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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO
TURMAS RECURSAIS

EJC
Nº 71004385126 (N° CNJ: 0014850-15.2013.8.21.9000)
2013/CRIME

APELAÇÃO-CRIME. ARTIGO 50, CAPUT, E § 3º,


“A”, DO DECRETO-LEI 3.688/41. EXPLORAÇÃO DE
JOGO DE AZAR. CAÇA-NÍQUEIS. TIPICIDADE.
INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. PRESUNÇÃO DE
INOCÊNCIA. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA MANTIDA.
1. A conduta de exploração de jogos de azar é
típica, estando prevista na Lei de Contravenções
Penais, perfeitamente recepcionada pela Magna
Carta.
2. O ônus da prova incumbe à acusação, sendo
vedado ao juiz fundamentar suas decisões,
unicamente, em elementos informativos colhidos
na fase pré-processual, pena de negativa de
vigência ao disposto no artigo 155 do Código de
Processo Penal.
3. A prova judicializada não autoriza a condenação
do acusado. O depoimento da única testemunha
inquirida não revela com segurança a ocorrência
da prática contravencional.
4. Inexistindo elementos conclusivos e suficientes
para sustentar um juízo de condenação, é de ser
mantida a absolvição do recorrido, em obediência
ao princípio in dubio pro reo.
5. Prequestionamento. Solução da matéria pela
fundamentação do voto, observando-se ser
desnecessário analisar-se artigo por artigo referido
pelo recorrente. Precedentes.
RECURSO MINISTERIAL DESPROVIDO.

RECURSO CRIME TURMA RECURSAL CRIMINAL

Nº 71004385126 (N° CNJ: 0014850- COMARCA DE PORTO ALEGRE


15.2013.8.21.9000)

MINISTERIO PUBLICO RECORRENTE

EDERALDO SAMPAIO DE JESUS RECORRIDO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

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Acordam os Juízes de Direito integrantes da Turma Recursal


Criminal dos Juizados Especiais Criminais do Estado do Rio Grande do Sul,
por maioria, em negar provimento ao apelo.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes
Senhores DR.ª CRISTINA PEREIRA GONZALES (PRESIDENTE) E DR.
ROBERTO BEHRENSDORF GOMES DA SILVA.
Porto Alegre, 08 de julho de 2013.

DR. EDSON JORGE CECHET,


Relator.

RELATÓRIO
O Ministério Público interpôs recurso de apelação
contra sentença que absolveu Ederaldo Sampaio de Jesus das sanções
previstas no art. 50, § 3º, “a”, da Lei das Contravenções Penais. Sustentou
estarem comprovadas a autoria a e materialidade da infração e requereu a
condenação do réu, prequestionando a matéria.
Em contrarrazões, a defesa postulou a manutenção da
sentença, alegando atipicidade de conduta.
Nesta instância recursal, manifestou-se o Ministério
Público pelo conhecimento do apelo e por seu provimento.

VOTOS
DR. EDSON JORGE CECHET (RELATOR)
Eminentes colegas.
Conheço do recurso, tendo em vista estarem presentes
seus pressupostos de admissibilidade.
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Consta do requisitório oficial que, no dia 05 de abril de


2011, no interior do imóvel situado na Rua do Parque, n. 135, em Porto
Alegre/RS, o denunciado estabeleceu e explorou jogo de azar, por meio de
01 máquina eletronicamente programada, em lugar acessível ao público,
obtendo lucro com a atividade ilícita.

Tipicidade da conduta de exploração dos jogos de azar

A conduta de exploração de jogos de azar, seja na


modalidade de bingos, jogo do bicho, máquinas eletronicamente
programáveis ou de qualquer outra, constitui ilícito penal passível de sanção.
Essa prática é considerada, há muito, contravenção penal, conforme
disposto no artigo 50 do Decreto-lei 3.688/41, e artigo 40 do Decreto-lei
6.259/44, perfeitamente recepcionados pela Carta Magna.

