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HISTÓRIA

ANTIGA

Caroline Silveira Bauer


A Pré-História e a
Revolução Neolítica
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Analisar a origem do conceito de Pré-História e as suas características


basilares.
 Relacionar os processos de sedentarização à emergência da agricultura
neolítica.
 Apontar aspectos sobre a domesticação de animais e a pecuária
neolítica.

Introdução
Durante muito tempo, o termo “pré-história” designou o período anterior
à utilização da escrita pelo homem. Hoje em dia, essa divisão está sendo
problematizada. Afinal, ainda que a escrita tenha sido uma transformação
muito importante, isso não significa que os povos ágrafos não possuíssem
história, ou que estivessem em um estágio inferior de desenvolvimento. Por
exemplo, é possível estudar os processos de sedentarização e as práticas
agropastoris a partir de vestígios não escritos deixados por essas sociedades.
Neste capítulo, você vai estudar o conceito de Pré-História, o seu surgi-
mento e as críticas contemporâneas a essa nomenclatura. Você também
vai conhecer a periodização da Pré-História e verificar a importância da
Revolução Neolítica, compreendendo o processo de sedentariação e o
desenvolvimento de atividades agropecuárias.

Pré-História: o que é?
Tradicionalmente, as origens da humanidade eram situadas pelos historiadores
numa época conhecida como “Pré-História”. Hoje, entretanto, essa expressão
já não é mais aceita por todos os historiadores. A Pré-História costumava ser
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definida como o período compreendido entre o aparecimento dos primeiros


hominídeos e a invenção da escrita, ocorrida por volta do quarto milênio a.C. na
Mesopotâmia (no atual Oriente Médio) e no Egito. Essa periodização começou
a ser utilizada a partir do século XIX, na Europa. Nessa época, os estudiosos
acreditavam que só seria possível resgatar o passado de uma sociedade caso
ela tivesse deixado registros escritos.
Veja o que afirma Borloz (1990, p. 73):

[...] a escolha da instituição da escrita para marcar o final da Pré-História


se prende a uma visão, se não superada, pelo menos antiquada em relação
às mudanças pelas quais passaram os grupos humanos. Típica da era vito-
riana, esta visão tratava, essencialmente, de colocar a cultura protestante
europeia como o ponto máximo do desenvolvimento humano, e as formações
socioculturais, à medida que se diferenciavam do padrão arbitrariamente
escolhido, iam sendo percebidas como menos civilizadas, mais primitivas.
[...] A etnografia do final do século passado [XIX] e início deste [XX]
promove esta suposta inferioridade das sociedades ágrafas — que, coin-
cidentemente, são as sociedades tribais, grosso modo — e seus resultados
são visíveis na produção científica e supostamente científica do Primeiro
Mundo até hoje. Unificar a noção de História com o surgimento da escrita
é uma formulação contemporânea que esclarece bem mais a respeito dos
formuladores do que dos grupos descritos.

Hoje, essa visão é encarada com reservas. Outras fontes, como imagens,
objetos do cotidiano e relatos orais, passaram a ter a mesma importância
da escrita no processo de conhecimento histórico. Essa transformação,
do ponto de vista historiográfico, se deveu às ponderações da chamada
escola dos Annales, criada em 1989 a partir da iniciativa de Marc Bloch
e Lucien Febvre. Além disso, recentes avanços científicos e tecnológicos
colaboram na tarefa de estudar o passado. É o caso da análise do DNA,
de programas de computador que reconstroem rostos humanos a partir de
um crânio e de métodos científicos que determinam a idade de fósseis e
de restos arqueológicos.
A invenção da escrita como marco inicial da história também pode ser
questionada pelo fato de ela não ter ocorrido ao mesmo tempo em todo o
Planeta. Muitos povos só entraram em contato com a escrita no final do século
I a.C., durante a expansão de Roma. Ainda hoje, tribos indígenas do Brasil e
grupos aborígines da Austrália, por exemplo, não fazem uso de nenhum sinal
gráfico para representar palavras.
Assim, Silva e Silva (2010, p. 343) corroboram a crítica elaborada por
Borloz (1990):
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Esse conceito, elaborado no século XIX, tem, no entanto, dois sérios


