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HISTÓRIA ANTIGA

Caroline Silveira Bauer


A formação da Roma Antiga
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Descrever os aspectos geográficos e o povoamento da Roma Antiga.


 Relacionar os diferentes períodos históricos da Roma Antiga.
 Discutir as relações entre Roma, o mar Mediterrâneo, as guerras e o
imperialismo.

Introdução
A historiografia sobre a Roma Antiga, abarcando os períodos monárquico,
republicano e imperial, está em constante renovação, apresentando
abordagens inovadoras e diferentes formas de interpretar dados ou fatos
já conhecidos. A história de Roma desperta um fascínio no grande público,
sendo tema de documentários, filmes, histórias em quadrinhos, séries,
entre outras tantas produções culturais. Como será que esses produtos
dialogam com a historiografia? Há uma coincidência nas interpretações
ou uma discrepância entre a ficção e a historiografia?
Neste capítulo, você vai estudar os aspectos geográficos do território
da Roma Antiga e ver como se deu o povoamento da região. Você tam-
bém vai aprender sobre os diferentes períodos históricos da Antiguidade
Romana, estabelecidos a partir de marcos políticos. Por fim, você vai
conhecer algumas especificidades sobre o período imperial e a expansão
de Roma, que envolveu conquistas e enfrentamentos com outros povos,
além de uma relação estreita com o mar Mediterrâneo.

Aspectos geográficos e povoamento


Para começar, uma observação é muito importante a fim de evitar futuras
confusões: a Roma Antiga não corresponde somente à cidade de Roma, com
as delimitações atuais. Aqui, os termos “Roma” e “romanos” fazem referência
a todo o império e a toda a sociedade que habitava as regiões conquistadas.
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Essa informação é bastante importante, inclusive para que você se lembre de


que na Antiguidade não existia o país Itália nem fronteiras nacionais.
Feita essa observação inicial, agora você vai estudar as principais caracterís-
ticas do local onde se iniciou a história de Roma. A Península Itálica possui, em
seu centro e ao norte, cadeias montanhosas. No litoral e ao longo dos vales dos
rios, existem terrenos muito férteis, que favoreceram a agricultura e a criação
de gado. Essa característica, inclusive, foi responsável pela denominação do
território: a península era chamada de “Terra dos Vitelos”, Itália (FUNARI,
2002). Na região da planície, viviam os latinos, e na margem esquerda do rio
Tibre, próximo à sua foz, em uma área comercial e de comunicação estratégica
entre a península e o litoral, surgiu a cidade de Roma, em meados do século
VIII a.C. (FUNARI, 2002).
Funari (2002, documento on-line) fornece mais detalhes sobre os povos
ocupantes da região e as suas principais atividades comerciais e econômicas:

As possibilidades econômicas eram grandes, tanto na produção agrícola


(trigo e outros cereais) e na criação de animais, como no comércio. Desde o
início do primeiro milênio a.C., os povos que ocupavam a Península eram
indo-europeus, como os latinos, sabinos e gregos, ao sul, e os etruscos, uma
civilização original que combinava elementos gregos e orientais.

Existem diferentes versões da história da fundação da cidade de Roma. Uma


das narrativas míticas mais conhecidas é a lenda de Rômulo, Remo e a loba.

Em seu poema épico Eneida, Virgílio afirma que os primeiros romanos descendiam de
Eneas, herói de Troia. Assim, quando os gregos destruíram Troia, em aproximadamente
1400 a.C., Eneas fugiu e chegou à Itália, onde fundou a cidade de Lavínio. Seu filho
Ascânio fundou Alba Longa e seus descendentes, Rômulo e Remo, fundaram Roma
em 753 a.C. De acordo com a lenda, Rômulo e Remo eram filhos gêmeos da princesa
albana Rea Sílvia e do deus Marte. Quando recém-nascidos, eles foram atirados ao rio
Tibre por ordem do rei Amúlio, usurpador do trono de Alba Longa. Amamentados
por uma loba e depois criados por camponeses, os irmãos retornaram a Alba Longa
e tomaram o trono de Amúlio, colocando Númitor em seu lugar. Depois disso, eles
receberam a missão de fundar Roma (ARRUDA, 1994).
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Para além das lendas e dos mitos, existem explicações arqueológicas e


