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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ

PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da __ Vara Cível desta Comarca.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO

PARANÁ, por sua Promotora de Justiça em exercício na Promotoria de Justiça de Defesa da

Saúde Pública, com endereço na Rua Marechal Floriano Peixoto, n.º 1.251, nesta Capital,
com fulcro no artigo 129 da Constituição Federal, nos artigos 159, 962, 1537 e seu inciso I,

1538, 1539 e 1544, do Código Civil, artigo 282 e seguintes do Código de Processo Civil, e

demais disposições pertinentes adiante aludidas, vem propor

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE ATO ILÍCITO

em benefício de HIAGO AUGUSTO MANGINI,

brasileiro, solteiro, menor impúbere, representado por sua mãe SANDRA REGINA ALVES

DOS SANTOS, brasileira, solteira, portadora da Cédula de Identidade/RG n.º4.537.474-2

SSP/PR, residentes e domiciliados na Rua Victor Benato n.º 170, Pilarzinho, Curitiba,

Paraná,

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em face do

HOSPITAL E MATERNIDADE ERASMO DE

ROTERDAM LTDA, pessoa jurídica de direito privado, C.G.C.: 01.367.501/0001-73, com

sede nesta capital, na Rua Mateus Leme, 2600, Bom Retiro,

e da

ASSOCIAÇÃO HOSPITALAR DE PROTEÇÃO À

INFÂNCIA DR. RAUL CARNEIRO (Hospital Infantil Pequeno Príncipe), C.G.C.M.F. nº

76.591.569/0001-30, com sede nesta capital, na rua Desembargador Motta, 1070, Rebouças,

pela razões a seguir enumeradas:

I - Legitimidade do Ministério Público como Substituto Processual

Reza o Código de Processo Penal que "a ação para


ressarcimento do dano poderá ser proposta no juízo cível, contra o autor do crime e, se for o

caso, contra o responsável civil" (art. 64), aduzindo a mesma carta, mais adiante que, se "o

titular do direito à reparação do dano for pobre... a ação cível será promovida, a seu

requerimento, pelo Ministério Público" (art. 68).

Consoante recente julgado do STF:

“o Ministério Público continua parte legítima para

promover, em juízo, a reparação do dano de que trata o

art. 68 do CPP [‘Quando o titular do direito à reparação

do dano for pobre (art. 32, §§ 1.º e 2.º), a execução da

sentença condenatória (art. 63) ou a ação civil (art. 64)

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será promovida, a seu requerimento, pelo Ministério

Público.’], até que se viabilize, em cada Estado, a

implementação da Defensoria Pública, nos termos do art.

134, parágrafo único, da CF. Com esse entendimento a

Turma negou provimento a agravo regimental interposto

pelo Estado de São Paulo, no qual se pretendia o

reconhecimento da competência da Procuradoria da

Assistência Judiciária da Procuradoria - Geral do Estado

de São Paulo para prestar os serviços da Defensoria

Pública do mencionado Estado. Precedentes citados:

REED 147.776-SP (DJU de 28.05.99) e RE 135.328-SP

(julgado em 26.09.94, acórdão pendente de publicação).

No caso vertente, o parquet atua amparado por solicitação


da parte (fls. 366/367 do PA n.º 03/96), colimando alcançar a reparação do dano sofrido em

decorrência de ato ilícito, conforme adiante se verá.

A par disso, é o beneficiário pobre, na acepção jurídica do

vocábulo, de acordo com suas declarações v. (doc. fls. 367/368 do PA. n.º 03/96), pelo que se

requer, sejam-lhe deferidos os benefícios da Justiça Gratuita.

II - Da Materialidade, Autoria e Responsabilidade pelo Fato Danoso

Em 15 de maio de 1995, no Hospital Saint Claire (atual

Hospital Erasmo de Roterdam), a Srª. Sandra Regina Alves dos Santos, deu à luz

prematuramente a Hiago Augusto Mangini, o qual foi encaminhado imediatamente à

incubadora, onde permaneceu por 10 (dez) dias.

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O parto foi realizado por cesárea, pela Dra. Márcia C.

Mantovani, não apresentando nenhuma complicação, o bebê nasceu bem, com boa vitalidade,

apesar da prematuridade. Entretanto, conforme relato do técnico indicado pela Secretaria do

Estado da Saúde, através da análise dos documentos integrantes do P.A. 03/96, às fls. 240:

“não existe clareza quanto a presença de pediatra na sala de parto, no momento do

nascimento, fator extremamente importante em se tratando de um feto pélvico, prematuro e

sem diagnóstico da causa da prematuridade” (grifo nosso), não sendo claro, inclusive, “quem

avaliou esta criança nos primeiros minutos de vida e lhe prestou assistência”, bem como, “O

recém nato deveria ser considerado de médio risco, necessitando de um atendimento com

pessoal e equipamentos para tal, fato não observado nos relatórios”(grifo nosso).

Nas primeiras 12 horas de vida, o bebê ficou sob os

cuidados do médico Dr. Ricardo Carlini, sendo posteriormente substituído pelo pediatra

Dorivan Celso Nogueira, durante a primeira semana e, em seguida, pela Dra. Tânia Schinzel.

Devido à precocidade de Hiago, este foi colocado na


incubadora onde recebeu soro e, conforme aponta o Dr. Ricardo Carlini (fls. 164), “foi posto

sob o oxigênio na proporção de 3 litros por minuto (46v)”(grifo nosso), chegando à

saturação do oxigênio administrado em 96%. Não foram solicitados exames para a

investigação de causas desencadeantes da prematuridade, como as infecções congênitas,

que poderiam influenciar nas medidas terapêuticas a serem adotadas.

Foi constatado, através dos exames solicitados logo após o

nascimento, que Hiago, demonstrava desequilíbrio metabólico, uma baixa pressão e saturação

do oxigênio arterial: acidose metabólica, hipocalcemia, PO2=25mmHg (desejável entre 60 a

90mmHg) e saturação de O2=32,5% (desejável entre 90 a 97%).

