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CONTRATOS DE DISTRIBUIÇÃO

CASO N.º 14
Aníbal andou de farmácia em farmácia, na zona centro do país, durante 5 anos, a
promover a venda dos produtos cosméticos da prestigiada marca “Beauty for ever”,
da sociedade com o mesmo nome (BFE – Beauty for ever, S.A.). A rotina era sempre
a mesma, definida por um manual de procedimentos extremamente detalhado,
preparado pela BFE. De acordo com tal manual, distribuído a cada distribuidor no
início da sua colaboração com a BFE, os distribuidores deviam limitar-se a explicar
aos donos das farmácias as maravilhas operadas por cada um dos produtos
constantes do catálogo, o quão fácil é vendê-los a senhoras descontentes com o peso
da idade e o quão rentáveis são, dada a diferença entre o preço de aquisição e o
preço de venda ao público. Do manual constavam instruções específicas quanto a
encomendas e pagamentos: não podiam “aceitar” encomendas ou pagamentos, mas
apenas “transmitir” internamente os pedidos dos clientes, a processar pelo
departamento operacional. Do manual constavam ainda regras claras quanto à
apresentação: fato cinzento e gravata sóbria, sapatos engraxados, cabelo curto e
penteado, “sem modernices”; não podiam usar brincos, piercings ou outros adereços
que desvirtuassem a imagem que se pretendia sóbria. Deviam apresentar-se com um
cartão de visita da empresa e não podiam usar, nos seus contactos com os clientes,
outro endereço de e-mail que não o da empresa.
Do contrato assinado por Aníbal em 2016 constava (i) um prazo de 2 anos; (ii) um
direito de exclusivo na zona centro do país, (iii) que a sua remuneração se resumiria
à comissão de 7,5% do preço de cada produto vendido pela BFE às farmácias
contactadas por Aníbal, incluindo esta comissão a compensação pela clientela criada
pelo que, findo o contrato, nada mais terá a haver da BFE; e (iv) uma obrigação de
não concorrência por um prazo de 5 anos após a cessação do contrato.

Em janeiro de 2019, Aníbal conheceu Carlota que tem a mania que é rebelde e
rapidamente fez dele “gato-sapato” e, em fevereiro, fez várias tatuagens e adotou
um penteado “radical” para demonstrar que estava à altura do desafio. Os donos das
farmácias com quem contactava diariamente começaram a olhá-lo com desconfiança.
Entretanto, Carlota convenceu Aníbal a promover junto das farmácias, juntamente
com os produtos da BFE, umas “ervas medicinais”, por si plantadas, que, segundo a
mesma, sendo misturadas com chá, produziam um efeito rejuvenescedor imediato.
Alguns farmacêuticos compraram as ervas que rapidamente demonstraram ser um
sucesso entre as senhoras de idade que, diziam, as faziam sentir mais jovens do que
algum dia foram. Descobriu-se em junho que, entre tais ervas, havia canabis com
fartura...

1. Em julho de 2019, a BFE escreveu a Aníbal, pondo fim imediato ao


contrato. Aníbal, incrédulo, disse que a BFE não tinha fundamento para isso:
queria continuar a trabalhar e a receber as comissões a que tinha direito.

2. Segundo Aníbal, mesmo que o contrato ficasse sem efeito, ele teria de
ser compensado pela clientela que criou. Afinal de contas, a BFE continuaria a
receber os proveitos do seu trabalho por muitos e bons anos: as farmácias que
ele “mimou” ao longo de anos continuariam a fazer encomendas sobre
encomendas...
3. O advogado de Aníbal sustentou ainda que este deveria reclamar à BFE
a comissão contratualmente prevista por cada produto vendido por esta às
farmácias do centro do país através da loja online criada em 2013.

4. Em agosto de 2019, a BFE reclamou um pagamento em atraso à


Deolinda Farmácia da Mouraria, Lda. Esta afirmou que já pagou a Aníbal em
maio desse ano, pelo que nada deve à BFE.

5. Na sua carta de resposta, a Deolinda Farmácia da Mouraria, Lda.


reclamou ainda uma compensação pelo facto de a BFE não ter entregado os
produtos por si encomendados 4 meses antes e que Aníbal garantiu que
seriam entregues no mês seguinte.

6. Entretanto, em setembro de 2019, Aníbal decidiu montar o seu próprio


negócio, aproveitando um contacto da ECB - Empresa Cosmética Brasileira,
S.A. que queria introduzir os seus produtos no mercado português,
aproveitando os contactos que Aníbal tinha nas farmácias do centro do país.
Para o efeito, Aníbal deveria comprar os produtos à ECB e depois revendêlos
pelas farmácias. Usaria para o efeito as marcas, os materiais publicitários e as
amostras da ECB. Aníbal não sabia se podia: lembra-se de uma qualquer
obrigação de não concorrência no contrato com a BFE e ligou ao seu
advogado a perguntar.

7. As coisas correram bem entre a ECB e Aníbal durante pouco mais de


um ano. No final de outubro passado, a ECB enviou uma carta a Aníbal
denunciando o contrato com uma antecedência de 10 dias. Aníbal está
novamente incrédulo: fez investimentos avultadíssimos na promoção dos
produtos da ECB e na constituição de stocks, de acordo com o plano de
negócios desenhado em conjunto com a ECB.