históricas sobre as origens da cidade. Uma das hipóteses mais aceitas é a de
que Roma teria sido fundada “[...] na região do Latium pelos etruscos, que
teriam unido numa única comunidade diferentes povoados de sabinos e latinos
[...]” (FUNARI, 2002, documento on-line).
Essa opinião é corroborada por Barbosa (2009, p. 77), que afirma o seguinte:

Na península italiana coabitavam diferentes agrupamentos étnico-linguísticos,


como os Latinos, os Sabinos, os Équos, os Etruscos e os Gregos, entre outros.
Esses povos dividiam-se em vários grupos ou tribos que constituíam cole-
tividades urbanas de variadas dimensões, sem, contudo, equiparar-se às da
Grécia e Oriente Médio. Entre essas agremiações, dois grupos destacavam-se
e enfrentavam-se pela hegemonia italiana: os Etruscos, situados ao norte,
entre os rios Tibre e Arno, e os Gregos, situados basicamente no litoral sul
da península. Foi sob a “sombra” etrusca que as populações latinas e sabinas,
habitantes da região conhecida como Lácio, organizaram-se e criaram con-
dições para a emergência da urbe romana. Aliás, foi no período do reino sob
dominação etrusca que os romanos construíram a organização político-social
que os caracterizou na República e no Império.

Entre 753 a.C. e 509 a.C., Roma desenvolveu-se como cidade, e o latim
consolidou-se como língua corrente. Acredita-se que, em 509 a.C., os patrícios,
que eram os nobres romanos, revoltaram-se contra seus dominadores etruscos,
depondo os tarquínios, reis etruscos, e instaurando o regime republicano.
Brutus teria sido o líder da revolta e tornou-se o primeiro magistrado da nova
república (FUNARI, 2002). Uma das consequências do acúmulo de poder por
Roma foi a transformação da Península Itálica em um eixo de poder no mar
Mediterrâneo, disputando a hegemonia com os gregos e os persas.

Periodização da história da Roma Antiga


Você já está a par dos limites e das possibilidades da periodização na história.
Agora, basta que se lembre do seguinte: todo e qualquer estabelecimento de
períodos parte de certos pressupostos conceituais, metodológicos e teóricos e
implica uma seleção feita pelo historiador. Com a periodização da história da
Roma Antiga, não é diferente. Costumeiramente, esse período é dividido em
três grandes momentos:
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 Monarquia, da fundação de Roma (753 a.C.) a 509 a.C.;


 República, da proclamação da república (509 a.C.) a 27 a.C.;
 Império, quando Otaviano recebe do Senado o título de Augusto (27 a.C.)
a 476 d.C., ano em que ocorre a queda do Império Romano do Ocidente.

O que essa periodização evidencia? Que foram escolhidos eventos políticos


como marcos para a história de Roma na Antiguidade e que, se fossem utiliza-
dos outros parâmetros, como o cultural ou o religioso, haveria outros períodos.
A seguir, você vai conhecer melhor cada um desses momentos históricos.