Jogos de azar, em sua generalidade, com base no artigo


50, § 3º, alínea “a”, da Lei nº. 3.688/41 das Contravenções Penais, são
aqueles em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente
da sorte. Mas o gênero se desdobra em várias espécies como jogo de bingo,
jogo do bicho, máquinas eletrônicas, pôquer, apostas a cavalos e apostas
em geral.

Com relação à loteria, especificamente, o Decreto-Lei n.


6.259/44, no artigo 40, institui que a loteria não autorizada ou ratificada
expressamente pelo Governo Federal, constitui jogo de azar passível de
repressão penal que foi entabulada no artigo 45, do mesmo diploma legal1.

1
Art. 45. Extrair loteria sem concessão regular do poder competente ou sem a
ratificação de que cogita o art. 3º Penas: de um (1) a quatro (4) anos de prisão
simples, multa de cinco mil cruzeiros (Cr$ 5.000,00) a dez mil cruzeiros (Cr$
10.000,00), além da perda para a Fazenda Nacional de todos os aparelhos de
extração, mobiliário, utensílios e valores pertencentes à loteria.
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A tutela do bem jurídico define a função do Direito Penal


e define os limites da legitimidade de sua intervenção. Para a proteção de
um determinado bem jurídico, o legislador está legitimado a criar tipos
penais, desde que necessário a este fim. O bem jurídico tutelado pela norma
é, em última análise, o lucro fácil, pois a ilusão do ganho é ínsita ao tipo
contravencional, punindo-se a ociosidade do trabalho honesto e a
perversidade com que o jogo leva ao vício os apostadores 2. Nesse sentido
se verificam inúmeros estudos sobre a patologia dos apostadores
contumazes, causando danos à saúde pública 3.

Ademais, a atividade de exploração de jogos de azar se


apresenta com uma organização cada vez mais complexa, resultando, em
alguns casos, em organizações criminosas, como se depreende de julgados
do STJ:

HABEAS CORPUS. "OPERAÇÃO FURACÃO". VASTO


ACERVO DE ELEMENTOS INDICIÁRIOS QUE APONTAM
PARA A EXISTÊNCIA DE ORGANIZAÇÃO
CRIMINOSA VOLTADA À EXPLORAÇÃO DE JOGOS
ILEGAIS. O GRUPO, PARA A MANUTENÇÃO DA
ATIVIDADE ILÍCITA, COMETIA INÚMEROS
OUTROS CRIMES. REITERAÇÃO E AUDÁCIA.
AFRONTA ÀS INSTITUIÇÕES ESTATAIS. PRISÃO
PREVENTIVA SOBEJAMENTE FUNDAMENTADA NA
NECESSIDADE DE GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA.

2
JÚNIOR, Arthur Migliari. Lei das Contravenções Penais e Leis Especiais
Correlatas. São Paulo: Interlex, 2000. p.132.
3
Dentre eles, cita-se o estudo realizado pela UNIFESP, na pessoa da Psicóloga
Maria Paula M. T. de Oliveira, concluindo que o jogo de azar pode ter um caráter
patológico, sendo incluído como transtorno do impulso nos critérios do DSM-III e IV,
sendo definido pela persistência e recorrência do comportamento de apostar em jogos
de azar, apesar de prejuízos em diversas áreas da vida decorrentes dessa atividade.
A investigação sobre a atividade de jogar pode detectar precocemente esse
transtorno. Jogadores patológicos devem ser encorajados a procurar ajuda de
tratamento adequado. É alto o índice de comorbidade psiquiátrica. Disponível em:
OLIVEIRA, Maria Paula Magalhães Tavares de. Jogo Patológico: Caracterização e
Tratamento. Disponível em: <http://www.unifesp.br/dpsiq/polbr/ppm/atu4_05.htm>.
Acesso em 22 maio 2012.
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1. Hipótese em que sobre o Paciente pesa a acusação


