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ANTIGA
Introdução
Neste capítulo, você vai estudar o exílio babilônico e os seus efeitos sobre
o povo hebreu. Para tanto, vai conhecer as origens desse povo como clã
patriarcal, seu caminho até o Egito faraônico e o êxodo promovido por
Moisés à “terra prometida”.
Você também vai conhecer os sistemas de administração e governo
dos hebreus. Além disso, vai estudar a sua unificação no reinado de Saul
e o cisma ocorrido após a morte de Salomão. A seguir, vai ver como
ocorriam as relações entre os dois reinos hebreus: Israel, composto por
10 tribos, e Judá, por duas. Como você vai ver, o primeiro resultado do
cisma foi o enfraquecimento dos reinos e a queda de Israel, bem como
a deportação de seu povo sob o domínio do império assírio.
o pensamento, as leis, o ethos dos hebreus, ou seja, suas crenças e sua forma
de ver a si mesmos e o mundo. Para além disso, você deve refletir sobre o
fato de a Bíblia ser o livro fundador de uma religião, a judaica, além de um
livro que oferece a base para a constituição de outras duas: o cristianismo
e o islamismo.
Sabe-se que os textos reunidos na Bíblia são, em sua maioria, posteriores
aos acontecimentos, que foram manipulados, transcritos, reescritos e sofreram,
como tantos, influências da intencionalidade de escribas e/ou tradutores.
No entanto, apesar disso, a arqueologia vem confirmando muitas das in-
formações contidas na Bíblia, ao menos no que tange à cultura material e
aos acontecimentos em si. Obviamente, toda documentação precisa sofrer
crítica rigorosa, ser comparada com outras fontes e passar por autenticações
técnicas multidisciplinares. Além disso, é necessário conhecimento profundo
de linguística para a tradução e a interpretação corretas dos textos antigos.
Agora, você vai ver uma ligeira contextualização. O povo hebreu tem
sua origem atribuída ao patriarca Abraão, proveniente da Caldeia. Segundo
a Bíblia, por ordem de Yavé, Abraão dirige-se à Canaã, a “terra prometida”,
saindo de lá com seu povo em direção ao Egito por conta de um período de
escassez. Os hebreus, escravizados no Egito, são libertados por Moisés e
retornam a Canaã, tomando o território e dividindo-o entre as 12 tribos. Sua
história, ou a parte dela que interessa aqui, pode ser dividida em quatro fases:
dos patriarcas, dos juízes, dos reis e da dominação estrangeira (deportação
assíria, exílio babilônico e, posteriormente, sob os romanos, diáspora).
Em 1948, no pós-Segunda Guerra, os hebreus conseguiram, com o auxílio
da Organização das Nações Unidas – ONU (1948), a reconstituição do Estado
de Israel, contra a qual houve e ainda há resistências; conflitos bélicos, políticos
e diplomáticos estão longe de chegar ao fim. Para além disso, Jerusalém ini-
cialmente era uma cidade sagrada dedicada ao Deus dos hebreus. Lá, Salomão
construiu o primeiro templo, destruído por Nabucodonosor e reconstruído
depois pelos exilados que retornaram da Babilônia com o auxílio de Ciro.
Esse segundo templo foi destruído pelos romanos em 70 d.C., restando dele
apenas uma parede, o Muro da Lamentações. Jerusalém é considerada uma
cidade sagrada para três religiões, judaísmo, cristianismo e islamismo, o que
a tornou um objeto de disputa de vários povos durante toda a história.
Neste capítulo, você vai estudar o exílio dos judaítas na Babilônia (598–
585 a.C.) e as relações históricas, culturais e institucionais resultantes desse
processo. Mas para compreender o exílio judaita, tema central do capítulo,
você precisa conhecer a situação dos hebreus e a sua divisão em dois reinos
Hebreus e babilônicos 3
Assim, após a morte de Salomão, o reino de Israel se divide (931 a.C.) entre
israelitas — pertencentes às 10 tribos que não reconhecem Roboão como rei
nem a descendência de Davi, fazendo de Jeroboão seu governador — e juda-
ítas — pertencentes às tribos de Judá e Benjamim, que reconhecem Roboão
como rei. Esses dois reinos hebreus seguem separados, ora guerreando entre
si, ora se unindo contra outros povos. Alianças, traições, assassinatos, cercos,
invasões, roubos ou entrega de bens do templo, destruição e guerras fazem
parte da história dos dois reinos e de seus vizinhos.
4 Hebreus e babilônicos
Aqui, o termo “israelita” designa os membros das 10 tribos que formam o reino de
Israel. Já o termo “judaíta” designa aqueles pertencentes às duas tribos que formam
Judá. Por sua vez, o termo “judeu” diz respeito àqueles que, no exílio e no pós-exílio,
dão conformação ao judaísmo como religião monoteísta e universal.