problemas. O primeiro é o fato de que a escrita não surgiu em todos os
lugares ao mesmo tempo, o que torna essa divisão temporal bastante
arbitrária. O segundo é o etnocentrismo resultante do ato de considerar
apenas a escrita, um elemento cultural restrito a determinadas culturas,
como o fator determinante de quem se situa na história e de quem se situa
fora dela. A ideia de que as sociedades ágrafas, ou seja, sociedades sem
escrita, não teriam história nasceu com a vertente positivista da historio-
grafia ocidental no século XIX, que enfatizava sobretudo a importância do
documento escrito na produção de conhecimento. Mas desde o momento
em que as ciências humanas, no século XX, começaram a reconhecer que
a história é algo inerente a toda a humanidade, a ideia de que as sociedades
sem escrita estão fora da história passou a ser intensamente criticada por
historiadores e antropólogos. E mesmo os pré-historiadores, atualmente,
não se sentem satisfeitos com esse significado etnocêntrico subjacente
à palavra Pré-História. Isso, no entanto, contribuiu para o problema de
definição da Pré-História, e o termo continua a ser utilizado com seu
significado original, aparentemente por falta de conceito melhor, ainda
estabelecendo o surgimento da escrita na Antiguidade Oriental como o
início da História.

Na verdade, se você considerar o surgimento da escrita como o início da


história, conquistas como o domínio do fogo, a invenção da roda e a prá-
tica da agricultura ficariam de fora da história da humanidade. Afinal, elas
ocorreram muitos séculos antes da invenção dessa forma de comunicação.
Considerando essas ressalvas, o mais indicado é considerar a Pré-História
como uma etapa no processo histórico do ser humano. Assim, do ponto de
vista social, é possível entendê-la como um período em que ainda não haviam
surgido sociedades complexas e sedentárias e no qual as pessoas se reuniam
em pequenos agrupamentos nômades.

Periodização da Pré-História
Existem diferentes periodizações para a Pré-História. Segundo Funari e No-
elli (2002), a partir de 1816, Christian J. Thomsen, o primeiro conservador
do Museu Nacional Dinamarquês, deu ordem às sempre crescentes coleções
de antiguidades. Ele classificou-as em três idades: da pedra, do bronze e do
ferro. A ideia era, realmente, muito simples: antes de o homem aprender a
usar metais, vivera numa idade da pedra e, após ter aprendido, utilizou, de
início, apenas o cobre e o bronze, só mais tarde passando ao ferro. Apenas
com a teoria do evolucionismo haveria, no entanto, uma verdadeira revolução
no entendimento da questão das origens do homem.
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Mas as denominações correntes surgiram na segunda metade do século


XIX:

Em 1856, no vale do rio Neander, perto de Düsseldorf, na Alemanha, encontrou-


-se a calota craniana de um homem primitivo, que ficou conhecido como o
“homem de Neandertal”. Em 1865, surgiam os termos Paleolítico (Idade da
Pedra Antiga) e Neolítico (Idade da Pedra Recente). Abriam-se, assim, as
portas para o estudo da Pré-História, definida como todo o imenso período
anterior à invenção da escrita (FUNARI; NOELLI, 2002, p. 10).

Existem diferentes métodos de datação para a análise da cultura material


das sociedades pré-históricas. O grande problema desse modelo, comumente
utilizado, é que classifica em certo período realidades muito diferentes, como
demonstra Gosden (2012, p. 11–12):

O sistema de três idades funciona bem para grande parte da Eurásia (mas
não para o Japão) e com algumas ressalvas para o sudeste da Ásia. A Aus-
trália e o Pacífico têm apenas idades da pedra; os primeiros metais foram
introduzidos pelos europeus. A idade do bronze africana provavelmente
veio depois de sua idade do ferro, e as Américas só trabalharam o cobre,
abstendo-se do bronze ou do ferro. Refletindo suas histórias diferentes, as
Américas criaram suas próprias terminologias, às vezes com o objetivo de
entender o crescimento de estados e civilizações na América Central e do
Sul (Arcaica, Formativa, Clássica, etc.) ou sequências locais na América do
Norte (Silvícola, Anasazi, etc.). Desde os anos 1960, surgem cada vez mais
datas absolutas, sobretudo as datações por radiocarbono, formando a base
para uma pré-história mundial comparativa, de modo que hoje podemos
perguntar o que estava acontecendo no mundo em 18 mil ou 5 mil a.C. As
datas absolutas não resolveram todos os nossos problemas cronológicos,
mas desviaram a atenção de quando as coisas aconteceram para por que
elas aconteceram.

