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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ

2ª CÂMARA CÍVEL

Autos nº 0032011-10.2009.8.16.0014

Apelação Cível n° 0032011-10.2009.8.16.0014


2ª Vara da Fazenda Pública de Londrina
Apelante: GISLENE DE SOUZA KOYAMA
Apelada: AUTARQUIA MUNICIPAL DE SAUDE DE LONDRINA
Relator: Desembargador Rogério Luis Nielsen Kanayama

AGRAVO RETIDO E APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO


ESTADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE
IMPROCEDÊNCIA. AGRAVO RETIDO: NÃO CONHECIMENTO COM BASE NO
ART. 523, § 1º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APELAÇÃO CÍVEL:
PARTO REALIZADO SEM COMPLICAÇÕES. REGISTRO DE QUE A PLACENTA,
APÓS O PARTO, SE APRESENTAVA ÍNTEGRA. PACIENTE QUE RECEBEU
ALTA MESMO RECLAMANDO DE CÓLICAS E DORES ABDOMINAIS. JÁ EM
CASA, PASSOU A SENTIR FORTES NÁUSEAS E TER SANGRAMENTO
CONSTANTE. RETORNO AO HOSPITAL. CONSTATAÇÃO DE RESTOS
PLACENTÁRIOS DEIXADOS NO ÚTERO DA REQUERENTE. DIAGNÓSTICO
TARDIO. NECESSIDADE DE SUBMISSÃO A NOVO PROCEDIMENTO DE
CURETAGEM PARA RETIRADA DOS TECIDOS PLACENTÁRIOS RESTANTES.
ANOTAÇÕES MÉDICAS QUE REVELAM A RETIRADA DE GRANDE
QUANTIDADE DE RESTOS. VERIFICADA A CONDUTA, COM FALHA NO
ATENDIMENTO PRESTADO, O DANO E O NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE
AMBOS. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO. PRECEDENTES DESTA
CORTE EM CASOS ANÁLOGOS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

a. De acordo com o art. 523, § 1º, do Código de Processo Civil de 1973, “não se
conhecerá do agravo se a parte não requerer expressamente, nas razões ou na
resposta da apelação, sua apreciação pelo Tribunal”.

b. Presentes a conduta, o nexo de causalidade e o dano, e verificada a falha no


atendimento prestado pelo profissional, deve ser reconhecido o dever de
indenizar da apelada.

VISTOS, relatados e discutidos estes autos Apelação Cível nº


0032011-10.2009.8.16.0014, da 2ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca da Região
Metropolitana de Londrina, em que é apelante GISLENE DE SOUZA KOYAMA e, apelada, a AUTARQUIA
MUNICIPAL DE SAÚDE DE LONDRINA.

I – Trata-se de recurso de apelação cível interposto contra a sentença que julgou


improcedente o pedido deduzido na Ação de Indenização por Danos Morais nº 0032011-10.2009.8.16.0014 e
condenou a autora ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios no valor de
R$ 3.000,00 (três mil reais)[1] (mov. 190.1).
A apelante sustenta, em resumo, que “o simples fato de a Apelante ter recebido alta
com GRANDE QUANTIDADE DE RESTOS PLACENTÁRIOS (fato incontroverso nos autos e provado
documentalmente), por si só, já comprova o erro médico” (mov. 200.1).

Afirma, mais, que “o laudo pericial judicial, confeccionado por perito do confiança do
Juízo, confirmou que não é correto a paciente receber alta com restos placentários” (mov. 200.1).

Requer, então, o conhecimento e provimento do recurso para que a apelada seja


condenada ao pagamento de indenização a título de danos morais (mov. 200.1).

A recorrida, em contrarrazões, alega que “o laudo pericial afastou a possibilidade de


ter havido qualquer erro médico, imprudência, negligência e imperícia durante os procedimentos de parto e
curetagem, inexistindo, portanto, culpa por parte da equipe que prestou atendimento à apelante” (mov.
203.1).

Diz que, “pertinente aos restos placentários, indubitável que estes eram inevitáveis e
imprevisíveis, considerando que a placenta apresentava íntegra. Nesse sentido, as circunstâncias discutidas
podem comprovar que os eventuais problemas apresentados pela apelante não foram causados por omissão
ou negligência por parte da equipe médica da maternidade, visto que as anomalias decorreram de fatos à
vontade e cognição pretérita da Administração Pública quanto aos eventuais infortúnios” (mov. 203.1).