de integrar organização criminosa voltada à
exploração ilegal das atividades de bingos e
máquinas caça-níqueis no Estado do Rio de
Janeiro, a qual se valia de vários crimes
autônomos contra a administração pública,
como corrupção de agentes públicos e políticos,
tráfico de influência, lavagem de dinheiro,
sonegação fiscal, dentre outros, para manter a
atividade. 2. Segundo a denúncia, centenas de
máquinas do jogo ilegal pertencentes ao ora Paciente
e seu irmão foram apreendidas e depois recuperadas,
em tese, por meio de decisões judiciais "compradas",
com a efetiva participação do Paciente no esquema de
corrupção de autoridades públicas para manter a
atividade ilícita, cabendo-lhe, inclusive, o
recolhimento de dinheiro das casas de bingo e
operadoras de máquinas para posterior repasse aos
operadores do esquema de propinas. Conforme
apurado nas investigações, só no imóvel apelidado de
"preta", situado na Tijuca, efetivamente foram
encontrados cerca de cinco milhões de reais atrás de
uma parede falsa. Na ação penal em tela, é acusado
da prática do crime de formação de quadrilha e
corrupção ativa. 3. Não se trata, evidentemente, de
se proceder a um juízo sumário e irresponsável de
culpabilidade, em desrespeito às garantias
constitucionais. A tarefa, neste momento processual,
é de aferição da plausibilidade de os fatos terem
ocorrido, em linhas gerais, nos termos em que
descritos nas denúncias oferecidas perante o Juízo
Federal de primeiro grau, levando em consideração os
fartos e veementes elementos indiciários coligidos na
aludida investigação. E, assim, ponderar, com
razoabilidade e proporcionalidade, a necessidade da
medida cautelar. 4. A situação dos autos evidencia a
necessidade de pronta resposta estatal para o
resguardo da ordem pública, frontalmente ameaçada
com a atividade criminosa organizada e reiterada
revelada nas investigações, em especial pela forma de
agir atentatória às instituições que dão suporte a
existência de um Estado Democrático de Direito.
Inexiste, pois, ilegalidade no decreto de prisão

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preventiva, porquanto devidamente fundamentada.


5. Ordem denegada.
(HC 86134 / RJ HABEAS CORPUS 2007/0152778-8,
Min. LAURITA VAZ, 5ª Turma, j. 29/09/2009, DJe
26/10/2009, RDTJRJ vol. 81 p. 161) (Ênfase
acrescentada)

HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO OITAVA PRAGA.


FORMAÇÃO DE QUADRILHA, ESTELIONATO,
CORRUPÇÃO ATIVA E DESCAMINHO. EXPLORAÇÃO
DE MÁQUINAS DE CAÇA-NÍQUEIS.
INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. CONTRARIEDADE À
LEI Nº 9.296/96. NÃO OCORRÊNCIA. PRESENÇA DE
INDÍCIOS RAZOÁVEIS DE AUTORIA E DE
PARTICIPAÇÃO. NULIDADE. REVOLVIMENTO
FÁTICO-PROBATÓRIO.
1. Demonstrada, ictu oculi, a presença de
indícios razoáveis de autoria e participação do
paciente, vinculando-o ao esquema criminoso
organizado, de modo a indicar que os
envolvidos, supostamente, integravam uma
quadrilha bem organizada, com caráter estável
para a prática de diversos ilícitos, muitos deles
com o escopo de garantir a exploração de
máquinas de caça-níqueis em ampla área
geográfica, abrangendo inúmeros municípios e
Estados. 2. A análise de pontos não suscitados
perante a instância originária configura-se indevida
supressão de instância. 3. As alegações apresentadas
pelos impetrantes somente poderiam ser aferidas com
o revolvimento minucioso de matéria fático
probatória, providência incabível em habeas corpus,
dados os seus rito célere e cognição estreita, que
exige prova pré-constituída do direito pleiteado.
4.Writ não conhecido.
(HC 138550 / RS HABEAS CORPUS 2009/0109773-5,
Min. ADILSON VIEIRA MACABU, 5ª Turma, j.
10/04/2012, DJe 27/04/2012) (Ênfase acrescentada)