Em 722 a.C., os israelitas são conquistados pelo rei assírio Salmaneser, que
“[...] aprisionou Oseias, destruiu inteiramente o reino de Israel e levou todo o povo
como escravo para a Média e para a Pérsia” (JOSEFO, 2004, p. 438). Salmaneser
deporta os israelitas para a Assíria e coloca nas terras do antigo reino de Israel
povos de cinco nações provenientes de uma província da Pérsia, denominados
chuteenses por habitarem ao longo do rio Chute. Esses povos são chamados pelos
gregos de samaritanos, por ocuparem a região da Samaria. Talvez isso explique a
parábola do bom samaritano e as discriminações nem sempre sutis desse grupo pela
escritores do Novo Testamento. Segundo Josefo (2004), apesar de originariamente
terem seus próprios deuses, por conta de uma peste, os chuteenses acabam por se
converter ao deus Yavé. Por isso, fazem retornar, com a autorização do rei assírio,
alguns sacerdotes hebreus israelitas para orientá-los quanto ao cumprimento das
leis de Yavé e quanto ao modo de adorá-lo (JOSEFO, 2004).
Flávio Josefo (37/38–100 d.C) foi um historiador que viveu entre os romanos e escreveu
sobre a história dos judeus, seu povo. Ele foi um judeu de alta estirpe e educação que
lutou contra os romanos. Foi preso e depois posto em liberdade por Vespasiano. Mais
tarde, testemunhou a destruição de Jerusalém pelos romanos.
Em 612 a.C., a queda de Nínive, destruída pelos medos que apoiavam Ciro,
marca o início da hegemonia da Caldeia sobre a Mesopotâmia, dando origem ao
império neobabilônico, governado inicialmente por Nabopolassar (632–605 a.C.),
que derrota o dividido e desgastado império assírio. Seu filho, o rei Nabucodonosor
II (605–562 a.C.), guerreia contra os sírios, conquistando da Síria até a Pelusa e
exigindo tributos aos judaítas. O rei Jeoaquim inicialmente aceita pagá-los em troca
Hebreus e babilônicos 5
da paz, então os tributos são pagos por três anos. Os judaítas, pensando que o faraó
egípcio Necao II enfrentaria e venceria o rei babilônico, recusam-se a continuar
pagando os tributos. No entanto, Necao II é vencido na batalha decisiva que ocorre
em Carquemis, no norte da Síria, em 605 a.C.
Na sequência, Nabucodonosor II e seu exército vão ao reino de Judá. Recebido
pelo rei Jeoaquim em Jerusalém, Nabucodonosor o mata. Segundo Josefo (2004),
o rei de Judá, Jeoaquim, acreditou na palavra de Nabucodonosor de que este nada
lhe faria: “Mas ele faltou à palavra: mandou matá-lo, juntamente com a fina flor
da juventude da cidade” (JOSEFO, 2004, p. 454–455). O rei babilônico colocou
o filho de Jeoaquim, Joaquim, no trono. Arrependendo-se em seguida e temendo
a revolta de Joaquim pela morte do pai, mandou seus generais cercarem Jerusalém
e buscá-lo juntamente a sua mãe, seus parentes e amigos, levando-os para o exílio
com moços e artífices de Jerusalém (Josefo fala em 10.832 pessoas).
Então, Nabucodonosor II coloca Sedecias (ou Zedequias, que antes se chamava
Matanias), tio de Joaquim, no trono, mas este, contando com o auxílio do faraó
egípcio, também se rebela anos depois. Em resposta, Nabucodonosor faz um
cerco a Jerusalém a fim de combater e vencer o faraó (cujo nome Josefo não cita),
expulsando-o da Síria. Retomando o cerco a Jerusalém, tomando-a e incendiando
o templo, Nabucodonosor ainda cega Sedecias, mata vários sacerdotes e leva à
Babilônia o rei e grande número de judaítas (587–586 a.C.). Completam-se assim
os grupos de enviados para o exílio.
Na Figura 1, a seguir, você pode ver um panorama da história contada no
Antigo Testamento.
Os conflitos
A queda de Israel
O texto bíblico não diz qual (ou quanto tempo) o texto encontrado no templo
era, apenas que ele poderia ser definido como "o livro da Lei" (sefer hattorah).
Mas por um longo tempo (de W. Wette, 1805), os especialistas têm pensado
que deve ter alguma relação com o livro do Deuteronômio e com o núcleo
original do estrato editorial chamado "deuteronomista", que pode ser atribuído
a este tempo devido a uma série de indicações perceptíveis em seu conteúdo.