Pugna, ao final, pelo desprovimento do apelo (mov. 203.1).

Inicialmente, distribuiu-se a apelação ao Desembargador Gil Francisco de Paula


Xavier Fernandes Guerra, integrante da 9ª Câmara Cível desta Corte (mov. 3.1 – recurso). Na sequência, o
Juiz Substituto em 2º Grau Guilherme Frederico Hernandes Denz ordenou a redistribuição do feito na forma
do art. 110, I, “b”, do Regimento Interno deste Tribunal (mov. 10.1 – recurso).

Ato contínuo, distribuiu-se o recurso a este Relator na forma determinada (mov. 15.1 –
recurso).

A douta Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pelo conhecimento e


desprovimento do apelo (mov. 28.1 – recurso).

É o relatório.

II – Ressalte-se, de início, que deixo de conhecer do agravo retido interposto pela


Autarquia Municipal de Saúde de Londrina (mov. 1.13), com fundamento no art. 523, § 1º, do Código de
Processo Civil de 1973[2], diante da ausência de pedido expresso de apreciação por esta Corte em
contrarrazões.

Quanto à apelação, presentes os pressupostos de admissibilidade, extrínsecos


(tempestividade, preparo, regularidade formal e inexistência de fato impeditivo) e intrínsecos (legitimidade,
interesse e cabimento), conheço do recurso, com efeito suspensivo, por não vislumbrar, na hipótese,
nenhuma das exceções previstas no § 1º, do art. 1.012, do Código de Processo Civil.

Todavia, antes de analisar as particularidades do caso concreto, reputo necessário


tecer algumas considerações acerca do instituto da responsabilidade civil estatal.

Nas palavras de Marçal Justen Filho, “a responsabilidade civil do Estado consiste no


dever de indenizar os danos materiais e morais sofridos por terceiros em virtude de ação ou omissão
antijurídica imputável ao Estado” (in Curso de Direito Administrativo. 13. ed. São Paulo: Thomson Reuters,
2018. p. 1.283).

Nos dias atuais, parece não haver dúvida sobre o dever do Estado de indenizar os
danos por ele causados aos particulares. Para que se chegasse a essa conclusão, contudo, houve uma
longa evolução histórica, que partiu da absoluta irresponsabilidade.

Como explica Matheus Carvalho, inicialmente, vigorava a tese da irresponsabilidade


estatal, baseada na premissa de que “o rei nunca errava”, bem como na ideia da personificação divina do
monarca.

Na sequência, passou-se a admitir a responsabilidade estatal em casos específicos,


desde que houvesse previsão legal para tanto. Segundo o autor, as discussões que deram início a essa nova
fase decorreram do atropelamento de uma criança por um trem na França.

Posteriormente, admitiu-se a responsabilidade subjetiva, fora das hipóteses de


expressa previsão legal, quando evidenciada a conduta estatal, o dano, o nexo de causalidade e o elemento
subjetivo, vale dizer, a culpa (negligência, imprudência ou imperícia) ou o dolo (vontade ou assunção do risco
conhecido) do agente. Nessa fase, como explica o autor, a responsabilização do Estado ocorria nos moldes
do direito civil.

Na sequência, a fim de ampliar as garantias do cidadão, diante da dificuldade de


comprovação da intenção do agente público, adotou-se a Teoria da Culpa do Serviço (“faute du service”),
segundo a qual basta a comprovação da má prestação ou ineficiência do serviço público, sem a necessidade
de indicação do agente causador do dano. Fala-se, portanto, em “culpa anônima”.

Chegou-se, por fim, à Teoria da Responsabilidade Objetiva, que exige, para a sua
configuração, a demonstração do dano e do nexo de causalidade entre ele e a conduta de um agente
público, a qual pode ser lícita ou ilícita[3]. É irrelevante, portanto, a culpa ou dolo do agente. De acordo com o
autor, essa teoria passou a ser adotada pela Constituição Federal de 1946 e prevalece desde então
(CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 5. ed. Salvador: JusPodivm. 2018, pgs. 340/342).

