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A rtur T h o m psen C arpes

A rtur T hompsen C arpes


ONUS DA PROVA NO NOVO CPC

ONUS DA PROVA
NO NOVO CPC
Do Estático ao Dinâmico

THOMSON REUTERS

REVISTA DOS
TRIBUNAIS
T H O M SO N R E U T E R S

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:• T H O M SO N R E U T E R S
ÔNUS DA PROVA
NO NOVO CPC
Do Estático ao Dinâmico
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D ados Internacionais d e Catalogação na Publicação (CIP)


(Câm ara Brasileira d o Livro, SP, Brasil)
Carpes, Artur Thompsen
ô n u s d a prova no novo CPC : do e s& ico ao dinâm ico / Artur Thompsen
Carpos. Luiz G uilherm e Marinoni, Scrgia Cruz Arenhart e Daniel Mitidíero
tCoord.). - S lo fàulo : Editora Revista dos Tribunais, 2017.

Bibliografia.
ISBN: 978-85-203-7104-6

1. Processo civil 2 Processo civil - Brasil 3 . Prova (Direito) I. Título.


17-06482_______________________________________________ CDU-347.94(81)

índices para catálogo sistemático: 1 Brasil : Prova : Direito processual civil


347.94(81)
A rtur T hompsen C arpes

ÔNUS DA PROVA
NO NOVO CPC
Do Estático ao Dinâmico

LU!Z GUILHERME MARINONJ


SÉRGIO CRUZ ARENHART
DANIEL MITIDIERO
.
i • • • .• > {Gpôrdénãdores

THOMSON REUTERS

REVISTA DOS
TRIBUNAIS'
ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
D o Estático ao D inâm ico
A r t u r T h o m psen C arpes

C oordenação
L uiz G uilherme M arinoni, S ergio C ruz A renhart e D aniel M itidiero

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INCUJI VESSlO
B.ETBÚNICA DO UVHO

© desta edição [2017]

E d i t o r a R e v is t a d o s T r ib u n a is L t d a .

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Impresso no Brasil [08-2017]

Profissional

Fechamento desta edição [10.07.2017]

EDITORA AFILIADA

ISBN 978-85-203-7104-6
Para Daniel Mitidiero,
Jurista exemplar, amigo, irmão e
companheiro de luta pelo Projeto da Justiça Civil

AGRADECIMENTOS

O processo de elaboração de um livro, em bora extremamente prazeroso,


enseja muitos sacrifícios. Trata-se de um longo e árduo caminho que exige m u ita
dedicação de quem escreve, muita paciência e auxílio daqueles que estão ao redor.
Algumas pessoas colaboram de diversos modos para que o objetivo seja alcançado
e assim merecem o meu muito obrigado.
Agradeço ao amigo Daniel Mitidiero pelo diálogo diário destas e outras tan tas
ideias, pelo incentivo, pela atenta revisão dos originais, pelas críticas, sugestões d e
forma, fundo e de bibliografia, tudo fundamental para a concretização desta empresa.
Agradeço à minha sócia e amiga Cristina Palmeiro da Fontoura, pela paciência
durante o período de dedicação à escrita, pela crítica das ideias aqui formuladas e
pela atenciosa revisão dos originais.
Agradeço à minha mãe Conceição Thompsen —cujo exemplo de amor, e n ­
tusiasmo pela vida e dedicação aos filhos constitui minha fonte inspiradora - e a
toda a m inha família que perto ou longe esteve comigo me estimulando a seguir
nesta empreitada.
Agradeço à minha namorada Julia Felino de Barcellos pelo amor que ta n to
me inspirou na fase de conclusão do texto.
Agradeço ao amigo Augusto Fleck pelo auxílio na pesquisa bibliográfica d o s
periódicos.
Agradeço aos amigos Daisson Flach, Eduardo Scarparo, Klaus Koplin, O távio
Domit, Otávio Motta, Paulo Mendes, Rafael Abreu, Sérgio Mattos e Vitor de P aula
Ramos pelo diálogo acadêmico altamente qualificado.
Agradeço a todos meus alunos, especialmente os do Curso de Direito d a
Uniritter Campus Canoas, pelo diálogo diário que me ajuda a construir as p o n tes
seguras que transportam o conhecimento.
Finalmente agradeço ao eterno Professor Carlos Alberto Álvaro de O liveira
(in memoriam), cujas preciosas lições estarão sem pre registradas na razão e n o
coração. Quanta saudade, querido Capo!
/ A rtur T h o m pse n C a r p e s
arrui@ pfcadvocacia.com.br
O utono 2017.
“Faço perguntas a uma audiência invisível
e esta me anima com as respostas
a prosseguir”.