Monarquia
Esse período se estende das origens de Roma (753 a.C.) à queda da realeza
(509 a.C.). As fontes históricas para o estudo desse momento são escassas,
com referências a reis lendários citados nas obras dos historiadores romanos
Tito Lívio e Virgílio.
Sabe-se que os reis acumulavam as funções executiva, judicial e religiosa,
mas seus poderes eram limitados por órgãos legislativos, como o Senado ou
Conselho de Anciãos, que podiam sancionar ou vetar as propostas apresentadas
pelo monarca. As leis eram corroboradas na Assembleia ou Cúria, formada
por todos os cidadãos em idade militar. As atividades econômicas, inclusive
a expansão comercial, coincidiu com o domínio etrusco, iniciado no século
VII a.C.
Nesse período, a sociedade romana estava dividia em três grupos sociais:
os patrícios, cidadãos de Roma, possuidores de terras e de gado, que consti-
tuíam a aristocracia romana; os plebeus, pessoas que pertenciam aos povos
conquistados por Roma, eram livres, mas não possuíam direitos políticos
universais; e os clientes, indivíduos subordinados a alguma família patrícia
(seus patronos), cumpridores de obrigações econômicas, morais e religiosas.
Existem divergências em relação ao término do período monárquico. Alguns
afirmam que a Monarquia terminou de forma abrupta, com uma sublevação
patrícia que depôs Tarquínio, o Soberbo, em 509 a.C. Outros defendem que
esse processo foi lento e teria se prolongado de 509 a 376 a.C.

República
A República Romana (do latim res publica, que significa, literalmente, “coisa
pública” ou “bem comum”) compreende o recorte temporal que vai do fim da
Monarquia, em 509 a.C., ao estabelecimento do Império Romano, em 27 a.C.
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O regime republicano vigorava em Roma e em suas províncias por meio de


um sistema político em que dois magistrados, chamados cônsules, eram eleitos
para um mandato anual. Denominavam-se iudices (juízes) em tempos de paz e
praetores (os que vão à frente) em tempos de guerra. Nesse período, as funções
religiosas foram transferidas para o rex sacrorum e para o pontifex maximus.
Algumas instituições do período monárquico foram mantidas, mas certas
funções foram alteradas para se adaptarem ao novo regime político:

O Senado, ou conselho de idosos, que já existia anteriormente, adquiriu maior


importância com a República, pois era o Senado que escolhia os cônsules.
Além dos poderosos cônsules, que detinham o poder militar e civil, havia
outros magistrados, como os questores (tesoureiros), os edis (encarregados
de cuidar dos edifícios, esgotos, ruas, tráfego, abastecimento), os pretores
(encarregados da justiça), os censores (revisores da lista de senadores e con-
troladores de contratos) e o pontífice máximo (que era o chefe dos sacerdotes).
A influência do Senado na indicação desses magistrados era muito grande,
mas havia a participação, também, das assembleias da plebe e dos soldados
em sua escolha (FUNARI, 2002, documento on-line).

De acordo com Funari (2002, documento on-line), foi no período republi-


cano que houve uma ampliação dos direitos políticos dos plebeus:

Nos primeiros tempos da República romana, os patrícios detinham todos os


direitos políticos e só eles podiam ter cargos políticos, como os de cônsul e se-
nador. Os patrícios constituíam uma aristocracia de sangue, com antepassados
comuns, daí seu nome "aqueles com pais". Os clientes e a plebe (composta de
homens livres, pequenos agricultores, comerciantes e artesãos) não possuíam
direitos plenos. O poder dos patrícios vinha da posse e exploração da terra,
trabalhada por camponeses, às vezes escravizados por dívidas. Os patrícios
romanos governavam a cidade principalmente em benefício próprio, aplicavam
as leis conforme seus interesses pessoais e procuravam reduzir à servidão
plebeus camponeses que não conseguiam pagar suas dívidas. Somente depois
de mais de dois séculos de luta entre plebeus insatisfeitos e patrícios podero-
sos, é que os plebeus conseguiram progressivamente obter direitos políticos
iguais aos [dos] nobres. Por volta de 450 a.C., os plebeus conseguiram que
as leis segundo as quais as pessoas seriam julgadas fossem registradas por
escrito, numa tentativa de evitar as injustiças do tempo em que as leis não
eram escritas e os cônsules, sempre da nobreza de sangue, administravam a
justiça como bem entendiam, conforme suas conveniências. O conjunto de
normas finalmente redigidas foi chamado “A Lei das Doze Tábuas”, que se
tornou um dos textos fundamentais do Direito romano, uma das principais
heranças romanas que chegaram até nós.
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Ainda de acordo com Funari (2002), por meio da luta dos plebeus, foram
obtidas outras conquistas, tais como a abolição da escravidão por dívidas, a
criação do cargo de tribuno da plebe — magistrado que defenderia os plebeus
com o poder de vetar medidas governamentais que prejudicassem a plebe —,
o reconhecimento de poderes da Assembleia da Plebe e a possibilidade de
casamentos entre nobres e plebeus, anteriormente proibidos.

