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AO JUÍZO DA VARA ÚNICA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE UBIRATÃ -

ESTADO DO PARANÁ.

Autos n.º 0001838-91,2021.8.16.0172

VICENTINA PEREIRA DOS SANTOS, já qualificada nos autos em


epígrafe, devidamente representada por seu advogado abaixo
subscrito, vem, com a devida vênia, à presença de Vossa
Excelência, apresentar IMPUGNAÇÃO À CONTESTAÇÃO acostada
aos autos (mov. 28.1), nos termos e fundamentos a seguir
alinhavados.

I - SÍNTESE DOS FATOS

A autora, na posição de cônjuge do de cujus, conforme se comprova do


documento de matrimônio e do extrato de benefício previdenciário de pensão por
morte (mov. 1.5 e 13.3), portanto, possuindo legitimidade ativa para demandar na
presente situação, alega que seu companheiro veio a óbito em decorrência da
negligência do Estado.

O falecido respondia ação criminal na Comarca de Ubiratã-PR (autos


0002231-50.2020.8.16.0172), onde havia sido decretada a sua preventiva.

Em razão dos muitos problemas de saúde que resultava em extrema


debilidade do companheiro da autora, foi pleiteada a revogação da preventiva com
conversão para outra medida cautelar diversa desta, onde pudesse possibilitar o
seu tratamento e cuidados necessários.

Entretanto, indeferido o pedido de revogação da preventiva com a


conversão para outra medida cautelar diversa, manteve-se a prisão da cônjuge da
autora, o qual encontrava-se recolhido no Complexo Médico Penal, resultando no
seu óbito.

II - DA CONTESTAÇÃO

Em defesa, o Estado alega que os hematomas encontrados no corpo do


falecido são decorrentes de uma queda que este sofreu dentro de seu cubículo
horas antes do seu falecimento.

Ademais, a requerida colaciona aos autos cópia do prontuário médico do


falecido, laudo do IML, informações prestadas pelo CMP e cópia da decisão de
arquivamento da corregedoria.

Ainda, alega que os acontecimentos que levaram o cônjuge da


requerente à óbito, teriam ocorrido de qualquer forma e independente do local em
que se encontrava, motivo este pelo qual afirma que o Estado não possui qualquer
culpa em relação ao falecimento do detento, pois ausente o nexo causal.

1 - Da Conduta do Estado e o Nexo Causal.

Ao contrário das alegações da parte requerida em sede de contestação, o


Estado foi o pilar que resultou na morte do detento, quando de fato, deixou de
decretar qualquer medida cautelar correspondente aos fatos e a situação do
acusado, decretando, então, a sua prisão preventiva.

Primeiramente, que o falecido encontrava-se respondendo processo


criminal em trâmite na Comarca de Ubiratã-PR, onde os autos estavam em fase de
instrução, ou seja, não havia qualquer condenação transitada em julgado.

Além do mais, em que pese a gravidade dos fatos que o acusado havia
sido denunciado por suposta prática de estupro de vulnerável, o acusado era
portador de deficiência física, com idadde já bem avançada e com inúmeras
comorbidades, como epilepsia, lesão traumática no quadril direito que encurtava o
membro inferior direiro e déficit cognitivo, que o impediam de ter uma vida tranquila.
Em que pese a decisão que decretou a preventiva do falecido, houve a
tentativa de revogação da prisão com pedido de aplicação de cautelar que pudesse
corresponder a situação sem que prejudicar o bom andamento do processo e sem
agravar o estado de saúde do acusado, pois este necessitava de acompanhamento
médico e outros cuidados que recebia no seu dia a dia junto de sua família,

O Estado oferece determinados cuidados aos detentos que o necessitam,


porém não é capaz de atender a todos que o necessitam e isto foi o que ocorreu no
caso em comento.

Desde antes da transferência do acusado ao CMP, era visível o estado de


necessidade do indivíduo, portador de comorbidades que o impediam de ter uma
vida digna, tendo ainda ter que suportar a separação de seus entes por conta de
uma decretação de prisão preventiva desnecessária.