O quadro de Hipóxia, apresentado nos exames, indicaria a

necessidade de uma monitorização criteriosa da saturação do Oxigênio e um

acompanhamento rigoroso do estado geral do paciente e do equilíbrio hidroeletrolítico. A

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manutenção da baixa oxigenação indicada exigiria uma avaliação do método utilizado,

havendo, talvez, a indicação de ventilação assistida, porém, tal avaliação não está

demonstrada nos dados apresentados, pois só existem pedidos de exames de controle, cinco

dias após os primeiros sintomas, quando o quadro clínico do neonato se agravou

consideravelmente. Nesta ocasião, havia piora do bebê quanto à acidose metabólica,

hipocalcemia e manutenção da baixa PO2 e saturação de Oxigênio (Ph=7.07, BE=-19.53,

Calcio=7.6 mg/dl; Po2=29.,2 mmHg; Sat. O2= = 32,65%). Acrescente-se que há relatos de

icterícia a partir do oitavo dia, sem que hajam exames para avaliar a necessidade de

tratamento ou não deste problema (Laudo fls. 239/242).

Relata o médico Dr. Dorivan (fls. 214/215) que, a partir

do segundo dia de nascido, o bebê passou a se alimentar por sonda e no terceiro dia, passou a

apresentar estase, ou seja, demora do esvaziamento gástrico. No quinto dia, o recém nascido

apresentou um quadro sugestivo de infecção (“foram administrados antibióticos em Hiago,

pois a suspeita era mesmo de infecção”), caracterizado por palidez, hipo-atividade, e acidose
metabólica, fato que, conforme afirmação inserta no relatório do referido especialista da

SESA (fls. 239/242), em face dos sinais descritos nos exames clínicos, a partir do quinto dia

de vida, fala em favor da infecção hospitalar.

Nas primeiras horas de atendimento de Hiago, pela Dra.

Tânia Mara Schinzel, em substituição ao Dr. Dorivan Celso Nogueira, ele foi acometido por

uma parada respiratória (apnéia), sendo que antes dessa intercorrência, Hiago estava numa

incubadora, conforme afirma a própria médica (fls. 216/217), “com 34º de temperatura e

oxigênio a 5 litros por minuto” (grifo nosso).

Após a apnéia, a médica fez um exame de sangue no

paciente, resolvendo pô-lo numa campânula, com oxigênio à razão de 3 litros por minuto,

reduzindo posteriormente para 2 litros por minuto, contradizendo a informação prestada

pelo Dr. Ricardo Carlini, às fls. 164, de que o bebê “foi posto sob o oxigênio na

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proporção de 3 (três) litros por minuto (46 v)” e pelo Dr. Dorivan (fls. 214), de que a

medida de oxigênio fornecida era “de 2 (dois) a 3 (três) litros por minuto”.

Segundo a doutrina médica - “Oftalmologia Pediátrica”,

L.B. Nelson, vol.4/1993 - a retinopatia da prematuridade (RDP):

“é um distúrbio dos vasos sangüíneos retinianos em

desenvolvimento, observada em neonatos extremamente

prematuros. (...) Nas décadas de 40 e 50, Silverman

calculou que, durante 10 anos, cerca de 1.000 neonatos

desenvolveram anualmente cegueira devida à RDP.

Depois que foi demonstrada, por uma experiência clínica

ao acaso, a relação entre a RDP e a administração

prolongada de oxigênio (oxigênio a mais de 50% durante

28 dias) a neonatos que não tinham doença pulmonar ou


apresentavam apnéia da prematuridade, o uso de oxigênio

foi severamente restringido e, em meados da década de

50, a doença quase desapareceu.(...)”

Quando da crise de apnéia, recorda a Dra. Tânia que

tentou providenciar a remoção da criança para uma UTI neonatal, só conseguindo dois dias

após, para o Hospital Pequeno Príncipe. Faz-se necessário ressaltar que o Hospital Erasmo de

Roterdam, à época dos fatos, não possuía ar comprimido, nem oxímetro cutâneo, o qual

mede a quantidade de oxigênio recebido pelo paciente; bem como, percebe-se, pelo relato

de fls. 217, que o referido hospital, já teve problemas com a vigilância sanitária, exatamente

em razão de infecção hospitalar, mal que também acometeu Hiago.

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Note-se que, abstraindo qualquer discussão sobre a

necessidade ou não do oxigênio, em nenhum momento, não obstante todos os fatores de

risco apresentados e de conhecimento pleno dos médicos, houve qualquer tipo de avaliação

por parte de um Oftalmologista, necessidade inarredável, considerando que o

acompanhamento constante e a constatação prematura de algum tipo de lesão na córnea,

causada ou não pelo oxigênio, tornam esse tipo de problema reversível, ou seja, a presença

desse profissional (Oftalmologista), poderia ter evitado e, em não evitando, poderia ter

revertido o quadro hoje apresentado por Hiago.

Em 25.05.1995, o bebê, então com 10 (dez) dias de vida

(aproximadamente uma semana e meia) foi transferido para o Hospital Pequeno Príncipe com

suspeita clínica de obstrução intestinal, sendo atendido pelos médicos Dr. Wilmar Mendonça

Guimarães (fls. 158/159) e Dra. Maria Izabel Fonseca Martins (fls. 151/152), os quais

afirmaram que a criança ao chegar ao hospital já apresentava sinais claros de infecção, bem

como, estava abaixo de seu peso normal (aproximadamente 320g) e desnutrido.