Da mesma forma como ocorria com as mulheres gregas, as romanas não tinham o
direito de ocupar cargos no governo. Os cidadãos da República Romana se reuniam
em assembleias e escolhiam os tribunos da plebe. Estes eram magistrados que
tinham direito a veto sobre as decisões do Senado e dos outros magistrados. Os
romanos utilizavam a sigla SPQR (Senatus Populusque Romantis — O senado e o
povo de Roma) para se referir ao seu próprio Estado. Contudo, apenas formalmente
o poder estava dividido entre o Senado e o povo. Na prática, os senadores eram
muito influentes.
No geral, a cidadania romana era mais ampla e versátil do que a de Atenas. Por
exemplo, ex-escravos alforriados podiam se tornar romanos, mesmo que os plenos
direitos políticos só fossem adquiridos pelos filhos de libertos. Além disso, os romanos
concediam a cidadania a indivíduos aliados e até a comunidades inteiras. Para alguns
pesquisadores, esse tipo de flexibilidade é uma das causas do dinamismo romano.
Afinal, a incorporação de cidadãos possibilitou que os romanos se tornassem cada
vez mais numerosos (FUNARI, 2002).

Foi durante o período republicano que Roma iniciou a sua expansão por
meio de uma série de conquistas territoriais, primeiramente na Península Itálica
e depois nas orlas do mar Mediterrâneo. Com essa expansão, houve profun-
das modificações na vida cultural, econômica, política e social de Roma. As
conquistas se deram por meio de muitas batalhas e guerras, além de outras
dinâmicas mais diplomáticas.
Um dos marcos da expansão territorial foram as Guerras Púnicas, con-
fronto entre Roma e Cartago (os cartaginenses eram chamados de puni, isto
é, fenícios). Cartago era uma cidade-estado fenícia localizada no norte da
África que, desde o século III a.C., dominava o comércio no mar Mediterrâneo.
Os ricos comerciantes cartagineses possuíam diversas colônias no que hoje são
os territórios da Sicília, da Sardenha, da Córsega e da Espanha, bem como em
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toda a costa setentrional da África (você vai aprender mais sobre o expansio-
nismo de Roma na próxima seção).
O regime republicano entrou em crise no princípio do século I a.C., devido a
uma série de medidas inconstitucionais de Sila, que tomou a cidade de Roma com
seu exército, em 82 a.C., e se declarou governante vitalício. Posteriormente, Sila
renunciaria e devolveria o poder ao Senado, mas havia uma descrença em relação
ao sistema político. Essa crise deu origem aos triunviratos. O primeiro, composto
por César, Pompeu e Crasso. O segundo, por Otávio, Marco Antônio e Lépido.

Império
A expressão “Império Romano” é de uso corrente entre os historiadores e o grande
público. Mas o que ela designa? O Império compreenderia o período entre 27
a.C. e 476 d.C., mas também “[...] um vasto território, da Britânia ao Egito, da
Lusitânia à Síria. Além disto, engloba[ria] uma população de cerca de 60 milhões
de pessoas que se articulavam mediante as mais diversas formas de organização
política de caráter local e regional [...]” (FAVERSANI; JOLY, 2014, p. 10).
Por isso, a historiografia contemporânea tem relativizado essa expressão,
conforme explicam Faversani e Joly (2014, p. 10):

A arbitrariedade implícita na unidade e amplitude desta definição é clara, e a


aceitamos por mera convenção. Contudo, nos estudos concretos sobre o Império
Romano, a suposta unidade desaparece, de maneira que não se trata mais de
pensar em Império Romano, mas sim em “Impérios Romanos”. Trata-se então
de problematizar que a noção de Império Romano como a utilizamos não nos
é legada pelas fontes coetâneas; da mesma maneira que as fontes do período
republicano não tratam de “toda” a República Romana, assim como as do
período imperial não tratam do Império Romano como um todo.

