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Aula Prática de Direito Comercial de 23NOV

CONTRATOS DE DISTRIBUIÇÃO

CASO N.º 14
Aníbal andou de farmácia em farmácia, na zona centro do país, durante 5 anos, a promover a
venda dos produtos cosméticos da prestigiada marca “Beauty for ever”, da sociedade com o
mesmo nome (BFE – Beauty for ever, S.A.). A rotina era sempre a mesma, definida por um
manual de procedimentos extremamente detalhado, preparado pela BFE. De acordo com tal
manual, distribuído a cada distribuidor no início da sua colaboração com a BFE, os
distribuidores deviam limitar-se a explicar aos donos das farmácias as maravilhas operadas por
cada um dos produtos constantes do catálogo, o quão fácil é vendê-los a senhoras
descontentes com o peso da idade e o quão rentáveis são dada a diferença entre o preço de
aquisição e o preço de venda ao público. Do manual constavam instruções específicas quanto a
encomendas e pagamentos: não podiam “aceitar” encomendas ou pagamentos, mas apenas
“transmitir” internamente os pedidos dos clientes, a processar pelo departamento
operacional. Do manual constavam ainda regras claras quanto à apresentação: fato cinzento e
gravata sóbria, sapatos engraxados, cabelo curto e penteado, “sem modernices”; não podiam
usar brincos, piercings ou outros adereços que desvirtuassem a imagem que se pretendia
sóbria. Deviam apresentar-se com um cartão de visita da empresa e não podiam usar, nos seus
contactos com os clientes, outro endereço de e-mail que não o da empresa.
Do contrato assinado por Aníbal em 2016 constava (i) um prazo de 2 anos; (ii) um direito de
exclusivo na zona centro do país, (iii) que a sua remuneração se resumiria à comissão de 7,5%
do preço de cada produto vendido pela BFE às farmácias contactadas por Aníbal, incluindo
esta comissão a compensação pela clientela criada pelo que, findo o contrato, nada mais terá a
ver da BFE; e (iv) uma obrigação de não concorrência por um prazo de 5 anos após a cessação
do contrato.
Em janeiro de 2019, Aníbal conheceu Carlota que tem a mania que é rebelde e rapidamente
fez dele “gato-sapato” e, em fevereiro, fez várias tatuagens e adotou um penteado “radical”
para demonstrar que estava à altura do desafio. Os donos das farmácias com quem contactava
diariamente começaram a olhá-lo com desconfiança.
Entretanto, Carlota convenceu Aníbal a promover junto das farmácias, juntamente com os
produtos da BFE, umas “ervas medicinais”, por si plantadas, que, segundo a mesma, sendo
misturadas com chá, produziam um efeito rejuvenescedor imediato. Alguns farmacêuticos
compraram as ervas que rapidamente demonstraram ser um sucesso entre as senhoras de
idade que, diziam, as faziam sentir mais jovens do que algum dia foram. Descobriu-se em
junho que, entre tais ervas, havia canabis com fartura...

1. Em julho de 2019, a BFE escreveu a Aníbal, pondo fim imediato ao contrato. Aníbal,
incrédulo, disse que a BFE não tinha fundamento para isso: queria continuar a
trabalhar e a receber as comissões a que tinha direito.

Estamos perante um contrato de agência

Artigo 1.º
(Noção)
Agência é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a
celebração de contratos em certa zona ou determinado círculo de clientes, de modo
autónomo e estável e mediante retribuição. Segundo o professor António Monteiro é um
contrato em o agente tem de ter autonomia, tem de ser alguém autónomo, no entanto essa
autonomia não é absoluta porque o agente tem de se conformar com orientações do principal.
Tem de se adequar á política económica da empresa, prestar contas da sua atividade ao
principal. Um contrato de agência pode evoluir e mais tarde tornar-se num contrato de
trabalho.
Os fundamentos para a cessação do contrato estão elencados:
Cessação do contrato
Artigo 24.º
(Formas de cessação)
O contrato de agência pode cessar por:
a) Acordo das partes;
b) Caducidade;
c) Denúncia;
d) Resolução.
Se for por resolução está previsto
Artigo 30.º
(Resolução)
O contrato de agência pode ser resolvido por qualquer das partes:
a) Se a outra parte faltar ao cumprimento das suas obrigações, quando, pela sua gravidade ou
reiteração, não seja exigível a subsistência do vínculo contratual;
b) Se ocorrerem circunstâncias que tornem impossível ou prejudiquem gravemente a
realização do fim contratual, em termos de não ser exigível que o contrato se mantenha até
expirar o prazo convencionado ou imposto em caso de denúncia.
Artigo 32.º
(Indemnização)
1 - Independentemente do direito de resolver o contrato, qualquer das partes tem o direito de
ser indemnizada, nos termos gerais, pelos danos resultantes do não cumprimento das
obrigações da outra, que decorre do art.º 798 do CC.

O caso apenas diz que quer colocar fim ao contrato, mas não apresenta nenhum motivo
justificativo, o que nos leva a crer que ele terá denunciado o contrato. Ainda que fosse um
contrato com duração determinada tornou-se num contrato de duração indeterminada.
Porque manteve-se em vigor após o termo do prazo inicial acordado.

Artigo 27.º
(Duração do contrato)
2 - Considera-se renovado por tempo indeterminado o contrato que continue a ser cumprido
pelas partes após o decurso do prazo.

O art.º 28 nos diz quais os períodos a respeitar no aviso prévio no caso de denúncia do
contrato, a denúncia é imotivada, não tem de existir um justificativo, para se cessar o vínculo.

