizar o seu
leite e o seu sangue como recursos alimentares, “[...] raramente abatendo
bovinos, a não ser em ocasiões excepcionais de motivação social, como óbitos
ou casamentos, aproveitando, até há pouco, as peles para vestuário, e exibindo
as cabeças como troféus, espetadas em paus, como testemunho do evento [...]”
(MATOS, 2005, p. 117). Isso evidencia que a domesticação dos animais e o
desenvolvimento da pecuária também possuía um caráter religioso, ritualístico
e sagrado, não servindo somente para consumo ou produção.
Em muitos lugares, a vida sedentária e o cultivo do solo levaram ao cres-
cimento demográfico e à formação de aglomerações humanas. O cultivo de
alimentos e a domesticação de animais exigiram do homem neolítico uma
mudança no tipo de habitação. Assim, começou um longo e paulatino processo
de sedentarização.
Inicialmente, o homem neolítico parece ter misturado os antigos hábitos de
caçador e coletor com os novos hábitos de produtor de alimentos, cultivando
campos em que permanecia durante determinado período. É o tipo de posse
de terra de cultura que se pode classificar como semipermanente, em que o
cultivo dos campos se alterna com períodos de caça e de transumância com
os animais domesticados. Dos campos semipermanentes, surgiram as aglo-
merações permanentes; com o passar dos séculos, floresceram nesses lugares
as primeiras vilas e cidades (BOUZON, 1998).
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Leituras recomendadas
FOLEY, R. Os humanos antes da humanidade: uma perspectiva evolucionista. São Paulo:
Unesp, 2003.
GUGLIELMO, A. R. A pré-história: uma abordagem ecológica. São Paulo: Brasiliense, 1991.
LIMA, C. P. Evolução humana. São Paulo: Ática, 1990.
PROUS, A. O povoamento da América visto do Brasil: uma perspectiva crítica. Revista
USP, São Paulo, n. 34, p. 8–21, jun./ago. 1997.