CRIMINAL. HABEAS CORPUS. QUADRILHA OU


BANDO ARMADO. CONCUSSÃO. PREVARICAÇÃO.
PRISÃO PREVENTIVA. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA
ESPECIALIZADA EM FRAUDE COM CAÇA
NÍQUEIS. PARTICIPAÇÃO DE POLICIAIS E EX-
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POLICIAIS CIVIS E MILITARES. AMEAÇA DE MORTE A


PROMOTORA DE JUSTIÇA. SEGREGAÇÃO
DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. EXCESSO DE
PRAZO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ORDEM
PARCIALMENTE CONHECIDA E DENEGADA.
I. Mostra-se devidamente fundamentada decisão que
decreta a prisão preventiva de paciente integrante de
quadrilha complexa, especializada em crimes
relacionados a máquinas caça-níqueis, composta por
19 (dezenove) denunciados, entre eles policiais e ex-
policiais militares e civis, e sobra a qual há relatos de
homicídios e ameaça de morte a promotora de
justiça. II. Modus operandi que evidencia a
complexidade e grau de organização do bando
criminoso, bem como sua integração por agentes
públicos, além da prática de expedientes
intimidatórios para prejudicar as investigações, que
deixam evidente a necessidade da segregação para
interromper as atividades da quadrilha, com fim da
manutenção da ordem pública. III. Não tendo sido a
alegação de excesso de prazo da prisão preventiva
submetidas ao crivo do órgão colegiado do Tribunal a
quo, não pode ser conhecida por esta Corte, sob pena
de indevida supressão de instância. IV. Ordem
parcialmente conhecida e denegada.
(HC 202447 / SP. HABEAS CORPUS 2011/0073475-
3Ministro GILSON DIPP, 5ª, Turma, j. 07/02/2012,
DJe 14/02/2012) (Ênfase acrescentada)

Com efeito, a Casa da Cidadania tem reconhecido na


exploração de jogos de azar a presença de quadrilhas organizadas, ou de
organizações criminosas, sendo tal infração abarcada pela Lei n. 9.034/95.
Portanto, a abertura das casas de bingo, a colocação de máquinas caça-
níqueis em estabelecimentos comerciais e o jogo do bicho podem ser
enquadrados, inclusive, no rol dos crimes organizados, dependendo do caso
concreto.

A Lei n. 9.034/95, que dispôs sobre a utilização de


meios operacionais para a prevenção e a repressão das ações praticadas
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por organizações criminosas, deixou de conceituar a própria organização


criminosa, podendo-se utilizar por analogia a Convenção das Nações Unidas
contra o Crime Organizado, em decorrência da adesão da Convenção de
Palermo. Assim reconheceu o Conselho Nacional de Justiça, na
Recomendação n. 3, de 30.05.2006, admitindo expressamente o conceito de
crime organizado estabelecido na Convenção4, podendo-se agregar a esse
conceito o fato de possuírem, tais organizações, elevada lesividade social,
com grande capacidade de cometimento de fraude difusa, pelo escopo
prioritário de lucro e poder a ele relacionado, inclusive com conexão
estrutural ou funcional com o poder público ou alguns de seus agentes,
através da corrupção5.

Como resultado, o dinheiro arrecadado nestas ações


criminosas é fatalmente utilizado para fomentar a lavagem de dinheiro, a
sonegação, a corrupção, a formação de quadrilha e o enriquecimento ilícito
de grupos perniciosos, que se agregam a uma autêntica Máfia, pois se
infiltram no meio social, político e policial. 6

