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9ª CÂMARA CÍVEL
I – RELATÓRIO
Trata-se de dois recursos de apelação cível interpostos, respectivamente, por José Leonardo
Bergamini (apelante 1) e Irmandade da Santa Casa de Londrina (apelante 2), contra a sentença proferida
na “ação de indenização por danos morais e materiais e lucros cessantes”, ajuizada Paulinada Cunha
Ferreira em face dos apelantes e o réu Hospital Mater Dei, que foi julgada procedente nos seguintes
termos (mov. 245.1):
“(...)
III. DISPOSITIVO:
Contra referida decisão foram opostos embargos de declaração pela ré Irmandade da Santa
Casa de Londrina (mov. 258.1), aduzindo a ocorrência de omissão sobre o pedido de gratuidade de justiça
formulado em contestação, os quais foram acolhidos nos seguintes termos (mov. 277.1):
Em análise aos autos, foi verificado que o pedido realmente não fora analisado por
este Magistrado em sua decisão, assim, assiste a parte requerida razão, motivo
pelo qual sano o equívoco, portanto passo a decidir.
Vale salientar que caso não haja indeferimento expresso do magistrado em relação
ao pedido supramencionado, entende-se pelo deferimento tácito do benefício.
Vejamos:
O apelante 1 José Leonardo Bergamini interpôs recurso de apelação (mov. 172.1) em que
alegou, em síntese: (a) não foi observado na sentença o laudo elaborado pelo Dr. Carlos Eduardo
Motooka apresentado pelo apelante 1 (mov. 211.2), que considerou que embora tenha havido falha do
médico plantonista, tal conduta não teve repercussão na lesão da apelada, uma vez que ela procurou um
especialista em tempo hábil para o tratamento e que a sequela seria decorrente da própria lesão; (b)
postula a reforma da sentença para que o apelante 1 seja desobrigado de indenizar a apelada em qualquer
valor; (c) caso mantida a sentença de culpa do recorrente, pleiteia que as verbas indenizatórias sejam
minoradas, considerada a idade, o início de carreira e as condições socioeconômicas do apelante 1.
Por sua vez, a apelante 2 Irmandade da Santa Casa de Londrina aduziu que (mov. 284.1):
a) preliminarmente, a ocorrência de cerceamento de defesa pelo indeferimento de produção de prova oral;
b) a ilegitimidade passiva da recorrente e sua consequente exclusão do polo passivo da ação, por se tratar
de ato cuja prática é restrita aos profissionais médicos, bem como por inexistir vínculo empregatício ou
subordinação jurídica entre a apelante 2 e o corréu médico, assim como que a responsabilidade do
hospital por conduta de médico autônomo está restrita aos serviços relacionados com o estabelecimento
comercial propriamente dito; c) a sentença condenatória está pautada em falsas premissas com base em
falha na valoração das provas colhidas; d) não houve a inversão do ônus da prova no processo, de modo
que a apelada deveria ter cumprido com o ônus que lhe era inerente de comprovar os fatos constitutivos
de seu direito; e) a inexistência de falha na prestação de serviços ou ato ilícito que tenha nexo de
causalidade com o dano alegado pela apelada, porque o hospital recorrente e a equipe multidisciplinar que
atenderam a requerida atuaram da maneira recomendada pela literatura e prática médicas; f) a apelada
procurou o médico especialista Dr. Edson Kenji Takaki no início do ano de 2014, que então diagnosticou
a existência da lesão, que poderia ter significado um resultado melhor na cirurgia realizada na mão da
apelada; g) o exame pericial elaborado pelo assistente técnico do corréu (mov. 211.2) esclarece que o
médico plantonista não teria incorrido em ato ilícito capaz de gerar a indenização buscada, restando
esclarecido que o tempo decorrido entre o trauma e a avaliação por parte do especialista não foi
determinante para o resultado da lesão e que a sequela é decorrente da própria lesão; h) houve ofensa aos
artigos 371 e 489, IV, ambos do CPC, quanto ao laudo elaborado pelo assistente técnico do corréu; i)
postula o afastamento da solidariedade da apelante 2, uma vez que inexiste previsão legal ou condicional
a esse respeito; j) caso mantida a condenação, postula a minoração do quantum indenizatório arbitrado,
considerada a condição econômico financeira da requerente, que é beneficiária da gratuidade de justiça;
k) sucessivamente, caso a condenação persista, requer que o termo inicial dos juros e correção monetária
seja a data do trânsito em julgado da decisão, ou, no máximo, a data da citação, consoante dispõe o art.