Clarice Lispector. As palavras.

“Frente al ventanal nos pusimos a jugar,


a décimos la verdad que mas engana saber”.

Gustavo Cerati. Engana, Bocanada


L
NOTA DO AUTOR

Em 2010 publiquei o Ônus dinâmico da prova (Porto Alegre: Livraria d o


Advogado), o qual foi fruto da minha dissertação de mestrado junto ao Progra­
ma de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal do R io
Grande do Sul. Para minha alegria o livro recebeu entusiasmada recepção ta n to
no plano acadêmico quanto no da prática do foro. O diálogo com os com panhei­
ros de academia, os colegas professores, alunos, advogados, juízes, prom otores e
tantos outros operadores do direito foi extremamente frutífero para a reflexão d as
propostas contidas na obra.
O que mais me deixou contente, no entanto, foi perceber que as ideias germ i­
nadas naquela obra foram em significativa medida acolhidas no texto do Código d e
Processo Civil em 2015. A técnica da dinamização foi positivada na lei e os critérios
para a sua aplicação não diferem daqueles propostos na referida publicação.
Passados mais de seis anos - e mais um ano de vigência do novo CPC —, é
chegada a hora de publicar as reflexões que realizei ao longo de todo este perío­
do. O diálogo a respeito do ônus da prova e do direito probatório de modo geral
intensificou-se na doutrina e nos tribunais, o que impõe a submissão de m inhas
renovadas ideias à crítica.
O livro dirige-se principalmente para aqueles que militam no dia-a-dia d o
foro. Isso quer dizer que a proposta é voltada não apenas para as reflexões no plano
acadêmico, mas sobretudo para a atuação prática dos operadores do direito.
Oxalá seja realmente capaz de sugerir adequadas soluções aos problem as
concretos e assim alcançar o seu escopo de estar alinhado ao nosso Projeto d a
Justiça Civil.

A rtur T h om psen C a r pe s
artui@ pfcadvocacia.com.br
Outono de 2017
INTRODUÇÃO

O ônus da prova é o fenômeno submetido a muitas reflexões no curso da


história.
Diversos autores empreenderam tentativas de compreender o ônus da prova,
elaborando conceitos, delineando suas funções e propondo soluções aos problemas
que a prática inevitavelmente apresenta. Não por outra razão Alfredo Buzaidatestou,
ainda nos idos de 1961, que “há mais de um século a ciência procura rever-lhe o
conceito, dando lugar a uma floração de teorias, quese esforçam a explicar o instituto
à luz do direito positivo, preconizando soluções ideais para os complexos proble­
mas que ele sugere”l. A reflexão sobre o problema do onus probandi, no entanto, é
muito mais antiga. No primeiro capítulo da sua obra fundamental sobre o tema,
Gian Antonio Micheli constata que o ônus da prova tem sua origem mais remota
no processo romano clássico. Ao longo da história, são interessantes as variantes
pelas quais passa no antigo processo germânico, o ressurgimento dò dogma romano
canonico e, finalmente, pelas vicissitudes próprias do processo comum alemão2,
as quais informam a sua positivação da sua disciplina em diversos países. Moacyr
Amaral Santos, em seu clássico tratado sobre a prova judiciária, examina as prin­
cipais teorias a respeito do ônus da prova e a repercussão que tiveram na primeira
codificação do processo civil brasileiro3.
O certo é que, nada obstante existam relevantes diferenças na concepção do
ônus da prova ao longo da história, a experiência sempre conservou um fio con-

