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HISTÓRIA

ANTIGA

Ana Cristina Zecchinelli Alves


Hebreus e babilônicos
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Analisar as origens dos conflitos entre hebreus e babilônicos.


 Discutir sobre a história e as condições de sobrevivência dos hebreus
no exílio babilônico.
 Reconhecer as consequências demográficas da conquista babilônica
dos hebreus.

Introdução
Neste capítulo, você vai estudar o exílio babilônico e os seus efeitos sobre
o povo hebreu. Para tanto, vai conhecer as origens desse povo como clã
patriarcal, seu caminho até o Egito faraônico e o êxodo promovido por
Moisés à “terra prometida”.
Você também vai conhecer os sistemas de administração e governo
dos hebreus. Além disso, vai estudar a sua unificação no reinado de Saul
e o cisma ocorrido após a morte de Salomão. A seguir, vai ver como
ocorriam as relações entre os dois reinos hebreus: Israel, composto por
10 tribos, e Judá, por duas. Como você vai ver, o primeiro resultado do
cisma foi o enfraquecimento dos reinos e a queda de Israel, bem como
a deportação de seu povo sob o domínio do império assírio.

Hebreus e babilônicos: a origem dos conflitos


Antes de você se debruçar sobre o tema deste capítulo, precisa levar em conta
algumas considerações a respeito das fontes de estudo da História Antiga.
Monumentos, textos de anais, elementos da cultura material, levantamentos
arqueológicos de diversos tipos e livros de historiadores da Antiguidade são
alguns dos recursos utilizados como fontes. A Bíblia é um desses livros.
Ela tanto é considerada o livro que conta a história do povo judeu e de suas
relações com outros povos na Antiguidade quanto é um guia para entender
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o pensamento, as leis, o ethos dos hebreus, ou seja, suas crenças e sua forma
de ver a si mesmos e o mundo. Para além disso, você deve refletir sobre o
fato de a Bíblia ser o livro fundador de uma religião, a judaica, além de um
livro que oferece a base para a constituição de outras duas: o cristianismo
e o islamismo.
Sabe-se que os textos reunidos na Bíblia são, em sua maioria, posteriores
aos acontecimentos, que foram manipulados, transcritos, reescritos e sofreram,
como tantos, influências da intencionalidade de escribas e/ou tradutores.
No entanto, apesar disso, a arqueologia vem confirmando muitas das in-
formações contidas na Bíblia, ao menos no que tange à cultura material e
aos acontecimentos em si. Obviamente, toda documentação precisa sofrer
crítica rigorosa, ser comparada com outras fontes e passar por autenticações
técnicas multidisciplinares. Além disso, é necessário conhecimento profundo
de linguística para a tradução e a interpretação corretas dos textos antigos.
Agora, você vai ver uma ligeira contextualização. O povo hebreu tem
sua origem atribuída ao patriarca Abraão, proveniente da Caldeia. Segundo
a Bíblia, por ordem de Yavé, Abraão dirige-se à Canaã, a “terra prometida”,
saindo de lá com seu povo em direção ao Egito por conta de um período de
escassez. Os hebreus, escravizados no Egito, são libertados por Moisés e
retornam a Canaã, tomando o território e dividindo-o entre as 12 tribos. Sua
história, ou a parte dela que interessa aqui, pode ser dividida em quatro fases:
dos patriarcas, dos juízes, dos reis e da dominação estrangeira (deportação
assíria, exílio babilônico e, posteriormente, sob os romanos, diáspora).
Em 1948, no pós-Segunda Guerra, os hebreus conseguiram, com o auxílio
da Organização das Nações Unidas – ONU (1948), a reconstituição do Estado
de Israel, contra a qual houve e ainda há resistências; conflitos bélicos, políticos
e diplomáticos estão longe de chegar ao fim. Para além disso, Jerusalém ini-
cialmente era uma cidade sagrada dedicada ao Deus dos hebreus. Lá, Salomão
construiu o primeiro templo, destruído por Nabucodonosor e reconstruído
depois pelos exilados que retornaram da Babilônia com o auxílio de Ciro.
Esse segundo templo foi destruído pelos romanos em 70 d.C., restando dele
apenas uma parede, o Muro da Lamentações. Jerusalém é considerada uma
cidade sagrada para três religiões, judaísmo, cristianismo e islamismo, o que
a tornou um objeto de disputa de vários povos durante toda a história.
Neste capítulo, você vai estudar o exílio dos judaítas na Babilônia (598–
585 a.C.) e as relações históricas, culturais e institucionais resultantes desse
processo. Mas para compreender o exílio judaita, tema central do capítulo,
você precisa conhecer a situação dos hebreus e a sua divisão em dois reinos
Hebreus e babilônicos 3

