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Processo Judicial Eletrônico - 1º Grau

PJe - Processo Judicial Eletrônico

01/09/2023

Número: 1003892-47.2023.8.11.0086
Classe: AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE
Órgão julgador: 3ª VARA DE NOVA MUTUM
Última distribuição : 31/08/2023
Assuntos: Contra a Mulher
Nível de Sigilo: 0 (Público)
Justiça gratuita? SIM
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? NÃO
Partes Advogados
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO (AUTORIDADE)
POLÍCIA JUDICIÁRIA CIVIL DO ESTADO DE MATO GROSSO (AUTORIDADE)
REINALDO JOSE DA SILVA (AUTUADO)

Outros participantes
JOILSON DE FIGUEIREDO (TERCEIRO INTERESSADO)
MARCOS NASCIMENTO DA SILVA (TERCEIRO INTERESSADO)
E. J. D. S. (VÍTIMA)
ADRIELE BATISTA DA SILVA (TERCEIRO INTERESSADO)
MARTA VICENTE DA SILVA (TERCEIRO INTERESSADO)
Documentos
Id. Data da Movimento Documento Tipo
Assinatura
127877871 31/08/2023 19:34 Sem movimento 9. 1003892-47.2023.8.11.0086 - REINALDO Termo de audiência
ESTADO DE MATO GROSSO
PODER JUDICIÁRIO
Comarca de Nova Mutum – Terceira Vara

TERMO DE AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA

Processo n.º 1003892-47.2023.8.11.0086


Flagrado: REINALDO JOSE DA SILVA

Presentes: a Exma. Sra. Dra. Ana Helena Alves Porcel Ronkoski, MMª. Juíza de Direito, Dra. Ana
Carolina Rodrigues Alves Fernandes de Oliveira, Promotora de Justiça, Dr. Thiago Borda,
Advogado, e o increpado acima citado.

Ato realizado em 31.08.2023, virtualmente, sob a presidência da MMª. Juíza de


Direito Dra. Ana Helena Alves Porcel Ronkoski.

Nos termos do Provimento nº. 12/2017-CM do Egrégio Tribunal de Justiça do


Estado de Mato Grosso e Resolução 213 do CNJ, com fundamento no artigo 5º, inciso XXXV da CF
(Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição) e Art. 7º, item 5, da Convenção Americana de Direitos
Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), promulgada por meio do Decreto Presidencial nº. 678, de 06
de novembro de 1992, a MMª. Juíza de Direito declarou aberta a presente AUDIÊNCIA DE
CUSTÓDIA, com a apresentação do autuado, que teve a prévia oportunidade de entrevista reservada
com a sua defensora, passando a qualificá-lo.

Aberta a audiência, a MMª. Juíza de Direito passou a proferir perguntas


relacionadas às circunstâncias da prisão, vinculadas à análise das providências cautelares, conforme termos
gravados em mídia audiovisual, não tendo o autuado reclamado de qualquer violência policial.

Em seguida, instados a se manifestarem, o Ministério Público e a defesa se


manifestaram nos termos da mídia anexa.

Posteriormente, a MMª. Juíza de Direito passou a proferir a decisão


abaixo transcrita:

“Vistos.

Nos termos do Provimento nº 12/2017 – CM, do Presidente do Conselho da


Magistratura do E. Tribunal de Justiça de Mato Grosso e Resolução 213 de 15 de dezembro de 2015, do
CNJ, o autuado foi devidamente entrevistado, nada tendo a reclamar a respeito das autoridades que
fizeram a sua prisão.

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Trata-se de Auto de Prisão em Flagrante de REINALDO JOSE DA SILVA,


preso no dia 31 de agosto de 2023, nesta cidade e Comarca de Nova Mutum/MT, pela prática do crime
previsto no art. 129, §13º, do Código de Trânsito Brasileiro.

A prisão foi comunicada a este juízo através do ofício encaminhado pela


Autoridade Policial, o qual se fez acompanhar do auto de prisão em flagrante, do boletim de ocorrência e
das notas de culpa e de ciência de garantias constitucionais do conduzido.

Na ocasião, foram ouvidos os condutores, vítima, bem como o autuado.

Exame de corpo de delito ainda não acostado aos autos.

O parquet manifestou-se pela homologação da prisão flagrancial, bem como pela


concessão de liberdade provisória mediante aplicação de medidas cautelares alternativas – dentre elas,
fiança, conforme parecer acostado aos autos.