E como fazem os cientistas para estabelecer as datações dos fósseis


e da cultura material dessas sociedades? Existem diferentes métodos de
datação absoluta, que combinam a expertise de diferentes áreas da ciên-
cia, conhecimentos biológicos, humanos e técnicos. Como exemplos de
datação absoluta, considere a dendrocronologia, a termoluminiscência, as
séries de Urano, os teores químicos, os ultrassons dos ossos, etc. Já como
datação relativa, ou seja, aproximada, há a tipologia, a estratigrafia e a
comparação cronológica.
A seguir, você vai conhecer a datação das três idades, as suas subdivisões
e as suas principais características.
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 Paleolítico: esse período também é conhecido como Idade da Pedra


Lascada ou Idade da Pedra Antiga. Ele corresponde ao intervalo entre a
primeira utilização de utensílios de pedra pelo homem (cerca de 2 milhões
de anos atrás) e o início do Neolítico (aproximadamente 10.000 a.C.).
Nesse intervalo de tempo, houve um aprimoramento dos instrumentos de
caça, com a utilização de madeira, osso e sílex, para além das lascas de
pedra usadas como instrumentos cortantes. Os homens que viveram nesse
período utilizavam machados de pedra para cortar e esmagar alimentos,
além de utilizá-los para se defenderem. Os seres humanos organizavam-se
de forma comunal, com certa hierarquia e em agrupamentos familiares.
Eram nômades, descobriram e dominaram o fogo, possuíam uma lin-
guagem rudimentar e praticavam rituais e ritos funerários.
 Paleolítico Inferior: é o momento em que surge o Homo sapiens.
 Paleolítico Médio: compreende um espaço temporal, cultural e geo-
gráfico mais restrito do que os períodos do Paleolítico que o antecedem
e precedem. O homem de Neandertal, a sua distribuição geográfica
(Europa), as técnicas de talhe (indústrias mustierenses) e a sua cronologia
(200 a 30 mil anos a.C.) são características que definem esse período
da Pré-História antiga.
 Paleolítico Superior: abrange o fim do Paleolítico Médio e o início do
Mesolítico. Nele, eram produzidos anzóis primitivos, agulhas de ossos,
entre outros instrumentos. Esse período também é caracterizado pela
prática da magia simpática. O homem do Paleolítico Superior já é obrigado
a morar efetivamente nas cavernas (devido ao resfriamento intenso do
Planeta e ao fato de o norte da Europa ter ficado coberto de gelo como
consequência da 4ª glaciação). O homem desse período é o homem de
Cro-Magnon, que já é o homem propriamente dito. Ele caçava animais de
grande porte (mamute, renas) utilizando armadilhas montadas no chão.
 Mesolítico: também chamado de Idade da Pedra Intermediária, é um
período da Pré-História situado entre o Paleolítico e o Neolítico. Ele
ocorreu (pelo menos com duração razoável) apenas em algumas regi-
ões do mundo onde não houve transição direta entre os dois períodos
citados. As regiões que sofreram maiores efeitos das glaciações tiveram
Mesolíticos mais evidentes. O Mesolítico iniciou-se com o fim do
Pleistoceno, cerca de 10 mil anos atrás, e se encerrou com a introdução
da agricultura, em épocas que variam de acordo com a região.
 Neolítico: também chamado de Idade da Pedra Polida, é o período
da Pré-História compreendido aproximadamente entre 12.000 a.C. e
4.000 a.C. Durante esse período, desenvolveram-se práticas agrícolas,
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o que permitiu às populações mudanças de comportamentos e hábitos


devido à disponibilidade de alimento. A necessidade de armazenar os
alimentos e as sementes para cultivo levou à criação de peças de cerâ-
mica, que foram gradualmente ganhando fins decorativos. Por outro
lado, a fixação inerente à agricultura provocou o desenvolvimento da
vida em grupos e modificações culturais. Também foi nesse período
que se iniciou a domesticação de animais, levando a uma incipiente
divisão do trabalho.

A sedentarização e a agricultura
A história documentada é apenas a ponta de um iceberg que remonta ao
aparecimento da espécie humana na Terra. Antropólogos, historiadores da Pré-
-História e arqueólogos ampliaram a visão do passado em centenas de milhares
de anos. Seria impossível compreender a história do homem sem levar em conta
as descobertas desses pesquisadores. A transformação dos seres humanos (ou,
mais precisamente, de certos grupos de seres humanos em algumas áreas) de
caçadores e pescadores em agricultores, de vida migratória para sedentária,
constitui uma revolução. As transformações climáticas e ecológicas permitiram
essa mudança, deixando marcas indeléveis até os dias de hoje.
Uma série de revoluções e transformações modificaram o modo de vida
do homem, mas não há uma datação absoluta. Veja o que afirma Gosden
(2012, p. 12):