1. BUZAID, Alfredo. Do ônus da prova. Revista de Direito Processual Civil, v. 4. jul.-dez.


1961, p. 5-6. No referido ensaio, o idealizador do CPC/73 realiza apanhado histórico
acerca das raizes do instituto, a partir do período formular romano, ainda dotado de
poucas regras a respeito, passando pelo direito germânico, na qual o jurista aponta que a
existência do ônus da prova no período das ordálias e no renascimento do direito romano
por influência da Escola de Bolonha, com as peculiaridades atinentes ao partiçularismo
jurídico da sociedade medieval, chegando ao antigo direito português.
2. MICHELI, Gian Antonio. Uonere delia prova. Padova: Cedam, 1942, p. 3-49.
3. SANTOS, Moacyr Amaral. Provajudiciária no cível e no comercial. 4. ed. São Paulo: Max
Limonad, 1970, v. 1, p. 93-127.
18 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

dutor comum: o dever de o juiz se pronunciar em todo o caso, ainda que esteja em
situação de dúvida, com relação aos fatos da causa4.
O inequívoco vínculo que o ônus da prova possui com a resolução da de­
manda e, por conseguinte, com a atividade desenvolvida pelas partes e pelo juiz
é o que motiva a sua caracterização como “espinha dorsal do processo civil”5. Se
for certo que “nenhuma decisão pode se considerar justa caso se fundamente em
fatos equivocados, ou sobre uma reconstrução errônea ou falsa das circunstâncias
que estão à base da controvérsia”6, é evidente que o problema do ônus da prova
é extremamente relevante para o processo. Seja no exercício de sua função de re­
gra de julgamento, seja orientando a atuação probatória das partes - conferindo
assim estímulos qualitativos à formação do juízo de fato —, o ônus da prova põe
em movimento a atividade dos sujeitos processuais em torno da prova. O risco de
sucumbir inerente à aplicação da regra dejulgamento implica impulsos na produção
da prova, catalisa o esclarecimento dos enunciados que compõem o universo fálico
da demanda e, portanto, torna mais provável a obtenção de uma decisão justa.
O presente livro é dividido em três partes.
Na primeira parte é examinado o conceito de ônus e estabelecida a sua distin­
ção com outro fenômeno similar, o dever, a fim de que bem se possa compreender
o que significa o ônus da prova. Estabelecida tal premissa, a atenção é voltada para
esclarecer a teoria das normas, aquela que funda o critério para distribuição do
ônus da prova no processo civil brasileiro. Ainda na primeira parte, é especificada
criticamente qual é a natureza das normas que disciplinam o ônus da prova, além da
polêmica a respeito da sua dupla função. Adiante, a proposta dirige-se a particulari­
zar as normas que informam a disciplina do ônus da prova e estabelecer a distinção
face a outras técnicas probatórias, quais sejam, a dos modelos de constatação e
a da chamada “redução do módulo de prova”. Ao final da primeira parte, o livro
aborda criticamente as possíveis relações existentes entre as presunções e o ônus
da prova, sua absorção pelo modelo de cooperação adotado pelo novo processo
civil brasileiro e a sua relação com os poderes instrutórios do juiz.

4. M1CHEL1, Gian Antonio. L Onere delia prova- Padova: Cedam, 1942, p. 48.
5. ROSENBERG, Leo. La carga de la prueba. Trad. Emesto Krotoschin. Buenos Aires: Ejea,
1956, p. 55.
6. TARUFFO, Michele. Idee per una teoria delia decisione giusta. In: Sui confim — Scritti
sul la giustizia civile. Bologna: Il Mulino, 2002, p. 225. No mesmo sentido, OTEIZA.
Eduardo. La carga de la prueba: los critérios de valoración y los fundamentos de la deci­
sion sobre quién está en mejores condiciones de probar ln: OTEIZA, Eduardo (coord).
La prueba en proceso judicial. Santa Fê: Rubinzal-Culzoni, 2009, p. 194-196.
INTRODUÇÃO 19

