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EXCELENTÍSSIMO (A) SENHOR (A) DOUTOR (A) JUIZ (A) DE DIREITO DA ...

VARA DE
FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL DA COMARCA DE MUNICÍPIO/ESTADO
NOME, nacionalidade, estado civil, profissã o, portadora do RG n.º [...], inscrita no CPF n.º
[...], titular do endereço eletrô nico [...], e NOME, nacionalidade, estado civil, profissã o,
portador do RG n.º [...], inscrito no CPF n.º [...], titular do endereço eletrô nico [...], ambos
residentes e domiciliados na Rua [...], quadra [...], lote [...], bairro [...], município/estado, CEP
[...], por intermédio dos advogados signatá rios (procuraçã o anexa), com escritó rio
profissional localizado na Rua [...], quadra [...], lote [...], bairro [...], município/estado, vêm
respeitosamente à presença de Vossa Excelência propor
AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS C/C PEDIDO DE PENSÃO
CIVIL EX DELICTO
contra o ESTADO DE SÃO PAULO, pessoa jurídica de direito pú blico interno, devendo ser
citado por meio da Procuradoria Geral do Estado de Sã o Paulo, com sede na Rua Pamplona,
nú mero 227, Jardim Paulista, Sã o Paulo-SP, CEP 01405-902, pelos fatos e fundamentos de
direito aduzidos adiante.
1. DOS FATOS
Os requerentes [nome] e [nome] sã o, respectivamente, viú va e filho do Sr. [nome],
consoante certidõ es de casamento e nascimento anexas.
Verifica-se nas có pias da certidã o de ó bito e do ofício lavrado pelo diretor técnico do Centro
de Detençã o Provisó ria (ambas anexas) que o de cujus [nome] deu entrada naquela
unidade prisional na data de [...], em razã o de cumprimento de mandado de prisã o
expedido em açã o penal movida pelo Ministério Pú blico Federal em seu desfavor, em
trâ mite perante o Tribunal Regional Federal da 1ª Regiã o.
Na ocasiã o de sua prisã o, [nome] apresentava excelente estado de saú de. Contudo, em
[data], o detento começou a se queixar de fortes dores no corpo, febre, muita dificuldade
para respirar, dentre outros sintomas. Diante das reiteradas queixas aos carcereiros,
diretora do presídio e à assistente social, os servidores da unidade prisional o
encaminharam à enfermaria do local, onde foi realizada uma breve checagem e
administrada dipirona, e logo o levaram de volta para a mesma cela.
Em contato com a família e a advogada nos dias [datas] por meio de [meio de
comunicaçã o], [nome] expô s a lamentá vel situaçã o em que se encontrava na cela, mesmo
depois de diversas queixas sobre seu estado de saú de e das idas à enfermaria: [descrever
sintomas e irregularidades].
[descrever demais sintomas do preso e irregularidades]
Na segunda-feira (data...) o quadro de saú de estava ainda pior e [nome] já tinha perdido
grande parte da visã o, apresentando “olho branco”. Somente na terça-feira (data...) [nome]
foi encaminhado para o devido atendimento médico no Hospital Geral de ..., onde foi
diagnosticado com pneumonia decorrente de gripe H1N1 e internado, vindo a ó bito na
quinta-feira (data...).
Conforme o laudo pericial necroscó pico anexo, o diagnó stico da morte restou
“caracterizado pelos seguintes fenô menos cadavéricos abió ticos imediatos e/ou
consecutivos: parada cardiocirculató ria, parada respirató ria, imobilidade, insensibilidade,
inconsciência, com hipotermia e desidrataçã o, sinais oculares instalados”, o que confirma
todas as queixas de sintomas feitas pelo de cujus por vá rios dias antes do devido
atendimento médico e internaçã o, bem como evidencia a omissão do Estado ao não
providenciar imediatamente o referido atendimento e consequente violação de
direitos fundamentais de [nome], das determinações da Lei de Execução Penal, bem
como de outros diplomas legais, que serão oportunamente discutidos adiante.
Destacamos ainda a có pia da notícia anexa, da qual se extrai que as visitas do presídio
foram suspensas dois dias apó s a morte de [nome] devido à suspeita de contaminaçã o com
H1N1. À reportagem, a Secretaria de Administraçã o Penitenciá ria informou que isolou os
presos com suspeita de H1N1, o que nã o ocorreu quando [nome] e seus colegas de cela por
vá rias vezes solicitaram atendimento médico, vez que já havia muitos dias que aquele
vinha apresentando sintomas gravíssimos.
Ressalte-se que [nome] muito provavelmente estava prestes a sair da prisã o e voltar para
casa, visto que foi extinta a sua punibilidade pela prescriçã o da pretensã o executó ria (HC
n.º ..., 1ª Turma,TRF-1).
Diante da conduta negligente do Estado de Sã o Paulo, acima narrada, a qual culminou na
morte do Sr. [nome] e nos consequentes danos morais à sua família, nã o restou alternativa
aos Requerentes senã o o ajuizamento da presente açã o com a finalidade de obter a devida
reparaçã o dos referidos danos.
2. DA COMPETÊNCIA DE UMA DAS VARAS DA FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL
O artigo 52, pará grafo ú nico, do Có digo de Processo Civil dispõ e:
Art. 52. [...] Pará grafo ú nico. Se Estado ou o Distrito Federal for o demandado, a açã o
poderá ser proposta no foro de domicílio do autor, no de ocorrência do ato ou fato que
originou a demanda, no de situaçã o da coisa ou na capital do respectivo ente federado.