A defesa pleiteou pela liberdade provisória sem fiança.

Relatei o necessário.

Decido.

Segundo consta no boletim de ocorrência: “COMPARECE A VITIMA


MENOR ( E.J.S.) JUNTOS COM OS SUSPEITOS NESTA DELEGACIA ALEGANDO QUE
ESTARIA SENDO ESPANCADA EM CASA PELO SEU PAI( REINALDO) E REFORÇA QUE
ESSA ATITUDE DELE É CORRIQUEIRA E QUE A MESMA POR DIVERSAS VEZES JÁ FOI
AGREDIDA, SEGUNDO PALAVRAS DO PAI DA MENOR RELATOU QUE ESTARIA
CORRIGINDO E DISCIPLINANDO SUA FILHA DEVIDO AO FATO DA MESMA ESTÁ
USANDO DROGAS, NO DECORRER DO FATO A MENOR LIGOU PARA UMA AMIGA (
ADRIELE ) QUE JUNTO COM SEU ESPOSO( MARCOS ) FORAM ATÉ O LOCAL EM SOCORRO
DA MENOR, MOMENTO EM QUE INVADIRAM A RESIDÊNCIA E AGREDIRAM A MÃE
(MARTA) DA MENOR QUE ENCONTRASE CHEIO DE EMATOMAS E ESCORIAÇÕES PELO
CORPO, O PAI SENHOR (REINALDO) TAMBÉM ALEGA QUE FOI ENFORCADO PELO
MARCOS ESPOSO DA ADRIELE, QUE TAMBÉM ESTÁ LESIONADA DEVIDO AO EMBATE
OCORRIDO DENTRO DA RESIDÊNCIA E AINDA ALEGA ESTAR GRÁVIDA DE QUATRO
MESES. DIANTE DOS RELATOS COLHIDOS NESTA DELEGACIA FOI CONFECCIONADOS
ESTE BOLETIM.”

Interrogado em delegacia, o autuado informou que: “QUE o interrogado reside em


Nova Mutum há doze anos e trabalha como jardineiro; QUE sobre o fato em apuração, o interrogado informa que na data
de ontem, 30/08/2023, chegou do trabalho por volta das 18:00 horas e percebeu que sua filha ERIKA estava discutindo
pelo telefone com uma amiga (Jenifer) e usava palavras baixo calão; QUE o interrogado não gostou da linguagem utilizada
por ERIKA e a repreendeu, mas não bateu nela neste momento; QUE poucos minutos se passaram e Jenifer apareceu
pessoalmente na casa do interrogado; QUE ERIKA e Jenifer começaram a discutir e em certo momento Jenifer contou ao
interrogado que ERIKA estava fazendo uso de entorpecentes; QUE o interrogado perguntou se aquilo era verdade e
ERIKA confirmou que estava fumando maconha; QUE Jenifer foi embora e ERIKA tentou ir atrás para bater nela, mas
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foi impedida pela mãe (Marta); QUE então o interrogado ficou muito exaltado com a informação de que ERIKA estava
usando drogas, tentou corrigi-la, repreende-la, porém a mesma apenas retrucava o interrogado, fato que o deixou nervoso a
ponto de agredir fisicamente ERIKA; QUE o interrogado confessa ter dado uma surra em ERIKA, com socos e empurrões;
QUE passados alguns minutos a ERIKA pediu para sua amiga ADRIELE ir buscá-la e trinta minutos depois
ADRIELE apareceu na casa do interrogado; QUE o interrogado alega que ADRIELE e seu esposo MARCOS
invadiram sua residência sem autorização; QUE quando ADRIELE chegou, ERIKA quis sair com ela, porém o
interrogado a impediu; QUE a confusão recomeçou e ADRIELE e MARTA entraram em vias de fato; QUE
MARCOS que estava longe, entrou na briga e enforcou o interrogado, momento que o interrogado soltou ERIKA e esta
correu; QUE o interrogado nega que tenha enforcado ERIKA, que estava apenas lhe puxando para não brigar; QUE
então ERIKA e ADRIELE subiram na moto e vieram para a delegacia; QUE cinco minutos após as duas saírem, o
interrogado resolver vir para a delegacia e as encontrou, momento em que ficou detido.”

Pois bem.

Compulsando detidamente os autos, tenho que a prisão flagrancial do autuado


não deve ser homologada, visto não demonstrada a tipicidade da conduta do acusado.