Com efeito, estabelece o art. 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988 que “as
pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão
pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso
contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

Na mesma linha, o art. 43 do Código Civil prevê que “as pessoas jurídicas de direito
público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a
terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou
dolo”.

Da simples leitura dos dispositivos é possível concluir que é objetiva a


responsabilidade do Estado por danos causados aos particulares pelos agentes públicos. Por outro lado, a
responsabilidade dos agentes é subjetiva e depende da demonstração de que atuaram com dolo ou culpa.

Nesse caminho, Odete Medauar explica que “o preceito constitucional estabelece


duas relações de responsabilidade: a) a do Poder Público e seus delegados na prestação de serviços
públicos perante a vítima do dano, de caráter objetivo, baseada no nexo causal; b) a do agente causador do
dano, perante a Administração ou empregador, de caráter subjetivo, calcada no dolo ou culpa” (in Direito
Administrativo Moderno. 21. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 368).

Consigna-se que, recentemente, a Suprema Corte, ao julgar o RE nº 1027633, com


repercussão geral (Tema 940), assentou que a responsabilidade do Estado e do agente público devem ser
apuradas em ações distintas – a primeira, em demanda ajuizada pelo lesado e, a segunda, em ação de
regresso do Estado contra seu agente. Confira-se:

“A teor do disposto no artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, a ação por danos causados
por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado,
prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima o autor do ato, assegurado o direito de regresso
contra o responsável nos casos de dolo ou culpa[4]” .

Vale registrar, por oportuno, a existência de duas teorias sobre a responsabilidade


objetiva do Estado. A Teoria do Risco Administrativo – adotada, em regra, no País [5] – parte do
pressuposto de que as prerrogativas do Estado geram a ele o dever de arcar com o risco de suas atividades.
O Estado responderá, portanto, objetivamente pelos danos causados por seus agentes. Admite-se, contudo,
a exclusão da responsabilidade quando, embora presentes seus elementos (conduta, dano e nexo causal),
se evidenciam circunstâncias que rompem o nexo causal, como a culpa exclusiva da vítima[6], o caso fortuito
e a força maior.

Já a Teoria do Risco Integral, por outro lado, não admite excludentes de


responsabilidade. De acordo com Matheus Carvalho, parte-se da “premissa de que o ente público é
garantidor universal e, sendo assim, conforme a teoria, a simples existência do dano e do nexo causal é
suficiente para que surja a obrigação de indenizar para a Administração” (in Manual de Direito Administrativo.
5. Ed. Salvador: JusPodivm, 2018. p. 348).

Trata-se, portanto, de responsabilidade objetiva e absoluta, que, em razão disso, para


a maioria da doutrina, é aplicada excepcionalmente, apenas nas hipóteses de danos decorrentes de
atividades nucleares, danos ao meio ambiente, acidentes de trânsito – em relação ao pagamento de Seguro
DPVAT –, crimes ocorridos em aeronaves no espaço aéreo brasileiro e ataques terroristas (CARVALHO,
Matheus. Manual de Direito Administrativo. 5. Ed. Salvador: JusPodivm, 2018. pgs. 347/348).

De todo o exposto, é possível concluir que a responsabilidade do Estado por atos


comissivos será objetiva, com base na Teoria do Risco Administrativo, com a ressalva de que, em
determinados casos – como danos ambientais, nucleares, etc. -, além de objetiva, a responsabilidade será
absoluta, com fundamento na Teoria do Risco Integral.

Portanto, de rigor a apreciação do caso sob a perspectiva da responsabilidade


objetiva, com base na teoria do risco administrativo.

Passo, pois, à análise da pretensão recursal.

Deflui-se que Gislene de Souza Koyama ajuizou, em 31.7.2009, ação de indenização


por danos morais contra o Município de Londrina, o Hospital Municipal Lucilla Ballalai e a Autarquia Municipal
de Saúde de Londrina.