Considerando a faculdade processual conferida pelo dispositivo supracitado, os
Requerentes optaram por propor a açã o em seu foro de domicílio, qual seja, a comarca de
município/estado. Embora nã o exista expressa previsã o legal sobre a competência de Vara
da Fazenda Pú blica Estadual para conhecer pedidos em que outras unidades federativas
sejam demandadas, cumpre observar que este tem sido o posicionamento adotado, em
interpretaçã o analó gica do disposto no artigo 30, inciso I, alínea a, do Có digo de
Organizaçã o Judiciá ria de Goiá s, in verbis:
Art. 30 – Compete ao Juiz de Direito:
I – Na Vara da Fazenda Pú blica Estadual:
a) processar e julgar:
1 - as causas em que o Estado de Goiá s, suas autarquias, empresas pú blicas e fundaçõ es por
ele mantidas, forem autores, réus, assistentes, intervenientes ou oponentes, e as que lhes
forem conexas ou acessó rias; [...]
Nesse sentido, vale colacionar decisã o proferida pela magistrada [...] nos autos n.º [...], que
tramitaram perante a comarca de município/estado:
De acordo com a sistemá tica introduzida pelo novo Có digo de Processo Civil, especialmente
em seu art. 52, pará grafo ú nico, "se Estado ou o Distrito Federal for o demandado, a ação
poderá ser proposta no foro de domicílio do autor, no de ocorrência do ato ou fato que
originou a demanda, no de situação da coisa ou na capital do respectivo ente federado".
[...] Ato contínuo, cumpre esclarecer que o artigo 30, inciso I, 'a', do Có digo de Organizaçã o
Judiciá ria de Goiá s dispõ e a respeito da competência da Vara da Fazenda Pú blica, o qual
prevê o seguinte:
Art. 30 – Compete ao Juiz de Direito:
I – Na Vara da Fazenda Pú blica Estadual:
a) processar e julgar:
1 - as causas em que o Estado de Goiá s, suas autarquias, empresas pú blicas e fundaçõ es por
ele mantidas, forem autores, réus, assistentes, intervenientes ou oponentes, e as que lhes
forem conexas ou acessó rias; [...]
Neste compasso, muito embora nã o haja expressa previsã o legal acerca da competência da
Vara da Fazenda Pú blica para conhecer de pedidos envolvendo outras unidades
federativas, tenho que, na hipó tese vertente, a interpretaçã o analó gica deve ser prestigiada,
uma vez que, apesar da omissão legislativa, o feito não perde a natureza de Fazenda
Pública, diante da presença do Distrito Federal como réu. [...]. Caldas Novas, 10 de junho de
2016. (grifamos)
Logo, entende-se que a presente demanda deve ser processada e julgada por uma das varas
da fazenda pú blica estadual da comarca de município/estado.
3. DO DIREITO
O Estado é responsá vel pela guarda e segurança das pessoas submetidas a encarceramento,
enquanto permanecerem detidas. Assim, é dever do Poder Pú blico mantê-las em condiçõ es
carcerá rias com mínimos padrõ es de humanidade estabelecidos em lei, bem como, se for
o caso, ressarcir os danos que daí decorrerem. O dever do Estado de garantir a
segurança pessoal, física e psíquica dos detentos é imposto nã o apenas pelo ordenamento
nacional, mas também por compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.
Referido dever encontra fundamento no artigo 5º, incisos XLVII, alínea e (“nã o haverá
penas cruéis”); XLVIII (“a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo
com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado”); e XLIX (“é assegurado aos presos o
respeito à integridade física e moral”); da Constituiçã o Federal.
Os artigos 10, 11, 12 e 14 da Lei n.º 7.210/84 (Lei de Execuçã o Penal) atribuem ao Estado o
dever de garantir assistência material e à saú de, dentre outras, ao preso:
Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o
crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.
Pará grafo ú nico. A assistência estende-se ao egresso.
Art. 11. A assistência será :
I - material; II - à saú de; III -jurídica; IV - educacional; V - social; VI - religiosa.
Art. 12. A assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de
alimentaçã o, vestuá rio e instalaçõ es higiênicas.
Art. 14. A assistência à saúde do preso e do internado de caráter preventivo e
curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico.
[...]
§ 2º Quando o estabelecimento penal não estiver aparelhado para prover a
assistência médica necessária, esta será prestada em outro local, mediante
autorização da direção do estabelecimento.
Os artigos 40, 85, 87 e 88 da Lei de Execuçã o Penal também estabelecem outras garantias
dos presos e deveres do Estado:
Art. 40 - Impõ e-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos
condenados e dos presos provisó rios.
Art. 85. O estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a sua estrutura e
finalidade.
Pará grafo ú nico. O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciá ria determinará o
limite má ximo de capacidade do estabelecimento, atendendo a sua natureza e
peculiaridades.
Art. 87. A penitenciá ria destina-se ao condenado à pena de reclusã o, em regime fechado.
Pará grafo ú nico. A Uniã o Federal, os Estados, o Distrito Federal e os Territó rios poderã o
construir Penitenciá rias destinadas, exclusivamente, aos presos provisó rios e condenados
que estejam em regime fechado, sujeitos ao regime disciplinar diferenciado, nos termos do
art. 52 desta Lei.
Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitó rio, aparelho
sanitá rio e lavató rio.
Pará grafo ú nico. Sã o requisitos bá sicos da unidade celular:
a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeraçã o, insolaçã o e
condicionamento térmico adequado à existência humana;
b) á rea mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados).
Vá lido destacar, ainda, os compromissos internacionais firmados pelo Brasil que
estabelecem a garantia de integridade física e psíquica das pessoas presas, a ser promovida
pelo Estado: arts. 2, 7, 10 e 14 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das
Naçõ es Unidas, de 1966; arts. 5º, 11 e 25 da Convençã o Americana de Direitos Humanos, de
1969; Resoluçã o 01/08, “Princípios e Boas Prá ticas para a Proteçã o de Pessoas Privadas de
Liberdade nas Américas”, aprovada em 2008 pela Comissã o Interamericana de Direitos
Humanos; Convençã o da ONU contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis,
Desumanos ou Degradantes, de 1984; e Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros
– adotadas no 1º Congresso das Naçõ es Unidas para a Prevençã o ao Crime e Tratamento de
Delinquentes, de 1955.