Conquanto esse não seja o momento adequado para análise do enquadramento


típico da conduta, em situações em que isso é relevante para a homologação do flagrante e possível
conversão em preventiva, essa análise é medida que se impõe, e no caso dos autos, tenho por não
caracterizada a ocorrência de crime de lesão corporal contra a mulher por razões da condição do sexo
feminino, ou mesmo de lesão corporal no âmbito doméstico.

Nesse aspecto, o artigo 121, § 2º-A, do Código Penal, assim prevê: Considera-se
que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: I - violência doméstica e familiar; II -
menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Neste mesmo sentido, conforme a lição de Rogério Sanches Cunha, entende-se


por violência doméstica “a agressão contra a mulher, em um determinado ambiente (doméstico, familiar ou de
intimidade), com finalidade específica de objetá-la, isto é, dela retirar direitos, aproveitando da sua hipossuficiência”.1

Assim, para a aplicação da Lei Maria da Penha, é preciso se verificar no mínimo


que: a) tenha sido uma mulher vítima de qualquer tipo de violência; b) a existência de uma relação
doméstica de intimidade e ou afetividade entre autor e vítima; c) e, ainda, que a violência tenha se
operado em razão do gênero, sendo certo que esses três requisitos mínimos são cumulativos.

No que concerne a este último requisito, a Lei Maria da Penha objetiva a


proteção à mulher numa perspectiva de gênero, sendo a violência de gênero definida como qualquer
tipo de agressão física, psicológica, sexual ou simbólica contra alguém em situação de
vulnerabilidade devido a sua identidade de gênero ou orientação sexual.

Segundo, Victoria Barreda2, “o gênero pode ser definido como uma construção social e
histórica de caráter relacional, configurada a partir das significações e da simbolização cultural de diferenças anatômicas entre

1Cunha, Rogério Sanches, Violência Doméstica: Lei Maria da Penha (11.340/2006), comentada artigo por artigo, Rogério Sanches Cunha,
Ronaldo Batista Pinto – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
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homens e mulheres. [...] Implica o estabelecimento de relações, papeis e identidades ativamente construídas por sujeitos ao
longo de suas vidas, em nossas sociedades, historicamente produzindo e reproduzindo relações de desigualdade social e de
dominação/subordinação.”

Portanto, a violência de gênero necessariamente tem como cerne a


determinação social do papel feminino.

Tanto que a Convenção de Violência Doméstica de Belém do


Pará, define violência de gênero como “ofensa à dignidade humana e manifestação das relações de poder
historicamente desiguais entre mulheres e homens”.

Com efeito, nem toda a violência praticada contra mulheres, entre mulheres, ou
entre familiares, está abrangida pela Lei Maria da Penha. Não basta identificar o sexo dos envolvidos ou
mesmo a situação em que ocorreu a violência. É imprescindível que o motivo da violência seja a questão
de gênero, e que a violência se caracterize através de uma ou mais modalidades previstas no art. 7º, I a V,
da Lei Maria da Penha. Trata-se, portanto, de requisitos cumulativos e não alternativos, como ressaltado
anteriormente.

Nesse sentido, é o enunciado 24 do FONAVID: A competência do Juizado da


Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher restringe- se aos delitos cometidos em razão do gênero, na forma dos
arts. 5º e 7º da Lei Maria da Penha, não sendo suficiente que a vítima seja do sexo feminino.

Para o Superior Tribunal de Justiça: "A jurisprudência da Terceira Seção deste


Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de que, para a aplicação da Lei 11.340/2006, não é
suficiente que a violência seja praticada contra a mulher e numa relação familiar, doméstica ou
de afetividade, mas também há necessidade de demonstração da sua situação de vulnerabilidade
ou hipossuficiência, numa perspectiva de gênero" (AgRg no REsp 1430724/RJ, Rel. Ministra MARIA
THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 17/03/2015, DJe 24/03/2015. ”.

Também é o entendimento dos Tribunais:

RECLAMAÇÃO CONTRA DECISÃO QUE NEGA A RENOVAÇÃO DE


MEDIDAS PROTETIVAS. VIOLÊNCIA DE GÊNERO NÃO EVIDENCIADA.
RECLAMAÇÃO IMPROCEDENTE. 1 Reclamação contra decisão do Juízo do
Primeiro Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Brasília por
revogar injustificadamente medidas protetivas de urgência. 2 Incômodos oriundos de
discussão sobre divisão de bens, posse e guarda e visitação aos filhos são normais nas
ações de divórcio não consensual, não configurando violência de gênero com
gravidade tal que exija a proibição de aproximação e contato, principalmente quando
se pretende a extensão em relação aos filhos, sem registro anterior de atos de
violência praticados pelo réu. 3 Reclamação julgada improcedente. (TJ-DF
07276262020198070000 DF 0727626-20.2019.8.07.0000, Relator: GEORGE
LOPES, Data de Julgamento: 12/03/2020, 1ª Turma Criminal, Data de Publicação:
Publicado no PJe : 21/03/2020 . Pág.: Sem Página Cadastrada.)