após a morte de Salomão e a deportação dos israelitas pelos assírios em


722–721 a.C.
Como você viu, a Bíblia (2001) conta — e nela os hebreus/judeus creem
encontrar a sua origem e a sua história — que Abraão saiu de Ur, na Caldeia,
em direção a Canaã, na Síria Palesttina, tendo passado algum tempo em Harã
e erguido um altar em homenagem a Yavé. Posteriormente, devido à escassez
de víveres, ele e seus descendentes dirigiram-se ao Egito, onde viveram e foram
escravizados por cerca de 400 anos, até que Moisés os libertou do cativeiro
egípcio, levando-os de volta para Canaã.
Após o êxodo do Egito, o povo hebreu chega à “terra prometida”, situada
em Canaã. Encontrando a terra ocupada por outros povos, guerreia contra
eles, tomando o local dos que nela viviam e dividindo-o entre as 12 tribos
hebraicas, que foram primeiramente governadas por patriarcas, depois por
juízes. Sob o governo de Saul, o primeiro rei, as tribos são unificadas, dando
origem ao reino de Israel em meados do séc XI a.C. Depois de Saul, reinam
David e Salomão, que constrói o Templo de Jerusalém impondo pesados
impostos às tribos.
Falecendo Salomão, Roboão, seu filho, reúne as tribos para a sua coroação.
Inquirido quanto à redução dos tributos, que nega ao povo, descontenta parte
das tribos, provocando a divisão do povo hebreu: 10 das tribos formam o reino
de Israel, ao norte da Palestina, enquanto as duas outras tribos dão origem
ao reino de Judá, situado ao sul. Nessa ocasião, segundo Josefo (2004, p.
372–373), vendo a alteração do povo ante a sua negativa em reduzir impostos:

Roboão, percebendo que não estava em segurança no meio daquela multidão


tão exaltada, subiu ao seu carro e fugiu para Jerusalém, onde as tribos de Judá
e de Benjamim o reconheceram como rei. As outras dez tribos separaram-se
para sempre da obediência aos sucessores de Davi e escolheram Jeroboão
para seu governador.

Assim, após a morte de Salomão, o reino de Israel se divide (931 a.C.) entre
israelitas — pertencentes às 10 tribos que não reconhecem Roboão como rei
nem a descendência de Davi, fazendo de Jeroboão seu governador — e juda-
ítas — pertencentes às tribos de Judá e Benjamim, que reconhecem Roboão
como rei. Esses dois reinos hebreus seguem separados, ora guerreando entre
si, ora se unindo contra outros povos. Alianças, traições, assassinatos, cercos,
invasões, roubos ou entrega de bens do templo, destruição e guerras fazem
parte da história dos dois reinos e de seus vizinhos.
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Aqui, o termo “israelita” designa os membros das 10 tribos que formam o reino de
Israel. Já o termo “judaíta” designa aqueles pertencentes às duas tribos que formam
Judá. Por sua vez, o termo “judeu” diz respeito àqueles que, no exílio e no pós-exílio,
dão conformação ao judaísmo como religião monoteísta e universal.

Em 722 a.C., os israelitas são conquistados pelo rei assírio Salmaneser, que
“[...] aprisionou Oseias, destruiu inteiramente o reino de Israel e levou todo o povo
como escravo para a Média e para a Pérsia” (JOSEFO, 2004, p. 438). Salmaneser
deporta os israelitas para a Assíria e coloca nas terras do antigo reino de Israel
povos de cinco nações provenientes de uma província da Pérsia, denominados
chuteenses por habitarem ao longo do rio Chute. Esses povos são chamados pelos
gregos de samaritanos, por ocuparem a região da Samaria. Talvez isso explique a
parábola do bom samaritano e as discriminações nem sempre sutis desse grupo pela
escritores do Novo Testamento. Segundo Josefo (2004), apesar de originariamente
terem seus próprios deuses, por conta de uma peste, os chuteenses acabam por se
converter ao deus Yavé. Por isso, fazem retornar, com a autorização do rei assírio,
alguns sacerdotes hebreus israelitas para orientá-los quanto ao cumprimento das
leis de Yavé e quanto ao modo de adorá-lo (JOSEFO, 2004).

Flávio Josefo (37/38–100 d.C) foi um historiador que viveu entre os romanos e escreveu
sobre a história dos judeus, seu povo. Ele foi um judeu de alta estirpe e educação que
lutou contra os romanos. Foi preso e depois posto em liberdade por Vespasiano. Mais
tarde, testemunhou a destruição de Jerusalém pelos romanos.

Em 612 a.C., a queda de Nínive, destruída pelos medos que apoiavam Ciro,
marca o início da hegemonia da Caldeia sobre a Mesopotâmia, dando origem ao
império neobabilônico, governado inicialmente por Nabopolassar (632–605 a.C.),
que derrota o dividido e desgastado império assírio. Seu filho, o rei Nabucodonosor
II (605–562 a.C.), guerreia contra os sírios, conquistando da Síria até a Pelusa e
exigindo tributos aos judaítas. O rei Jeoaquim inicialmente aceita pagá-los em troca
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da paz, então os tributos são pagos por três anos. Os judaítas, pensando que o faraó
egípcio Necao II enfrentaria e venceria o rei babilônico, recusam-se a continuar
pagando os tributos. No entanto, Necao II é vencido na batalha decisiva que ocorre
em Carquemis, no norte da Síria, em 605 a.C.
Na sequência, Nabucodonosor II e seu exército vão ao reino de Judá. Recebido
pelo rei Jeoaquim em Jerusalém, Nabucodonosor o mata. Segundo Josefo (2004),
o rei de Judá, Jeoaquim, acreditou na palavra de Nabucodonosor de que este nada
lhe faria: “Mas ele faltou à palavra: mandou matá-lo, juntamente com a fina flor
da juventude da cidade” (JOSEFO, 2004, p. 454–455). O rei babilônico colocou
o filho de Jeoaquim, Joaquim, no trono. Arrependendo-se em seguida e temendo
a revolta de Joaquim pela morte do pai, mandou seus generais cercarem Jerusalém
e buscá-lo juntamente a sua mãe, seus parentes e amigos, levando-os para o exílio
com moços e artífices de Jerusalém (Josefo fala em 10.832 pessoas).
Então, Nabucodonosor II coloca Sedecias (ou Zedequias, que antes se chamava
Matanias), tio de Joaquim, no trono, mas este, contando com o auxílio do faraó
egípcio, também se rebela anos depois. Em resposta, Nabucodonosor faz um
cerco a Jerusalém a fim de combater e vencer o faraó (cujo nome Josefo não cita),
expulsando-o da Síria. Retomando o cerco a Jerusalém, tomando-a e incendiando
o templo, Nabucodonosor ainda cega Sedecias, mata vários sacerdotes e leva à
Babilônia o rei e grande número de judaítas (587–586 a.C.). Completam-se assim
os grupos de enviados para o exílio.
Na Figura 1, a seguir, você pode ver um panorama da história contada no
Antigo Testamento.

