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2ª CÂMARA CÍVEL
Autos nº 0032011-10.2009.8.16.0014
a. De acordo com o art. 523, § 1º, do Código de Processo Civil de 1973, “não se
conhecerá do agravo se a parte não requerer expressamente, nas razões ou na
resposta da apelação, sua apreciação pelo Tribunal”.
Afirma, mais, que “o laudo pericial judicial, confeccionado por perito do confiança do
Juízo, confirmou que não é correto a paciente receber alta com restos placentários” (mov. 200.1).
Diz que, “pertinente aos restos placentários, indubitável que estes eram inevitáveis e
imprevisíveis, considerando que a placenta apresentava íntegra. Nesse sentido, as circunstâncias discutidas
podem comprovar que os eventuais problemas apresentados pela apelante não foram causados por omissão
ou negligência por parte da equipe médica da maternidade, visto que as anomalias decorreram de fatos à
vontade e cognição pretérita da Administração Pública quanto aos eventuais infortúnios” (mov. 203.1).
Ato contínuo, distribuiu-se o recurso a este Relator na forma determinada (mov. 15.1 –
recurso).
É o relatório.
Nos dias atuais, parece não haver dúvida sobre o dever do Estado de indenizar os
danos por ele causados aos particulares. Para que se chegasse a essa conclusão, contudo, houve uma
longa evolução histórica, que partiu da absoluta irresponsabilidade.
Chegou-se, por fim, à Teoria da Responsabilidade Objetiva, que exige, para a sua
configuração, a demonstração do dano e do nexo de causalidade entre ele e a conduta de um agente
público, a qual pode ser lícita ou ilícita[3]. É irrelevante, portanto, a culpa ou dolo do agente. De acordo com o
autor, essa teoria passou a ser adotada pela Constituição Federal de 1946 e prevalece desde então
(CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 5. ed. Salvador: JusPodivm. 2018, pgs. 340/342).
Com efeito, estabelece o art. 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988 que “as
pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão
pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso
contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
Na mesma linha, o art. 43 do Código Civil prevê que “as pessoas jurídicas de direito
público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a
terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou
dolo”.
“A teor do disposto no artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, a ação por danos causados
por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado,
prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima o autor do ato, assegurado o direito de regresso
contra o responsável nos casos de dolo ou culpa[4]” .
Após a realização de prova pericial (movs. 145.1 e 163.1), sobreveio a sentença que
julgou o pedido improcedente nos seguintes termos:
“(...)
Conforme esclarecido no laudo pericial, o parto foi realizado sem intercorrências, com posterior
avaliação de rotina com análise da integridade da placenta, sendo a alta médica recomendada
naquele momento. Posteriormente, em razão do sangramento apresentado pela autora, foram
realizados novos exames e houve o diagnóstico de existência de restos placentários, de forma que o
procedimento de curetagem foi corretamente indicado para o caso em tela. Por outro lado, a
segunda curetagem foi realizada em razão da suspeita de persistência de restos placentários,
porém, após o procedimento a suspeita não se confirmou.
No caso, a presença de restos placentários, segundo o laudo pericial, não poderia ser prevista pelo
médico, eis que na análise da placenta esta se apresentava íntegra. Os restos placentários deixados
em cavidade do útero, portanto, foram inevitáveis e imprevisíveis ao que consta, não sendo possível
afirmar, portanto, que ocorreu erro médico nos procedimentos realizados à autora.
Assim, diante das provas produzidas, não há que se falar em imprudência, negligência ou imperícia
do médico que atendeu a autora na Maternidade Municipal, pois comprovado que foram adotados os
procedimentos médicos adequados e recomendados para o caso.
(...)
Deste modo, não vislumbro a ocorrência de causalidade entre a suposta omissão da ré e os danos
sofridos pela autora. Aliás, já advertia Caio Mário Pereira da Silva (in Responsabilidade Civil, 1993,
p. 76), a seu tempo, que o nexo de causalidade é o mais delicado dos elementos da
responsabilidade civil. Logo, ausente o liame da causalidade não se admite a obrigação de indenizar.
(...)
Por todo o exposto, a autora não logrou êxito em comprovar, nos termos do artigo 373, I, do Código
de Processo Civil, o erro médico que sustentava a pretensão deduzida, tampouco o nexo de
causalidade a configurar a responsabilidade, cujo ônus lhes competia, de modo que se mostra
descabida a pretendida indenização por danos morais e materiais.
(...)
Portanto, ausente o ato ilícito e ausente o nexo de causalidade, exclui-se assim o dever de indenizar
pelos danos morais sofridos pela autora. O feito, portanto, deve ser julgado improcedente.
Demais argumentos das partes ou não encontram respaldo na causa de pedir, ou são incompatíveis
com a fundamentação desta decisão.
III. DISPOSITIVO
Posto isso, julgo extinto o processo com resolução de mérito, pela IMPROCEDÊNCIA dos pedidos
formulados na petição inicial, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil” (mov. 190.1).