2
Género y travestismo em el debate. In: OPIELA, Carolina Von. Derecho a la identidade de género: Ley 26.743. Buenos Aires:
La Ley, 2012. P. 101.
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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. AMEAÇA. AFASTAMENTO DA LEI


MARIA DA PENHA. NÃO CONFIGURAÇÃO DA VIOLÊNCIA DE GÊNERO.
DECISÃO MANTIDA. Deve ser mantida a decisão que declarou incompetente o
juízo do 2º Juizado de Violência Doméstica e Familiar da Comarca de Goiânia, se não
restou comprovada a violência de gênero nos elementos de provas, caracterizada pela
existência de uma relação de domínio/subordinação do acusado sobre a vítima.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJ-GO - RSE:
01906983820168090175, Relator: DES. AVELIRDES ALMEIDA PINHEIRO DE
LEMOS, Data de Julgamento: 27/09/2018, 1A CAMARA CRIMINAL, Data de
Publicação: DJ 2626 de 12/11/2018)

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AMEAÇA E VIAS DE FATO PRATICADAS


POR FAMILIARES DA VÍTIMA. VIOLÊNCIA DE GÊNERO NÃO
CONFIGURADA. Competência do Juizado Especial Criminal. Não basta, para que
haja a incidência da Lei nº 11.340/2006, que o fato envolva violência doméstica ou
familiar contra mulher. Necessita-se, também, que a ação ou omissão, quando
realizada em detrimento de mulher em situação de vulnerabilidade, seja baseada no
gênero. Inteligência do art. 5º, caput, da Lei nº 11.340/2006. Contexto fático de briga
generalizada entre familiares, que supostamente teriam iniciado as agressões
primeiramente contra o namorado da ofendida (menor de idade). Suposta motivação
envolvendo um terreno onde a vítima reside. Condição de mulher não foi o fator
determinante para a ocorrência dos atos. Circunstâncias que não demonstram a
violência de gênero a justificar a incidência da Lei Maria da Penha. Competência do
Juizado Especial Criminal adjunto à 4ª Vara Criminal da Comarca de Canoas.
CONFLITO IMPROCEDENTE. (TJ-RS - CJ: 70083734905 RS, Relator: Diogenes
Vicente Hassan Ribeiro, Data de Julgamento: 24/04/2020, Terceira Câmara Criminal,
Data de Publicação: 22/09/2020

Com efeito, no caso dos autos, tenho que as agressões físicas perpetradas
contra a adolescente não foram baseadas no gênero, mas em razão do fato de o autuado ter descoberto
que a filha adolescente estava fazendo uso de entorpecentes, afastando qualquer violência de gênero na
conduta.

Ademais, nesse cenário resta evidente o dolo de disciplinar e corrigir a filha


adolescente a afastar a tipicidade de qualquer crime de lesão corporal, de modo que eventual excesso dos
meios de correção tipificariam o crime de maus-tratos.

Porém, nem mesmo esse delito não está suficientemente demonstrado neste
primeiro momento, pois ele exige que o agente exponha a perigo a vida ou saúde de pessoa sob sua
autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a
de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer
abusando de meios de correção ou disciplina.

Nota-se que o tipo em referência não abrange todo e qualquer castigo físico,
mas apenas aqueles que exponham a perigo a vida ou a saúde da vítima, e muito embora a Lei

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13.010/2014 estabeleça o direito da criança e do adolescente de serem educados sem o uso de castigos
físicos, ela não criminaliza a conduta de quem os aplica, impondo aos pais ou responsáveis que os
utilizarem apenas medidas administrativas previstas pelo artigo 18-B do ECA.

Destarte, para que se possa falar em crime de maus-tratos é preciso que reste
evidenciado tanto que o agente excedeu aos meios de correção e disciplina, ou seja, que tinha a intenção
de corrigir a vítima, tanto que o fez ao ponto de expor a perigo a vida ou a saúde da vítima.