Assim, por convenção, utiliza-se aqui a denominação “Império Romano”


para designar o Estado romano no período que se seguiu à reorganização
política efetuada pelo primeiro imperador. A partir de então, e diferentemente
da República, o cargo do governante tornou-se vitalício. O período imperial
pode ser dividido em dois momentos: o principado, do governo de Augusto
à crise do século III, e o dominato, que se estende de Diocleciano ao fim do
Império Romano do Ocidente.
O reinado de César Augusto é considerado um período de prosperidade
e expansão. Ele inaugurou um período de relativa paz interna que durou 250
anos (31 a.C. a 235 d.C.). Esse período ficou conhecido como “paz romana”.
Veja o que afirma Funari (2002, documento on-line):
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Castigada após tantas guerras civis, Roma adotou o regime imperial de governo.
Os imperadores tinham grandes poderes, mas não eram reis, nem a sucessão
era, necessariamente, hereditária. No período imperial, a administração dos
domínios romanos foi reorganizada, visando à maior centralização do poder; o
imperador passou a acumular todos os poderes apesar de continuarem a existir
os órgãos administrativos da República. O imperador era reverenciado e adorado
como um dos deuses romanos, daí sua enorme autoridade, derivada também do
temor que inspirava. No "período de paz", novas conquistas foram efetivadas e
as atividades econômicas e culturais ganharam grande impulso, surgindo novos
e portentosos edifícios, monumentos, aquedutos, pontes, circos e anfiteatros.

Depois da morte de Teodósio, o Império Romano se dividiu em dois, o


Império Romano do Ocidente, com capital em Roma, e o Império Romano
do Oriente, com capital em Constantinopla. Frequentemente invadido pelos
povos “bárbaros” (como eram chamados quaisquer povos não romanos), e
enfraquecido internamente, em função das relações estabelecidas entre as
diferentes regiões e Roma, o Império Romano do Ocidente sucumbe em 476 d.C.

A expansão de Roma e o Mediterrâneo


Apesar de Roma não ser uma cidade litorânea, a conquista da Península Itálica
fez com que o mar Mediterrâneo adquirisse importância para os romanos,
porque se tornou um meio de integração entre as diferentes regiões do Impé-
rio. Mas, para você compreender a relevância do Mediterrâneo, é importante
verificar como se deu a expansão de Roma e a conquista de outros povos.
Nesse sentido, compreender o que foram as Guerras Púnicas é fundamental.
As Guerras Púnicas iniciaram-se no período republicano e foram respon-
sáveis pelo desenvolvimento de táticas de guerra do exército romano, além de
definirem as estratégias de ocupação nos territórios conquistados. De acordo
com Garraffoni (2006, p. 55–56),

[...] para que se tenha uma ideia da importância dessas guerras, basta pensarmos
que antes da Primeira Guerra Púnica os romanos não haviam saído, ainda, da
Península Itálica, e ao final da Terceira Guerra já haviam submetido o norte
da África e a Península Ibérica e estavam dirigindo seus olhares para terras
mais distantes, como a Britannia (atual Inglaterra) e regiões mais orientais [...].