Relata, na inicial, que: (i) engravidou no início de 2008 e a gravidez transcorreu


normalmente, sem grandes problemas; (ii) iniciou trabalho de parto no dia 24.12.2008, às 17h00, e deu
entrada no Hospital Municipal Lucilla Ballalai com a bolsa rota; (iii) o parto ocorreu bem, mas, a partir das
21h00, começou a sentir cólicas e dores abdominais; (iv) foi medicada, todavia, as dores não diminuíram; (v)
apesar da continuidade das dores, recebeu alta no dia 25.12.2008; (vi) ao chegar em casa, começou a sentir
fortes náuseas e percebeu sangramento constante na região vaginal; (vii) retornou ao hospital no dia
26.12.2008 e foi diagnosticada com a síndrome “anêmico pós-parto”, causada pela existência de restos
placentários em virtude da remoção incompleta da placenta no momento do parto; (viii) por essa razão, em
27.12.2008, foi submetida a novo procedimento de curetagem; (ix) o médico anotou no prontuário a retirada
de “grande quantidade de restos”; (x) permaneceu internada até 1º.1.2009, quando recebeu alta; (xi) o
sangramento continuou e resolveu procurar ginecologista de confiança, que constatou ainda existirem restos
placentários em seu útero; (xii) foi novamente submetida a procedimento de curetagem para, finalmente,
aproximadamente 2 (dois) meses após o parto do filho, ter todos os restos placentários removidos.

Requer, então, a condenação solidária dos réus ao pagamento de R$ 80.000,00


(oitenta mil reais) a título de danos morais (mov. 1.1).

Apresentada contestação pelos requeridos (mov. 1.7), sobreveio a decisão extinguiu o


processo, sem resolução de mérito, em relação ao Hospital Lucilla Ballalai e ao Município de Londrina (mov.
1.11).

Após a realização de prova pericial (movs. 145.1 e 163.1), sobreveio a sentença que
julgou o pedido improcedente nos seguintes termos:

“(...)

Conforme esclarecido no laudo pericial, o parto foi realizado sem intercorrências, com posterior
avaliação de rotina com análise da integridade da placenta, sendo a alta médica recomendada
naquele momento. Posteriormente, em razão do sangramento apresentado pela autora, foram
realizados novos exames e houve o diagnóstico de existência de restos placentários, de forma que o
procedimento de curetagem foi corretamente indicado para o caso em tela. Por outro lado, a
segunda curetagem foi realizada em razão da suspeita de persistência de restos placentários,
porém, após o procedimento a suspeita não se confirmou.

No caso, a presença de restos placentários, segundo o laudo pericial, não poderia ser prevista pelo
médico, eis que na análise da placenta esta se apresentava íntegra. Os restos placentários deixados
em cavidade do útero, portanto, foram inevitáveis e imprevisíveis ao que consta, não sendo possível
afirmar, portanto, que ocorreu erro médico nos procedimentos realizados à autora.

Assim, diante das provas produzidas, não há que se falar em imprudência, negligência ou imperícia
do médico que atendeu a autora na Maternidade Municipal, pois comprovado que foram adotados os
procedimentos médicos adequados e recomendados para o caso.

(...)

Deste modo, não vislumbro a ocorrência de causalidade entre a suposta omissão da ré e os danos
sofridos pela autora. Aliás, já advertia Caio Mário Pereira da Silva (in Responsabilidade Civil, 1993,
p. 76), a seu tempo, que o nexo de causalidade é o mais delicado dos elementos da
responsabilidade civil. Logo, ausente o liame da causalidade não se admite a obrigação de indenizar.

(...)

Por todo o exposto, a autora não logrou êxito em comprovar, nos termos do artigo 373, I, do Código
de Processo Civil, o erro médico que sustentava a pretensão deduzida, tampouco o nexo de
causalidade a configurar a responsabilidade, cujo ônus lhes competia, de modo que se mostra
descabida a pretendida indenização por danos morais e materiais.
(...)

Portanto, ausente o ato ilícito e ausente o nexo de causalidade, exclui-se assim o dever de indenizar
pelos danos morais sofridos pela autora. O feito, portanto, deve ser julgado improcedente.

Demais argumentos das partes ou não encontram respaldo na causa de pedir, ou são incompatíveis
com a fundamentação desta decisão.

III. DISPOSITIVO

Posto isso, julgo extinto o processo com resolução de mérito, pela IMPROCEDÊNCIA dos pedidos
formulados na petição inicial, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil” (mov. 190.1).

É contra a referida sentença que se insurge, agora, a apelante.

Com razão.

É incontroverso nos autos que a recorrente recebeu alta no dia 25.12.2008 mesmo
havendo restos placentários no útero e, por essa razão, teve que passar por mais um procedimento de
curetagem no dia 27.12.2008.