Além disso, o funcionamento dessas casas clandestinas


pode servir para lavagem de dinheiro no país, sendo o jogo com máquinas
eletrônicas programadas (vídeo-bingo), a forma predileta para a lavagem de
dinheiro do narcotráfico: o jogo com moedas ou notas em milhares de
máquinas caça-níqueis permite legalizar enormes quantidades de dinheiro
4
Ou seja, considerando o grupo organizado como aquele estruturado de três ou mais
pessoas, existentes há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de
cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na Convenção das Nações
Unidas sobre Crime Organizado Transacional, com a intenção de obter, direta ou
indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material. Recomendação n.
3, item 2. CNJ.
5
FERRO, Ana Luiza Almeida. Reflexões sobre o Crime Organizado e as
Organizações Criminosas. São Paulo: Revista dos Tribunais. Ano 96, junho de
2007, vol. 860. p. 467/468.
6
RICCO, Osvaldo da Silva. O Jogo do Bicho e seus Apologistas. Revista Oficial do
Tribunal de Justiça de Alçada Criminal do Estado de São Paulo. São Paulo: Lex. Ano
93, v. 97, jan/mar. De 1989. p.16.
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pelo pagamento de impostos sobre valores declarados muito superiores aos


arrecadados. A abertura do mercado de bingos eletrônicos no Brasil teria
despertado o interesse de empresários europeus e da Máfia italiana para a
venda de máquinas de bingo eletrônico e lavagem de dinheiro do tráfico de
cocaína7.

Nesse ínterim, a promulgação de leis como a Lei Zico


(Lei n. 8.672/93), posteriormente revogada pela Lei Pelé (Lei n. 9.615/98)
que autorizou a exploração do bingo em todo o território nacional (artigo 59 e
ss), e a Lei Maguito Vilela (Lei n. 9.981/00) que veio a revogar os artigos 59
a 81 da Lei Pelé, somente fizeram confundir esse cenário já tumultuado.

Diferentemente, as loterias federais estão previstas na


Carta Maior, através do concurso de prognóstico como fonte de
financiamento da seguridade social, que em nada se compara ao chamado
jogo do bicho, típico ato contravencional vedado em Decreto-Lei, quanto ao
qual a permissividade de sua prática, ao arrepio da lei, propicia a corrupção,
a formação de quadrilhas e o enriquecimento ilícito desses grupos, além do
financiamento de outros ilícitos penais, ao se agregarem numa verdadeira
“máfia”, infiltrando-se no meio político e no ambiente policial, corrompendo-
os para obterem proteção8.

De outra banda, o inciso III do artigo 195 da Constituição


Federal indica uma das formas de financiamento da seguridade social, como
recursos advindos de concursos de prognósticos, tido como uma
contribuição social. A Lei nº 8.212/91 – Lei da Seguridade Social – em seu
artigo 26, §1º, ofereceu uma definição para concurso de prognóstico como
sendo todo e qualquer concurso de sorteio de números, loterias, apostas,
7
SANTOS, Juarez Cirino. Crime Organizado. São Paulo: Revista dos Tribunais. Ano
11, nº. 42, jan./mar. De 2003. p.221.
8
RICCO, Osvaldo da Silva. Ob. Cit. p.15-16.
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inclusive as realizadas em reuniões hípicas, nos âmbitos federal, estadual,


do distrito federal ou municipal. E, para tanto, necessária a existência de
legislação que autorize a prática, como o Decreto-lei 204/1967, em plena
vigência, considerando que a exploração da loteria constitui exceção às
normas de direito penal, somente admitida no sentido de redistribuir seus
lucros com finalidade social, constituindo serviço público exclusivo da União,
não suscetível de concessão (artigo 1º).

Fora dessa situação derrogadora da norma penal,


qualquer prática, pelo particular, de jogos de azar, restará açambarcada pelo
ilícito penal, na forma da lei contravencional ou da Lei n. 6.259/44, que
estipula as loterias proibidas. Nessa área, não há que se deslembrar que
loteria é espécie, e jogo é gênero. E a loteria não autorizada constitui jogo
de azar passível de punição.