As Guerras Púnicas foram os conflitos entre Roma e Cartago pela hege-


monia econômica e política do mar Mediterrâneo. Esses conflitos ocorreram
em três momentos diferentes entre os séculos III a II a.C.: a Primeira Guerra
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Púnica (264 a 241 a.C.), a Segunda Guerra Púnica (218 a 201 a.C.) e a Terceira
Guerra Púnica (149 a 146 a.C.).
Como você já viu, Cartago era uma cidade-estado fundada pelos fenícios
que possuía larga experiência comercial e marítima. A cidade controlava
boa parte do comércio realizado pelo mar Mediterrâneo. Seus domínios se
estendiam do norte da África, passando pelo oeste da Sicília, pela Sardenha
e pela Córsega, chegando até a Península Ibérica.
A Primeira Guerra Púnica foi declarada com a invasão e a conquista dos
romanos da colônia cartaginesa de Messina, na região da Sicília. Os romanos
saíram vitoriosos dos conflitos e conquistaram a Sicília, a Córsega e a Sarde-
nha. O segundo conflito teve origem a partir dos ataques empreendidos pelo
cartaginês Aníbal, que, partindo da Península Ibérica, que fora conquistada
por seu pai, Amílcar, foi vencendo os romanos em diferentes conflitos. Roma
contra-atacou investindo contra Cartago, o que obrigou Aníbal a mudar o
palco dos combates.
A derrota de Cartago significou a submissão a Roma, por meio do pa-
gamento de impostos e da proibição de se envolver em guerras. Ela também
possibilitou a Roma reconquistar a Península Ibérica. Já a Terceira Guerra Pú-
nica consistiu na invasão e na destruição da cidade de Cartago pelos romanos.
A cidade foi incendiada, e os sobreviventes, escravizados (GARRAFFONI, 2006).
Porém, nem todas as conquistas efetuadas pelos romanos foram feitas
por meio de conflitos e guerras. Muitas se deveram a alianças com os povos
vizinhos, permitindo o domínio de toda a Península Itálica, em um primeiro
momento. Veja:

Roma foi uma cidade que expandiu seu poder ao ponto de se tornar um
grande Império, com sua territorialidade presente por séculos em boa parte
da Europa Ocidental, além do norte da África e parte da Ásia. Suas táticas
de territorialização iam desde o inicial domínio militar até a utilização
das políticas de romanização, onde incluímos a introdução dos costumes
romanos como a religião, as tradições, numa clara tentativa de transfor-
mação dos povos sob o domínio de Roma em romanos. Entre essas táticas
existentes destacamos em nossos estudos a padronização da arquitetura e
o planejamento urbanístico das cidades construídas ou reconstruídas por
Roma (FREITAS, 2009, p. 61).

De acordo com Funari (2002), os povos conquistados recebiam um trata-


mento muito diversificado, que dependia da sua posição em relação ao poder
romano. Aqueles que se aliavam ao romanos recebiam direitos totais ou parciais
de cidadania. Por sua vez, aqueles que não cediam eram subjugados; boa parte
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deles era vendida como escrava, enquanto outros davam ao Estado romano
rendas significativas em impostos e tributos.
Considere o que afirma Funari (2002, documento on-line):

Na prática, a aliança com Roma significava o fornecimento de forças militares,


chamadas auxiliares, a aceitação da hegemonia política romana, mas também
permitia um grau, bastante variável, de integração com o Estado romano. Os
subjugados eram massacrados ou escravizados e suas terras eram tomadas
e divididas entre os romanos e seus aliados. O método de tratar de maneiras
diferentes os povos vencidos era eficaz e favorecia o domínio romano, pois
dificultava as uniões entre os derrotados e suas revoltas contra Roma. Alguns
povos aliados recebiam todos os direitos dos cidadãos romanos incluindo o
de voto, ainda que este fosse pouco importante, já que as assembleias eram
dominadas pela nobreza e porque o voto exigia a presença física em Roma.
Outros povos recebiam somente alguns direitos que não o de votar. Com outros
ainda, mais numerosos, Roma selava sua aliança permitindo-lhes manter seus
próprios magistrados e leis tradicionais, mas submetendo-os à tutela romana
e exigindo que fornecessem a Roma todas as tropas que esta requisitasse.
Também com o intuito de prevenir revoltas, os romanos construíram estra-
das por toda a Itália, o que lhes permitia o deslocamento rápido de tropas,
e fundaram numerosas colônias sobre o território dos povos aliados. Estas
colônias eram habitadas por cidadãos romanos vindos da cidade de Roma,
soldados camponeses, que tomavam conta da região, garantiam sua fidelidade
aos romanos e recebiam lotes de terras confiscados dos antigos habitantes.