De acordo com o perito, a avaliação de rotina que demonstra a existência de restos


placentários no útero após o parto consiste, justamente, na análise da placenta, confira-se:

“2. Havia meios médicos (exame de averiguação) para, logo depois do parto, verificar se
haviam restos placentários que deveriam ser retirados?

A avaliação de rotina foi feita e descrita, que é a análise da integridade da placenta” (mov. 145.1).

No caso, o médico responsável realizou a referida avaliação e anotou que a placenta


se apresentava íntegra, conforme informações prestadas no prontuário.

Todavia, no dia seguinte ao recebimento da alta, a recorrente retornou ao hospital e foi


constatada a existência de tecidos da placenta ainda no útero, o que motivou a realização de outra
curetagem com a retirada de “grande quantidade de restos”:

“(...)

7. No procedimento de curetagem realizado no dia 27/12/2008 houve a retirada de restos


placentários? A quantidade retirada é comum? Os restos placentários retirados neste
procedimento deveriam ter sido retirados logo depois do parto?

Sim. Há descrição de grande quantidade. Respondido nos quesitos anteriores.

8. Não retirar os restos placentários depois do parto é comum?

Não” (mov. 145.1).

Em acréscimo, atente-se para as seguintes respostas dadas pelo expert quanto aos
quesitos da recorrida:

“13. As primeiras 24 horas, após o parto normal, é considerado puerpério imediato?

Sim.
14. A mulher deve ficar em observação, internada, de rotina, neste período? Por que?

Sim. Maiores riscos de eventos e complicações.

(...)

16. Sendo o parto normal ou cesariana, a observação da integridade dos tecidos placentários
pode ser verificada a olho nu (visão macroscópica)?

Sim.

(...)

18. Esta ocorrência é descrita como complicação do período puerperal, na literatura médica
mundial?

Sim” (mov. 145.1).

E, nas respostas aos quesitos complementares apresentados pela autora, o perito


esclareceu, ainda:

“1. É comum, dentro dos parâmetros médicos e legais, a paciente receber alta mesmo com
restos placentários não retirados depois do parto?

Havendo o diagnóstico, não. No caso específico o relato em evolução médica pós-parto, foi
informado placenta inteira, relato de lóquios normais e recebe alta precoce por transferência do RN
para UTI.

2. Qual a importância da realização de exame para se verificar a existência de restos


placentários? A descoberta prematura, ou seja, logo depois do parto, reduziria os danos
causados à Autora?

Fundamental e é feita com análise da placenta. Conforme respondido acima estaria inteira.

3. No procedimento de curetagem realizado no dia 27/12/2008 houve a retirada de restos


placentários? A quantidade retirada é comum? Os restos placentários retirados neste
procedimento deveriam ter sido retirados logo depois do parto?

O procedimento, segundo prontuário médico ocorreu no dia 28/12/2008 as 01:05. Na evolução do dia
28/12/2008 relato de curetagem com saída de grande quantidade de restos. Útero contraído, lóquios
normais. Se houvesse o diagnóstico, sim. (vide resposta do quesito 01)” (mov. 163.1).

Denota-se, portanto, que (i) o diagnóstico de restos placentários no útero é


fundamental e se dá por meio da análise da placenta, passível de constatação por meio de visão
macroscópica (ou seja, a “olho nu”); (ii) verificada a existência de restos placentários deve haver a remoção
imediata, logo após o parto; (iii) não é comum, portanto, a paciente receber alta com restos placentários não
retirados; (iv) a partir da avaliação do médico houve a anotação de que a placenta estaria íntegra; (v)
posteriormente, constatou-se a existência de “grandes restos placentários”, o que motivou a realização de
nova curetagem.

Não há dúvida, então, de que a despeito do diagnóstico inicial, que não constatou a
presença de restos placentários, posteriormente a apelante teve que ser submetida a novo procedimento de
curetagem para retirar pedaços da placenta que permaneceram em seu útero devido ao diagnóstico tardio.
Outrossim, apesar de o laudo pericial apontar que é possível a retenção de tecidos
placentários não passíveis de visualização macroscópica, a anotação do médico que realizou a segunda
curetagem, de retirada de “grande quantidade de restos”, sugere que a desintegração da placenta foi
acentuada e poderia, no exame pós-parto, ter sido identificada.