O pedido de internação do recém nascido foi

acompanhado, tão somente, por um bilhete (fls. 151) que, embora expressasse diversos dados

sobre a permanência do paciente na UTI, não indicava o tipo de parto, nem o APGAR

(consistente em uma nota dada ao recém nato sobre as condições de nascimento: respiração,

freqüência cardíaca, movimentos, cor etc.), informações estas de suma importância ao

atendimento do recém nascido. Ressaltou a Dra. Izabel que, em casos de bebês prematuros,

como de Hiago, faz-se necessário o uso de oxigênio, porém o seu excesso pode lesionar a

visão e a sua não administração nas crises de apnéia ou de cianose, pode levar à paralisia

cerebral. Informou, também, que o Hospital Pequeno Príncipe não utiliza saturação alta de

oxigênio (acima de 45%) para tratamento de recém nascidos, sendo que, à época, no Hospital

Saint Claire (Erasmo de Roterdam) a saturação administrada ao paciente era de 96%, bem

como, esclarece que, conforme fls. 22, não há indicação da presença dos profissionais

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necessários durante o parto prematuro - um pediatra, um obstetra e corpo da enfermagem

treinado em obstetrícia. Informa ainda que a infecção da qual Hiago foi acometido,

conforme consulta a seus registros, era grave, pois foi associado mais um antibiótico (Keflin)

aos que já eram ministrados.

O Dr. Wilmar, às fls. 158/159, afirma que o resultado do

exame Eletroencefalográfico não permite ter certeza sobre a existência de lesão cerebral na

criança, dependendo para tal, de outros exames e acompanhamento posterior, o que em

momento algum foi feito. O médico ratifica também que o excesso de oxigênio é agente que

contribui para a retinopatia. Esclarece que conforme histórico no Hospital Saint Claire

(Erasmo de Roterdam), o paciente apresentara apnéia, fato que não ocorreu no Hospital

Pequeno Príncipe, bem como a suspeita de obstrução intestinal não se comprovou em

concreto. O recém nascido teve alta da UTI com 32 dias de vida e da enfermaria com sessenta

dias.

Novamente se ressalta que, mesmo se sabendo que o uso


do oxigênio tem grande chance de causar cegueira, ainda que seja a escolha entre correr o

risco da cegueira em contra-ponto ao risco de perder a vida da criança, o monitoramento

constante, o acompanhamento por parte de um Oftalmologista, mostram-se como

cuidados imprescindíveis, já que, destaco, a escolha não fica entre CAUSAR a cegueira para

evitar a morte, ou CAUSAR a morte para evitar a cegueira. A escolha é, eventualmente, entre

correr o RISCO de causar a cegueira e o RISCO de perder a vida da criança. Sendo assim,

por ser um RISCO e não uma CERTEZA de dano, é que se exige a tomada de todas as

providências possíveis para evitar-se o mencionado dano. O risco de morte foi minimizado

pelo uso do oxigênio, mas o risco de cegueira não foi evitado pelo seu monitoramento

adequado, nem pelo acompanhamento da criança por um profissional de Oftalmologia,

a exemplo do ocorrido no Nosocômio anterior.

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Aos 3 (três) meses de idade, ao ser examinado pelo Dr.

Vicente Scheidt Polli (fls. 150), foi diagnosticado o comprometimento motor da criança,

sugestivo de paralisia cerebral, bem como, finalmente verificou-se a existência de sinais de

perda de visão, decorrentes de infecção generalizada, prematuridade e tratamento com

oxigenoterapia. Afirma ainda que, crianças que nascem prematuramente como Hiago (trinta

e duas semanas conforme o relato), possuem os pulmões imaturos, o que leva à necessidade

de tratamento com oxigênio em alta concentração, mas esta terapia deve ser feita buscando

um ponto de equilíbrio, pois o excesso de oxigênio pode causar cegueira e a deficiência na

sua oferta pode causar comprometimento cerebral, não tendo o médico “condições de

identificar ou informar uma outra causa da cegueira de Hiago que não fosse o excesso de

oxigênio”. Acrescenta ainda este médico que “atualmente, o quadro físico de Hiago é

irreversível”.

Há também que se acrescentar como importante fator

indutor da retinopatia e da debilidade mental, o quadro infeccioso adquirido por Hiago


durante seu internamento no Hospital Erasmo de Roterdam, conforme apontam os médicos

Dr. Vicente Polli (fls. 150), Dr. Dorivan Nogueira (fls. 214/215) e a Dra. Maria Izabel

(151/152), sendo que esta última ainda ressalta a severidade da infecção.

II - A Incidência da Responsabilidade Civil Hospitalar

A responsabilidade das casas de saúde e hospitais envolve,

evidentemente, um dever de incolumidade e assistência efetiva para os doentes internos em

suas dependências, respondendo a instituição pela omissão de serviços e diligências materiais

necessárias ao restabelecimento e à própria manutenção da vida destes enfermos.

Vê-se, no caso em tela, que o recém nascido desenvolveu

atraso global do desenvolvimento neuropsicomotor, bem como, quadro de Paralisia

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Cerebral, acompanhado de perda de visão, com diagnóstico de Retinopatia da

Prematuridade. Atribui-se tais seqüelas à falta de estrutura do Hospital Erasmo de

Roterdam, seja quanto ao excesso de oxigenação proporcionado ao paciente, seja quanto à

infecção hospitalar da qual foi acometido Hiago, além da falta de um acompanhamento

por médico Oftalmologista, tanto no hospital mencionado, quanto no Hospital Pequeno

Príncipe que, se não podia, eventualmente, ter evitado a lesão às córneas de Hiago,

certamente poderia tê-la revertido. Causas estas que, sem dúvida, contribuíram ou mesmo,

determinaram, a perda de visão da criança, bem como, a deficiência mental desta.

Mostra-se ainda, a falta de exames a fim de apurar a real

situação do recém nato, não obstante os inúmeros fatores de risco presentes, bem como, a

falta de profissionais especializados na UTI neonatal, como , por exemplo, do médico

Pediatra e do já citado médico Oftalmologista.

Quanto à retinopatia da prematuridade, tal necessidade

mostra-se unânime entre os modernos especialistas, os quais afirmam categoricamente que:

“A falha de encaminhamento precoce pelos pediatras e a

falta de preparo de muitos oftalmologistas para fazer o

diagnóstico correto e indicar o tratamento apropriado são

provavelmente os fatores responsáveis pela enorme

quantidade de bebês cegos anualmente no Brasil por

retinopatia da prematuridade, (...)”