405, o Código Civil; l) a ausência de danos materiais, mais especificamente lucros cessantes, posto que a
culpa pelo acidente é da própria apelada; m) em sendo mantida a condenação, requer a correção da
sentença, pois na fundamentação consta um valor escrito de R$ 2.804,00 (dois mil, oitocentos e quatro
reais) e no dispositivo da sentença constou a quantia de R$ 3.541,93 (três mil, quinhentos e quarenta e um
reais e noventa e três centavos).
É o relatório.
Segundo a autora, ela sofreu acidente doméstico com uma faca de cozinha, tendo cortado o
dedo indicador da mão esquerda e a região palmar, sendo possível a visualização da parte óssea e havendo
sangramento volumoso.
Em razão disso, alega a autora que em 17/12/2013 se dirigiu ao Pronto Socorro do Hospital
Mater Dei. Feita a triagem, a autora foi classificada como “não urgência” e ficou aguardando durante
aproximadamente 1 (uma) hora até o atendimento médico. O atendimento médico foi realizado pelo
médico José Leonardo Bergamini, que não teria solicitado qualquer exame e tampouco medicado a
autora, limitando-se a limpar o ferimento e sutura dos cortes e dando à autora atestado médico com
afastamento do trabalho pelo período de 2 (dois) dias.
Após o retorno ao trabalho, afirma a autora que continuou sentindo fortes dores no local,
porém com o passar do tempo percebeu que houve a perda do movimento e sensibilidade do dedo
lesionado, pelo que procurou em janeiro de 2014 um médico especialista para análise da lesão.
Apresentadas as contestações pelos réus (movs. 24.1 e 28.1), a Irmandade da Santa Casa de
Londrina alegou a ilegitimidade passiva do réu Hospital Mater Dei, o que foi aceito pela parte autora
(mov. 39.1) e deferido o pedido (mov. 42.1).
A ação foi julgada procedente, condenando-se os réus, de forma solidária, a pagar à parte
autora indenização por danos morais no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), acrescidos de juros de
mora de 1% (hum por cento) ao mês, a contar do ato ilícito e correção monetária pelo índice
INPC/IGP-DI, a partir da data da sentença; indenização por danos materiais na quantia de R$ 1.844,10
(hum mil, oitocentos e quarenta e quatro reais e dez centavos); indenização por danos materiais na
modalidade de lucros cessantes no montante de R$ 3.541,93 (três mil, quinhentos e quarenta e um reais e
noventa e três centavos), também corrigidos monetariamente pela média dos índices INPC/IGP-DI, a
contar do respectivo prejuízo e juros de mora de 1% (hum por cento) ao mês, a partir da citação.
Quanto aos efeitos dos recursos, recebo-os em seu duplo efeito, em função de não haver
quaisquer das exceções previstas no artigo 1.012, § 1°, do Código de Processo Civil.
Por uma questão de técnica processual, inicia-se o exame pelo recurso de apelação 2.
Apelação 2
Sem razão.
No Direito Processual Civil brasileiro, cabe ao juiz, enquanto destinatário das provas, a
dispensa de dilação probatória que não contribuirá para o deslinde do feito, consoante disposição do
artigo 370 do Código de Processo Civil, que assim prevê:
No presente caso, o juízo a quo considerou que as provas documentais e técnica seriam
suficientes a elucidar se a atuação médica foi ou não adequada para o caso, bem como a sua
responsabilidade perante os fatos ocorridos, seria inócua a produção de testemunhal para atestar a
responsabilidade do médico apelante, no caso concreto.
Também, o juízo a quo julgou a pretensão inicial com base no conjunto probatório
produzido nos autos, não havendo dúvida sobre a culpa do médico réu e, ainda, responsabilidade do
Hospital réu, o que reforça a desnecessidade de produção de prova no caso.
Ilegitimidade passiva
Isto porque, pela aplicação da teoria da asserção, a ilegitimidade passiva deve ser analisada
de acordo com o que foi alegado pela parte autora na inicial, devendo ser consideradas verdadeiras as
alegações da autora para fins de análise das condições da ação.
Veja-se que o pedido formulado pela parte autora na petição inicial considera que a
empresa apelante 2 é administradora do Hospital Mater Dei, local em que foi efetuado o atendimento, do
qual relata ter havido erro médico.