3.1 DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO
Os artigos 186 e 927 do Código Civil consagram a regra de que todo aquele que causa
dano a outrem é obrigado a repará -lo, in verbis:
Art. 186. Aquele que, por açã o ou omissã o voluntá ria, negligência ou imprudência, violar
direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a
repará -lo.
A Constituiçã o Federal determina que cabe ao Estado responder pelos danos causados
por ação ou omissão de seus agentes, em face da autoaplicabilidade do art. 37, § 6º:
Art. 37 (...)
§ 6º As pessoas jurídicas de direito pú blico e as de direito privado prestadoras de serviços
pú blicos responderã o pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros,
assegurado o direito de regresso contra o responsá vel nos casos de dolo ou culpa.
Nessa perspectiva, a jurisprudência do STF entende que o Estado possui
responsabilidade objetiva pela integridade física e psíquica daqueles que estã o sob sua
custó dia:
A negligência estatal no cumprimento do dever de guarda e vigilâ ncia dos detentos
configura ato omissivo a dar ensejo à responsabilidade objetiva do Estado, uma vez que, na
condiçã o de garante, tem o dever de zelar pela integridade física dos custodiados. (trecho
do voto do Min. Gilmar Mendes no ARE 662563 AgR, julgado em 20/03/2012)
Embora nã o esteja expresso no artigo constitucional supracitado que a responsabilidade
civil do Estado é objetiva, a doutrina e a jurisprudência de forma pacífica assim entendem
por um motivo: o dispositivo exige dolo ou culpa para que o agente público responda
regressivamente, mas não faz esta mesma exigência para que o Estado tenha que
indenizar. Logo, interpreta-se que a exigência de dolo ou culpa é unicamente para a
ação regressiva[1].
Nã o bastasse isso, perceba que o Có digo Civil do mesmo modo adotou a orientaçã o
consagrada na Carta Política:
Art. 43. As pessoas jurídicas de direito pú blico interno sã o civilmente responsá veis por atos
dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito
regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.
Na jurisprudência do STF tem ganhado força o entendimento de que a
responsabilidade civil nos casos de omissão estatal também é OBJETIVA. Isso porque
o art. 37, § 6º da CF/88 determina a responsabilidade objetiva do Estado sem fazer
distinçã o se a conduta é comissiva (açã o) ou omissiva. Nã o cabe ao intérprete estabelecer
distinçõ es onde o texto constitucional nã o o fez. Se a CF/88 previu a responsabilidade
objetiva do Estado, nã o pode o intérprete dizer que essa regra nã o vale para os casos de
omissã o. Dessa forma, a responsabilidade objetiva do Estado engloba tanto os atos
comissivos como os omissivos, desde que demonstrado o nexo causal entre o dano e a
omissã o específica do Poder Pú blico.
Nesse sentido, veja-se o seguinte julgado:
(...) A jurisprudência da Corte firmou-se no sentido de que as pessoas jurídicas de direito
pú blico respondem objetivamente pelos danos que causarem a terceiros, com fundamento
no art. 37, § 6º, da Constituiçã o Federal, tanto por atos comissivos quanto por atos
omissivos, desde que demonstrado o nexo causal entre o dano e a omissã o do Poder
Pú blico. (...) (STF. 2ª Turma. ARE 897890 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em
22/09/2015)
O Estado responde de forma objetiva pelas suas omissõ es, desde que ele tivesse obrigaçã o
legal específica de agir para impedir que o resultado danoso ocorresse. A isso se chama de
"omissã o específica" do Estado. Dessa forma, para que haja responsabilidade civil no caso
de omissã o, deverá haver uma omissã o específica do Poder Pú blico (STF. Plená rio. RE
677139 AgR-EDv-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 22/10/2015).[2] In casu, a
obrigação legal específica de agir (prestar assistência médica a preso que
apresentava quadro grave de saúde) para impedir que o resultado danoso (morte do
então detento [nome]) ocorresse está prevista expressamente no art. 14 da Lei n.º
7.210/84 (Lei de Execução Penal), já citado e grifado acima.
Se o dever estatal de manter em presídios os padrõ es mínimos de humanidade previstos no
ordenamento jurídico é descumprido, surge para o Poder Pú blico a responsabilidade de
ressarcir os danos, inclusive morais, comprovadamente causados aos detentos em
decorrência da falta ou insuficiência das condiçõ es legais de encarceramento. Assim,
ocorrido o dano e estabelecido o seu nexo causal com a atuaçã o/omissã o da Administraçã o
ou dos seus agentes, nasce a responsabilidade civil do Estado.
a. DA CONDUTA ILÍCITA: OMISSÃO ESTATAL
Conforme já exposto na narrativa fá tica, diante do péssimo estado geral apresentado por
[nome] e dos insistentes apelos dele, de seus colegas de cela e da advogada para que fosse
prestado atendimento médico, os servidores do presídio se limitaram a levar o preso à
enfermaria, onde era medicado apenas com Dipirona. Na própria enfermaria foram
constatados sintomas de tuberculose, no entanto, tã o somente foi avisado que seria feito
o teste de escarro cerca de cinco dias depois, data em que um médico estaria na unidade
prisional. Mesmo ante a suspeita de tuberculose, atestada pela equipe de enfermagem,
[nome] continuou sendo medicado com Dipirona e foi levado de volta à cela superlotada e
em horríveis condiçõ es de higiene.
De acordo com o Manual de Recomendaçõ es para o Controle da Tuberculose no Brasil[3],
publicado anualmente pelo Ministério da Saú de, todas as pessoas privadas de liberdade
que procuram o serviço de saú de prisional com sintomas associados à tuberculose,
especialmente a tosse, devem ser imediatamente submetidas ao rastreamento diagnó stico.