Na segunda parle o livro dedica-se a examinar o ônus da prova em p ersp ec­


tiva dinâmica. É analisada a introdução da dinamização no Brasil, o que coincidiu
com a promulgação da Constituição de 1988 e a introdução entre nós da teoria d o s
direitos fundamentais. São delineados e examinados criticamente os critérios p a ra
a dinamização do ônus da prova e analisadas algumas hipóteses específicas, q u ais
sejam, a da sua aplicação nas demandas fundadas na responsabilidade civil objetiva
(direito do consumidor e direito ambiental); na responsabilidade civil profissional;
na questão envolvendo a concessão da gratuidade judiciária, na questão atin en te
à constatação da insolvência na ação pauliana e na fraude à execução e da in v iab i­
lidade da dinamização nos processos penais e naqueles fundados em ações p en ais
“fortes”. Ao final desta segunda parte, é examinado o problema das convenções
sobre ônus da prova.
Na terceira e última parte do livro são abordados os problemas ligados à p ra g ­
mática e ao procedimento, tais como a possibilidade de aplicação da dinam ização
exofficio e como deve ser formulado o requerimento da dinamização. Além disso, a
atenção direciona-se para as decisões judiciais sobre o ônus da prova, o que im plica
tratar do momento adequado para a dinamização e como deve se dar a fundam en­
tação da decisão que aplica a regra do ônus da prova e a sua dinamização. Por fim ,
o livro examina o recurso cabível para impugnar a decisão que dinamiza o ônus d a
prova, o problema que envolve a inadmissibilidade-da prova e a aplicação da regra
de julgamento, bem como a questão do acesso ao Superior Tribunal de Justiça e o
direito intertemporal.
Todos são problemas que, nada obstante tenham inegável valor teórico, sã o
páginas presentes no dia a dia do foro, pelo que a investigação se revela das m ais
interessantes sob qualquer perspectiva. O advento do novo Código de Processo
Civil, cuja vigência teve início em março de 2016, contém sensíveis m odificações
no tocante ao tema, o que tom a o assunto ainda mais relevante e instigante.
L_
r
SUMÁRIO

AG RA D ECIM EN TO S............................................................................................................ .......... 11

NOTA D O A U T O R ........................................................................................................................... 15

IN TR O D U Ç Ã O .................................................................................................................................. 17

PARTE I
O ÔNUS DA PROVA
1. O conceito de ônus e a sua distinção com o dever.................................... 25
2. A "teoria das normas" como modelo de distribuição do ônus daprova... 34
3. A dupla função do ônus da prova.........................................................................40
4. As normas sobre o ônus da prova..................................................................... 46
4.1. As regras que informam a disciplina do ônus da prova..................... 47
4.2. Os princípios que informam a disciplina do ônus da prova........... 49
5. Ônus da prova, modelos de constatação e a redução do módulo pro­
batório.......................................................................................... 56
5.1. Os modelos de constatação.................................................................... 57
5.2. A distinção funcional entre ônus da prova e modelo de constata­
ção..................................................................................................................... ..... 61
5.3. A técnica da "redução do módulo de prova"......................................... 65
6. As presunções e a sua relação com a distribuição do ônus da prova .... 71
7. O ônus da prova no modelo da colaboração do processo civil brasi­
leiro.................................................................................................................................. 77
8. Os poderes instrutórios dó juiz e o ônus da prova................................... 87

PARTE II
O ÔNUS DINÂM ICO DA PROVA
1. O
O ônus
ônus estático
estático da
da prova
prova no
no CPC/73
CPC/73 ..../........................................................
..../............................................................... 93 93
2. O ônus dinâmico da prova e a experiência pós-Constituição de11988...
98 8 ... 98
22 | ÓNUS DA PROVA NO NOVO CPC