As datas absolutas transformaram nossa visão dos processos. Em muitas


regiões do mundo, hoje podemos ver que a adoção da agricultura e da
domesticação de animais, que costumava ser vista como uma mudança
drástica e repentina, quase sempre se deu ao longo de um largo período. A
aceitação de ovelhas, bois, porcos, trigo, cevada e aveia por grande parte
da Eurásia Ocidental ocorreu lentamente e por meios complicados entre 10
mil e 3 mil a.C. em diferentes regiões; o arroz, provavelmente domesticado
pela primeira vez na China por volta de 6 mil a.C., levou muitos milênios
para ser introduzido no Japão, na Índia e no sudeste da Ásia, assim como
o milhete e o sorgo na África e o milho e os feijões nas Américas. De fato,
muitos hoje pensam que as origens da agricultura e da domesticação de
animais não são exatamente a questão. Mais significante é o padrão total,
mas cambiante, de produção e consumo, que inclui não só plantas e animais,
como também ferramentas de pedra, objetos de cerâmica, cestos, artigos
têxteis e metais. Durante os últimos 10 mil anos, as pessoas criaram para
si mesmas uma série complexa de mundos, contando com habilidades e
recursos ainda mais antigos.
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O homem, no estágio Paleolítico, em que havia sociedades de caçadores


e coletores, aprendeu a controlar o fogo, o que possibilitou aquecimento,
iluminação à noite, melhor defesa e cozimento de alimentos. Nesse estágio, os
seres humanos eram caracterizados pelo nomadismo. As primeiras atividades
econômicas eram a caça e a coleta de grãos, caracterizando uma economia
coletora de subsistência.
Em geral, admite-se que as primeiras semeaduras aconteceram de forma
acidental, próximas às moradias, em lugares de debulha e de preparo culinário
dos cereais nativos. As primeiras plantações teriam se desenvolvido nesses
mesmos terrenos, já desmatados, enriquecidos de dejetos domésticos, e sobre
terrenos regularmente inundados pelas cheias dos rios, que não exigiam nem
desmatamento nem preparo do solo (MAZOYER, 2010). À medida que algumas
comunidades humanas passaram a praticar a agricultura e a domesticação de
animais (Revolução Agropastorial, característica do estágio Neolítico, em que
havia agricultores e criadores), evidentemente os homens passaram a ter mais
controle sobre as fontes de abastecimento para a sua alimentação.
Quais são as variáveis que explicariam a Revolução Neolítica?

Estas variáveis incluem fatores tais como o ambiente, as mudanças climáticas,


uma alimentação de amplo espectro, o tamanho e densidade populacional, o
grau de circunscrição, a disponibilidade de recursos, a diferenciação social, os
tipos de plantas e animais disponíveis, entre outros. [...] Para colocar de uma
modo mais simples, não existe uma única teoria geral aceita para as origens
da agricultura. O como e o porquê da transição para o Neolítico permanece
[sic] ainda como uma das mais intrigantes questões da Pré-História. As hi-
póteses que surgiram até o momento definem algumas das mais importantes
variáveis para esse processo, mas nenhuma delas nos ajuda a compreender
exatamente por que sociedades caçadoras-coletoras se tornaram agricultoras
(GEBAUER; PRICE, 1992, p. 10).

Os principais produtos de cultivo eram o trigo e a cevada, mas o arroz e


o milho também tiveram relativa importância. Alguns grupos geralmente
plantavam suas colheitas, em geral compostas por grãos como a cevada e o
trigo, perto de suas cavernas ou moradias temporárias. Quando o solo em que
eles plantavam não podia produzir mais — devido à exaustão dos nutrientes —,
iam buscar novos espaços para cultivar. Nessa busca, conseguiram observar
que existiam territórios que, por culpa da vazante das águas de rios, eram
mais vantajosos para o plantio. Isso permitiu a sua fixação em determinados
lugares e a formação de aldeias, com certa divisão social por gênero e com
uma economia produtora de subsistência.
8 A Pré-História e a Revolução Neolítica

De acordo com as investigações atuais, não houve um único local ou momento em


que ocorreu a Revolução Agrícola. Os vestígios arqueológicos permitem a identificação
de quatro grandes centros agrícolas. Veja a seguir.
 Oriente Próximo, que se constituiu no território das atuais Síria e Palestina e no
conjunto do Crescente Fértil entre 10 e 9 mil anos atrás.
 Centro-americano, que se estabeleceu no sul do atual México entre 9 e 4 mil anos
atrás.
 Chinês, que se constituiu no norte da atual China, próximo ao rio Amarelo, e depois
se estendeu a nordeste e a sudeste entre 8 e 6 mil anos atrás.
 Neoguineense, que se estabeleceu na ilha de Papua-Nova Guiné há 10 mil anos.
As mais recentes teorias afirmam que a sedentarização do homem ocorreu por
uma complexa inter-relação de mudanças culturais, materiais e sociais, ao longo de
muito tempo.