Destarte, diferentemente da conclusão a que chegou o il. Magistrado a quo, entendo


que está suficientemente demonstrada a falha no atendimento prestado pelo profissional, o dano suportado
pela recorrente e o nexo de causalidade entre ambos.

Há precedentes desta Corte no mesmo sentido:

“APELAÇÃO CÍVEL – “AÇÃO INDENIZATÓRIA DE DANOS MORAIS” – ERRO MÉDICO – PLEITO


DE REVOGAÇÃO DOS BENEFÍCIOS DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA -
IMPOSSIBILIDADE – MANUTENÇÃO DA BENESSE – DEMANDA MOVIDA CONTRA A
PROFISSIONAL RESPONSÁVEL POR REALIZAR O PARTO CESÁREA DA AUTORA –
DEMANDANTE QUE, APÓS A CIRURGIA, APRESENTOU DORES E SANGRAMENTOS –
NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE DUAS CURETAGENS – PERÍCIA, REALIZADA NOS
AUTOS, QUE CONCLUIU PELA EXISTÊNCIA DE RESTOS PLACENTÁRIOS NA CAVIDADE
UTERINA DA SUPLICANTE, OS QUAIS FORAM RETIRADOS QUANDO DO PRIMEIRO
PROCEDIMENTO – SEGUNDO PROCEDIMENTO NECESSÁRIO PARA RETIRADA DE
‘FRAGMENTOS DECIDUAIS E COÁGULOS SANGUÍNEOS’ (MENSTRUAÇÃO) – EXISTÊNCIA
DE ERRO MÉDICO – CULPA DA PROFISSIONAL CONFIGURADA – DEVER DE INDENIZAR A
TÍTULO DE DANOS MORAIS – QUANTUM FIXADO NA SENTENÇA REDUÇÃO – ÔNUS
SUCUMBENCIAIS READEQUADOS. RECURSO DE APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDO”
(TJPR - 10ª C. Cível - 0001855-03.2009.8.16.0026 - Campo Largo - Rel.: DESEMBARGADOR LUIZ
LOPES - J. 08.02.2021 – destaquei).

“AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ERRO MÉDICO. DANOS MATERIAIS, MORAIS E ESTÉTICOS.


SENTENÇA QUE JULGA PROCEDENTE A DEMANDA. APELO 1 - INSURGÊNCIA QUANTO A
DESCONSIDERAÇÃO DA PROVA PERICIAL REALIZADA. NÃO ACOLHIMENTO. INEXISTÊNCIA
DE NEXO CAUSAL. INOCORRÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. APELO 2 - PRELIMINAR:
CERCEAMENTO DE DEFESA. DESCONSIDERAÇÃO DA PROVA PERICIAL. PRELIMINAR
REJEITADA. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO DO JUIZ. INVERSÃO DO ÔNUS DA
PROVA OCORRIDA NA SENTENÇA. POSSIBILIDADE. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO HOSPITAL.
INOCORRÊNCIA. RESPONSABILIDADE DO HOSPITAL PELOS SEUS MÉDICOS.
RESPONSABILIDADE CIVIL. AUSÊNCIA DE DIAGNÓSTICO PRECOCE DE RESTOS
PLACENTÁRIOS NO ÚTERO DA PACIENTE PÓS-PARTO. CULPA COMPROVADA. DANO
CONFIGURADO. DEVER DE INDENIZAR. CORREÇÃO MONETÁRIA DA INDENIZAÇÃO DOS
DANOS MORAIS. SENTENÇA QUE FIXOU TERMO INICIAL DA DATA DO EVENTO DANOSO.
OFENSA A SÚMULA 362 DO STJ. REFORMA PARA A DATA DO ARBITRAMENTO. JUROS DE
MORA. TERMO INICIAL MANTIDO NOS TERMOS DA SUMULA 54 DO STJ. HONORÁRIOS
INALTERADOS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO” (TJPR - 8ª C. Cível - AC - 975528-2 -
Campo Mourão - Rel.: DESEMBARGADOR SERGIO ROBERTO NOBREGA ROLANSKI - Unânime -
J. 22.08.2013 – destaquei).

