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BRASIL
COLÔNIA
Introdução
“Antigo Regime” foi um termo cunhado no final do século XVIII para
se referir ao status quo que era preciso ser transformado: a economia
mercantilista, o Estado absolutista e a sociedade estamental, rigidamente
hierarquizada. Essa configuração econômica, política e social se originou
na passagem da Idade Média para a Idade Moderna, com diferentes
características e ritmos nos diferentes países da Europa Ocidental. Cabe
então questionar como se deu esse processo no território que hoje cha-
mamos de Portugal.
Neste capítulo, você vai estudar o contexto europeu de passagem do
medievo para a modernidade, no qual será inserido o caso português.
A partir daí, vai também analisar a organização econômica do Antigo
Regime em Portugal e suas características. Por fim, verá como se estru-
turava a sociedade portuguesa durante a Idade Moderna.
Essa lógica cristã que orientou a administração política do Império Português baseava-
-se numa complexa economia chamada sistema de mercês. Sua origem remonta
às guerras de reconquista da Península Ibérica, quando o rei concedia terras e títulos
aos aristocratas que lhes prestassem serviços. Criava-se, dessa forma, uma relação de
devoção e subserviência ao monarca que, por sua vez, assumia relações clientelistas
e corporativas com os aristocratas que realizassem atividades interessantes à coroa
(HESPANHA, 2001).
[...] o poder real partilhava o espaço político com poderes de maior ou menor
hierarquia; o direito legislativo da Coroa era limitado e enquadrado pela dou-
trina jurídica [...] e pelos usos e práticas jurídicos locais; os deveres políticos
cediam perante os deveres morais (graça, piedade, misericórdia, gratidão)
ou afetivos, decorrentes de laços de amizade, institucionalizados em redes
de amigos e de clientes; os oficiais régios gozavam de uma proteção muito
alargada dos seus direitos e atribuições, podendo fazê-los valer mesmo em
confronto com rei e tendendo, por isso, a minar e expropriar o poder real
(HESPANHA, 2001, p. 166).
2 A economia portuguesa
Nos últimos anos, houve significativas mudanças na forma de compreender
a economia de Portugal durante o Antigo Regime, principalmente no que diz
respeito às práticas coloniais. Para tanto, foi necessário que os autores passassem a
encarar Portugal e suas colônias como partes constitutivas de um mesmo espaço, o
Império Luso ou Português, organizado segundo uma monarquia pluricontinental.
Assim, foi possível extrapolar a compreensão da América Portuguesa como uma
colônia que exportava matérias-primas e importava produtos manufaturados, na
lógica do pacto colonial mercantilista, e problematizar a noção de capitalismo
comercial e de Estado absolutista para Portugal (FRAGOSO, 2012).
Vejamos algumas teses, vinculadas a uma historiografia marxista ortodoxa,
para a economia portuguesa durante a modernidade. Nessa concepção, Portugal
se encontraria em um estágio econômico chamado de capitalismo comercial
ou mercantilismo, que seriam os conjuntos de práticas econômicas adotadas
pelas monarquias absolutistas durante a Idade Moderna, em que o comércio
e a possessão de metais preciosos (metalismo) eram considerados as fontes
de geração de riquezas para os Estados europeus.
De acordo com Magalhães (1964, p. 66):
João Fragoso (2012) afirma que Caio Prado Júnior, Celso Furtado e Fernando
Novais são representantes dessa abordagem, defendendo “que a sociedade da
América lusa dos séculos XVII e XVIII fora construída com o propósito de
fomentar a transição do feudalismo para o capitalismo na Europa, ou ainda
com o intuito de viabilizar a revolução industrial inglesa do século XIX”
(FRAGOSO, 2012, p. 107).
Para essa vertente historiográfica, a América estaria em uma posição de
subordinação em relação a Portugal com a três finalidades (FRAGOSO, 2012):
https://qrgo.page.link/EbPTB
Ainda assim, isso não significa que, na prática, o Império Português tenha
conseguido seguir os preceitos da política econômica mercantilista. Em termos
dos problemas relativos aos monopólios, por exemplo, Ronaldo Vainfas (2000)
comenta que a exclusividade mercantil nunca foi rigorosamente aplicada.
Medidas como a de D. Sebastião, em 1571, determinando que apenas navios
portugueses poderiam comerciar com o Brasil não funcionaram na prática,
tendo em vista a frequência com que os navios holandeses aportavam no
Nordeste, região que distribuía boa parte do açúcar luso-brasileiro na Europa.
“Durante a União Ibérica, estabeleceu-se um sistema de frota única, prove-
niente de Portugal, mantido após a Restauração em 1640. Muitos mercadores
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se queixaram pela perda de negócios, mas essa estratégia foi mantida até a
abertura dos portos no Brasil em 1808” (VAINFAS, 2000, p. 392).