O referido Manual também preconiza:
A principal medida para interromper a cadeia de transmissã o da tuberculose é a
identificaçã o precoce e o tratamento oportuno dos casos existentes. Entretanto, é de
fundamental importâ ncia considerar as medidas de biossegurança relacionadas à
ventilaçã o e à iluminaçã o natural na construçã o de novos presídios e na reforma dos atuais
(NOESKE J. et al., 2011), como recomendado pelo conselho nacional de política criminal e
penitenciá ria (BRASIL, 2014) [...]. Os espaços destinados aos serviços de saú de no interior
dos presídios devem ser adequados à s normas vigentes do Ministério da Saú de. [...]. O
isolamento respiratório dos casos de tuberculose nas prisões se impõe nas seguintes
situações: casos identificados no momento do ingresso na prisã o, pelo período de 15 dias;
casos suspeitos ou confirmados de resistência (tosse por mais de duas semanas); e
quando ocorre a falência de tratamento.de modo similar à populaçã o livre, a internação
hospitalar para tratamento da tuberculose está justificada nos casos de hemoptise,
mal estado geral e/ou presença de comorbidades, grave intolerância e hepatite
medicamentosa. [grifamos]
Vale destacar, ainda, as recomendações[4] da própria Secretaria de Estado de Saúde
de São Paulo para casos de suspeita/diagnóstico de turberculose, que incluem como
protocolo mínimo a ser adotado o atendimento ambulatorial, definido pelo
Ministério da Saúde[5] como assistência/consulta médica especializada sem prévio
agendamento:
QUE REMÉ DIOS SÃ O USADOS NO TRATAMENTO DA DOENÇA?
Na maior parte dos casos são utilizados dois medicamentos: duas cápsulas
vermelhas que contém os remédios rifampicina e isoniazida e quatro comprimidos
brancos que contém o medicamento pirazinamida.
QUANDO O PACIENTE PRECISA INTERNAR?
Na maioria dos casos o tratamento deve ser ambulatorial. Quer dizer: no posto de saú de,
centro de saú de, ambulató rio. Mas, se o diagnó stico nã o for realizado o mais rá pido
possível e demore muito tempo para começar o tratamento, o quadro pode se agravar, ou
seja, o pulmã o pode ficar muito prejudicado pelo bacilo obrigando o paciente a receber
cuidados especiais. Uma destas complicações é quando o paciente tosse com muito
sangue e nesse caso tem que internar. [grifamos]
Cumpre asseverar que aqui tratamos somente dos protocolos que deveriam ter sido
adotados ante a suspeita de tuberculose, a princípio verificada pela equipe de enfermagem
do presídio. No caso da suspeita de pneumonia e gripe H1N1, os protocolos a serem
adotados deveriam ter sido ainda mais intensivos/severos. Como já foi dito na narrativa
fá tica, somente no dia [data], mais de DEZ DIAS após [nome] começar a apresentar
estado geral de saúde grave, ele foi encaminhado para receber assistência médica.
Resta concluir que está evidente a omissã o do Estado de Sã o Paulo, responsá vel pelo
Centro de Detençã o Provisó ria [...], ao recusar o isolamento respirató rio e a prestaçã o do
devido atendimento médico a [nome], que apresentava mal estado geral de saú de, com
comorbidades e prová vel necessidade de internaçã o, sendo o diagnó stico de ambas as
doenças das quais havia suspeita (tuberculose, pneumonia e gripe H1N1) fá ceis e rá pidos
se tivessem sido realizados em hospital. Portanto, o Estado tinha o dever de agir prestando
assistência médica ao detento, o que poderia ter evitado a sua morte, porém se omitiu.
a. DOS DANOS MORAIS
Conforme explica o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, o “prejuízo de afeiçã o” (préjudice
d'affection) é o dano extrapatrimonial sofrido pelos familiares da pessoa morta. Trata-se do
dano moral provocado em decorrência da morte do ente querido, cujo sofrimento é
incomensurá vel, bastando pensar na dor e sofrimento psíquico do filho com a perda do
pai, no vazio existencial da esposa com o óbito do marido, o qual muito
provavelmente estava prestes a sair da prisão e voltar para casa, visto que foi extinta
a sua punibilidade pela prescrição da pretensão executória (HC n.º ..., 1ª Turma,TRF-
1).
Busca-se com a indenizaçã o um paliativo para o sofrimento psíquico ensejado pelo evento
danoso, sendo esse o ponto nuclear do conceito de dano moral stricto sensu (voto do
Ministro no EREsp 1.127.913-RS). O prejuízo de afeiçã o é um dano moral que atinge as
vítimas por ricochete, considerando que a vítima direta é o falecido e seus familiares sã o
afetados reflexamente pelo evento. Segundo jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça[6], quando se vislumbra a violaçã o de um direito fundamental (in casu, o direito à
vida, à saú de, à integridade física e à dignidade da pessoa humana), assim eleito pela
Constituiçã o Federal, também se alcança, por consequência, uma inevitá vel violaçã o da
dignidade do ser humano. A compensação nesse caso independe da demonstração da
dor, traduzindo-se, pois, em consequência in re ipsa, intrínseca à própria conduta
que injustamente atinja a referida dignidade.
No presente caso, o dano moral em ricochete restou inegavelmente caracterizado, tendo
atingido os Requerentes de forma reflexa, em decorrência de morte de pessoa da família
([nome]) causada por conduta ilícita omissiva do Estado de Sã o Paulo.
O arbitramento do valor da reparaçã o do dano moral deve considerar, na esteira da melhor
doutrina e jurisprudência, a extensã o do dano, as condiçõ es socioeconô micas e culturais
dos envolvidos, as condiçõ es psicoló gicas das partes e o grau de culpa do agente, critérios
estes que podem ser inferidos dos artigos 944 e 945 do Có digo Civil, in verbis:
Art. 944. A indenizaçã o mede-se pela extensã o do dano.
Pará grafo ú nico. Se houver excessiva desproporçã o entre a gravidade da culpa e o dano,
poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenizaçã o.
Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua
indenizaçã o será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do
autor do dano.
.
Assim, tendo em vista o dano extenso caracterizado pelo evento morte; a perda de ente que
sustentava financeiramente sua família; a gravidade das condiçõ es psicoló gicas dos
familiares que perdem ente que estava prestes a sair da prisã o e voltar para casa; e, por
fim, o elevado grau de culpa do Estado de Sã o Paulo, cuja conduta omissiva resultou nã o só
na morte do preso que se encontrava sob sua custó dia, mas no intenso sofrimento deste (e
de sua família diante da situaçã o), mostra-se adequada a fixaçã o da reparaçã o dos danos
morais no valor de [valor] salários mínimos, a ser repartido entre os Requerentes.
a. DOS DANOS MATERIAIS
1. Dos danos emergentes
Quanto aos danos materiais emergentes no caso em aná lise, consistem na soma dos custos
das inú meras ligaçõ es interurbanas efetuadas pelos Requerentes aos servidores do
presídio (assistente social [nome], diretora, enfermeiros, etc), buscando a concessã o de
assistência médica a [nome], mais os gastos funerá rios para o translado do corpo, veló rio e
sepultamento do de cujus. As ligaçõ es custaram cerca de R$ [valor] ([valor por extenso]) no
total. No tocante aos gastos funerá rios, cumpre informar que o plano mais simples
oferecido pelas funerá rias custa, em média, R$ [valor] ([valor por extenso]).
A indenizaçã o aos Requerentes pelo prejuízo material experimentado é devida com base no
artigo 948, inciso I, do Có digo Civil, que dispõ e:
Art. 948. No caso de homicídio, a indenizaçã o consiste, sem excluir outras reparaçõ es:
I - no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família;
Sendo assim, os danos materiais emergentes suportados pelos Requerentes em razã o da
morte de [nome], diretamente causada por conduta ilícita praticada pelo Estado de Sã o
Paulo (conforme já cabalmente demonstrado), totalizam o valor de R$ [valor] ([valor por
extenso]), montante este que deve ser ressarcido pelo Estado requerido.
1. Da pensão civil por ato ilícito (ex delicto)
Verifica-se na certidã o de ó bito anexa que [nome] tinha [idade] ([idade por extenso]) anos
de idade na data de seu falecimento. Portanto, encontrava-se em idade laboral produtiva e
contribuía financeiramente para o sustento de sua família, de modo que esta dependia dele
economicamente.
A morte de [nome] repercutiu de modo drá stico na vida financeira da família, sobretudo
porque a Requerente [nome] se encontra desempregada há mais de um ano e o Requerente
[nome] contava com a ajuda do pai para custear sua graduaçã o em [curso], a qual teve que
ser trancada perante a Faculdade [nome] (situada em município/estado) apó s a tragédia
em questã o. Dessa maneira, os requerentes vêm enfrentando severas dificuldades
financeiras e se viram obrigados a efetuarem diversas privaçõ es, dentre estas, mudarem-se
do apartamento em que residiam (cujo endereço pode ser verificado no mandado de prisã o
anexo) para a casa dos pais de [nome] (cujo endereço pode ser verificado na certidã o de
ó bito e comprovante de endereço, ambos anexos – ...). Os á udios anexos também provam a
dependência econô mica aqui narrada.
Conforme já exaustivamente apontado, a morte de [nome] decorreu diretamente da
conduta ilícita do Estado de Sã o Paulo, ora requerido. Logo, os danos acima relatados sã o
passíveis de indenizaçã o, na forma do artigo 948, inciso II, do Có digo Civil, que assim
dispõ e:
Art. 948. No caso de homicídio, a indenizaçã o consiste, sem excluir outras reparaçõ es:
II - na prestaçã o de alimentos à s pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a
duraçã o prová vel da vida da vítima.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. MORTE DE DETENTO. DANOS
MATERIAIS. FILHO. PENSIONAMENTO. COMPROVAÇÃ O DO EXERCÍCIO DE ATIVIDADE
REMUNERADA DA VÍTIMA. FAMÍLIA DE BAIXA RENDA. DESNECESSIDADE. 1.
Reconhecida a responsabilidade do Estado pela morte do genitor, têm os filhos
direito ao recebimento de pensão mensal calculada sobre 2/3 (dois terços) da
remuneração da vítima, desde a data do óbito até o momento em que completarem
25 (vinte e cinco) anos de idade. 2. Em se tratando de família de baixa renda, é
devido o pagamento ainda que o de cujus não exerça atividade remunerada,
porquanto presume-se a ajuda mútua entre os parentes. Essa solução se impõe
especialmente no caso dos descendentes órfãos. 3. Ausente parâ metro para a fixaçã o
dos ganhos do falecido, deve o pensionamento tomar por parâ metro o valor do salá rio
mínimo. Precedentes. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp
1603756/MG, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/12/2018,
DJe 12/12/2018)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO
ESPECIAL. INOVAÇÃ O RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO.
RESPONSABILIDADE DO ESTADO. MORTE DE PRESO EM ESTABELECIMENTO
PRISIONAL. QUANTUM INDENIZATÓ RIO. REVISÃ O. VALOR IRRISÓ RIO. POSSIBILIDADE.
PENSIONAMENTO MENSAL. FAMÍLIA DE BAIXA RENDA. CABIMENTO. [...] 3. No caso dos
autos, é insuficiente a cifra de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) para a morte de preso em
estabelecimento prisional. Majoraçã o do valor para R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), com
amparo em precedentes de situaçã o semelhante. 4. É devida a indenizaçã o por dano
material, na forma de pensionamento mensal, aos genitores do menor falecido em razã o de
açã o ou omissã o estatal, ainda que o de cujus nã o exerça atividade remunerada, porquanto
se presume ajuda mú tua entre os integrantes de famílias de baixa renda. 5. Essa
orientação, logicamente, deve alcançar os filhos maiores, pois a obrigação de
alimentos, na forma do art. 1.696 do Código Civil, é recíproca entre pais e filhos.