A queda de Judá
que os assírios não foram mais ferozes ou cruéis do que outros povos da
Antiguidade ou do que alguns povos atuais.
Nos anais assírios, constam as seguintes cifras: “[...] mais de 40 mil depor-
tados de Israel e quase 20 mil de Judá” (LIVERANI, 2005, p. 178, tradução
nossa), havendo deportações com cifras bem maiores em zonas mais populo-
sas. As deportações não afetam apenas a corte e a família real, embora estas
sejam tratadas à parte. Igualmente, elas afetam a população agropastoril,
as pequenas aldeias e cidades, incluindo entre os deportados “[...] homens e
mulheres, grandes e pequenos” (LIVERANI, 2005, p. 178, tradução nossa).
Em especial, registram-se competências laborais de caráter especializado.
A ideologia assíria das deportações inclui, por um lado, um castigo por trai-
ções pretéritas ou resistência ao deus Assur e ao rei (considerado o seu braço
armado). Por outro lado, tal ideologia inclui a reconstrução, o que é consonante
com a ideia de que a conquista significa ampliação da ordem e afirmação da
justiça, além de redução da sedição e da iniquidade.
Liverani (2005) defende que uma das finalidades da deportação cruzada
é uma total assimilação linguística, cultural e política dos povos. A ideia era
transformar os vencidos em assírios, convertendo, com as deportações, um
rei rebelde em um estranho vivendo em uma nova província, na dependência
direta do rei assírio e do deus Assur. Para isso, o rei destinava às províncias e
aos grupos deportados “[...] escribas e vigilantes assírios, capazes de ensiná-
-los o temor do Deus e do Rei” (ISK apud LIVERANI, 2005, p. 179–180,
tradução nossa).
Sob o ponto de vista do vencedor assírio, a assimilação dos deportados é
uma ampliação não só do território do império como do próprio povo assírio.
Porém, para os deportados, que sofrem com o processo de aculturação, a situa-
ção parece outra. Segundo Liverani (2005), essa reestruturação é levada a cabo
na tentativa de aniquilar a individualidade cultural sem provocar um colapso
econômico e demográfico. Tais deportações são citadas nos anais assírios, no
Livro dos Reis (2 REIS, 17:6 apud BÍBLIA, 2001). Esse processo promoveu
a erradicação da resistência política e manteve a economia salvaguardada,
ainda que débil. Além disso, sustentou demografias razoavelmente capazes
de manter os territórios ocupados produtivos e, se possível, populosos. A
assimilação linguística se deu pelo aramaico, que os próprios assírios também
utilizavam nos séculos VIII e VII a.C., restando o uso do idioma assírio para
a escrita oficial administrativa e a língua falada.
Exceto por algumas cerimônias estatais e declarações de princípios (exigi-
das), a assimilação religiosa não foi total, dando origem a um sincretismo difuso
e variado, que reuniu os múltiplos cultos dos grupos deportados. A religião (e
12 Hebreus e babilônicos
Não havia interesse dos caldeus na assimilação dos exilados. Assim, estes puderam
preservar a sua cultura, os seus costumes e a sua religião. Isso preservou a identidade
do grupo durante os anos do exílio, auxiliando na reestruturação do conceito de
nação e religião judaica.
[...] houve um evento especial, preparado pelo projeto de um rei de Judá (Jo-
sias) para dar vida a um reino unido de Judá-Israel nas décadas do colapso
da Assíria e a reafirmação de Babilônia, e para substanciar esta tentativa a
nível religioso (yaveísta monoteísmo, "mosaico" da lei) e historiográfico. [...]
O rápido retorno à Palestina dos exilados judeus que eles ainda não tinham
assimilado ao mundo imperial, sua tentativa de dar vida a uma cidade-templo
(Jerusalém) de acordo com o modelo babilônico, de reunir em torno dela uma
nação (Israel, agora em sentido amplo),supõe que se pôs em marcha uma
enorme e variada reelaboração da história anterior (que tinha sido completa-
mente "normal") que colocou em seu lugar os arquétipos fundamentais que
naquele momento pretendia-se revitalizar (o reino unido, monoteísmo e o
único templo, a lei, a posse do território, guerra santa, etc.) sob o signo de uma
predestinação absolutamente excepcional. Da mesma forma que à verdadeira,
mas ordinária história, faltava qualquer interesse que não fosse puramente
local, também a história inventada e excepcional se converteu na base para
a fundação de uma nação (Israel) e religião (o judaísmo), que influenciariam
todo o curso da história posterior em escala mundial.
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18 Hebreus e babilônicos
Leituras recomendadas
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