Figura 1. Linha do tempo do Antigo Testamento.


Fonte: Diocese de São José do Rio Preto (2014).
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Os conflitos

A queda de Israel

Ao abordar a conquista do norte do território sírio-palestino pelos assírios,


Liverani (2005) afirma que as intervenções iniciais ocorreram no governo de
Assurbanípal II (883–859) e continuaram nos governos seguintes, fazendo
tributários os vencidos, sem, no entanto, tomar posse ou indexar diretamente
nenhum país. Foi durante o governo de Tiglat-Pileser III (744–727) — que
primou por sua política de coesão interna e expansão exterior — que, co-
mandando uma eficaz máquinaria bélica, os assírios anexaram os reinos de
Alepo, Patina, Hadrak e Damasco, então o mais poderoso deles. Chegando
às portas de Israel, que inicialmente paga tributos, reconhecendo-se como
povo “vassalo” do rei assírio, Assurbanípal II conquista ainda outros reinos,
tornando-os províncias assírias.
Nessa época, o rei de Israel, Pecaj (733–732), unindo-se a Resin, o último rei
de Damasco, sitia Jerusalém, no reino de Judá, governado por Ajaz (736–716),
que recorre ao imperador Tiglat-Pileser III, solicitando ajuda e declarando-
-se seu servo. Aproveitando-se da oportunidade, o rei assírio toma Samaria,
elimina Pecaj, coloca Oseias em seu lugar, como rei “vassalo” assírio que
governaria os territórios de Efraim e Manases, e divide o território restante
em três províncias assírias: Dor, Megiddó e Galaad. Na ocasião, segundo
Liverani (2005), que se baseia nos anais de Tiglat-Pileser (ITP, pp. 82-83 apud
Livarano), foram deportados 13.520 israelitas.
Oseias pagou tributos por alguns anos, mas conspirou com o rei egípcio
contra os assírios, o que resultou na invasão de Israel por Salmanasar V, que
o fez prisioneiro e sitiou Samaria, capitulando-a em 721 a.C. e morrendo em
seguida. Salmanasar V foi substituído por Sargon II, que combateu e venceu
os israelitas, adquirindo a fama de conquistador. Segundo os anais assírios, na
ocasião, foram deportados 27.290 habitantes de Israel, sendo a terra samaritana
entregue a povos deportados de outras procedências e governada por eunucos
fiéis a Sargão II (ISK apud LIVERANI, 2005). Liverani (2005) supõe que
parte dos israelitas tenha fugido para Judá.
Em paralelo à queda do reino de Israel, o reino de Judá, então tributário de
Sargão II, precisou fazer ajustes para adequar-se à sua nova situação política
de subordinação. Sob o governo de Ezequias (716–687), os judaítas pensaram
em suspender o pagamento de tributos. Para isso, reforçaram as fortifica-
ções de Jerusalém e criaram um sistema hidráulico que permitisse resistir ao
assédio de um cerco, entre outras providências para o caso de guerra. Tam-
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bém estreitaram relações com egípcios e com o caldeu Marduk-Apla-Iddina.


Os vizinhos do reino de Judá, sentindo-se ameaçados pela situação, solicitaram
auxílio ao imperador Assírio que interviu com todas as forças de Senaqueribe
(704–681) em 701 a.C. (LIVERANI, 2005).
Então, Senaqueribe e seus exércitos vencem o rei egípcio na batalha de
Elteque (cerca de Timna) e conquistam territórios, entregando aos reis filo-
-assírios as cidades filisteias. Eles conquistam Laquis, deportando 200 mil
pessoas das áreas conquistadas, e cercam Jerusalém, que não capitula, por
isso é feito um acordo de pagamento de pesados tributos aos assírios (AS
apud LIVERANI, 2005). Assim, Jerusalém, reforçada anteriormente pelo rei
Ezequias, resiste ao cerco. A isso, soma-se uma epidemia entre os sitiadores,
que se veem obrigados a levantar o cerco. Para os judaítas, tal livramento
é obra de Deus (JOSEFO, 2004; LIVERANI, 2005). Os judaítas seguem
pagando tributos à Assíria nos anos seguintes. Com o passar do tempo, os
assírios abandonam a ideia de expansão, contentando-se com a fidelidade de
seus “vassalos” e os pagamentos de tributos, até que são suplantados pelos
caldeus do império neobabilônico.
O império assírio tem o seu ápice durante o reinado de Assurbanípal
(668–631), após o qual começa a sua decadência. Em 625 a.C., Nabopolassar,
um caldeu, se fez rei da cidade da Babilônia e, após expulsar os assírios e
dominar a Baixa Mesopotâmia, seguiu rumo ao coração do império assírio,
Nínive. No percurso, fez uma aliança com os medos, que tinham suas diferen-
ças em relação aos assírios, apesar de negociarem com eles. Liverani (2005)
acredita que a religiosidade zoroastriana e a sua ideologia baseada no dualismo
da luta do bem contra o mal tenha tido certa influência sobre os medos, por
meio de uma provável identificação do império assírio com o mal. Segundo
ele, a violência destrutiva foi característica da intervenção dos medos que
conquistaram e saquearam Assur em 614 a.C. e Nínive em 612 a.C.
Embora os medos tenham sido decisivos na destruição dos assírios, foram os
caldeus que se aproveitaram do resultado da Guerra, explorando e controlando
política e territorialmente grande parte do império. Os medos retornaram às
suas terras e os caldeus se incumbiram da continuidade imperial, fundando
o império caldeu, chamado “neobabilônico” porque a cidade da Babilônia era
a sua capital. Nabopolassar atribuiu sua vitória ao deus Marduk, que o fez
adquirir aliados e tornar-se rei, destruindo templos de deuses assírios.
Enquanto o império assírio mergulhava no caos, sendo tomado pelos
caldeus e medos, no mesmo período da queda de Nínive (612 a.C.), o faraó
Necao, a fim de cortar o passo dos caldeus, sobe o corredor sírio-palestino até o
extremo norte, pretendendo tomar o controle da região, mas não obtendo êxito.
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As zonas sírio-palestinas convertidas em províncias assírias deculturadas não