Ademais, ambas as Turmas componentes da Primeira Seção do STJ já se
posicionaram pelo cabimento de pensão aos genitores de detento morto no interior
de estabelecimento prisional. 6. O encarceramento não afasta a presunção de ajuda
mútua familiar, pois, após a soltura, existe a possibilidade de contribuição do filho
para o sustento da família, especialmente em razão do avançar etário dos pais. 7.
Parâmetros da pensionamento: 2/3 (dois terços) do salário mínimo do dia da morte
até o momento no qual o falecido completaria 25 anos de idade; 1/3 (um terço) a
partir daí até a data em que completaria 65 (sessenta e cinco) anos. Precedentes. 8.
Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 812.782/PR, Rel. Ministro OG
FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/10/2018, DJe 23/10/2018)
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃ O POR DANO
MORAL. FALECIMENTO EM SISTEMA PENITENCIÁRIO DO ESTADO. PENSIONAMENTO
MENSAL. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO EXERCÍCIO DE ATIVIDADE
REMUNERADA PELA VÍTIMA. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. I - O
Supremo Tribunal Federal, nos autos do Recurso Extraordiná rio n. 841526, Tema n. 592,
em regime de repercussã o geral, firmou entendimento de que "em caso de inobservâ ncia
do seu dever específico de proteçã o previsto no art. 5º, inciso XLIX, da Constituiçã o Federal,
o Estado é responsá vel pela morte de detento". II - Assim, a jurisprudência desta Corte
consolidou-se no sentido de que em caso de responsabilidade civil por morte, é
devida a condenação ao pagamento de pensão mensal a familiares do falecido, ainda
que a vítima não exerça atividade remunerada. III - No caso dos autos, o Tribunal de
origem, em desconformidade com a citada jurisprudência, apesar de consignar que ficou
comprovado o nexo causal entre a conduta negligente dos agentes do Estado e a morte do
detento, afastou o pensionamento pleiteado pelas partes autoras. Assim sendo, o acó rdã o
regional deve ser reformado para restabelecer o pensionamento fixado na sentença. IV -
Agravo interno improvido. (AgInt no REsp 1605821/RS, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃ O,
SEGUNDA TURMA, julgado em 16/11/2017, DJe 22/11/2017)
Ante o exposto, os Requerentes pleiteiam a condenaçã o do Estado Requerido no
pagamento de pensã o civil por morte (ex delicto) no valor mensal de 2/3 (dois terços) do
salário mínimo para cada Requerente.
a. DO NEXO CAUSAL
Sem qualquer dificuldade se conclui que o ó bito do preso [nome] decorreu de manifesta
omissã o do Estado de Sã o Paulo, responsá vel pela sua custó dia e ao qual é atribuído pela
Constituiçã o Federal e legislaçã o ordiná ria o dever de prestar assistência médica à pessoa
privada de liberdade, sobretudo diante da manifestaçã o de sintomas de doença grave,
como ocorreu no caso em questã o.
Conforme já explicado nos tó picos acima, o Estado é objetivamente responsá vel pela morte
de detento. Isso porque houve inobservâ ncia de seu dever específico de proteçã o previsto
no art. 5º, inciso XLIX, da CF/88. Acerca do tema, o Supremo Tribunal Federal fixou a
seguinte tese em sede de repercussã o geral:
Em caso de inobservância de seu dever específico de proteção previsto no art. 5º,
inciso XLIX, da CF/88, o Estado é responsável pela morte de detento.
STF. Plená rio. RE 841526/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 30/3/2016 (repercussã o
geral) (Informativo 819).
In casu, [descrever sintomas do preso e irregularidades] [...].
O pró prio derrame pleural e a secreçã o catarral abundante nos pulmõ es foram
diagnosticados logo na primeira ida de [nome] à enfermaria da unidade prisional por meio
de exame físico e já eram motivos suficientes para seu encaminhamento ao hospital para a
realizaçã o de exames e tratamento, vez que os problemas de saú de que geram estas
condiçõ es podem culminar em risco de morte[7]. Já a forma aguda do derrame pericá rdico,
em geral, é de instalaçã o sú bita e se estende por volta de uma a três semanas[8]. Os
sintomas relatados por [nome] eram equivalentes aos causados por essa condiçã o e, mais
uma vez, nota-se que ele devia ter sido internado em hospital muito antes do que
efetivamente ocorreu.
[descrever demais irregularidades]
Por estarem as pessoas privadas de liberdade incluídas nos grupos de risco de doenças
como a tuberculose e a gripe H1N1, a simples verificaçã o dos sintomas destas mediante
exame físico na enfermaria da unidade prisional já obriga o Estado a providenciar
assistência médica ao preso, o que nã o ocorreu no caso em aná lise.
Desse modo, está cabalmente demonstrada, para além da responsabilidade objetiva do
Estado de Sã o Paulo, sua culpa administrativa, consubstanciada no serviço pú blico
ineficiente e prestado de forma MUITO tardia, que resultou na morte de [nome]. Logo,
mesmo que o julgador adote posicionamento que prestigia a “teoria da culpa
administrativa”, e não da responsabilidade objetiva do Estado, estão regularmente
provados no presente caso a omissão estatal, os danos, o nexo causal e a referida
culpa administrativa.