2.1. A teoria argentina das "cargas probatórias dinâmicas" e a intro­


dução do ônus dinâmico da prova no processo civil brasileiro ... 99
2.2. Dinamização ope judieis: a utilização do postulado normativo
da razoabilidade na aplicação das regras sobre o ônus da prova... 108
2.3. Dinamização ope legis: a consagraçãodoônus dinâmico da prova
no C P C ....................................................................................................................... 114
2.4. Duas perguntas para a dinamização do ônus da prova: os critérios
da igualdade substancial e da máxima efetividade probatória...... 117
2.4.1. O critério da igualdade substancial (direito fundamental à
igualdade).................................................................................................. 117
2.4.2. O critério da máxima efetividade probatória (direito funda­
mental à prova)....................................................................................... 119
3. Dinamização fundada no Código de Defesa do Consumidor: o equívoco
do termo "inversão do ônus da prova"................................................................... 130
4. Ônus dinâmico da prova na responsabilidade c iv il......................................... 132
4.1. O ônus dinâmico da prova na responsabilidade civil objetiva: a
tutela do direito do consumidor.................................................................. 132
4.2. O ônus dinâmico da prova na responsabilidade civil objetiva: a
tutela do direito am biental........................................ 136
4.3. O ônus dinâmico da prova nos processos fundados na responsa­
bilidade civil profissional................................................................................. 140
5. O ônus da prova para o reconhecimento do direito à gratuidade judi­
ciária.......................................................................................................................................... 144
6. O ônus da prova da alegação de insolvência: o caso da ação pauliana
e da fraude à execução................................................................................................... 148
7. A inadmissibilidade da dinamização do ônus da prova no processo
penal e nos processos que versam sobre a ação de improbidade admi­
nistrativa........................................................ 151
8. Convenções processuais sobre ônus da prova.................................................... 154

PARTE III
A PRAGMÁTICA E O
PROCEDIM ENTO DO ÔNUS DA PROVA
1. Dinamização ex officio?................................................................................................. 159
2. O requerimento da dinamização do ônus da prova e o ônus de funda­
mentação especificada................................................................................................... 162
SUMÁRIO 2 3

3. A decisão judicial sobre o ônus da prova............................................................... 164


3.1. O momento adequado da decisão que determina a dinamização
dos ônus probatórios...................................................................................... 167
3.2. A fundamentação da decisão sobre a questão da dinamização do
ônus da prova......................................................... 178
3.3. A fundamentação da decisão que aplica a regra de julgamento
do ônus da prova..................................................................................................... 181
4. O recurso cabível da decisão sobre a dinamização dos ônus probató­
rios............................................................................................................................................... 184
5. Inadmissibilidade da prova, julgamento imediato do pedido e aplicação
da regra de julgamento do ônus da prova.............................................................. 186
6. A questão do ônus da prova e o acesso ao Superior Tribunal de Justiça... 191
7. O ônus da prova e a sua dinamização no âmbito dos Juizados Espe­
c ia is ............................................................................................................................................ 198
8. Direito intertemporal e dinamização do ônus da prova................................. 200

REFERÊNCIAS BIBLIO G RÁ FICA S............................................................................................... 2 03


P a r te I
O ÔNUS DA PROVA

1. O conceito de ônus e a sua distinção com o dever

O ônus é fenômeno que, em sentido amplo, decorre da vivência do cotidiano:


em todo instante o ser humano encontra-se diante de um dilema, isto é, diante de
uma escolha entre seguir um ou outro caminho. Diante da decisão em agir desta ou
daquela forma, a possibilidade de obter uma vantagem e o risco da perda são como
duas faces de uma mesma moeda1. Na linguagem comum, o vocábulo “ônus” tem
por objeüvo designar a situação daquele que, para obter certo resultado, predsa
agir de determinada forma, conformando sua ação eventualmente com alguma
regra de conduta2.
A definição de ônus no campo do direito depende, no entanto, de melhor
precisão. O rigor conceituai permite não apenas conhecer a natureza do fenômeno
enquanto categoria jurídica, mas também compreender os limites de suarespectiva
aplicação. A frequente confusão entre as categorias do ônus e do dever na prática
pelo legislador, e até mesmo pela doutrina, confirma o predito. Não por acaso
Carnelutti observava, há quase um século, que:
(...) na prática frequentemente se confunde, assim como na lin­
guagem ou também no conceito, o ônus com a obrigação: dessa
forma, costumamos falar promiscuamente tanto de ônus como
de obrigação de citar, de provar, e notificar, e assim por diante3.