aproveitaram os anos de confusão e afundamento do império assírio (640–610
a.C.) para beneficiar-se. Já autônomos como Judá e Tiro aproveitaram para
pôr em prática projetos de crescimento.
Em Judá, Josias aproveitou-se da situação favorável para impulsionar o
reino, principalmente no que tange aos aspectos religiosos e ideológicos, sem
deixar de lado as bases políticas e materiais (LIVERANI, 2005). Ele expandiu
o reino ao norte em direção às províncias do antigo reino de Israel (com o qual
acreditava ter laços étnicos e religiosos). Os povos deportados para o antigo
reino de Israel tinham outros deuses, mas acabaram solicitando sacerdotes
hebreus aos reis assírios, no que foram atendidos. Josias pretendia fazer o
seu reino coincidir com os territórios anteriormente habitados por hebreus.
Nesse período, um manuscrito com a “lei” é descoberto no templo. Tomando
conhecimento disso pelo sumo sacerdote, Josias atribui ao não cumprimento da
lei os problemas e a falha no apoio divino. Ele pretende, então, fazer cumprir
a lei fielmente (JOSEFO, 2004; LIVERANI, 2005). A respeito disso, Josefo
(2004, p. 450) fala em “Livros santos deixados por Moisés”. Segundo Liverani
(2005, p. 208–209, tradução nossa):

O texto bíblico não diz qual (ou quanto tempo) o texto encontrado no templo
era, apenas que ele poderia ser definido como "o livro da Lei" (sefer hattorah).
Mas por um longo tempo (de W. Wette, 1805), os especialistas têm pensado
que deve ter alguma relação com o livro do Deuteronômio e com o núcleo
original do estrato editorial chamado "deuteronomista", que pode ser atribuído
a este tempo devido a uma série de indicações perceptíveis em seu conteúdo.

A queda de Judá

Após derrotar os egípcios, ano a ano Nabucodonosor submeteu os antigos


territórios sírio-palestinos, anteriormente tributários dos assírios (fossem
subordinados ou independentes). Jerusalém e Tiro resistiram o quanto puderam
ao assédio do caldeu. Tiro, por sua posição insular, resistiu a um assédio de
13 anos (598–585 a.C.), durante os quais cresceu política e economicamente.
Quando finalmente caiu, seu rei, Itto-Baal III, foi substituído pelo vasalo Baal
(LIVERANI, 2005).
Como você já viu, o sítio de Jerusalém durou pouco tempo. Após três
anos como tributário, o rei Jeoaquim rebelou-se, mas foi vencido e morreu no
mesmo ano (598 a.C.). Quem assumiu foi seu filho Joaquim, que reinou por
três meses e, assediado pelos babilônios, rendeu-se rapidamente, sendo exilado
juntamente a sua mãe e seus parentes, aos membros da classe dirigente e aos
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artesãos (que iriam trabalhar nas benfeitorias e embelezamentos da cidade