Vale destacar o seguinte julgado, que trata especificamente do nexo causal entre a
omissão do Estado de São Paulo, que tinha a efetiva possibilidade de evitar a morte
de presos prestando a devida assistência médica, e o óbito destes:
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – Danos morais em razão de falecimento de
preso cautelar durante o encarceramento – Possibilidade – Falha no atendimento
médico prestado ao detento junto ao CDP reconhecida – Dever de indenizar
confirmado – Precedente – Cá lculo da correçã o monetá ria e dos juros de mora que deve
observar o critério pacificado tanto pelo STF quanto pelo STJ nos autos do RExtr. nº
870.947-SE, rel. Min. Luiz Fux, j. 20/09/2017 (tema de repercussã o geral nº 810) e do
REsp. nº 1.495.146-MG, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 22/02/2018 (tema de recurso
repetitivo nº 905) – Verba honorá ria reduzida – Recurso parcialmente provido. (TJSP;
Apelaçã o Cível 0031629-47.2011.8.26.0053; Relator (a): Luís Francisco Aguilar Cortez;
Ó rgã o Julgador: 1ª Câ mara de Direito Pú blico; Foro Central - Fazenda Pú blica/Acidentes -
14ª Vara de Fazenda Pú blica; Data do Julgamento: 17/08/2018; Data de Registro:
17/08/2018)
Indispensá vel acentuar o seguinte trecho do voto do relator no recurso supracitado, que
demonstra se tratar de caso MUITO parecido com o presente, inclusive ocorrido na
mesma unidade prisional:
Em que pese a combatividade da Procuradoria da Fazenda do Estado de Sã o Paulo, diante
do relato do atendimento médico prestado ao detento, inviável deixar de reconhecer que
a assistência oferecida foi falha, a ponto de contribuir com o evento morte. A
sequência do atendimento prestado ao falecido está comprovada nos autos e foi
minuciosamente descrita pelo sentenciante à s fls. 647/649, apontado em resumo que: “(...)
o preso ficou três dias sem atendimento médico algum e somente em 4 de junho de 2010
foi levado para um hospital.(...) De volta à unidade prisional, em 4 de junho de 2010, anotou
a enfermeira que teria o preso de retornar ao hospital para reavaliaçã o médica apó s o
resultado dos exames colhidos “com urgência” (fls. 547). Entretanto, cinco dias apó s aquele
atendimento, André ainda nã o havia sido enviado para qualquer retorno médico. (...)
No hospital, permaneceu internado até 14 de junho de 2010, dia em que faleceu por
pancreatite necro-hemorrá gica de acordo com o constatado por exame necroscó pico
realizado pelo Instituto Médico Legal (fls. 585 e verso). O mesmo exame constatou que
André sofria de tuberculose pulmonar (fls. 585)” [...]. Tais fatos sã o incontroversos e estã o
bem demonstrados, concluindo o sentenciante, com base na prova pericial produzida, que:
“A negligência dos agentes pú blicos do CDP onde o filho da autora estava preso é clara na
medida em que foi ele deixado sem atendimento médico adequado e até mesmo sem
atendimento médico algum ao longo de dias. Assim é que o perito judicial (fls. 633/634)
indicou que, entre 27 de maio e 31 de maio de 2010,o preso passou 96 horas sem receber
qualquer medicamento, mesmo com queixa de dor de garganta, fraqueza e febre.
Atendido em 31 de maio de 2010, permaneceu por mais 96 horas sem atendimento algum e
sem melhora de seu estado de saú de até ser finalmente levado para o hospital. [...] de 27 de
maio de 2010, quando foi atendido pela primeira vez na enfermaria da unidade
prisional, a 9 de junho de 2010, quando foi internado no Hospital Geral de
Guarulhos, foi examinado por médico do CDP apenas uma vez! Nesse intervalo de 13
dias, no CDP recebeu ele um único atendimento por médico e um único atendimento
no Hospital Geral de Guarulhos até ocorrer a sua internação nesse mesmo
nosocô mio”[...]. Houve atendimento ambulatorial em que foi constatada a gravidade
(crescente) do quadro clínico, porém, não houve o atendimento médico recomendado
pelo próprio atendimento ambulatorial, falha que atuou como concausa do óbito, tal
como confirmado por perito judicial ,ex vi:“(...) a demora em levar o periciando para
atendimento médico hospitalar quando o mesmo iniciou quadro febril em 27/05/2010,
bem como sua NÃ O internaçã o hospitalar em 04/06/2010 pela equipe médica assistente
atuaram como CONCAUSAS do ó bito” [...].A enfermidade acometida pelo preso é de “alta
morbimortalidade”e a falha no atendimento médico oferecido permite a responsabilizaçã o
do ente estatal, pois reconhecida a omissã o específica do Poder Pú blico no tocante à
integridade física do custodiado. [grifamos]
O trecho acima evidencia que a omissão dos agentes públicos no que diz respeito à
prestação de assistência à saúde dos presos tem sido prática reiterada,
especificamente na unidade prisional de [nome].
Assim, resta perfeitamente demonstrado o nexo de causalidade da conduta omissiva estatal
com o ó bito de [nome]. Incontroverso que o falecido foi alvo de omissã o negligente e
desumana, com a inobservâ ncia da segurança má xima da integridade física do preso. E isso,
obviamente, conduziu à tragédia em vertente.
3.2 DA NÃO APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL
Nã o há como acolher o argumento comumente utilizado pelo Estado que invoca o
"princípio da reserva do possível". Segundo este princípio, os recursos pú blicos sã o
limitados e as necessidades ilimitadas, de forma que nã o há condiçõ es financeiras de o
Estado atender a todas as demandas sociais. Ocorre que só faz sentido considerar este
princípio em açõ es judiciais nas quais está sendo pedida a implementaçã o de direitos
fundamentais a prestaçõ es, especialmente direitos de natureza social (ex: saú de, educaçã o
etc.). Em tais casos, discute-se se é possível conceder o direito pleiteado mesmo que nã o
haja, em tese, capacidade financeira do Estado.
Aqui, contudo, a situaçã o é diferente: a matéria jurídica se situa no â mbito da
responsabilidade civil do Estado de responder pelos danos causados por açã o ou omissã o
de seus agentes, nos termos previstos no art. 37, § 6º, da CF/88. Trata-se de dispositivo
autoaplicável (de eficácia plena), que não depende de lei ou de qualquer outra
providência administrativa. A criaçã o de subterfú gios teó ricos, tais como a separaçã o dos
Poderes, a reserva do possível e a natureza coletiva dos danos sofridos, para afastar a
responsabilidade estatal pelas calamitosas condiçõ es da carceragem afronta nã o apenas o
sentido do art. 37, § 6º, da CF, como também gera o esvaziamento dos dispositivos
constitucionais, convencionais e legais que impõ em ao Estado o dever de garantir a
integridade física e psíquica dos detentos.