1. IRTI, Natalino. Due saggí sul dovere giuridico. Napoli: Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene,
1973, p. 118-119.
2. SCOZZAFAVA, Oberdan Tommaso. Onere (nozione). Enciclopédia del diritto. Milano:
Giuffrè, 1980, v. XXX, p. 104.
3. CARNELUTTI, Francesco. Lezioni di diritto/processuale civile. Vol. II. Padova: CEDAM,
1933, p. 317.
26 ÔNUS DA PROVA N O NOVO CPC

A imprecisão da linguagem e, por conseguinte, a obscuridade entre dever e


ônus segue existindo4.
Embora não seja fenômeno limitado ao plano do direito processual5, ou
mesmo ao campo do direito probatório, foi nesse particular que o conceito de
ônus encontrou terreno fértil para o seu desenvolvimento. A específica dinâmica
do fenômeno processual é o que determina a aplicação mais frequente do ônus
no plano do processo. A razão para isso é evidente: o ônus pressupõe a existência
de um determ inado meio (conduta) necessário para o alcance de determinado
fim, sendo que o sujeito que age é livre para decidir se o adota ou não6. O con­
ceito de ônus possui, portanto, conotação essencialmente instrumental e, por
tal razão, a categoria encontrou seu punto di emersione no processo ou, mais
precisamente, em torno do potereprocessuale, cujainstrum entalidade é própria
da sua natureza7.
A primeira teorização da categoria coube a Giovanni Brunetti e teve origem no
problema da imperatividade das normas jurídicas8. Segundo o jurista italiano, nem
todas as regras jurídicas seriam imperativas. Vale dizer: existiriam certas regras ju ­
rídicas que disciplinariam condutas de modo não imperativo. Isso porque eventual
violação dessas regras de conduta não consistiria em ato contrário ao direito, mas
simplesmente na impossibilidade em alcançar determinada finalidade prometida

4. O que se demonstra, por exemplo, na seguinte ementa de julgado realizado no âmbito das
Turmas Recursaís do Estado do Rio Grande do Sul: “Reparação de danos. Fornecimento
de energia elétrica. Dano elétrico. Queima de aparelhos. (...) Dever de provar o nexo de
causalidade passa a ser do autor e não da distribuidora. Prova suficiente. Manutenção
da sentença que reconheceu o dever de indenizar. (...)" (Recurso Cível 71006280093,
julgado em 29.09.2016 - o grifo não consta do original). Ou ainda no seguinte excerto,
também oriundo da Justiça Estadual Gaúcha: “Inexiste prova no sentido de que a autora
tenha autorizado os descontos relativos ao pagamento mínimo do cartão de crédito, à
medida que nenhum documento nesse sentido contendo a assinatura da autora veio
acostado aos autos, malgrado fosse da instituição financeira o dever de provar a autori­
zação, nos termos do art. 333, II, do CPC" (Apelação Cível 7006907901.0, julgado em
06.10.2016 - o grifo não consta do original).
5. GAVAZZI, Giacomo. L ‘Onere: tra la liberta e Tobbligo. Torino: Giappichelli, 1970, passim.
6. MICHELI, Gian Antonio. LOnere delia Prova. Padova: CEDAM, 1942, p. 65.
7. MICHELI, Gian Antonio. LOnere delia Prova. Padova: CEDAM, 1942, p. 65.
8. SCOZZAFAVA, Oberdan Tommaso. Onere (nozione). Enciclopédia dei diritto. Milano:
Giuflrè, 1980. v. XXX, p. 100-101. No mesmo sentido, GAVAZZI, Giacomo. L ‘Onere: tra
la liberta e 1'obbligo. Torino: Giappichelli, 1970, p. 25-37; e IRTI, Natalino. Due saggi
sul dovere giuridico. Napoli: Casa Editrice Dott. Eugênio Jovene, 1973, p. 54.
O ÔNUS DA PROVA 27