Artigo 28.º
(Denúncia)
1 - A denúncia só é permitida nos contratos celebrados por tempo indeterminado e desde que
comunicada ao outro contraente, por escrito, com a antecedência mínima seguinte:
a) 30 dias, se o contrato durar há menos de seis meses;
b) 60 dias, se o contrato durar há menos de um ano;
c) De três a doze meses, se o contrato durar há mais de um ano, conforme a sua importância,
as expectativas das partes e as demais circunstâncias do caso
2- O prazo a que se refere o número anterior termina no fim do mês civil.
4- No caso previsto no n.º 2 do art.º 27, ter-se-á igualmente ame conta, para determinar a
antecedência com que a denúncia deve ser comunicada, o tempo anterior do decurso do
prazo.

Ou era denúncia, ou havendo motivo para a resolução do contrato por esse incumprimento
culposo do próprio agente.

Quando se resolve um contrato de agência, por motivo justificativo e depois chegamos à


conclusão de que esse motivo justificativo não existia, não há resolução neste caso e então
transforma-se a resolução numa denúncia. A resolução é injustificava, invalidade, ineficaz há
então uma denúncia, houve o respeito do prazo de aviso prévio, há uma obrigação de
indemnizar (art.º 32) pela falta de esse pré-aviso.

2. Segundo Aníbal, mesmo que o contrato ficasse sem efeito, ele teria de ser
compensado pela clientela que criou. Afinal de contas, a BFE continuaria a receber os
proveitos do seu trabalho por muitos e bons anos: as farmácias que ele “mimou” ao
longo de anos continuariam a fazer encomendas sobre encomendas...

Não é um verdadeira indeminização, não há um dano, além de que não há danos, não há
ilicitude, não há os pressuposto típicos da responsabilidade civil, para poder falar aqui
obviamente de uma indemnização técnico jurídico.

O professor Januário da Costa não concorda com a tese de retribuição deferida, nem com
a tese do enriquecimento sem causa, uma vez que, a primeira parte do art. º33/3 acaba
por impedir na opinião do professor Januária qualquer uma dessas reconduções.
Naturalmente que se não fosse o art.º 33/3, o professor veria nesta indemnização de
clientela uma manifestação com eficácia pós contratual, da retribuição do próprio agente
nos termos balizados, pelo diploma.

Indemnização da clientela do sentido e do alcance.

Os pressupostos do art.º 33/1 (indemnização de clientela são cumulativos), no fundo é


uma compensação a que o agente vai ter direito, desde que verificados cumulativamente
estes requisitos.

Saber se havia aqui uma possibilidade de renúncia, antecipada desde direito, porque no
enunciado do caso prático se refere que a sua remuneração se resumiria à comissão de
7,5% do preço de cada produto vendido pela BFE às farmácias contactadas por Aníbal,
incluindo esta comissão a compensação pela clientela criada pelo que, findo o contrato,
nada mais terá a haver da BFE.

O que se quer afastar aqui a indemnização de clientela e será que se pode renunciar
antecipadamente a este direito?

Renúncia antecipada à indemnização da clientela, o professor Pinto Monteiro nega a


possibilidade, pelo art.º 809 do CC, mas aplicando-o em todos os restantes casos, e ainda
nos diz que o art.º 33 é uma norma imperativa e não pode ser afastada pela vontade das
partes. Neste caso o art.º 809 aplica-se só em casos muito específicos, e neste caso só
pode ser aplicada analogicamente. Contudo o professor admite porém o acordo prévio
desde que seja feito em termos razoáveis, e que nesse acordo prévio fique lá explicitado
qual o montante devido pela indemnização de clientela, desde que se verifique estes
requisitos. Ou seja, pode estabelecer-se previamente a indemnização de clientela fixando
um valor razoável, no inicio do contrato quando o contrato cessar.

É devida a indemnização de clientela?

Porque ele tinha dado azo à resolução do contrato, o art.º33/3 diz-nos que não é devida
indemnização de clientela se o contrato tiver cessado por razões imputáveis ao agente, ou
se este, por acordo com a outra parte(principal), houver cedido a terceiros a sua posição
contratual.

No entanto há uma extinção deste direito:

Extingue-se o direito à indemnização se o agente ou os seus herdeiros não comunicarem


ao principal, no prazo de um ano, a contar da cessação do contrato, que pretendem
recebe-la, devendo a ação judicial ser proposta dentro do ano subsequente a esta
comunicação.

O professor januário costa Gomes diz é que deve ser feito uma interpretação restritiva
deste preceito, nos termos seguintes: só não é devido indemnização de cliente se esta
razão imputável ao agente for derivada do art.º 30/a, ou seja, se o agente faltar ao
cumprimento das suas obrigações de tal forma gravosa ou reiterada, que não leve o
principal tenha de manter o vinculo contratual com ele.

Da natureza jurídica da indemnização da clientela. O professor Meneses Leitão apresenta duas


tese relativamente a isto, a tese do enriquecimento sem causa, e a tese da retribuição
deferida, a tese do enriquecimento sem causa o professor entende que esta tese não pode ser
aceite devido ao preceito do art.º 33/3, porque se o incumprimento for imputável ao agente, a
indemnização de clientela não é devida, e aqui estaríamos perante um caso de enriquecimento
por intervenção, pois o agente efetua uma prestação principal que gera benefícios
patrimoniais duradores para o principal e que se podem perlongar para além da extinção do
contrato. Na tese da retribuição deferida o agente com a emissão de clientela acaba por ter
uma retribuição deferida por ele é emitida já após a extinção do contrato. O professor Januário
entende que esta invocação do art.º 33/3 não é fundamento para nenhuma das teses em
apreço, a natureza jurídica da indemnização da clientela é uma retribuição deferida tabelada, e
refere que este instituto da indemnização da clientela é um instituto típico dos contratos de
distribuição.

Ver: Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 6/2019 STB em 4 de novembro de 2019.

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