Com razão.
É incontroverso nos autos que a recorrente recebeu alta no dia 25.12.2008 mesmo
havendo restos placentários no útero e, por essa razão, teve que passar por mais um procedimento de
curetagem no dia 27.12.2008.
“2. Havia meios médicos (exame de averiguação) para, logo depois do parto, verificar se
haviam restos placentários que deveriam ser retirados?
A avaliação de rotina foi feita e descrita, que é a análise da integridade da placenta” (mov. 145.1).
“(...)
Em acréscimo, atente-se para as seguintes respostas dadas pelo expert quanto aos
quesitos da recorrida:
Sim.
14. A mulher deve ficar em observação, internada, de rotina, neste período? Por que?
(...)
16. Sendo o parto normal ou cesariana, a observação da integridade dos tecidos placentários
pode ser verificada a olho nu (visão macroscópica)?
Sim.
(...)
18. Esta ocorrência é descrita como complicação do período puerperal, na literatura médica
mundial?
“1. É comum, dentro dos parâmetros médicos e legais, a paciente receber alta mesmo com
restos placentários não retirados depois do parto?
Havendo o diagnóstico, não. No caso específico o relato em evolução médica pós-parto, foi
informado placenta inteira, relato de lóquios normais e recebe alta precoce por transferência do RN
para UTI.
Fundamental e é feita com análise da placenta. Conforme respondido acima estaria inteira.
O procedimento, segundo prontuário médico ocorreu no dia 28/12/2008 as 01:05. Na evolução do dia
28/12/2008 relato de curetagem com saída de grande quantidade de restos. Útero contraído, lóquios
normais. Se houvesse o diagnóstico, sim. (vide resposta do quesito 01)” (mov. 163.1).
Não há dúvida, então, de que a despeito do diagnóstico inicial, que não constatou a
presença de restos placentários, posteriormente a apelante teve que ser submetida a novo procedimento de
curetagem para retirar pedaços da placenta que permaneceram em seu útero devido ao diagnóstico tardio.
Outrossim, apesar de o laudo pericial apontar que é possível a retenção de tecidos
placentários não passíveis de visualização macroscópica, a anotação do médico que realizou a segunda
curetagem, de retirada de “grande quantidade de restos”, sugere que a desintegração da placenta foi
acentuada e poderia, no exame pós-parto, ter sido identificada.
O julgamento foi presidido pelo Desembargador Stewalt Camargo Filho, sem voto, e
dele participaram os Desembargadores Rogério Luis Nielsen Kanayama (relator), Antonio Renato Strapasson
e Eugenio Achille Grandinetti.
Relator
[1]
Exigibilidade suspensa nos termos do art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil.
[2]
“Art. 523. Na modalidade de agravo retido o agravante requererá que o tribunal dele conheça, preliminarmente, por ocasião do
julgamento da apelação.
§ 1º Não se conhecerá do agravo se a parte não requerer expressamente, nas razões ou na resposta da apelação, sua apreciação
pelo Tribunal” (destaquei).
[3] Sobre o caráter lícito ou ilícito da conduta praticada pelo agente público, J.J. Gomes Canotilho, Gilmar Ferreira Mendes, Ingo Wolfgang
Sarlet e Lenio Luiz Streck explicam que “o princípio da igualdade tem sido o principal arrimo utilizado pela doutrina para justificar a
responsabilidade do Estado pelos atos lícitos (ex: desapropriação e a imposição de ônus especiais ao direito de propriedade, etc.);
enquanto o da legalidade é a base da responsabilidade do Estado por atos ilícitos” (in Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo:
Saraiva. Almedina, 2013. p. 908).
[4] http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5136782
[5] A Suprema Corte já assentou que “a responsabilidade civil estatal, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º,
subsume-se à teoria do risco administrativo, (...) posto rejeitada a teoria do risco integral ” (STF. RE 841526, Relator(a): Min. LUIZ FUX,
Tribunal Pleno, julgado em 30/03/2016).
[6] Registre-se que, no caso de culpa concorrente, reduz-se – mas não se exclui – a responsabilidade do Estado. Como explica Marçal
Justen Filho, “se houve concorrência de culpa entre a vítima e o Estado, há o compartilhamento da responsabilidade civil ” (in Curso de
Direito Administrativo. 13. ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2018. p. 1.312).
[7]
STJ, AgInt no AREsp 1046348/GO, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/08/2019, DJe
28/08/2019; STJ, AgInt no AREsp 923.244/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em
29/04/2019, DJe 10/05/2019.
[8]
“A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento ”.
[9]
“Art. 1º-F. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária,
remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de
remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança”.
[10]
“Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual”.
[11]
“Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. (...)
§ 3º Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do §
2º e os seguintes percentuais:
I - mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido até 200 (duzentos)
salários-mínimos”.