Durante um longo período, acreditou-se que a agricultura teria sido uma


invenção decorrente da insuficiência de recursos de caça e coleta devido a
mudanças climáticas e naturais, tornando as frutas, os vegetais e as caças mais
rarefeitas. Contudo, estudos arqueológicos mais recentes tendem a considerar
uma multiplicidade de fatores além dos ambientais, como a organização social,
o desenvolvimento de certos saberes e instrumentos e outros aspectos culturais.
Como afirma Mazoyer (2010), talvez o mais difícil para esses homens e
essas mulheres não tenha sido “descobrir” a semeadura, nem criar, entre seus
animais preferidos, os de mais fácil domesticação. O difícil deve ter sido esta-
belecer relações internas, no próprio grupo, bem como pensar a propriedade,
a divisão do trabalho, a partilha da colheita e da extração de produtos dos
animais. Quanto maiores as comunidades se tornavam — e mais aprimoradas
as técnicas de cultivo, pastoreio e moradia —, mais complexas ficavam as
relações entre os homens. Isso se refletiu na cultura material encontrada nas
escavações arqueológicas, por meio da qual é possível saber mais sobre o
mobiliário, as sepulturas e a arte daqueles povos.

A sedentarização e a pecuária
Como você viu, o termo “Revolução Neolítica”, cunhado pelo arqueólogo
Childe (1999), faz referência às mudanças culturais, materiais e sociais ex-
perimentadas pelo homem ao longo de um grande período de tempo. Essas
A Pré-História e a Revolução Neolítica 9

mudanças resultaram na sedentarização, ou seja, em uma nova forma de


controle sobre a natureza e em uma nova forma de viver. Você já estudou a
adoção do cultivo de cereais; agora, vai aprender mais sobre a domesticação
de animais e a pecuária, que exigiram certo grau de organização.
De acordo com Childe (1999), em algumas regiões do Planeta, uma quan-
tidade de animais, devido a razões climáticas, se aproximou das incipientes
comunidades de agricultores. Em vez de matá-los e comê-los, o homem passou
a alimentá-los e a domesticá-los, criando rebanhos. Isso lhe possibilitou não
somente extrair desses animais a carne, mas também utilizar o leite, o esterco,
o couro e a lã, no caso das ovelhas. Para realizar a domesticação e tirar o má-
ximo proveito dos animais, foi necessário que o homem desenvolvesse novos
instrumentos e utensílios, bem como que trabalhasse de forma cooperativa.
Pode-se citar, entre as transformações desse período, a invenção da roda, a
utilização do arado com tração animal e o desenvolvimento de formas de
contagem do tempo e de padrões de medida.
A partir do processo de sedentarização, o homem introduziu e desenvolveu
“[...] espécies domesticadas na maior parte dos ecossistemas do Planeta, transfor-
mando-os, então, por seu trabalho, em ecossistemas cultivados, artificializados,
cada vez mais distintos dos ecossistemas naturais originais [...]” (MAZOYER,
2010, p. 70). Assim, o homem passou a alterar o ambiente. Por isso, pode-se
afirmar que as atividades agropecuárias significaram uma profunda mudança
na relação do homem com a natureza — e também dos homens entre si.
Veja o que afirma Silva (2018, p. 27):

Além da domesticação de plantas selvagens para a agricultura, houve também a


domesticação de animais, processo que envolve “a transformação dos animais
selvagens em algo mais útil para os seres humanos” (DIAMOND, 2010, p. 159).
Sendo a caça substituída gradualmente pela domesticação. Alguns animais
não puderam ser domesticados pelo homem devido a vários motivos, sendo os
principais empecilhos: a dieta do animal, a taxa de crescimento e problemas de
procriação no cativeiro. Com a domesticação e criação de animais, o homem
adquire a posse (ENGELS, 2010, p. 74). A vaca, a ovelha, a cabra, o cavalo, a
rena, o búfalo, o ianque e os camelos são os principais animais que foram do-
mesticados pelo povo antigo (DIAMOND, 2010, p. 86). Foram vários os animais
domesticados pelos homens, eles variam de mamíferos (vaca, porco, etc.) a aves
(pato, galinha, ganso, etc.). Diamond nos chama atenção que a vaca, a ovelha, a
cabra, o porco e o cavalo foram os animais mais importantes para todo o mundo.