“(...) a "American Academy of Pediatrics", a "American

Association for Pediatric Ophthalmology" e a "American

Academy of Ophthalmology" preconizam que o primeiro

exame oftalmológico deve ser entre 4 e 6 semanas de vida.

(Ou seja, não é quando o bebê tiver alta da UTI neonatal

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como muitos pediatras brasileiros o sugerem….) O

primeiro exame do prematuro, portanto, deve ser ainda

dentro da UTI neonatal, pois a maioria dos bebês de risco

ainda está internado com 4 ou 6 semanas de vida. (...)”

“O "CRYO-ROP Study Group" tem um protocolo rígido,

onde consta que todos os bebês prematuros que pesem

menos de 1250g devem ser examinados. A "American

Academy of Pediatrics", a "American Association for

Pediatric Ophthalmology" e a "American Academy of

Ophthalmology" preconizam o exame de todo prematuro

com peso de nascimento inferior a 1500g ou idade

gestacional inferior a 28 semanas. (...), mas em uma

reunião sobre retinopatia da prematuridade no "Annual

Meeting of the American Academy of Ophthalmology"


realizada em New Orleans em 1998, vários colegas da

Venezuela, Argentina e Colombia descreveram casos de

retinopatias avançadas em prematuros que nasceram

com até 32 semanas e pesando até 1800g. Ainda não está

na literatura, por que razão os bebês de países em

desenvolvimento apresentam doença severa com pesos e

idades gestacional maiores, mas se especula que o

controle mais precário das condições gerais dos

prematuros nas UTI neonatais destes países sejam em

parte responsáveis.” (grifo nosso)

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“No Brasil, seria indicado que todo prematuro com

menos de 32 semanas de vida ou peso inferior a 1800g

fosse examinado.” (grifo nosso)

“Todo oftalmologista com adequado treinamento deve

ser capaz de examinar e diagnosticar a retinopatia da

prematuridade.” (grifo nosso)

“Se qualquer sinal de retinopatia da prematuridade

estiver presente, o bebê deve ser examinado

semanalmente até a regressão espontânea da mesma.

Caso a doença evolua desfavoravelmente e alcance o

"threshold" o caso deve ser encaminhado para o

cirurgião de retina e vítreo ou oftalmologista pediátrico

para realização de laser ou crioterapia, que deve ser

realizado idealmente dentro de 72 horas após o


diagnóstico.” (grifo nosso)

“É importante salientar que o prematuro irá necessitar

revisões oftalmológicas de rotina até o desenvolvimento

total da visão (em torno de 7-8 anos)...” (grifo nosso)

“RESUMINDO:

(...) PORTANTO: TODO PREMATURO COM MENOS

DE 32 SEMANAS DE GESTAÇÃO OU PESO AO

NASCIMENTO INFERIOR A 1800g DEVE SER

EXAMINADO ENTRE 4 E 6 SEMANAS DE VIDA”

(destaque nosso)

Dra. Rosane C. Ferreira

www.acm.org.br/sco/educação/retinopatia_da_prematuridade.html

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“(...) podemos dizer que as crianças prematuras

apresentam um maior risco de patologia ocular mesmo na

ausência de R.O.P. Um exame oftalmológico rigoroso é

fundamental para avaliar o seu desenvolvimento visual e

oculo-motor.” (grifo nosso)

Anomalias oculares na prematuridade - Estudo


retrospectivo (Dra. Rita Gama, Dra. Marisa Martins, Dr.
F. Pinto-Ferreira, Dra. Alcina Toscano. Hospital S. José,
Lisboa)

www.spoftalmologia.pt/novidades/14.html

“Para estabelecer quando deve ser o primeiro exame de

prematuros com peso de nascimento menor que 1500g, ou

seja, com risco de desenvolver a retinopatia da


prematuridade (ROP), (...) os autores estabeleceram como

ótimo, em eficácia e segurança, o exame feito com 7

semanas de idade cronológica ou com 34 semanas de pós-

concepcional, qual viesse primeiro,(...)”

Hutchinson, A.K.; Saunders, R.A.; O’Neil, J.W.;


Lovering, A.; Wilson, M.E. – Timing os initial screening
examinations for rerinopathy of prematurity. Arch.
Ophthalmol. 116:608-612, 1998.

www.cbo.com.br/retina/artigos8.htm

“(...), a doença incide em prematuros com baixo peso,

submetidos a oxigenioterapia, associada a problemas

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perinatais. Para detectá-la, devem ser feitos exames de

prevenção nos recém-nascidos, logo após o nascimento.”

(grifo nosso)

“Segundo estudo na área, de cada dez crianças recém-

nascidas pelo menos duas apresentam problemas visuais,

que podem ser congênitos ou causados por traumas no

parto, cuja detecção, nesses casos, apenas seria possível

através de um exame especializado, realizado por

oftalmologistas pediátricos. (...) "Por isso, tornam-se

necessários atenção e treinamento redobrados, (...)”

(grifo nosso).

Evento realizado no Auditório Inácio Cavalcanti, do


HOPE-Ilha do Leite, nos dias 15 e 16 de junho. Tratou-se
de um workshop sobre retinopatia da prematuridade,
dirigido a oftalmologistas e pediatras, cuja coordenação
foi da Dra. Liana Ventura.

www.hope.com.br/ctudo-noticias.html

“Várias patologias podem acometer os olhos do bebê e

deixar prejuízo na função visual de forma às vezes

irreversível.

Casos de Toxoplasmose Congênita, Estrabismo,

Ambliopia, Oncocercose, Retinopatia da Prematuridade,

podem acometer o bebê e podem ter possibilidade de

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melhora (ou mesmo sua cura) se diagnosticado

precocemente.

Crianças nascidas com menos de 1500g, ou que foram

submetidas a oxigênio terapia ou transfusão de sangue,

devem ser examinadas ainda no 1º mês de vida. A criança

também deve passar por um exame de triagem nos

primeiros anos de vida.”