Em relação ao quantum indenizatório, em casos semelhantes, acima transcritos, esta


Corte tem fixado o dano moral entre R$ 13.000,00 (treze mil reais) e R$ 17.000,00 (dezessete mil reais).

Dessa maneira, a fim de atender aos critérios da proporcionalidade e da razoabilidade,


para evitar o enriquecimento indevido e “levando em consideração o grau de lesividade da conduta ofensiva
e a capacidade econômica da parte pagadora”[7], sem olvidar dos precedentes desta Corte em casos
semelhantes, condeno a recorrida ao pagamento de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) a título de danos morais
à recorrente.
O valor deverá ser corrigido monetariamente pelo Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), a contar da data do arbitramento, nos termos da Súmula nº 362 do
Superior Tribunal de Justiça[8]. Ainda, deverão incidir juros de mora pelo Índice Oficial de Remuneração
Básica da Caderneta de Poupança (TR)[9], a partir do evento danoso, conforme a Súmula nº 54[10], também
daquela Corte Superior.

Diante do provimento do recurso, inverto o ônus sucumbencial, condenando a


recorrida ao pagamento das custas e despesas processuais.

No que se refere aos honorários advocatícios, havendo condenação, arbitro a verba


honorária devida ao procurador da recorrente em 20% (vinte por cento) sobre o valor atualizado da
condenação, consoante o art. 85, § 3º, I, do Código de Processo Civil[11].

III – Voto, então, pelo conhecimento e provimento do recurso, nos termos da


fundamentação.

Ante o exposto, acordam os Desembargadores da 2ª Câmara Cível do Tribunal de


Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, em julgar CONHECIDO E PROVIDO o recurso de GISLENE
DE SOUZA KOYAMA.

O julgamento foi presidido pelo Desembargador Stewalt Camargo Filho, sem voto, e
dele participaram os Desembargadores Rogério Luis Nielsen Kanayama (relator), Antonio Renato Strapasson
e Eugenio Achille Grandinetti.

Curitiba, 26 de novembro de 2021.

Rogério Luis Nielsen Kanayama

Relator

[1]
Exigibilidade suspensa nos termos do art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil.

[2]
“Art. 523. Na modalidade de agravo retido o agravante requererá que o tribunal dele conheça, preliminarmente, por ocasião do
julgamento da apelação.

§ 1º Não se conhecerá do agravo se a parte não requerer expressamente, nas razões ou na resposta da apelação, sua apreciação
pelo Tribunal” (destaquei).

[3] Sobre o caráter lícito ou ilícito da conduta praticada pelo agente público, J.J. Gomes Canotilho, Gilmar Ferreira Mendes, Ingo Wolfgang
Sarlet e Lenio Luiz Streck explicam que “o princípio da igualdade tem sido o principal arrimo utilizado pela doutrina para justificar a
responsabilidade do Estado pelos atos lícitos (ex: desapropriação e a imposição de ônus especiais ao direito de propriedade, etc.);
enquanto o da legalidade é a base da responsabilidade do Estado por atos ilícitos” (in Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo:
Saraiva. Almedina, 2013. p. 908).

[4] http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5136782

[5] A Suprema Corte já assentou que “a responsabilidade civil estatal, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º,
subsume-se à teoria do risco administrativo, (...) posto rejeitada a teoria do risco integral ” (STF. RE 841526, Relator(a): Min. LUIZ FUX,
Tribunal Pleno, julgado em 30/03/2016).

[6] Registre-se que, no caso de culpa concorrente, reduz-se – mas não se exclui – a responsabilidade do Estado. Como explica Marçal
Justen Filho, “se houve concorrência de culpa entre a vítima e o Estado, há o compartilhamento da responsabilidade civil ” (in Curso de
Direito Administrativo. 13. ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2018. p. 1.312).
[7]
STJ, AgInt no AREsp 1046348/GO, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/08/2019, DJe
28/08/2019; STJ, AgInt no AREsp 923.244/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em
29/04/2019, DJe 10/05/2019.

[8]
“A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento ”.

[9]
“Art. 1º-F. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária,
remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de
remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança”.

[10]
“Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual”.

[11]
“Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. (...)

§ 3º Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do §
2º e os seguintes percentuais:

I - mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido até 200 (duzentos)
salários-mínimos”.

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