da Babilônia). Os tesouros do palácio real e do templo foram saqueados.
No lugar de Joaquim, assumiu seu tio Sedecias, como rei “vassalo”.
No 8º ano de seu reinado, Sedecias faz uma aliança com o rei do Egito para
enfrentar Nabucodosor, que, em resposta, arrasa a Judeia e sitia Jerusalém.
O rei egípcio parte então em auxílio aos judaítas, mas os babilônios, sob o
comando de Nabucodonosor, levantando o cerco a Jerusalém, o enfrentam e,
vencendo a batalha, expulsam-no da Síria. Retornando o cerco a Jerusalém no
ano seguinte, o exército babilônico toma a cidade, saqueia e queima o templo,
destruindo-o completamente. O rei da Babilônia faz matar o sumo sacerdote
e outros. Ele também ordena vazar os olhos de Sedecias e o leva juntamente
a um grande número de judeus como escravo para a Babilônia.
O período compreendido entre o assédio inicial (598 a.C.) e a queda e a
destruição de Jerusalém (587–586 a.C.) envolve — como quase tudo no Antigo
Testamento — a presença de profetas; nesse caso, Jeremias e Ezequiel, que
de certa forma “[...] reduzem as opções políticas aos princípios teológicos”
(LIVERANI, 2005, p. 227, tradução nossa). O texto de Josefo (2004) apresenta
a mesma situação de ingerência. Liverani (2005) observa que não é uma
questão de ser pró ou anticaldeu, mas de uma corrente acreditar que Yavé não
teria consentido na chegada do caldeus — para a qual parecia tender o rei — e
outra corrente acreditar que o apoio egípcio era suficiente para vencer. Ambas
eram desaconselhadas pelo profeta Jeremias, que, embora muito considerado,
foi ouvido, mas não atendido.
Outros pensavam que, por conta de questões teológicas e jurídicas, o pacto de
vassalagem com os caldeus neobabilônicos deveria ser mantido. Ezequiel, outro
profeta do mesmo período, concordava com Jeremias, afirmando que os babilônios
agiam por vontade de Yavé; havia, no entanto, diferentes visões políticas entre
eles. Quando ocorre a queda de Jerusalém (JEREMIAS, 2001, 39:8-10), Ezequiel
é deportado e Jeremias fica livre, sendo a sua protenção ordenada por Nabuco-
donosor. Enquanto Jeremias promove a ideia de fidelidade ao pacto, Ezequiel crê
que somente Yavé pode mudar a situação, sendo ele a única salvação.
Sedecias foi substituído por Godolías, “governador” da Judeia. A ele se
juntaram os que não haviam sido deportados ou que se refugiaram na Transjor-
dânia. O governador foi assassinado por conjurados de sangue real (2 REIS,
25:25 apud LIVERANI, 2005). Tal assassinato provocou terror e iniciou uma
sublevação popular, levando os conjurados a se refugiarem junto aos amonitas
e os demais judeus a se refugiarem no Egito. Dessa forma, a Judeia teve sua
população dizimada pela guerra, pela fome, pela peste, pela imigração e pela
total ausência de uma classe dirigente que pudesse colocar ordem ao caos.
10 Hebreus e babilônicos

As datações referentes a períodos da história, principalmente da História Antiga,


costumam ser problemáticas em razão dos diversos calendários e da própria forma
de escrita dos textos e relatos, muitos dos quais bem posteriores aos fatos. Por outro
lado, quando se trata de anais, grande parte deles faz datação a partir de determinado
evento ou da coroação ou ascensão deste ou daquele rei ao trono. Os ocidentais
datam os fatos por uma convenção. Por exemplo: a.C. (antes de Cristo) e d.C. (depois
de Cristo). O calendário judeu considera mais de cinco mil anos. No Ocidente cristão,
muitos documentos começam com “No ano de nosso senhor Jesus Cristo”, etc. Importa
saber que há dificuldades reais e que muita pesquisa é necessária para se chegar a
datas exatas ou mesmo aproximadas. Para além disso, as contagens de meses, dias
e anos variam conforme o povo e a época. Considere, por exemplo, a Revolução
Francesa, que trouxe mudanças não só nos nomes dos meses como na sua divisão e
na duração das semanas, que passaram a ter 10 dias.

Deportações assírias e exílio babilônico


No que tange às deportações cruzadas e provincializações realizadas pelos
assírios, segundo Liverani (2005), as inscrições de reis assírios apontam para
o reconhecimento de uma série de danos resultantes da conquista de regiões.
Tais danos eram decorrentes da guerra. Eles incluíam, por exemplo: saques de
colheitas e gado, incêndio de aldeias, destruição de cidades, vinhas e árvores
frutíferas arrancadas, mortes, assassinatos e deportação dos demais habitantes.
A deportação cruzada e a provincialização das populações serviria como
forma de manter produtiva a economia dos locais conquistados e afastar
dos vencidos ideias políticas ou de rebeldia. O objetivo era que os povos
assimilassem a cultura assíria e a língua do império (assírio e, posterior-
mente, aramaico). Liverani (2005) afirma que, para além da realidade de
danos causados à população e às economias locais pela guerra, os relatos
nas inscrições reais gravadas pelos assírios, que repetidamente contavam os
danos e horrores resultantes dos processos das conquistas, tinham também a
função de “propaganda de terror”.
Liverani (2005) e Kriwaczek (2018) comentam a cruenta violência das
guerras da época antiga e das práticas de guerra mesopotâmicas. No caso
assírio, merece atenção o que Liverani (2005) chama de “propaganda de
terror”, presente nas escrituras dos anais do império assírio ou em esculturas
mandadas construir por seus reis (KRIWACZEK, 2018). No entanto, após
comparar diversos povos e suas práticas de guerra, Kriwaczek (2018) conclui
Hebreus e babilônicos 11