pelo ordenamento jurídico9. O descumprimento dessa peculiar espécie de dever


não significaria violação ao direito, na medida em que a conduta do sujeito estaria
no âmbito de liberdade reconhecida pelo legislador10. Seria possível, segundo B ru-
netti, extrair das relações de direito privado - como aquelas que vinculam cred o r
e devedor, p. ex. - a existência de deveres livres11.
Os denominados deveres livres, na teoria brunettiana, outorgariam liberdade
de escolha para o devedor entre realizar ou não realizar determinada ação. Tal li­
berdade, no entanto, seria orientada pela promoção de certa finalidade. Por o u tra s
palavras, a liberdade seria condicionada pelo alcance de determinado escopo visado
pelo agente e prefixado pela lei. Nesta categoria Brunetti incluía, por exem plo, a
obrigação do devedor em se submeter ao pagamento do débito sem se su jeitar à
aplicação de multa12. Enquanto a conduta prescrita das regras imperativas se cham a
obrigação, a conduta imposta pelas regras técnicas ou finais chama-se dever livre o u
deverfinal13. A obrigação, assim, reporta-se à modalidade de necessidade absoluta e
o dever livre à necessidade ideológica14.
A tentativa de explicar a categoria do dever livre foi o que levou B runetti a
construir a teoria das regras finais. Conforme ele,
(...) o sistema legislativo dos atos jurídicos é, em grande p a rte ,
um sistema de regrasfinais, porque as leis relativas a atos ju ríd ic o s
possuem exatamente a função de determ inar os meios pelos q u a is
o homem pode alcançar certos fins que ele mesmo se propõe15.

Na perspectiva do alcance de determinada finalidade, o devedor seria livre


para decidir se cumpriria ou não o dever frente ao credor; caso desejasse e v ita r

9. BRUNETTI, Giovanni. Norme e regole finale nel diritto. Torino: Unione Tipografico-
-Editrice Torinese, 1913, p. 180.
10. MICHELI, Gian Antonio. LOnere delia Prova. Padova: CEDAM, 1942, p. 55.
11. BRUNETTI, Giovanni. Norme e regole finale nel diritto. Torino: Unione Tipografico-
-Editrice Torinese, 1913, p. 73; SCOZZAFAVA, Oberdan Tommaso. Onere (nozione).
Enciclopédia dei diritto. Milano: Giuffrè, 1980, v. XXX, p. 101.
12. MICHELI, Gian Antonio. LOnere delia Prova. Padova: CEDAM, 1942, p. 55-56.
13. GAVAZZI, Giacomo. L ‘Onere: tra la liberta e lobbligo, Torino: Giappichelli, 1970,
p. 37.
14. GAVAZZI, Giacomo. L ‘Onere: tra la liberta e 1’obbligo. Torino: Giappichelli, 1970,
p. 37.
15. BRUNETTI, Giovanni. Norme e regole finale nel diritto. Torino: Unione Tipografico-
-Editrice Torinese, 1913, p. 184. O grifo é do original.
2 8 | ÔNUS DA PROVA N O NOVO CPC

determ inadas consequências jurídicas desfavoráveis, deveria conformar o seu


com portam ento a determinadas prescrições normativas.
O exame da teoria das regras finais permite notar a distinção entre pelo me­
n o s duas perspectivas pelas quais se pode interpretar texto normativo: uma que
se apresenta mediante a fórmula “o agir de modo ‘A’produz o efeito ‘B e outra que se
apresenta mediante a fórmula “se desejo ‘B ’, devo agir de modo ‘A’”. A primeira proposi­
ção indica relação de causalidade eficiente (“B ”é efeito de “A ”) ; a segunda proposição
indica relação de causalidade final (“B” constitui ofim que o individuo se propõe a
atingir e, portanto, a causa de agir no modo “A ”)16. As duas relações de causalidade
são expressas em juízos hipotéticos, que podem ser chamados, respectivamente,
d e juízo hipotético eficiente (se ajo de modo “A” verihca-se “B”) e juízo hipotético
fin a l (se quero que se verifique “B”, tenho de agir de modo “A”). Enquanto a tradi­
çã o científica conhece apenas o dever como efeito do ato (a obrigação de entrega,
p. ex., decorre do contrato de compra e venda), a teoria brunettiana insere no âm­
b ito de caracterização do dever os elementos que pressupõem o ato (ou melhor,
coloca o ato na posição de antecedente de efeitos jurídicos). Vale dizer: há o dever
q u e nasce do ato e há aquele que tem por finalidade o ato17.
Os textos normativos, no entanto, ao contrário do que supunha Brunetti, não
dispõem a propósito de regrasfinais. Não dizem “se deseja o efeito jurídico ‘B’(p. ex.,
transferir a título gratuito a propriedade de um bem ), deve agir de modo ‘A’” (p. ex.,
realizar a doação m ediante escritura pública), mas se limitam a fixar uma relação
d e antecedente e consequente, isto é, a descrever um fato ou um conjunto de fatos
previstos em hipótese18. A teoria da regra final (se quero..., devo...) apresenta-se,
assim , como mera expressão psicológica do nexo normativo entre antecedente e
consequente (ou entrefattispecie e efeito jurídico). A solução de Brunetti outorga,
portan to , solução de caráter voluntarístico19 ao problema do dever, o que, para o
b e m da verdade, não se revela uma surpresa no particular contexto cultural no