8. Carlota, quando percebeu que Aníbal não teria onde cair morto, logo o
trocou por Fausto, jovem empresário de sucesso que pretende abrir um
restaurante igualzinho aos H4 que estão já espalhados por Lisboa e não sabe
que contrato deve celebrar para o efeito.

CONTRATOS DE ORGANIZAÇÃO

CASO N.º 15
João Baralhado (JB) é um famoso investidor da Banca Portuguesa e fundador de uma
instituição mui especial sem fins lucrativos, designada Fundação “Moimême”
(FMM). Em janeiro, a FMM decidiu construir um magnífico pavilhão de exposição
de arte bizantina para dar a conhecer a coleção pessoal do seu fundador tendo vindo
a adjudicar a obra a “CCC – Consórcio Constrói e Cai”.
O CCC é composto pelas sociedades Cimentos Forte, Lda., Pedra e Cal, S.A., Edifica,
S.A. e pelo próprio JB. No contrato de consórcio, entre outros aspetos, vinha
estipulado o seguinte:
«1 –As partes procederão, em comum, à construção do pavilhão, ficando cada uma
delas responsável pelas seguintes tarefas:
a) à Cimentos Forte, Lda., caberá a construção de toda a estrutura do edifício,
orçamentada em € 1.500.000,00;
b) à Pedra e Cal, S.A. caberá a realização de todos os trabalhos de alvenaria,
orçamentados em € 1.000.000,00;
c) a Edifica, S.A. procederá à cobertura do telhado, à montagem de equipamentos,
e à finalização da obra, trabalhos orçamentados em € 500.000,00;
d) ao consorciado JB caberá contribuir com dinheiro equivalente a 10% do valor
total da empreitada que constituirá um fundo de maneio próprio do consórcio.
2 – Fica designado o consorciado JB como “Chefe do Consórcio”.

3 – As partes conferem os necessários poderes ao Chefe do Consórcio para em seu


nome e representação realizar todos os atos materiais e jurídicos necessários ou
convenientes ao desenvolvimento do Projeto, incluindo a negociação do contrato de
empreitada, a sua celebração e eventual modificação.
4 – O preço da empreitada, no valor global de € 3.000.000,00, será dividido do
seguinte modo: 75% para as sociedades construtores, na proporção da sua
participação no empreendimento; 25% para o JB. Os custos serão suportados na
mesma proporção.»

O contrato de empreitada foi outorgado em 25 de Janeiro de 2021 pela Fundação e


pelo JB, tendo sido estipulado um prazo de 6 meses para a conclusão da obra. Em
caso de atraso, ficou estipulada uma cláusula penal equivalente a € 2.500,00/dia.
Para a construção da estrutura do edifício, a Cimentos Forte, Lda. subcontratou a
Moreira e Carvalho, Lda.. O preço do contrato de subempreitada nunca foi pago.
Durante a obra, morreu um trabalhador da Pedra e Cal, S.A. num acidente de
trabalho grave, cuja causa parece estar associada à violação de normas básicas de
segurança.
1 – Como qualifica o contrato celebrado entre Cimentos Forte, Lda., Pedra e Cal,
S.A., Edifica, S.A. e JB? Quais as partes do contrato de empreitada celebrado entre a
FMM e o CCC?
2 – A sociedade Moreira e Carvalho, Lda. moveu uma acção de
responsabilidade civil contratual contra JB exigindo-lhe o pagamento dos valores
acordados com Cimentos Forte, Lda. entendendo que, tratando-se de uma
subempreitada para a realização de uma obra do CCC, os membros do consórcio
seriam solidariamente responsáveis pelas obrigações assumidas. Os familiares do
trabalhador da Pedra e Cal, S.A. que morreu na obra seguiram-lhe o exemplo. Quid
juris?
3 – Oito meses após o início da obra, o pavilhão não estava ainda concluído mas
o preço da empreitada já estava todo pago. Poderia a FMM exigir à Pedra e Cal, S.A. a
totalidade do valor devido a cláusula penal?
4 – Estava a administração da Pedra e Cal, S.A. a discutir com a FMM o
diferendo supra referido, quando a FMM recebeu uma comunicação da Cimentos
Forte, Lda. solicitando o pagamento de € 1.500.000,00 devidos pela construção da
estrutura, conforme o descrito no orçamento de obra. A FMM respondeu dizendo
que já tinha pago a totalidade do empreendimento ao JP e que, sendo este Chefe do
Consórcio, só ele podia solicitar algum eventual valor em falta. Quid juris?
5 – Tendo em conta a conduta da Cimentos Forte, Lda. e a forte suspeita de que
a morte do trabalhador da Pedra e Cal, S.A. se ficou a dever pela violação, pela parte
desta, dos mais elementares deveres de segurança, a Edifica, S.A. pretende
abandonar o consórcio e ainda ser ressarcido pelos danos causados à sua imagem e
bom nome, causados pelo facto de ser conhecido no mercado a sua pretença ao CCC
e, logo, a sua participação em tão nefasto empreendimento... Quid iuris?

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