que os assírios não foram mais ferozes ou cruéis do que outros povos da
Antiguidade ou do que alguns povos atuais.
Nos anais assírios, constam as seguintes cifras: “[...] mais de 40 mil depor-
tados de Israel e quase 20 mil de Judá” (LIVERANI, 2005, p. 178, tradução
nossa), havendo deportações com cifras bem maiores em zonas mais populo-
sas. As deportações não afetam apenas a corte e a família real, embora estas
sejam tratadas à parte. Igualmente, elas afetam a população agropastoril,
as pequenas aldeias e cidades, incluindo entre os deportados “[...] homens e
mulheres, grandes e pequenos” (LIVERANI, 2005, p. 178, tradução nossa).
Em especial, registram-se competências laborais de caráter especializado.
A ideologia assíria das deportações inclui, por um lado, um castigo por trai-
ções pretéritas ou resistência ao deus Assur e ao rei (considerado o seu braço
armado). Por outro lado, tal ideologia inclui a reconstrução, o que é consonante
com a ideia de que a conquista significa ampliação da ordem e afirmação da
justiça, além de redução da sedição e da iniquidade.
Liverani (2005) defende que uma das finalidades da deportação cruzada
é uma total assimilação linguística, cultural e política dos povos. A ideia era
transformar os vencidos em assírios, convertendo, com as deportações, um
rei rebelde em um estranho vivendo em uma nova província, na dependência
direta do rei assírio e do deus Assur. Para isso, o rei destinava às províncias e
aos grupos deportados “[...] escribas e vigilantes assírios, capazes de ensiná-
-los o temor do Deus e do Rei” (ISK apud LIVERANI, 2005, p. 179–180,
tradução nossa).
Sob o ponto de vista do vencedor assírio, a assimilação dos deportados é
uma ampliação não só do território do império como do próprio povo assírio.
Porém, para os deportados, que sofrem com o processo de aculturação, a situa-
ção parece outra. Segundo Liverani (2005), essa reestruturação é levada a cabo
na tentativa de aniquilar a individualidade cultural sem provocar um colapso
econômico e demográfico. Tais deportações são citadas nos anais assírios, no
Livro dos Reis (2 REIS, 17:6 apud BÍBLIA, 2001). Esse processo promoveu
a erradicação da resistência política e manteve a economia salvaguardada,
ainda que débil. Além disso, sustentou demografias razoavelmente capazes
de manter os territórios ocupados produtivos e, se possível, populosos. A
assimilação linguística se deu pelo aramaico, que os próprios assírios também
utilizavam nos séculos VIII e VII a.C., restando o uso do idioma assírio para
a escrita oficial administrativa e a língua falada.
Exceto por algumas cerimônias estatais e declarações de princípios (exigi-
das), a assimilação religiosa não foi total, dando origem a um sincretismo difuso
e variado, que reuniu os múltiplos cultos dos grupos deportados. A religião (e
12 Hebreus e babilônicos

uma revisão o yaverismo) foi considerada um elemento forte de identificação


entre deportados de origem hebraica, produzindo também um sentimento de
união para com os que permaneceram no reino de Judá (LIVERANI, 2005).
No entanto, os israelitas, sob Jeroboão, haviam cultuado fora de Jerusalém, e o
rei havia criado dois templos, feito a si mesmo sacerdote e mandado “[...] fazer
e consagrar a Deus dois bezerros de ouro, um dos quais foi colocado na cidade
de Betei e outro na de Dã” (JOSEFO, 2004, p. 374), o que contraria a ideia de
um único templo, o de Jerusalém, bem como o preceito de não cultuar ídolos.
Na Figura 2, a seguir, você pode ver os deslocamentos causados pelas
deportações assírias.

Figura 2. Deportações assírias.


Fonte: Adaptada de Geacron (2019, documento on-line).

Exílio babilônico: outras condições


As deportações dos hebreus (judaítas e israelitas restantes no reino de Judá)
para a Babilônia foram executadas sob condições diferentes. Os caldeus, ao
Hebreus e babilônicos 13

contrário dos assírios, não pretendiam a assimilação, mas o cessar da rebeldia


e da desobediência. Eles não se importavam com a terra cananeia, tanto que
a deixaram despovoada. Assim, os exilados foram tratados conforme a sua
condição: alguns viviam na corte, enquanto outros retomaram a vida normal,
os negócios e o trabalho. As crianças receberam educação por ordem de Na-
bucodonosor (a Mesopotâmia, desde o tempo dos sumérios, era considerada
um local de civilização). Na Babilônia, artesãos e membros deportados não
pertencentes à elite foram utilizados como trabalhadores em obras públicas
e de embelezamento da cidade.

Não havia interesse dos caldeus na assimilação dos exilados. Assim, estes puderam
preservar a sua cultura, os seus costumes e a sua religião. Isso preservou a identidade
do grupo durante os anos do exílio, auxiliando na reestruturação do conceito de
nação e religião judaica.

Esses grupos hebreus receberam liberdade para se reunir, criaram locais de


culto, as sinagogas (primeiro lugar de culto a Yavé fora do Templo de Jerusa-
lém), tocaram o projeto de Josias referente à obediência ao estabelecido na lei
(suspenso pelos fatos ocorridos nas guerras), conformaram os livros da lei e
normatizaram a religião de Yavé, dando origem ao judaísmo como se conhece
hoje. É por isso que o termo “judeu” se aplica aqui, pois foi a partir do exílio
e no pós-exílio que o povo hebreu se fez judeu para além do sentido étnico,
territorial ou clânico, no sentido de pertencimento a uma mesma religião e a
um mesmo e único Deus.
Liverani (2005) analisa as deportações assírias e os seus resultados para
todos os povos submetidos, muitos dos quais não tiveram suas “bíblias” pre-
servadas até o presente. O autor constata as diferenças entre as deportações
assírias e babilônicas dos e para os hebreus. Ele comenta, demonstrando com
isso as possibilidades e liberdades permitidas aos hebreus, a reconstrução de
si realizada por esse povo durante o exílio na Babilônia. Veja as conclusões
de Liverani (2005, p. 11, tradução nossa):
14 Hebreus e babilônicos