Saliente-se, ainda, que o pedido inicial é de condenação solidária dos réus ao pagamento de
indenização por danos morais e materiais, inclusive lucros cessantes, pelo que não há como ser
reconhecida a ilegitimidade passiva da apelante 2.
A apelante 2 postulou a correção de erro material contido na sentença quanto aos danos
materiais, pois na fundamentação consta um valor escrito de R$ 2.804,00 (dois mil, oitocentos e quatro
reais) e no dispositivo da sentença constou a quantia de R$ 3.541,93 (três mil, quinhentos e quarenta e um
reais e noventa e três centavos).
Deve ser reconhecido o erro material contido na sentença, eis que os valores dos danos
materiais (lucros cessantes) constam da fundamentação como sendo R$ 2.804,22 (dois mil, oitocentos e
quatro reais e vinte e dois centavos), enquanto no dispositivo constou o valor que era auferido pela autora
na época do seu afastamento.
“(...) De outro vértice, quanto aos lucros cessantes, observa-se que a autora
necessitou afastar-se do trabalho, desde a data do acidente, conforme
recomendação médica, e por esta razão deverá ser ressarcida pelo tempo que
deixou de auferir salário. Com base nos holerites juntados (seq. 1.5), o ganho
mensal da autora importa em R$ 3.541,93, ou seja, pela somatória das diferenças,
que a requerente sofreu uma redução e um prejuízo total de R$ 2.804,22. (...)”
(mov. 284.1)
Mérito
O apelante 1, José Leonardo Bergamini, entende que não foi observado na sentença o
exame pericial elaborado pelo Dr. Carlos Eduardo Motooka (mov. 211.2), que considerou que embora
tenha havido falha do médico plantonista, tal conduta não teve repercussão na lesão da apelada, uma vez
que ela procurou um especialista em tempo hábil para o tratamento e que a sequela seria decorrente da
própria lesão, razão pela qual postula a reforma da sentença para que seja desobrigado a indenizar a
apelada em qualquer valor.
Por seu turno, a apelante 2, Irmandade da Santa Casa de Londrina, pugna pela reforma da
sentença pela ausência de demonstração pela autora dos fatos constitutivos de seu direito, em razão da
inexistência de falha na prestação de serviços ou ato ilícito que tenha nexo de causalidade com o dano
alegado pela apelada, bem como diante da prova pericial (mov. 211.2) que atesta que o médico
plantonista não incorreu em ilicitude em seu proceder.
De igual modo, aduz a apelante 2 que o laudo pericial formulado pelo assistente técnico do
corréu (mov. 211.2) esclarece que o tempo decorrido entre o trauma e a avaliação por parte do médico
especialista não foi determinante para o resultado da lesão, uma vez que a sequela é decorrente da própria
lesão.
Por fim, aduz a apelante 2 que houve ofensa aos artigos 371 e 489, IV, ambos do CPC,
quanto ao laudo elaborado pelo assistente técnico do corréu e postula o afastamento da solidariedade da
apelante 2, uma vez que inexiste previsão legal ou condicional a esse respeito.
Quanto à insurgência do apelante 1, no que tange ao referido laudo pericial (mov. 211.2)
que teria sido elaborado por seu assistente técnico, veja-se que se trata de documento unilateral, juntado
com as alegações finais, que foi formulado pelo assistente técnico do apelante 1 com o intuito de rebater
as conclusões do exame pericial elaborado pelo perito judicial e apresentado nos autos.
Nesse sentido, por certo que a valoração da prova elaborada nos autos, por perito
imparcial, de confiança do Juízo, sem interesse na causa, é distinta da prova produzida pelo assistente
técnico da parte, unilateralmente, sem o devido contraditório.
Neste ponto interessante trazer parte das razões constantes no esclarecimento prestado pelo
perito do juízo, que por sua vez afastam as impugnações realizadas pelo Dr. Carlos Eduardo Motooka.
Vejamos o que constou do parecer técnico (mov.199.1):
“(...)
No desenho anatômico a seguir a seta superior assinala o local da ferida incisa
que atingiu o 2º dedo da mão esquerda da paciente e a seta inferior a localização
do tendão extensor profundo, que se encontra abaixo do tendão superficial,
encostado no arcabouço ósseo do dedo, o que explica o aspecto visual descrito
pela paciente de que a ferida teria atingido o osso, assim como justifica os
sintomas e sinais das complicações que a paciente passou a apresentar após o
atendimento médico, que ficou restrito à limpeza e sutura da lesão.