Conforme se observa dos documentos médicos acostados na inicial


(mov. 1.8) o falecido necessitava destes tratamentos, os quais já vinham sendo
tratados e acompanhados de forma regular e frequente há anos.

Tanto que é que até queda dentro de um pequeno cubículo, o detento


chegou a sofrer, tendo, segundo o formulário médico do CMP, resultado em alguns
edemas em sua face e, logo após o levou a óbito.

No laudo, constatou-se que a causa da morte do detento foi devida a


situação de pneumonia, o que pode, com certeza, ter se agravado em razão do local
onde o indivíduo encontrava-se detido.

É claro que não há regalias nos cuidados fornecidos aos presos, apenas
um aumento no cuidado em razão de determinadas situações como as provenientes
de casos de saúde, porém, nada além de acompanhamento nas medicações e
demais observações.

O de cujus era usuário de gardenal, remédio tarja preta, controlado, que


deve ter um minucioso acompanhamento.

Assim, observa-se que o primeiro ato do Estado que deu início ao fim da
vida do detento teve início da errônea decisão ao decretar a preventiva do acusado,
ainda que tendo sido tentado pela defesa outros remédios visando a conversão da
preventiva em outra medida cautelar menos gravosa e diversa da prisão, com a
finalidade de o acusado pudesse dar continuidade aos seus tratamentos e
acompanhamentos médicos.

Ao contrário do que alega em defesa, o acusado nada poderia fazer


contra o bom andamento processual da ação, tampouco contra os envolvidos na
ação, pois sua saúde já era precária quando instauração dos autos, quase,
inclusive, não podendo se locomover sem qualquer tipo de apoio e ajuda.

O acusado não era sentenciado, não havia nem sequer a


possibilidade de fuga ou de obstrução do andamento processual da ação e,
tampouco, de risco à segurança de testemunhas ou vítimas.

Portanto, não havia qualquer mínimo indício de que o acusado pudesse


(conseguir) promover qualquer ato em desfavor das testemunhas ou ainda reiterar a
suposta prática na qual foi denunciado, conforme pode-se observar do estado de
saúde que resultou em seu óbito.

Assim, o nexo de causalidade diante da omissão do Estado, seja


decorrente do risco inerente à atividade (responsabilidade objetiva) ou decorrente
de falta ou falha do serviço que compõe o binômio necessário à identificação de
culpa (responsabilidade subjetiva), confere ao Estado a responsabilidade pela
ocorrência danosa.

Dessa forma exige-se, para a responsabilização do ente estatal,


tão-somente a verificação do nexo causal (causa e efeito) entre o dano produzido e
a atividade funcional desempenhada pelo agente, independentemente da
verificação da culpa (teoria da responsabilidade objetiva pelo risco administrativo),
conforme posicionamento pacificado no STF:

“A responsabilidade civil estatal, segundo a Constituição Federal de


1988, em seu artigo 37, §6º, subsume-se à teoria do risco
administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas quanto
para as omissivas, posto rejeitada a teoria do risco integral. 2. A
omissão do Estado reclama nexo de causalidade em relação ao
dano sofrido pela vítima no caso em que o Poder Público ostenta o
dever legal e a efetiva possibilidade de agir para impedir o resultado
danoso. 3. É dever do Estado e direito subjetivo do preso que a
execução da pena se dê de forma humanizada, garantindo-se os
direitos fundamentais do detento, e o de ter preservada a sua
incolumidade física e moral (artigo 5º, inciso XLIX, da
Constituição Federal). (...) 8. Repercussão geral que sustenta a
tese de que: em caso de inobservância do seu dever específico
de proteção previsto no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição
Federal, o Estado é responsável pela morte do detento.” (STF
RE 841526. Min. Luiz Fux).