Dra. Pactrícia M. Mergulhão

www.institutodavisao.med.br/c_dicas.htm

FATORES DE RISCO

a) Peso ao nascimento = especialmente abaixo de 1.250g

Relacionamos abaixo a incidência por PN:

= 89% dos RN com PN < 900g (Flymn-1987)

= 72% dos RN com PN < 1000g (Reiner-1985)


= 10% dos RN com PN > 1.500 (Reiner-1985) (grifo

nosso)

b) idade Gestacional = menor que 36 sem de IG (grifo

nosso)

c) Uso de Oxigenioterapia (grifo nosso)

d) Outros Fatores = deficiência de vitamina E,

transfusões sangüíneas, hipercapnia, hemorragia intra-

ventricular e apnéias recorrentes.

ROTINA DE AVALIAÇÃO DE FUNDO DE OLHO

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A fundoscopia deve ser realizada com oftalmoscópio

indireto sob midríase, com uso de depressor escleral

quando necessário.

a) RN com PN < 1.250g = Exame : na alta do berçário ou

com 4 semanas de vida.

Reavaliação:

. de 2 em 2 semanas - até completar 14 semanas de vida

. mensal - até 6 meses de idade

. semestral - até completar 2 anos.

b) RN com PN > 1.250g (grifos nossos)

Exame: na alta ou com 4 semanas de vida :

. sem sinais de RP - repetir com 14 semanas de vida

. com sinais de RP - repetir esquema acima

OBS: Se o RN apresentar doença nas zonas 1 e 2 a


freqüência de exames deverá ser semanal.”

Avaliação da Visão
(Dra. Betty Moszkowicz; Dr. Sansão Isaac Kac)

www.spb.com.br/follow_up/aval_visao.html

Em tempo, Hiago nasceu com 28 (vinte e oito) semanas e

1570 (mil quinhentas e setenta) gr., sendo transferido para o Hospital Pequeno Príncipe

com 10 (dez) dias de vida e pesando 1270 (mil duzentas e setenta) gr, com icterícia e sinais

de infecção hospitalar e, em nenhum dos hospitais onde esteve (Erasmo de Roterdã e

Pequeno Príncipe), ainda que com todas as indicações feitas acima, passou pelo exame de

fundo de olho.

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A relação entre paciente e hospital é inelutavelmente uma

relação contratual, conforme mostra José Aguiar Dias:

“Admitindo o doente como contribuinte, forma-se entre

ele e o hospital um contrato, que impõe ao último a

obrigação de assegurar ao primeiro, na medida da

estipulação, as visitas, atenções e cuidados reclamados

pelo seu estado”, ainda quando prestada sem cobrança

direta do paciente, pois “A circunstância de ser gratuita a

hospitalização não muda a questão. Esta solução, válida

para outros contratos benévolos, mais e mais se impõe no

caso do hospital, porque não poderia admitir qualquer

transigência a respeito do dever de incolumidade devido à

pessoa humana”. (Dias, Aguiar. “Da responsabilidade

Civil”, Forense, 6.ª ed., vol. 1, p. 382 apud Stoco, Rui.


“Responsabilidade Civil e sua Interpretação

Jurisprudencial”, RT, 4.ª ed., p.393).

A entidade hospitalar é, por conseqüência, imputável

civilmente pelos atos de seus prepostos (médicos, enfermeiros, empregados em geral, etc.),

assim como por sorte de ocorrências sucedidas em seu interior (v. a respeito os artigos 37, §

6º, da Constituição Federal, 1.521, inciso III, do Código Civil e a Súmula n.º 341 do STF),

ficando evidenciado, portanto, a responsabilidade objetiva do nosocômio.

"Procede a ação contra estabelecimento hospitalar por

omissão e ação de seus prepostos havendo culpa in

eligendo" (RT 568/157).

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"Procede ação de indenização contra estabelecimento

hospitalar por erro profissional de sua equipe médica.

Sendo o médico considerado preposto, no exercício de sua

profissão, há configuração de culpa presumida do

empregador" (RT 559/193).

Os ensinamentos da doutrina acerca da responsabilidade

civil do hospital apontam que:

"Sob o aspecto da fundamentação da responsabilidade,

cumpre distinguir-se duas situações básicas: a

relacionada à culpa do agente e a dela independente,

consoante se trate de relacionamento pessoal direto com o

profissional, ou de vínculo com a entidade do setor


(hospital, laboratório, e outros), ou, de outro lado, se

cuide da obrigação de meio (normal entre médico e

cliente) ou de resultado (em que o uso de técnica especial

imponha ao profissional a obtenção do fim pelo paciente,

como na cirurgia estética). Diferencia-se a questão da

análise da subjetividade do agente: necessária na

primeira, em que se deve fazer a prova efetiva em juízo, é

dispensada na segunda, favorecendo a vítima no litígio

correspondente." (BITTAR, Carlos Alberto. As Atividades

Científicas e Profissionais, Médicas, Odontológicas,

Hospitalares e Congêneres e o Direito: Princípios

Norteadores. In: Responsabilidade Civil Médica,

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Odontológica e Hospitalar. São Paulo. Saraiva, 1991. p.

17).

Com esses parâmetros, veja-se algumas decisões dos

Tribunais:

Agravo de Instrumento. Direito Civil e Processual Civil.

Código de Defesa do Consumidor. Ação indenizatória.

Erro médico. Responsabilidade objetiva da entidade

hospitalar. Denunciação à lide dos médicos. 1. A

responsabilidade indenizatória da entidade médica por

erro médico de seus prepostos é objetiva, eis que os

serviços médicos-hospitalares aí prestados decorrem da

relação de consumo entre os ofertados e prestados a seus


pacientes. 2. Na hipótese, para a ação de regresso,

desnecessária a denunciação à lide daqueles a quem se

atribui o "erro médico". Recurso conhecido e improvido.

Unânime. (TJ/DF - Ag. de Instrumento n. 7480/96 -

Brasília - Ac. 101338 - unân. - 1a. T. Cível - Rel: Des.