Nesse sentido:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE MAUS-TRATOS ARTIGO 136, CÓDIGO


PENAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ELEMENTO NORMATIVO
TÍPICO. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. SENTENÇA REFORMADA.
RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. O crime de maus tratos, capitulado no
art. 136 do Código Penal, dispõe em seu preceito normativo típico a necessidade de
expor a perigo a vida ou saúde de pessoa sob a autoridade do agente, demasiando dos
meios de correção ou disciplina. Em não havendo, portanto, risco à vida ou saúde,
tampouco se verifica o elemento normativo do tipo. 2. Recurso conhecido e
provido. (TJPR - 4ª Turma Recursal - 0001777-25.2019.8.16.0069 - Cianorte - Rel.:
JUIZ DE DIREITO DA TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS
TIAGO GAGLIANO PINTO ALBERTO - J. 04.04.2022) (TJ-PR - APL:
00017772520198160069 Cianorte 0001777-25.2019.8.16.0069 (Acórdão), Relator: Tiago
Gagliano Pinto Alberto, Data de Julgamento: 04/04/2022, 4ª Turma Recursal, Data de
Publicação: 06/04/2022)

MAUS-TRATOS CONTRA FILHOS MENORES DE QUATORZE ANOS (ART.


136, § 3.º, DO CP – POR DUAS VEZES). RECURSO DA DEFESA.
ABSOLVIÇÃO. ACOLHIMENTO. AUSÊNCIA DE EXCESSO DOS MEIOS
DISCIPLINADORES. EXERCÍCIO REGULAR DO JUS . LAUDO DE EXAME
DE LESÕESCORRIGIENDI CORPORAIS DESTACA SUPERFICIALIDADE
DAS LESÕES“ O QUE EVIDENCIA A DOSAGEM MENOR DE FORÇA
FÍSICA EMPREGADA”. RECURSO PROVIDO, PARA O FIM DE ABSOLVER
O RÉU. O crime de maus-tratos se configura quando o agente, abusando dos meios
de correção ou disciplina, expõe a perigo de vida ou a saúde de pessoa sob sua
autoridade. Ou seja, é preciso que se use em excesso ou de modo inconveniente
os meios disciplinadores, sem o que a conduta não pode ser considerada
criminosa. (TJPR - 1ª C.Criminal - 0001902-14.2014.8.16.0151 - Santa Izabel do Ivaí
- Rel.: Desembargador Miguel Kfouri Neto - J. 30.01.2020) (TJ-PR - APL:
00019021420148160151 PR 0001902-14.2014.8.16.0151 (Acórdão), Relator:
Desembargador Miguel Kfouri Neto, Data de Julgamento: 30/01/2020, 1ª Câmara
Criminal, Data de Publicação: 07/02/2020)

No caso em tela não foram juntadas aos autos o exame de corpo de delito da
vítima, ou mesmo fotografias das lesões para que se possa falar em excesso dos meios de correção e
disciplina, a caracterizar possível crime de maus tratos, de modo que sequer há prova da materialidade

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desse delito, e ainda que houvesse não seria o caso de lavratura de flagrante a ser homologado mas de
mero TCO de já que se crime é de menor potencial ofensivo.

Desta feita, não demonstrada a tipicidade da conduta RELAXO a prisão em


flagrante do autuado.

Certifique-se quanto à protocolização do Inquérito Policial referente a este


incidente. Em sendo o caso, translade-se, se necessário, cópias destes para àquele e arquive-se o
presente.

Saem os presentes intimados.

Oficie-se a autoridade policial para que junte em 24 (vinte e quatro) horas o


exame de corpo de delito, caso tenha sido realizado, não devendo o autuado permanecer segregado apenas
para realização do exame.

Cientifique-se a autoridade policial acerca do inteiro teor da presente decisão.

ANA HELENA ALVES PORCEL RONKOSKI


Juíza de Direito

Não havendo óbice na utilização de sistema de gravação audiovisual em


audiência, todas as ocorrências, manifestações, declarações entrevistas foram captadas em áudio e vídeo,
cuja mídia digital encontra-se arquivada no cartório deste Juízo. Nada mais. Eu, Gabriela Pessoa
Bianchezzi, digitei.

ANA CAROLINA R. ALVES FERNANDES DE OLIVEIRA


Promotora de Justiça – videoconferência

THIAGO PERTILE BORDA


Advogado – videoconferência

REINALDO JOSE DA SILVA


Autuado
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