Por seu turno, quanto às alegações da parte apelante 2, verifica-se que não houve a
inversão do ônus da prova, mas que, no entanto, a autora comprovou os fatos constitutivos de seu direito,
pois trouxe aos autos elementos necessários para a formação do convencimento do magistrado de
primeiro grau, no sentido de conferir verossimilhança às alegações apresentadas na inicial.
Observe-se que a autora comprovou que foi atendida pelo médico requerido, no
estabelecimento da requerida, demonstrou a existência do corte, da realização das cirurgias, do
recebimento de benefícios previdenciários junto ao INSS, da realização de fisioterapia, além de ter
comparecido para a elaboração do exame pericial, elementos estes que são suficientes para que estejam
amplamente demonstrados os fatos constitutivos de seu direito.
No que tange às conclusões havidas pelo assistente técnico do réu médico, veja-se que,
como já afirmado anteriormente, é desnecessário ao magistrado refutá-las, mas apenas fundamentar as
razões que formaram o seu convencimento, como o fez o Juízo a quo na sentença.
Em relação aos danos morais, denota-se que foram demonstrados pelas consequências das
sequelas do erro médico no dia a dia da apelada, em especial pela repercussão em seu trabalho como
bancária, que sabidamente se utiliza de habilidades das mãos para o desenvolvimento das atividades.
Assim sendo, embora a apelante 2 afirme de forma genérica que houve ofensa aos artigos
371 e 489, IV, do CPC, tais afirmações não guardam relação com a realidade dos fatos, pelo que deve ser
mantida a sentença neste ponto.
Sem razão.
A indenização arbitrada pelo Juízo a quo foi de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), valor este
que não se afigura desproporcional com os danos que efetivamente foram causados à autora.
Nesse sentido, veja-se que a autora foi submetida a duas cirurgias para correção dos
problemas nas mãos, tendo ficado por 60 (sessenta) dias afastada do trabalho e tendo repercussão em sua
vida, porque possui certa dificuldade no dedo da mão esquerda e perda de força do braço direito em que
foi retirado enxerto para a realização de uma das cirurgias.
Além disso, a situação econômica das partes demonstra que a autora recebe cerca de R$
4.809,33 (quatro mil, oitocentos e nove reais e trinta e três centavos) por mês com seu trabalho de
bancária, vide holerites apresentados nos autos (mov. 1.5) e extrato bancário (mov. 10.4) e é beneficiária
da gratuidade de justiça (mov. 9.1), enquanto o réu José Leonardo Bergamini é médico, porém não há
elementos de prova sobre seus rendimentos mensais e, por derradeiro, a Irmandade da Santa Casa de
Londrina, que é instituição filantrópica e beneficiária da gratuidade de justiça, o que, por si só, não
demonstra que esteja impossibilitada de arcar com o pagamento da indenização por danos morais, ao
passo que deve ser mantida a indenização no patamar de R$ 15.000,00 (quinze mil reais).
Assim sendo, diante das peculiaridades do caso, mantenho os danos morais no montante de
R$ 15.000,00 (quinze mil reais), valor este que, a meu ver, se mostra adequado ao caso concreto.
Apelação 2
Em sendo mantida a sentença, a apelante 2 requer que o termo inicial dos juros e correção
monetária seja a data do trânsito em julgado da decisão, ou, no máximo, a data da citação, consoante
dispõe o art. 405, o Código Civil.
Por outro lado, no que tange aos danos materiais, o termo inicial da correção monetária que
ficou consignado foi a data dos respectivos prejuízos e os juros de mora a partir da citação.
Dessa forma, a sentença deve ser reformada para que o termo inicial dos juros de mora dos
danos morais e materiais passe a ser a data da citação, nos termos do art. 405, do Código Civil.
O recurso de apelação 1 foi desprovido, assim, o advogado da apelada faz jus aos
honorários de sucumbência recursal, com fundamento no art. 85, § 11 do CPC/2015.
III – DECISÃO
O julgamento foi presidido pelo (a) Desembargador Gil Francisco De Paula Xavier
Fernandes Guerra, com voto, e dele participaram Desembargador Roberto Portugal Bacellar (relator) e
Desembargador Arquelau Araujo Ribas.
10 de março de 2022
Relator