Edmundo Minervino - Fonte: DJU III, 11.02.98, pág. 30).

(grifo nosso)

Responsabilidade civil - Erro médico - Hospital -

Legitimidade passiva - Dano material (devolução de 1/3

dos honorários) e moral (150 sm) - Juros moratórios,

desde o evento - Honorários advocatícios, no máximo.

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Apelação não provida. 1. Em pretensão condenatória à

indenização por erro médico basta, em tese, que dos fatos

afirmados pelo autor decorra a responsabilidade do

hospital, como preponente do médico. Incontroverso o

fato de que a cesariana e concomitante laqueadura foram

realizadas no centro cirúrgico do hospital, sua

legitimidade passiva está confirmada. 2. Prestador de

serviços o hospital, objetiva é sua responsabilidade por

dano decorrente de ato praticado em seu

estabelecimento. Afora isso, seu sócio o profissional-

médico, que ocupa dependência do prédio em que é

estabelecido, sem contrato de locação ou de comodato,

além do fato de que lucra com as internações a cargo do

mesmo profissional, manifesto é o seu interesse econômico


nas atividades do mesmo profissional. 3. Lesão de

integridade corporal, seja ela física ou psíquica, por

negligência ou imperícia, acarreta danos patrimoniais

indiretos e conseqüentes prejuízos pecuniários, como pode

provocar dano moral ressarcível, uma vez que

indiretamente importa em dano a interesses não

patrimoniais. Esquecimento de compressa cirúrgica no

corpo de paciente, que lhe acarrete constrangimento

social pelo mau cheiro enquanto não expelida pela

vagina, acarreta, por efeito, danos material e moral, da

responsabilidade do profissional negligente e do hospital

em cujo centro cirúrgico ocorra. 4. No equivalente a 150

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salários mínimos a indenização do dano moral, módica se

revela em face das circunstâncias que envolvem o estado

da vítima e dos causadores do dano. Razoável, também, a

devolução do equivalente a 1/3 dos honorários como

indenização devida pelo profissional ao seu paciente. 5.

Moratórios os juros, incidem desde o fato (CCi, art. 962).

6. No máximo a fixação dos honorários advocatícios,

considerados o zeloso desempenho profissional, o

trabalho exigido e a importância e natureza da causa.

(TJ/PR - Ap. Cível n. 0058511-5 - Comarca de Curitiba -

Ac. 2041 - unân. - 6a. Câm. Cív. - Rel: Des. Newton Luz -

j. em 12.11.97 - Fonte: DJPR, 22.12.97, pág. 54). (grifo

nosso)

1) Responsabilidade civil. Infecção hospitalar. Se o

paciente se interna em um hospital para realização de

cirurgia eletiva e vem a contrair infecção hospitalar

(staphilococos aureus) em decorrência da falta de

assepsia, há obrigação do hospital em indenizar os danos

decorridos. Teorias objetiva e do risco. "Pelo critério do

risco, chega-se à constatação de que algumas atividades

se desenvolvem sob um clima de constante perigo de lesão

a bens juridicamente relevantes de terceiros, não sendo

exagero afirmar que retirar deste próprio perigo a sua

própria essência, o seu próprio êxito. Ora, nada mais

justo, portanto, que ocorrendo o dano, responde o

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empreendedor desta atividade pela reparação ainda que

inexista a culpa, pois é do próprio potencial de perigo

que retira esta empreendedora sua lucratividade, o seu

sucesso." (BITTAR, Carlos Alberto, "Responsabilidade

Civil Médica, Odontológica e Hospitalar", Ed. Saraiva,

pág. 181). 2) Lucro cessante. Restou configurado que a

paciente, em razão da infecção, pediu demissão do

emprego. Assim, são devidos os lucros cessantes. As

demais despesas não restaram comprovadas. Recurso do

primeiro apelante desprovido e do segundo apelante

provido em parte. (TA/PR - Ap. Cível n. 0104209-1 -

Comarca de Londrina - Ac. 8680 - maioria - 3a. Câm.

Cív.- Rel: Juiz Eugenio Achille Grandinetti - conv.- j. em

03.06.97 - Fonte: DJPR, 01.08.97, pág. 210). (grifo


nosso)

Restando demonstrado que a moléstia nosocômica

adquirida pela autora se dera após sua internação na

unidade hospitalar onde submetera-se a operação

cesariana, bem como evidenciado a manifesta desídia dos

encarregados no que tange ao dever de manter o ambiente

e os objetos instrumentais em condições de limpeza e

assepsia exigíveis para minorar os riscos dos pacientes,

impõe-se a obrigação da entidade mantenedora do

hospital em indenizar pelos prejuízos causados a paciente,

quais sejam, todas as despesas por ela efetuadas até pleno

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restabelecimento, inclusive para a correção de cicatriz

abdominal repugnante decorrente da infecção hospitalar.

Ademais, acresce observar, mesmo que a culpa não

estivesse suficientemente demonstrada - que não é o caso

-, a obrigação indenizatória persistiria ante a adoção da

teoria do risco no trato dos danos causados em virtude de

infecção hospitalar - solução jurídica perfeitamente

adequada para tais conflitos, o que vale dizer, a ré só

poderia eximir-se provando que a infecção fora

decorrente da culpa da própria paciente, tendo em conta

a responsabilidade objetiva, aplicável em tais hipóteses.

(TJ/PR - Ap. Cível n. 0023865-9 - Comarca de Curitiba -

Ac. 9052 - unân. - 1a. Câm. Cív. - Rel: Juiz Maranhão de

Loyola - conv. - Apte: Maria Neuzete Sombra - Adv: Ivani


Floriano Frare - Apdo: Sociedade Evangélica Beneficente

de Curitiba - Advs: Eraldo Luiz Kuster e outros - j. em

10.11.92 - Fonte: DJPR, 27.11.92, pág. 15). (grifos

nossos)

IV - Da Especificação do Dano

Hiago Augusto Mangini desenvolveu atraso global do

desenvolvimento neuropsicomotor, bem como, quadro de Paralisia Cerebral,

acompanhado de perda de visão, com diagnóstico de Retinopatia da Prematuridade, estando

os diagnósticos relacionados com o atendimento realizado no Hospital Erasmo de Roterdam e

no Hospital Infantil Pequeno Príncipe.