Portanto, considerando que a vítima encontrava-se sob a tutela do


Estado diante da prisão decretada indevidamente, não há que se falar em dispensa
da Responsabilidade, conforme massiva jurisprudência a respeito, inclusive, Egrégio
Tribunal de Justiça do Estado do Paraná:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. AGRESSÃO A


DETENTO EM UNIDADE CARCERÁRIA. SENTENÇA DE PARCIAL
PROCEDÊNCIA. RESPONSABILIDADE ESTATAL. ESTADO QUE
TEM O DEVER DE VIGILÂNCIA E DE PROTEÇÃO DO
CUSTODIADO. ART. 37, §6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA CONFIGURADA. INEXISTÊNCIA
DE QUALQUER EXCLUDENTE, TAL COMO CULPA DE
TERCEIROS OU CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. DANOS
MORAIS. ALEGADA AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. DANO IN
RE IPSA. PRESUNÇÃO DE ABALO MORAL DA PARTE AUTORA.
REDUÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE.
LESÃO SOFRIDA PELO AUTOR QUE POSSUI NATUREZA
EXTREMAMENTE GRAVE. PERDA DE CALOTA CRANIANA E
MASSA ENCEFÁLICA. VALOR FIXADO QUE CORRESPONDE À
MÉDIA PRATICADA POR ESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA EM
QUESTÕES ANÁLOGAS. RECURSO CONHECIDO E
DESPROVIDO. (TJ-PR - 3ª CÂMARA CÍVEL -
0020208-30.20198.16.0030 - Foz do Iguaçu - Rel: Juiz Osvaldo
Nallim Duarte - 30.11.2020)
É dever do Estado resguardar a saúde do preso que está sob sua tutela,
bem como a privação de liberdade nos casos em que realmente for necessária, o
que não se trata da situação presente.

O que se observa da situação que resultou na morte da vítima estatal não


diz respeito a ausência de serviço, mas sim da carência ou eficiência deste serviço
prestado, pois, como é de conhecimento comum, é tudo muito deficiente e
incompleto quando se trata do sistema carcerário nacional.

O ponto central da presente demanda trata-se exclusivamente da


equivocada decisão da decretação da preventiva do acusado e da omissão do
Estado, o que resultou na morte do detento.

Para Maria Sylvia Di Pietro, ao tratar da responsabilidade do Estado,


assevera:

“É indiferente que o serviço público tenha funcionado bem ou


mal, de forma regular ou irregular. Constituem pressupostos da
responsabilidade objetiva do Estado: (a) que seja praticado um
ato lícito ou ilícito, por agente público; (b) que esse ato cause dano
específico (porque restringe apenas um ou alguns membros da
coletividade) e anormal (porque supera os inconvenientes normais
da vida em sociedade, decorrente da atuação estatal); (c) que haja
um nexo de causalidade entre o ato do agente público e o dano.” (in
Direito Administrativo, 24ª ed. pg. 646)

O quadro de pneumonia do detento agravou apenas por condições


resultantes de sua equivocada prisão, pois ainda que se tratando de causas
naturais, estas foram “facilitadas” diante da situação em que o acusado se
encontrava.

Sem qualquer dificuldade, pode-se concluir que a morte decorreu de


manifesta eficiência e omissão dos responsáveis pela guarda e assistência médica
ao preso, uma vez que comprovada e devidamente fundamentada a necessidade do
indivíduo em ter o acompanhamento médico necessário, diante das comorbidades
que prejudicava a sua saúde, conforme documentos médicos em anexo.
De bom alvitre revelar que a responsabilidade de proteção ao preso se
estende até mesmo quando o óbito decorra de suicídio, espontâneo ou provocado.

Enfim, na ocasião que o Estado-Juiz condena o réu, pressupõe-se a


entrega do preso à guarda e vigilância da Administração Carcerária.

Insta salientar, que no caso em suma, o de cujus não era sequer, preso
condenado com sentença transitada em julgado, eis que ainda aguardava a
instrução e o julgamento de seu processo.