[...] houve um evento especial, preparado pelo projeto de um rei de Judá (Jo-
sias) para dar vida a um reino unido de Judá-Israel nas décadas do colapso
da Assíria e a reafirmação de Babilônia, e para substanciar esta tentativa a
nível religioso (yaveísta monoteísmo, "mosaico" da lei) e historiográfico. [...]
O rápido retorno à Palestina dos exilados judeus que eles ainda não tinham
assimilado ao mundo imperial, sua tentativa de dar vida a uma cidade-templo
(Jerusalém) de acordo com o modelo babilônico, de reunir em torno dela uma
nação (Israel, agora em sentido amplo),supõe que se pôs em marcha uma
enorme e variada reelaboração da história anterior (que tinha sido completa-
mente "normal") que colocou em seu lugar os arquétipos fundamentais que
naquele momento pretendia-se revitalizar (o reino unido, monoteísmo e o
único templo, a lei, a posse do território, guerra santa, etc.) sob o signo de uma
predestinação absolutamente excepcional. Da mesma forma que à verdadeira,
mas ordinária história, faltava qualquer interesse que não fosse puramente
local, também a história inventada e excepcional se converteu na base para
a fundação de uma nação (Israel) e religião (o judaísmo), que influenciariam
todo o curso da história posterior em escala mundial.

Quanto aos retornados, no entanto, Kriwaczek (2018, p. 333–334) afirma


o seguinte:

Quando o Império Neobabilônico sucumbiu diante dos persas, menos de


cinquenta anos depois, e a nobreza de Judá teve permissão para regressar a
Jerusalém e começar a reconstruir o templo, somente os que tinham ficado
exilados na Babilônia passaram desde então a figurar como judeus. Embora
a gente do povo que fora deixada na Judeia, “os pobres da terra”, se aproxi-
masse dos que haviam retornado e implorasse para participar do trabalho de
restauração, foi lhes dito, em termos vigorosos, que caíssem fora:
Nada tendes a fazer conosco na edificação de uma casa a nosso Deus; nós
mesmos, sozinhos, a edificaremos ao Senhor Deus de Israel, como nos ordenou
Ciro, o rei da Pérsia. (Esdras 4:3)
Como quer que fosse, apenas uma minoria dos judeus quis restabelecer-se em
sua antiga terra provincial e empobrecida. A maioria optou por permanecer na
Mesopotâmia, para continuar a usufruir dos benefícios de viver no coração da
civilização. Durante séculos, a Babilônia, e não Jerusalém, abrigou as maio-
res comunidades judaicas de qualquer parte do mundo. E foi nas academias
babilônicas que se criou o Talmude babilônico, o texto que até hoje molda o
judaísmo. Sem a conquista e a deportação de Nabucodonosor, o judaísmo tal
como o conhecemos, e portanto o cristianismo e o islamismo, por sua vez,
nunca poderiam ter existido.
Hebreus e babilônicos 15

Conquista babilônica dos hebreus:


consequências demográficas
Os números referentes às deportações de Nabucodonosor podem ser consul-
tados no Livro de Reis e no de Jeremias. No entanto, mais importante do que
verificar os números em si é dar-se conta de que essa deportação realizada
por Nabucodonosor foi unidirecional, ou seja, não foram levadas populações
de outros locais para ocupar a Judeia.
Os elementos deportados foram membros da realeza, da elite, sacerdotes,
chefes e homens de importância, além de artesãos e suas respectivas famílias. A
classe dirigente foi deportada, mas a população campesina permaneceu na terra
cananeia sem um governo. Sob os neobabilônicos, por um lado, as estruturas
sociopolíticas e culturais da Judeia (e dos que lá ficaram) sofreram grande
degradação; por outro, aqueles que foram deportados puderam conservar a sua
individualidade. Assim, as deportações levadas a cabo pelos neobabilônicos
diferem das deportações assírias, que visavam à assimilação e à integração.
Sobre isso, Liverani (2005, p. 233–234, tradução nossa) afirma o seguinte:

Em suma, as deportações assírias foram tremendamente eficazes em sua


tarefa de apagar a identidade nacional, a tal ponto que o destino dos deporta-
dos assírios não é mais conhecido, e as "dez tribos" do norte desapareceram,
absorvidas pelo mundo circundante. Por outro lado, as deportações babilô-
nicas não puderam pôr fim ao senso de autoidentificação dos deportados,
que, estando dispostos, podem reconstituir sua individualidade etnopolítico-
-religiosa-comportamental.
A situação em que a Judeia foi mergulhada após o saque de Jerusalém, a
deportação da classe dominante e os eventos que se seguiram deram origem
a uma grave crise demográfica e cultural.

Comparando-se as deportações cruzadas realizadas pelos assírios com as


deportações unilaterais demandadas pelos caldeus neobabilônicos, percebe-se
a diferença no impacto causado sobre a demografia das regiões afetadas. No
caso do exílio babilônico, a terra foi arrasada, sem líderes, tendo sobrado na
região apenas alguns camponeses cuja prioridade era a sobrevivência. Além
disso, a região não recebeu novos habitantes até o retorno dos exilados, após
a vitória de Ciro sobre os caldeus.
16 Hebreus e babilônicos

A baixíssima demografia restante na região também teve efeitos sobre as


questões culturais, econômicas e administrativas. Os sobreviventes chegaram
muito próximo de um cataclisma, conforme indicam estudos arqueológicos
levantados por Liverani (2005): os cálculos apontam a redução populacional
a 10% da anterior; a superfície média dos povoados também foi reduzida em
2/3; não havia produção artesanal de valor; e o uso da escrita foi reduzido. Para
além disso, um povo cujas administração política, religião e decisões giravam
em torno do templo e de leis rígidas se viu, de repente, sem reis, sacerdotes,
políticos ou sábios para orientá-lo. Alguns membros das populações vizinhas
mais preparados para administrar uma recuperação ocuparam espaços vazios,
porém não tiveram sucesso no que tange a uma reestruturação administrativa
(LIVERANI, 2005).
Liverani (2005) observa que o esvaziamento das terras sírio-palestinas, e
não apenas das do extinto reino de Judá, pode se considerado o indicativo do
fim de uma época, um momento histórico crucial e o prenúncio de uma nova
era histórica e civilizacional:

Em poucas décadas (de maneira escalonada e sucessiva no tempo, de norte


a sul) todos os reinos e pessoas que haviam dado vida ao vigoroso mundo
levantino [sírio-palestino] da Segunda Era do Ferro estavam imersos em
níveis demográficos e culturais muito baixos: é o fim de uma era, o fim de
um mundo, algo que os livros de história do tipo tradicional não são capa-
zes de visualizar adequadamente, mas que, no entanto, constitui um evento
histórico crucial, a partir do momento em que a crise de identidade torna-se,
por sua vez, o ponto de partida para uma nova trajetória (LIVERANI, 2005,
p. 238, tradução nossa).

Essa nova trajetória se dá com o retorno à “terra prometida”, a reconstru-


ção do reino, do templo e da aliança com Yavé, esta última refeita durante o
período do exílio e escrita nos livros da Torá pelos deuteronomistas. Para o
povo hebreu, judaíta que viveu no exílio, este ocorreu por conta da quebra
da aliança entre o povo e Yavé. Nesse sentido, o exílio foi um castigo e um
aprendizado que os fizeram refletir sobre diversas posições, repensar e “rees-
crever” a própria história e as próprias leis — não só mosaicas, mas também
reguladoras da vida cotidiana — por meio dos livros, bem como desenvolver
um nacionalismo aguerrido (TRIGO, 2007).
O problema da baixa demografia não cessou imediatamente com a autori-
zação para o retorno dos exilados, que foi realizado aos poucos e em pequenos
grupos, durando cerca de um século. Os exilados retornados eram provenientes
não somente da Babilônia, mas também do Egito e de reinos vizinhos onde
Hebreus e babilônicos 17

haviam se refugiado. Embora pudessem retornar de maneira oficial, com


direito à posse da terra e ajuda financeira concedidos pelo imperador persa
Ciro (LIVERANI, 2005), muitos hebreus já assimilados ou acomodados nas
condições do exílio preferiram não retornar, o que não impediu que auxiliassem
os que o fizeram.
Os que permaneceram na terra durante o exílio foram chamados pelos que
retornaram de “pobres da terra”. Mesmo tentando ajudar na reconstrução do
templo, eles foram rechaçados e tiveram a sua oferta de auxílio negada, como
você viu na citação do texto de Kriwaczek (2018) mencionada anteriormente.
As questões demográficas e as suas consequências só seriam resolvidas a longo
prazo. Nesse sentido, as áreas litorâneas da Síria Palestina se recuperariam
mais rapidamente do que o interior — tanto no quesito populacional quanto
no econômico.

BÍBLIA. Português. Nova versão internacional: antigo e novo testamento. São Paulo:
Vida, 2001.
DIOCESE DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO. Home. São José do Rio Preto: [S. n.], 2014. Dis-
ponível em: http://bispado.org.br/. Acesso em: 8 jul. 2019.
GEACRON. Middle East. [1800 B. C.]. Disponível em: https://www.apaixonadosporhis-
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JEREMIAS. In: BÍBLIA. Português. Nova versão internacional: antigo e novo testamento.
São Paulo: Vida, 2001.
JOSEFO, F. História dos hebreus de Abraão à queda de Jerusalém. 8. ed. Rio de Janeiro:
Casa Publicadora das Assembléias de Deus, 2004.
KRIWACZEK, P. Babilônia a Mesopotâmia e o nascimento da civilização. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2018.
LIVERANI, M. Mas allá de la Bíblia: historia antigua de Israel. Barcelona: Editorial Crítica,
2005.
TRIGO, A. C. M. C. O exílio na Babilônia: um novo olhar sobre antigas tradições. 140 f. 2007.
Dissertação (Mestrado) - Departamento de Letras Orientais da Faculdade de Filosofia
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18 Hebreus e babilônicos

Leituras recomendadas
CARDOSO, C. F. S. Sociedades do Antigo Oriente próximo. Rio de Janeiro: Ática, 2002.
ELIADE, M. História das crenças e das ideias religiosas, das provações do judaísmo ao
crepúsculo dos deuses. Rio de Janeiro: Zahar,1979. v. 2. t. 2.
GONÇALVES, F. J. Exilio babilónico de «Israel»: realidade histórica e propaganda. Lisboa:
Instituto Oriental, 2000.
HORN, S. H. The babylonian chronicle and the ancient calendar of the kingdom of Judah.
Michigan: Andrews University, 1967. Disponível em: https://www.andrews.edu/library/
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LOPES, F. L. B. Judeus: exílio babilônico. Revista Vernáculo, v. 1, n. 2, 2000. Disponível em:
https://revistas.ufpr.br/vernaculo/article/view/18095. Acesso em: 7 jul. 2019.
RIBEIRO, A. B. T. Novas definições terminológicas para entender a história de Israel.
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SHEPARD, E. Babylon and Jerusalem: the integrity of the diasporic critical mind. Sh'ma:
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WEYNE, M. W. A investida de Nabucodonosor contra Judá: aproximação e conflito dos
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