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Conforme avaliação médica, pelo técnico especializado

indicado pela Secretaria de Estado da Saúde do Paraná, fls. 239/242, Hiago não foi atendido

com as condições necessárias a um recém nato de risco, como a monitorização de oxigenação,

acompanhamento laboratorial adequado e acompanhamento clínico permanente pelo Hospital

Saint Claire (Atual Erasmo de Roterdam)...

“concluindo que faz-se necessário que todo

estabelecimento hospitalar, que se proponha a atender

gestante e recém natos, deve estar equipado para

atendimento normal, de emergência e de médio risco, que

seriam as condições mínimas necessárias para se

preservar a vida com qualidade. Faz-se também

necessário que medidas de rotina para a preservação das

deficiências sejam obrigatórias em todos os centros que

prestam assistência à criança de risco (UTIs). Se estas


medidas existissem, como monitorização de todo recém

nato de risco, acompanhamento permanente, screemning

oftalmológico etc., o menor Hiago teria tido maiores

chances de preservar seu intelecto e, principalmente, sua

visão.”

Além disso, ao ser transferido com, aproximadamente, 1,5

semana de vida para o Hospital Pequeno Príncipe, inobstante todos os fatores de risco e

indicações da doutrina médica, não foi acompanhado por um Oftalmologista nem, tão pouco,

teve realizado o exame de fundoscopia.

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O artigo 159 do Código Civil Brasileiro não faz

distinção entre dano material e moral, abrangendo tanto o dano patrimonial como o extra-

patrimonial.

Em face dos indicativos fáticos supramencionados, temos

a disciplina do art. 1.538, "caput", do Código Civil, onde está estabelecido que, em casos

como este, o réu deverá custear todas as despesas de tratamento médico necessário (as

despesas médico - hospitalares), os medicamentos, o deslocamento para tratamentos

periódicos, entre outros, como por exemplo fraldas, pois até hoje a criança faz uso delas (com

06 anos de idade), além do leite, cujo consumo é de 15 litros/mês. Ressalta-se que em relação

ao tratamento que está sendo feito ao autor, este compreende a freqüência a uma escola

especial de nome Escola Ecumênica, que não tem custo, excetuando os relativos ao

deslocamento, e é mantida por doações, sendo que em tal escola recebe tratamento

fonoaudiológico, fisioterápico, de reeducação visual, dentre outros.

Reconhece-se na hipótese, sem dúvida, um dano atual e


certo, tanto patrimonial quanto moral, a ser indenizado na forma recomendada pelo art. 1.539

do Código Civil.

Pertinentemente aos danos sofridos pelo autor, sem

pretensão de esgotar todos os cerceamentos possíveis ocasionados pela perda de visão, bem

como, pelo retardo neuropsicomotor, faz-se necessário mencionar que, o desenvolvimento

intelectual de Hiago é muito mais lento, se não, inexistente, se comparado ao de outras

crianças não portadoras de tais deficiências, tendo ainda sua condição impossibilitada no que

concerne à realização de atividades lúdicas comuns às demais crianças. Vale ressaltar que

surgem inúmeras limitações de ordem pessoal e até, posteriormente, profissional, sendo

muitas vezes intransponíveis, como por exemplo, a possibilidade de um emprego para

sustento próprio e de sua família, já que é difícil imaginar alguma atividade que comporte seu

exercício por um indivíduo que possua atraso mental e deficiência visual, determinando-se

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“ad eternum”, uma dependência total de seus familiares que, diante disso, também terão

limitada a amplitude de sua liberdade e nível econômico/social.

Antônio Lindberg C. Montenegro, com acuidade, bem

explana o tema:

“Ao cabo de um longo período de increpações, terminou

por firmar-se na doutrina e na jurisprudência, a tese da

ressarcibilidade do dano que produz incapacidade

permanente ao menor improdutivo, ou seja, o menor que

ainda não exerce atividade lucrativa.

Reconhece-se na hipótese de um dano atual e certo. Basta

atentar no fato de que, quando o menor atingir a

maturidade, estará, desde logo, sofrendo aquelas


conseqüências econômicas desfavoráveis, por encontrar-

se privado de meios de prover a própria subsistência, em

razão do comprometimento de sua capacidade laborativa,

trata-se, sem dúvida, de dano eminentemente patrimonial,

a ser indenizado na forma recomendada pelo art. 1.539 do

Código Civil.” (Montenegro, Antônio Lindberg C.

“Ressarcimento de Danos”. 3.ª ed. São Paulo: Âmbito

Cultural. p. 109/110)

Cabe enfatizar que, durante o período em que Hiago ficou

internado no Hospital Erasmo de Roterdam, apresentou grave quadro de infecção

hospitalar, a qual não só ocasionou um sofrimento maior à luta do recém nascido pela vida,

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como contribuiu de forma significativa à evolução da retinopatia e da paralisia cerebral, as

quais deixaram seqüelas irreversíveis no estado de saúde da criança.

Afora isso, tencionam os requerentes reparação pelos

danos morais sofridos, ou seja, conforme aponta Miguel Kfouri Neto, em seu livro

“Responsabilidade Civil do Médico”:

“o dano decorrente da privação ou diminuição daqueles

bens que têm um valor precípuo na vida de um homem e

que são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade

individual, a integridade física, a honra e os demais

sagrados afetos.” (...) “dano que afeta a ‘parte afetiva do

patrimônio moral’ (dor, tristeza, saudade etc); e dano

moral que provoca direta ou indiretamente dano

patrimonial (cicatriz deformante etc.), e dano moral puro


(dor, tristeza etc.)”. Dalmartello. “Danni morali

contrattuali”, In Rivista di Diritto Civile, 1933, p. 55 e ss.

apud Kfouri Neto, Miguel. “Responsabilidade Civil do

Médico”. São Paulo: RT, 1998. p.95 e ss.