A domesticação dos animais e o desenvolvimento das atividades pe-


cuárias representaram uma transformação significativa na vida social,
havendo um incremento populacional, “[...] porque com a vida sedentária
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havia um intervalo menor entre o nascimento dos filhos [...]” (SILVA, 2018,
p. 28). Em relação à pecuária propriamente dita, ainda que não exista uma
data precisa da domesticação dos bovinos, há diversos registros de bois
e vacas na arte rupestre, em cavernas, em diferentes lugares da Europa.
As representações zoomórficas retratam a aproximação dos homens com
os animais.
Isso fez com que alguns cientistas afirmassem que o gado foi um dos pri-
meiros animais a serem domesticados, e não somente por fornecer alimentos
e outros produtos, mas também porque auxiliava o homem na agricultura.
Por sua vez, “[...] a domesticação do cachorro remonta há 16.000 antes da
presente era, sendo a cabra 9.500 anos, o porco 9.200 anos, a ovelha 9.000
anos, os bovinos 8.400 anos e o asno 5.500 anos [...]” (MAZOYER, 2010,
p. 104–105).
Porém, nem todas as culturas utilizaram bois e vacas para a alimentação.
Para os hindus, por exemplo, esses animais são sagrados e não podem ser
mortos. Alguns povos pastores africanos criavam o gado para utilizar o seu
leite e o seu sangue como recursos alimentares, “[...] raramente abatendo
bovinos, a não ser em ocasiões excepcionais de motivação social, como óbitos
ou casamentos, aproveitando, até há pouco, as peles para vestuário, e exibindo
as cabeças como troféus, espetadas em paus, como testemunho do evento [...]”
(MATOS, 2005, p. 117). Isso evidencia que a domesticação dos animais e o
desenvolvimento da pecuária também possuía um caráter religioso, ritualístico
e sagrado, não servindo somente para consumo ou produção.
Em muitos lugares, a vida sedentária e o cultivo do solo levaram ao cres-
cimento demográfico e à formação de aglomerações humanas. O cultivo de
alimentos e a domesticação de animais exigiram do homem neolítico uma
mudança no tipo de habitação. Assim, começou um longo e paulatino processo
de sedentarização.
Inicialmente, o homem neolítico parece ter misturado os antigos hábitos de
caçador e coletor com os novos hábitos de produtor de alimentos, cultivando
campos em que permanecia durante determinado período. É o tipo de posse
de terra de cultura que se pode classificar como semipermanente, em que o
cultivo dos campos se alterna com períodos de caça e de transumância com
os animais domesticados. Dos campos semipermanentes, surgiram as aglo-
merações permanentes; com o passar dos séculos, floresceram nesses lugares
as primeiras vilas e cidades (BOUZON, 1998).
A Pré-História e a Revolução Neolítica 11

No início do processo de criação de animais, o gado confinado funcionava como uma


reserva de caça. Com o passar do tempo, as comunidades foram criando critérios para
o abate dos animais. Provavelmente, eram abatidos apenas os animais necessários para
a alimentação. Assim, eram preservados os mais dóceis e iam sendo mortos os não
domesticáveis. Parte dos animais passava a andar junto aos homens, pois também
servia como proteção contra ataques. Aos poucos, o rebanho teria passado a ser não
apenas domesticado, mas também dependente do homem.
Ao longo desse processo, o sistema se aperfeiçoou. O homem, então, se deu conta
das vantagens da criação, entre elas o esterco, o leite e o couro, que passou a ter função
importante na economia de diversos grupos. Em alguns casos, a criação continuou
sendo uma atividade complementar. Em outros, contudo, o rebanho cresceu, o que
exigiu algumas medidas, como desmatar áreas, transformando mato e floresta em
pasto. Eventualmente, determinadas espécies passaram a ser plantadas apenas para
alimentar o gado. Assim, a criação de gado deixou de ser uma atividade complementar
e se converteu em uma base econômica fundamental para o grupo (PINSKY, 1994).

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CHILDE, G. A evolução cultural do homem. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.
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