Com abordagem ao tema de responsabilidade civil do Estado, por morte


de detento motivado por doença, é ancilar o entendimento jurisprudencial quanto à
necessidade da responsabilidade civil do Estado:

Apelação Cível. Ação indenizatória. Responsabilidade Civil. Morte de


detento em estabelecimento prisional. Responsabilidade objetiva do
Estado. Reconhecimento. Defesa de doença preexistente. Não
demonstração. Dano moral. Configuração. “Quantum” Indenizatório.
Princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Adoção.
Sentença bem proferida. Manutenção. Desprovimento do apelo.
Constitui dever do Estado zelar pela integridade física e moral do
preso sob sua custódia, sendo a hipótese de responsabilidade
objetiva, prevista na Constituição da República, em seu art. 37, §6º1.
Em que pese ter o Estado alegado hipótese de doença preexistente
na vítima, é certo que detento já havia cumprido mais de 07 (sete)
anos de sua pena em regime fechado, sem, no entanto, nunca ter
sido acometido por algo semelhante ao ocorrido, um ataque de
epilepsia que ensejou sua queda e batida de cabeça, com
traumatismo craniano encefálico. Não demonstrada a ocorrência de
circunstância natural sobre o evento morte do detendo, cabe a
condenação do Estado ao pagamento de indenização, pois este
deve proteger os detentos contra qualquer agressão e proporcionar
tratamento médico adequado contra doenças. [ ... ]

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA.


RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO.
Morte de detento. Ação indenizatória em que pretendem as autoras
a condenação do estado-réu ao pagamento de indenização, a título
de danos morais, em virtude do falecimento de seu pai, no hospital
penitenciário Dr. Hamilton Agostinho Vieira de Castro, no complexo
de Gericinó, em Bangu. Cuida a hipótese responsabilidade objetiva
do ente estatal, em virtude de omissão de seus agentes, nos termos
do disposto no artigo 37, §6º da Carta Magna, sendo certo que
incumbe ao estado garantir a segurança dos detentos, mantendo a
guarda e preservando a integridade física daqueles que se
encontram sob sua custódia. A prova pericial médica demonstra, de
forma inequívoca, ter havido atuação negligente da equipe médica,
quando do atendimento do pai das autoras. Indubitável, o dever de
indenizar do estado, na hipótese vertente, afigurando-se inequívoca
a negligência dos agentes estatais, eis que deveriam ter internado o
detento, realizando, igualmente, o exame de endoscopia digestiva
alta, a fim de que o paciente tivesse a oportunidade de se recuperar.
Todavia, para a fixação do quantum indenizatório é de ser
considerada como condição concorrente, do evento danoso, o fato
de ser o paciente portador de diabetes, por se tratar de doença
grave e que pode levar a óbito. Danos morais delineados, na
espécie. Quantificação que se majora, diante das circunstâncias do
caso concreto, observados os princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade. Desprovimento do primeiro recurso (estado-réu) e
parcial provimento da segunda apelação (autoras) [ ... ]

Nesse trilhar, o Réu tem o dever de arcar com a indenização almejada,


mesmo se não comprovada sua culpa no evento, sendo suficiente a mera criação
do risco em virtude do exercício de sua atividade, direta ou indireta.

Assim, ausente qualquer circunstância que afaste a responsabilidade


objetiva do Estado, a demonstração inequívoca do nexo causal entre a
ação/omissão do Estado e o dano gerado, configura o dever de indenizar.

III - DOS REQUERIMENTOS

Ex positis, requer V. Exa.:


A) O recebimento da presente Impugnação à Contestação, para fins de julgar
improcedente os pedidos contidos na peça contestatória e julgar totalmente
procedente os pedidos elencados na exordial;

B) A produção de todos os meios em prova admitidos, especialmente a


testemunhal, com a oitiva das seguintes testemunhas:

Testemunha(s):

JOSÉ PEREIRA DOS SANTOS, brasileiro, portador do RG n.º 5.307.004-3 e


inscrito no CPF sob o n.º 742.075.209-43, com endereço de residência e domicílio
situado na Rua dos Abacateiros, n.º 07, Conjunto Boa Vista - CEP: 85.440-000 -
Ubiratã-Paraná.

Nestes Termos,

Pede Deferimento.

TOLEDO-PR, datado e assinado eletronicamente.

FÁBIO EDGARD FURLANI


OAB/PR 101.152

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