Acredita-se que somente durante o reinado de D. José I (1750–1777), com
a administração do Marquês de Pombal, é que Portugal teria realizado um
esforço para o desenvolvimento da metrópole com base no modelo mercan-
tilista, promovido pela reestruturação da economia do império ultramarino,
principalmente com o fortalecimento das companhias comerciais portuguesas.
O monarca antecessor, D. João V (1706-1750), havia implementado diversos
mecanismos para garantir o monopólio português em relação às minas de
ouro e diamantes, durante o auge do ciclo de ouro. Porém, ainda segundo
Vainfas (2000, p. 393):
3 A sociedade portuguesa
Durante a Idade Moderna, configurou-se em Portugal uma forma de organi-
zação social chamada por alguns autores de corporativa. Em outras palavras,
criava-se uma cadeia de obrigações recíprocas entre o rei e seus súditos, que
lhe prestavam serviços e, em troca deles, exigiam “mercês”, como explicado
anteriormente, o que gerava engrandecimento e atribuição de status, honra e
posição mais elevada na hierarquia social ao súdito, que retribuía ao monarca
com agradecimento e profundo reconhecimento (BICALHO, 2005). Eis aí
uma das marcas do feudalismo ainda existentes na modernidade: uma relação
baseada na submissão e na lealdade, como a vassalagem medieval, além da
obediência:
Como se relacionava essa nobreza com as hierarquias que se formavam nas colônias?
Alguns autores propuseram o conceito de “nobreza da terra” para se referir àqueles que
conquistavam títulos de nobreza, mas eram nascidos na América portuguesa. Esses
autores também se dedicaram a estudar os conflitos existentes entre as nobrezas da
colônia e da metrópole (MACHADO, 2017).
10 Antigo Regime português
Podemos afirmar que essa era uma semelhança de Portugal com os demais
Estados modernos: a sociedade estamental e a vigência de privilégios, além
da dificuldade de mobilidade social para as classes menos abastadas.
Quais estratos sociais podiam adquirir títulos de nobreza política em função das
mercês? De acordo com Hespanha (2006, p. 136), a nobreza obtida pela prestação de
serviços ao monarca, “nas terras em que fosse costume reservar este lugar a nobres”,
poderia ser adquirida:
pela ciência (doutores, licenciados, mestres de artes, bacharéis;
pela milícia armada (cavaleiros de ordens militares, oficiais militares);
pela milícia inerme;
pelo exercício de certos ofícios — governos de armas das províncias, presidentes
dos tribunais de justiça da corte; conselheiros régios; chanceler-mor; juízes das
chancelarias e audiências; corregedores; provedores; juízes régios; juízes ordinários,
vereadores, almotacés e alguazis, procuradores dos concelhos, meirinhos e alcaides.
Isso demonstra como a nobreza política foi crescendo exponencialmente, gerando maiores
custos para a monarquia e, no futuro, problemas do ponto de vista do confronto de poderes.
Alguma mobilidade começava, desde logo, por ser impossível. Não se podia
deixar de ser mulher, por exemplo. Demente era também um estado tendencial-
mente definitivo. Menor, deixava-se naturalmente de se ser, mas pela passagem
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O que se tinha, então, era uma sociedade fundada nos privilégios de nasci-
mento ou na conquista de títulos de nobreza mediante o sistema de mercês e na
preeminência do clero, para além da força da Igreja Católica, da Inquisição e da
intolerância religiosa (VILLALTA, 2016). A Inquisição, nesse sentido, pode nos
ensinar muito sobre a sociedade portuguesa do Antigo Regime. Conforme Schaub
(2000, p. 125), a inquisição era “produtora de distinção social e garantidora de
pureza de sangue de seus oficiais e confidentes” e, portanto, era
[...] legitimada por famílias que desejavam adquirir uma dignidade social
definitiva. [...] Em vez do Santo Ofício aparecer como o tribunal onde o con-
junto da sociedade acorre a prestar contas, [...] a inquisição era uma instituição
imersa numa complexa dinâmica social e cultural, definida e configurada
pelas pretensões daqueles que a integram em benefício próprio.
Leituras recomendadas
BICALHO, M. F. B.; FERLINI, V. L. A. (Org.). Modos de governar: ideias e práticas políticas
no Império Português - séculos XVI a XIX. São Paulo: Alameda, 2005. p. 91–105.
BOXER, C. R. O Império Marítimo Português (1415/1825). São Paulo: Companhia das
Letras, 2002.
HESPANHA, A. M. Às vésperas do Leviathan: instituições e poder político — Portugal —
séc. XVII. São Paulo: Almedina, 1994.
HESPANHA, A. M. Cultura jurídica europeia: síntese de um milênio. Coimbra: Almedina, 2012.
HESPANHA, A. M. (Org.). Poder e instituições na Europa do Antigo Regime: coletânea de
textos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1984.
PEREIRA, L. F. L. O império português: a centralidade do concelho e da cidade, espaço
da cultura jurídica. In: FONSECA, R. M. (Org.). As formas do direito: ordem, razão e decisão
(experiências jurídicas antes e depois da modernidade). Curitiba: Juruá, 2013. p. 577–632.
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