Não se procura aqui, é evidente, alcançar o justo preço do

sofrimento dos demandantes. Tal raciocínio ofenderia a ética e jamais encontraria um

equivalente econômico à altura. O tema, aliás, há muito tempo, foi invulgarmente balizado

por Clóvis Beviláqua:

"Se o interesse moral justifica a ação para defendê-lo ou

restaurá-lo, é claro que tal interesse é indenizável, ainda

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que o bem moral não se exprima em dinheiro. É por uma

necessidade dos nossos meios humanos, sempre

insuficientes e, não raro, grosseiros, que o Direito se vê

forçado a aceitar que se computem em dinheiro o

interesse de afeição e os outros interesses morais" (citado

in RT 489/92).

Já modernamente, Carlos Roberto Gonçalvez, na mesma

linha, assevera que:

"se tem entendido, hoje, que a indenização por dano

moral representa uma compensação, ainda que pequena,

pela tristeza infligida injustamente a outrem" (in

Responsabilidade Civil, 2º ed., Saraiva, SP, 1984, p. 168).

Na esteira deste pensamento, o nosso direito pretoriano

tem afirmado que...

"todo e qualquer dano causado a alguém, ou ao seu

patrimônio, deve ser indenizado, de tal obrigação não se

excluindo o mais importante deles, que é o dano moral,

que deve autonomamente ser levado em conta. O dinheiro

possui valor permutativo, podendo-se, de alguma forma,

lenir a dor com a perda de um ente querido pela

indenização, que representa também punição e

desestímulo do ato ilícito. Impõe-se a indenização do

dano moral para que não seja letra morta o princípio

neminem laedere" (RT 497/302).

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E sublinhe-se, ainda, a perfeita factibilidade em cumular-

se os dois tipos de compensação em tela:

"Um único evento pode constituir um leque de prejuízos

de natureza diversa, e justifica, cada um, uma verba

reparatória, sem margem à ocorrência de reparar duas

vezes a mesma perda" (RT 613/184).

"O dano moral alcança prevalentemente valores ideais,

não apenas a dor física que geralmente o acompanha,

nem se descaracteriza quando simultaneamente ocorrem

danos patrimoniais, que podem até consistir numa

decorrência, de sorte que as duas modalidades se

cumulam e têm incidências autônomas (Súmula 37 do


STJ)" (TJSP - 2º C. - Ap. - Rel. Pereira da Silva - j.

21.9.93 - RT 703/57).

V - Do Cálculo Indenizatório e do Pedido

Em vista do que precede, requer-se, com apoio nos

permissivos legais, doutrina e jurisprudência trazidos à colação, sejam condenados os

requeridos à reparação pretendida, inclusive as seguintes verbas:

a) o pagamento de todas despesas de tratamento já

havidas (tratamento, medicamentos, deslocamentos, etc), no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil

reais), bem como, as despesas de tratamento e recuperação que ainda se farão necessárias,

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também aí abarcados os medicamentos, consultas médicas, exames laboratoriais, despesas de

locomoção, alimentação especial, dentre outras, conforme artigo 1.539 do Código Civil;

a) constituição de capital que assegure cabal

cumprimento da condenação, a teor do artigo 602 do Código de Processo Civil;

b) pagamento, a título de pensão mensal e vitalícia

ao assistido, no valor de 2 (dois) salários mínimos, conforme art. 1.539 do Código Civil,

incluindo-se o 13.º salário (RT 621/172, 583/154, 574/150, e 558/190);

c) pagamento de reparação por danos morais

sofridos por Hiago Augusto Mangini e sua família, fixados na quantia de trezentos salários

mínimos;

d) pagamento das despesas do processo e demais

cominações legais.

Isto posto, requer-se, por fim, a citação do Hospital e


Maternidade Erasmo de Roterdam Ltda e da Associação Hospitalar de Proteção à Infância Dr.

Raul Carneiro (Hospital Pequeno Príncipe) , na pessoa de seus diretores, para, querendo,

acompanharem e contestarem os termos da presente, sob pena de revelia, devendo ser o

pedido julgado procedente, com a condenação dos réus ao pagamento das verbas

anteriormente especificadas.

Para provar o alegado, protesta-se pelo uso das provas

legalmente admissíveis, sem exceção, notadamente o depoimento pessoal dos médicos

envolvidos no caso em questão e do representante legal das casas hospitalares, audiência de

testemunhas conforme rol em anexo, perícias e juntada de novos documentos (cópia do

procedimento administrativo nº 03/96 e da doutrina mencionada em anexo) .

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Renovando o rogo de concessão da Justiça Gratuita, com

fundamento na Lei n.º 1.060/50, dá-se à causa, tão só para efeitos fiscais, o valor de R$

2.000,00 (dois mil reais).

P. deferimento.

Curitiba, 24 de abril de 2001.

Michele Rocio Maia Zardo


Promotora de Justiça

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Rol de Testemunhas

1-Sandra Regina Alves dos Santos, brasileira, solteira, portadora da Cédula de

Identidade/RG n.º4.537.474-2 SSP/PR, residente e domiciliada na Rua Victor Benato n.º 170,

Pilarzinho, Curitiba, Paraná.

2-Vicente Scheidt Polli, brasileiro, casado, médico inscrito no CRM-PR sob o

n.º 7.199, residente e domiciliado na Rua Francisco Nunes n.º 394, Rebouças, Curitiba,

Paraná.

3-Maria Izabel Fonseca Martins, brasileira, casada, médica inscrita no CRM-

PR sob o n.º 3.088, residente e domiciliada à Trav. Percy Withers n.º 80, ap. 102, Curitiba,

Paraná.

4-Wilmar Mendonça Guimarães, brasileiro, casado, médico inscrito no CRM-

PR sob o n.º 3711, residente e domiciliado à Av. Sete de Setembro n.º 3845, Curitiba, Paraná.

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