Portanto, não há que se falar em atipicidade da conduta


em razão da definição de jogo de azar, decorrente do texto insculpido no
artigo 40 do Decreto-lei n. 6.259/44. Essa interpretação da norma é
equivocada, pois a intenção da lei não foi a de definir o que seria jogo de
azar, encargo do qual se desincumbiu o legislador na Lei das Contravenções
Penais de 1941. Ademais, a própria prática da loteria é expressamente
proibida, à exceção da levada a efeito pela União, nos moldes do Decreto
Lei n. 204/1967.

Como corolário do exposto, conclui-se como sofísticos


os argumentos defensivos da permissibilidade dessa prática, limitados à
questão do “se o Estado pode, por que o particular não pode?”. Isto porque
o particular somente poderá se o Estado, em algum momento, o permitir, e,
para isso, necessário regramento legal. Essa simples alegação, portanto,
não tem a eficácia de tornar atípica a prática de jogos de azar.
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A questão se agrava ainda mais no mundo globalizado.


A sociedade atual, complexa e de grandes riscos, reclama uma maior
adequação do direito penal e processual penal para o enfrentamento da
moderna criminalidade, na qual pode-se incluir – sem qualquer dúvida – o
crime organizado.9 Quiçá, a descriminalização do jogo no Brasil fosse uma
das soluções, como propôs a promotora Ana Luiza Almeida Ferro10.
Entretanto, enquanto não houver modificação legislativa, a Lei das
Contravenções Penais e a das Loterias Proibidas são institutos válidos e
devem ser utilizados para o combate aos jogos de azar proibidos no país.

Indubitável, portanto, a tipicidade da exploração de


jogos de azar, independentemente da espécie praticada, seja na forma de
bingo, jogo do bicho, máquinas eletronicamente programáveis (caça-
níqueis), apostas, ou outra, porquanto a legislação em tela, como já referido,
está em consonância com os ditames constitucionais, tendo sido pela
Constituição Federal recepcionada.

Prova
A materialidade está comprovada pela ocorrência
policial e pelo auto de apreensão.
Todavia, no caso, a autoria não ficou demonstrada, uma
vez que o único depoimento prestado em juízo não produziu a certeza
necessária para amparar o decreto condenatório pretendido pela acusação.
Nesse sentido, a testemunha Gilberto Duarte Guarche,
policial militar, ao ser indagada sobre a pessoa do acusado, referiu não se
9
MIRANDA, Gustavo Senna. Obstáculos Contemporâneos ao Combate às
Organizações Criminosas. Revista dos Tribunais. Ano 97, abril de 2008, vol. 870. p.
471-472.
10
FERRO, Ana Luiza Almeida. Reflexões sobre o Crime Organizado e as
Organizações Criminosas. São Paulo: Revista dos Tribunais. Ano 96, junho de
2007, vol. 860. p. 470.
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recordar, mas que era ele responsável pelo local, não sabendo informar se
era proprietário. Disse que as máquinas estavam ligadas, mas não havia
ninguém jogando e que não se recordava se houve apreensão de dinheiro
(fls. 72/75).
Por sua vez, o acusado não compareceu à solenidade
para prestar sua versão dos fatos, não se podendo presumir sobre sua
culpa.
Diante disso, pela singela informação prestada, não há
certeza sobre o efetivo estabelecimento e exploração de jogos de azar, pois
a única testemunha ouvida não relatou os fatos com a segurança exigida
pelo direito penal. Além disso, embora a existência de indícios, necessário
registrar que nenhuma prova foi produzida em contraditório judicial, sendo
vedado ao juiz, de acordo com o artigo 155 do CPP, fundamentar sua
decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na fase
investigativa.
Ressalto posição pessoal de que o mesmo Estado que
aparelha sua estrutura policial preventiva ou judiciária também tem o
encargo de fornecer os meios para adequada solução dos conflitos
remetidos ao Judiciário, que também integra a estrutura. Nessas condições,
não se pode deixar de lembrar que a prova, no direito penal, deve se
apresentar com fundamento suficiente para que o julgador, ao expressar a
decisão que o Estado e a comunidade esperam, fique isento, tanto quanto
possível, de erronias ou de injustiças. Há situações em que a prova parece
convencer, parece inclinar a que se aceite uma premissa, ditada pela
experiência comum, que nem sempre deve ser bem vista no âmbito criminal.
Não por outra razão disse Carrara que, para haver condenação, “a prova
deve ser certa como a lógica e exata como a matemática”.
Nesse sentido:

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APELAÇÃO CRIME. ARTIGO 50 DO DECRETO-LEI


3.688/41. EXPLORAÇÃO DE JOGOS DE AZAR. Ainda
que comprovada a materialidade do delito pela
apreensão de três máquinas caça-níqueis no local
indicado na denúncia, inexiste prova suficiente nos
autos no que concerne à autoria, pois não
demonstrado que a ré era responsável pela
exploração de jogos de azar, ou se obtinha lucro com
a atividade ilícita. RECURSO MINISTERIAL
IMPROVIDO. (Recurso Crime Nº 71003988268, Turma
Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator:
Eduardo Ernesto Lucas Almada, Julgado em
17/12/2012)

RECURSO CRIME. JOGOS DE AZAR. MÁQUINAS CAÇA-


NÍQUEIS. ARTIGO 50 DA LEI DAS CONTRAVENÇÕES
PENAIS. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. TESE DE
ATIPICIDADE AFASTADA. 1- A prova coligada, assim
considerada aquela colhida sob o contraditório
judicial, não autoriza a condenação, haja vista que a
única testemunha presencial não confirmou a
exploração de jogos de azar pelo denunciado.
Também não se pode fundamentar uma condenação
exclusivamente nos elementos informativos colhidos
na investigação policial, nos exatos termos do art.
155 do CPP. 2- A exploração de máquinas caça-
níqueis é atividade ilícita porque o resultado depende
da sorte e não da habilidade do jogador,
caracterizando, assim, o jogo de azar. Tese de
atipicidade da conduta afastada. 3- Sentença
absolutória mantida, mas com a alteração do
fundamento legal para o art. 386, VII, do CPP.
RECURSO IMPROVIDO. (Recurso Crime Nº
71004041547, Turma Recursal Criminal, Turmas
Recursais, Relator: Cristina Pereira Gonzales, Julgado
em 26/11/2012)

Dessa forma, voto por negar provimento à apelação,


mantendo a sentença absolutória, por falta de provas para a condenação.
Por fim, o prequestionamento resulta composto pelo
exame a que se procedeu, observando-se, ademais, ser desnecessário

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2013/CRIME

analisar-se artigo por artigo referido pela parte. Precedentes jurisprudenciais


autorizam essa assertiva.

DR. ROBERTO BEHRENSDORF GOMES DA SILVA (REVISOR)


Ouso divergir do eminente Relator por entender que o recurso
ministerial merece prosperar.
Isso porque, a meu ver, a condição de funcionário de
estabelecimento comercial que tenha como atividade a exploração de jogos
de azar, no caso, na modalidade de caça-níqueis, não afasta a sua
responsabilização penal, à medida que o atendente, mesmo que não receba
um lucro direto decorrente da prática ilícita, concorre por meio de seu
trabalho para que a contravenção penal seja cometida e recebe uma
remuneração para isso.
Nesse sentido:
RECURSO CRIME. JOGOS DE AZAR. MÁQUINAS
CAÇA-NÍQUEIS. ARTIGO 50 DA LEI DAS
CONTRAVENÇÕES PENAIS. SUFICIÊNCIA DO
CONJUNTO PROBATÓRIO. TIPICIDADE FORMAL E
MATERIAL DA CONDUTA. CONDENAÇÃO
MANTIDA. 1- A exploração de jogos de azar através
de máquinas caça-níqueis, em lugar público ou
acessível ao público, visando à obtenção de lucro, é
conduta típica prevista no art. 50 do Decreto-Lei
3.688/41. 2- A alegada condição de funcionária da
casa de jogos não isenta a ré de responsabilidade
penal, até porque ela era a responsável pelo local,
concorrendo, assim, para o delito, como preceitua o
art. 29 do CP. 3- Comprovadas a materialidade e
autoria da prática contravencional imputada à
recorrente, é de rigor a condenação. RECURSO
IMPROVIDO POR MAIORIA. (Recurso Crime Nº
71004215174, Turma Recursal Criminal, Turmas
Recursais, Relator: Cristina Pereira Gonzales, Julgado
em 15/04/2013)