Esse ímpeto expansionista, bem como a rede de acordos e alianças entre os


romanos e os povos conquistados, fortaleceu sobremaneira o exército romano,
que se tornou uma instituição essencial. De acordo com Mendes (2007), no
final do período republicano, os generais transformavam as suas legiões em
instrumentos de poder. Por sua vez, os imperadores de Roma utilizaram essa
prática a seu favor: eles se tornaram chefes absolutos do exército e buscaram
assegurar a disciplina, o abastecimento, as recompensas dos soldados, etc.
Além disso, havia a necessidade de policiar os mares e afastar a ameaça dos
piratas. Isso causou a institucionalização da marinha, composta por duas
frotas. Os trabalhadores eram recrutados entre os libertos e os peregrinos, a
quem era pago um soldo menor do que o dos soldados.
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O exército romano era profissional e permanente. Ele era formado pela população de
todo o Império. Isso incluía todos os cidadãos da Itália e das províncias, assim como
aqueles que não possuíam cidadania romana. Assim, a submissão do exército significava
a submissão de todos os habitantes do Império ao imperador (MENDES, 2007).

A expansão e as conquistas de Roma levaram a uma grande transformação


da sociedade. Depois de conquistar toda a Península Itálica, a partir do século
III a.C., o Império Romano partiu para fora da Itália. Assim, a sociedade
camponesa começou a se modificar mais rapidamente. Por sua vez, as guerras
passaram a produzir lucros significativos, principalmente devido à captura e
à venda dos inimigos, transformados em escravos e utilizados como mão de
obra (FUNARI, 2002).
Após a conquista de Cartago, Roma conquistou a Sicília, o norte da África,
a Península Ibérica e os reinos helenísticos. No século I a.C., foram conquis-
tados os territórios da Ásia Menor, o Egito e a Gália. O Império atinge o seu
apogeu no século II d.C. Assim:

com as conquistas romanas, muitos povos diferentes acabaram dominados


pelo Império: os hebreus, no Oriente Médio, os bretões, na região da atual
Inglaterra, os gauleses, onde hoje é a França, os egípcios, os gregos e muitos
outros povos. Uns viviam próximos à cidade de Roma, outros em regiões bem
distantes. Alguns desses povos [...] foram submetidos aos romanos, obrigados
a trabalhar e lutar por seus dominadores, enquanto outros foram incorporados
devendo apenas pagar tributos (FUNARI, 2002, documento on-line).

Como Roma administrava toda essa extensão territorial? De acordo com


Funari (2002, documento on-line), a burocracia administrativa era bastante
complexa:
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Nos primeiros séculos, ainda da Itália, os romanos estabeleciam tratados


com diversos povos e assentavam cidadãos romanos em colônias. Quando, a
partir do final do século III a.C., conquistaram terras fora da Península Itálica,
criaram-se as províncias. No início do Império, no século I a.C., havia dois
tipos de províncias: as senatoriais, com governadores apontados pelo Senado
e sem tropas, e as imperiais, com administradores militares indicados pelo
imperador. As províncias imperiais, com tropas romanas, estavam em áreas
de fronteira ou ainda não pacificadas. Cada província tinha uma capital, onde
o governador era também assistido por um conselho provincial, formado pela
elite dos romanos da região, e por funcionários administrativos, em geral
libertos imperiais. Cada província era dividida em regiões administrativas,
cada uma com uma capital, o que facilitava principalmente a cobrança de
impostos, a manutenção das estradas, dos aquedutos e da administração
em geral. Na base, estavam as cidades, cada uma com grande autonomia na
gestão de seus assuntos, com constituição própria, câmaras municipais (ordo
decurionum) e magistrados locais (duúnviros).

Para além dessa estrutura administrativa e burocrática, o exército também


desempenhou papel central na garantia dos domínios romanos. De acordo
com Funari (2002), o exército possuía como função primordial reprimir as
dissidências internas, mais do que defender o Império de ataques externos.

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A formação da Roma Antiga 13

Leituras recomendadas
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