3.3 DA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA
Vale ressaltar que é a Administraçã o Pú blica que tem o ô nus de provar causa excludente de
responsabilidade.
Considerando a dificuldade de se obter os documentos relativos à assistência à saú de do
preso, cabe a inversã o dos encargos probató rios, atentando à distribuiçã o dinâ mica dos
ô nus da prova. A esse respeito, o artigo 373, § 1º, do Có digo de Processo Civil dispõ e:
§ 1o Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à
impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à
maior facilidade de obtençã o da prova do fato contrá rio, poderá o juiz atribuir o ô nus da
prova de modo diverso [...]
Assim, como inovaçã o do CPC/2015, o sistema expressamente prevê a “carga dinâ mica do
ô nus da prova”, que significa a possibilidade de o juiz, considerando as especificidades do
caso concreto, fixar o encargo de provar de forma diferenciada.
Tendo em vista as peculiaridades do presente caso, os requerentes pleiteiam a distribuiçã o
dinâ mica do ô nus da prova (art. 373, § 1º, CPC) em relaçã o aos fatos que sejam de prova
inviá vel por parte deles.
4. DO PEDIDO
Diante do exposto, requerem:
1. a procedência dos pedidos, com a condenaçã o do Estado Requerido a indenizar
os Requerentes pelos danos morais por eles sofridos no valor de [valor] ([valor
por extenso]) salá rios mínimos;
2. a condenaçã o do Estado Requerido ao pagamento de danos materiais no valor
de R$ [valor] ([valor por extenso]);
3. a condenaçã o do Estado Requerido ao pagamento de pensã o civil por morte (ex
delicto) no valor mensal de 2/3 (dois terços) do salá rio mínimo para cada
Requerente;
4. a concessã o da gratuidade da justiça, em concordâ ncia com o art. 98 e seguintes
do Có digo de Processo Civil, por serem os Requerentes pessoas pobres na
acepçã o jurídica do termo e nã o reunirem condiçõ es para arcar com as
despesas e custas processuais sem prejuízo de sua pró pria subsistência,
conforme a declaraçõ es econô mico-financeiras anexas;
5. a citaçã o do Estado Requerido por mandado (CPC, art. 247, III) na pessoa de seu
representante legal, Procurador Geral do Estado de Sã o Paulo (CPC, art. 75, II),
com escritó rio na Rua Pamplona, nú mero 227, Jardim Paulista, Sã o Paulo-SP,
CEP 01405-902, para que, querendo, ofereça resposta no prazo legal, sob pena
de se sujeitar aos efeitos da revelia;
6. a nã o designaçã o de audiência de conciliaçã o;
7. que seja determinada ao Estado requerido a juntada de todos os laudos e
prontuá rios médicos de [nome], confeccionados no Centro de Detençã o
Provisó ria [nome] e no Hospital Geral de [nome], bem como da apuraçã o
administrativa do caso;
8. a condenaçã o do Estado Requerido ao pagamento das custas processuais e
honorá rios advocatícios;
9. que todas as comunicaçõ es dos atos e termos do processo sejam feitas em nome
da advogada Sarah Mikelly Abrã o da Luz (OAB-GO 54689), com a sua
habilitaçã o no processo judicial eletrô nico, sob pena de nulidade, nos termos do
artigo 272, § 5º, do Có digo de Processo Civil.
Por fim, protestam provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos,
especialmente pericial e testemunhal. Pugnam desde já pela distribuiçã o dinâ mica do ô nus
da prova (art. 373, § 1º, CPC) em relaçã o aos fatos que sejam de prova inviá vel pelos
requerentes (e logicamente viá vel para a parte requerida).
Dá -se à causa o valor de [soma de todos os valores pretendidos].
Nesses termos, pede deferimento.
Município, data.
Sarah Mikelly Abrã o da Luz
OAB-GO n.º 54689
(assinado eletronicamente)
1. CAVALCANTE, Má rcio André Lopes. Responsabilidade civil do Estado em caso de
morte de detento. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em:
<https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/
9dfcd5e558dfa04aaf37f137a1d9d3e5>.... Acesso em: 10/08/2019 ↑
2. CAVALCANTE, Má rcio André Lopes. Responsabilidade civil do Estado em caso de
morte de detento. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em:
https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/9dfcd5e558dfa
04aaf37f137a1d9d3e5>.... Acesso em: 10/08/2019. ↑
3. A coleçã o institucional do Ministério da saú de pode ser acessada, na íntegra, na
biblioteca Virtual em saú de do Ministério da Saú de: <www.saú de.gov.br/bvs>.tiragem:
2ª ediçã o atualizada – 2019. ↑
4. Disponível em:
http://www.saú de.sp.gov.br/ses/perfil/cidadao/temas-de-saú de/tuberculose/
tratamento. Acesso em: agosto de 2019. ↑
5. Brasil. Ministério da Saú de. Protocolos de acesso ambulatorial: consultas
especializadas/ Ministério da Saú de, Secretaria de Atençã o à Saú de. – Brasília:
Ministério da Saú de, 2015. ↑
6. REsp 1.292.141/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 04.12.2012, publicado no Informativo
513 do STJ. ↑
7. Derrame pleural (á gua na pleura). Disponível em:
<https://drauziovarella.uol.com.br/doencasesintomas/derrame-pleural-agua-na-
pleura/>. Acesso em: 10 de agosto de 2019. ↑
8. Pericardite. Disponível em:
<https://drauziovarella.uol.com.br/doencasesintomas/pericardite/>. Acesso em: 10
de agosto de 2019. ↑

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