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RECURSO CRIME. JOGOS DE AZAR. MÁQUINAS


CAÇA-NÍQUEIS. ARTIGO 50, § 3º, LETRA "A", DA LEI
DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS. SENTENÇA
ABSOLUTÓRIA REFORMADA. Materialidade e
autoria comprovadas em relação à exploração de
máquinas caça-níqueis no local. Tipicidade das
condutas. Prova judicializada que se mostra suficiente
para a condenação. Ainda que se pudesse entender a
ré como mera funcionária, a responsabilização penal é
de rigor, à medida que não se vê, na sua conduta, foro
de participação, porquanto, na medida de sua
culpabilidade, praticou a própria conduta típica, ao
explorar o jogo de azar. A motivação que a levou a
tanto pode não ser a mesma do dono do ponto, por
assim dizer, mas não há confundir dolo (querer) com
por que querer (motivo). APELO PROVIDO. (Recurso
Crime Nº 71003871555, Turma Recursal Criminal,
Turmas Recursais, Relator: Fabio Vieira Heerdt,
Julgado em 06/08/2012)

Ademais, ressalto que a materialidade e autoria delitivas


restaram consubstanciada por meio do boletim de ocorrência (fl. 03), do auto
de aprensão (fl. 08) e da prova oral colhida.
A testemunha Gilberto Duarte Guarche, policial militar, declarou
ter participado da apreensão de máquinas caça-níqueis no estabelecimento
comercial do acusado, que se identificou na ocasião como responsável pelo
local. Salientou que o numerário constante dentro das máquinas e os
ceduleiros foram apreendidos e que as máquinas se encontravam ligadas
(fls. 73/75).
O réu não compareceu em juízo para apresentar a sua versão
sobre o fato, sendo-lhe decretada a revelia (fl. 69).
Resta evidente que o acusado, no dia e local descritos na
denúncia explorou jogos de azar, de modo que se torna impositiva a sua
condenação.

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Diante do exposto, condeno o réu EDERALDO SAMPAIO DE


JESUS nas sanções dos artigos 50, § 3º, letra “a”, da Lei das Contravenções
Penais.
Passo à fixação da pena.
O acusado não possui antecedentes (fl. 12). Personalidade e
conduta social não restaram plenamente comprovadas nos autos. Motivos e
conseqüências são os comuns ao tipo, bem como irrelevantes as
circunstâncias, no caso em tela. Reprovabilidade, pois, em grau mínimo,
ensejando a aplicação da pena-base no mínimo legal, qual seja 03 (três)
meses de prisão simples, substituída, então, por prestação pecuniária
no valor de um salário mínimo, cumulada com pena de multa, no valor
de 10 dias-multa, à razão de 1/30 do salário mínimo vigente à época do
fato, a qual torno definitiva.
Voto, pois, pelo provimento do apelo, a fim de condenar o réu,
nos termos supra.

DR.ª CRISTINA PEREIRA GONZALES (PRESIDENTE)


De acordo com o eminente Relator.

DR.ª CRISTINA PEREIRA GONZALES - Presidente - Recurso Crime nº


71004385126, Comarca de Porto Alegre: "POR MAIORIA, NEGARAM
PROVIMENTO AO APELO."
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Juízo de Origem: 1.JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL F.CENT. PORTO


ALEGRE - Comarca de Porto Alegre

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