16. BRUNETTI, Giovanni. Norme e regole finale nel diritto. Torino: Unione Tipografico-
-Editrice Torinese, 1913, p. 71-72.
17. IRTI, Natalino. Due saggi sul dovere giuridico. Napoli: Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene,
1973, p. 57.
18. IRTI, Natalino. Due saggi sul dovere giuridico. Napoli: Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene,
1973, p. 59.
19. IRTI, Natalino. Due saggi sul dovere giuridico. Napoli: Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene,
1973, p. 78.
O ONUS DA PROVA 29

qual surgiu a tese - início do século XX —, momento no qual o dogma da vontade


pautava os mais variados debates doutrinários.
É de se observar, todavia, que o devedor não se encontra propriamente em
uma situação de liberdade, mas em estado de típica coação, que tomará forma na
imposição ao ressarcimento do dano mediante sua sujeição à execução forçada, a
qual prescinde da vontade (e, assim, da liberdade) do devedor.20
O dever livre, portanto, não pode ser confundido com o autêntico dever, nem
mesmo como espécie deste gênero. A “necessidade teleológica” que funda a teoria
de Brunetti não expressa relação de causalidade própria de um sistema de deveres,
mas tão somente funda um critério de raciocínio prático21. Como registra a dou­
trina, a “necessidade teleológica não é verdadeira necessidade, mas oportunidade e
juízo de conveniência”, razão pela qual não possui relevância externa ao indivíduo,
circunstância que, por conseguinte, não tomaria possível outorgar à categoria do
dever livre natureza jurídica22. Dever e ônus são, em suma, noções em si heterogêneas:
a primeira indica uma necessidade jurídica de um determinado comportamento
indicado na norma, em regra visando à satisfação do interesse de outro sujeito; a
segunda, por outro lado, indica a necessidade prática que o titular de um determi­
nado poder o exerça visando a obter um efeito a seu favor, isto é, visando à tutela
de um interesse próprio23.
A impossibilidade de j ustificar a categoria do dever livre na moldura dogmática
por ele desejada não impediu Brunetti, no entanto, de colaborar decisivamente
para a construção da categoria do ônus. Ao descrever o dever livre como fenômeno
que outorga liberdade ao sujeito para escolher entre adotar ou não adotar como
certa a conduta determinada pelo ordenamento jurídico sem receio de estar co­
metendo ilicitude, Brunetti acabou desenhando, mesmo que possivelmente sem
querer, os fundamentos dogmáticos da categoria do ônus. A partir do segundo
ou terceiro decênio do século XX, os debates em tomo do dever livre passaram a
ser debates sobre ônus24 e sempre mantiveram a constatação brunettiana de que

20. MICHELI, Gian Antonio. llOnere delia Prova. Padova: CEDAM, 1942, p. 56.
21. IRTI, Natalino. Due saggí sul dovere giuridico. Napoli: Casa Editrice Dou. Eugeniojovene,
1973, p. 64.
22. IRTI, Natalino. Duesaggi sul dovere giuridico. Napoli: Casa Editrice Dott. Eugeniojovene,
1973, p. 66.
23. MICHELI, Gian Antonio. JlOnere delia Prova. Padova: CEDAM, 1942, p. 58.
24. IRTI, Natalino. Due saggi sul dovere giuridico. Napoli: Casa Editrice Dott. Eugeniojovene,
1973, p. 79.
30 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

o descumprimento de um ônus representa uma opção do onerado, ou seja. um


ato tolerável pelo direito.
Outra colaboração importante para o desenvolvimento da dogmática sobre o
ônus tem origem nas reflexões de Francesco Camelutti a respeito do exercício dos
poderes jurídicos. Ao enfatizar que “não somente a parte precisa do processo, mas o
processo precisa da parte”, Camelutti advoga a ideia de que, se o processo depende
da atividade das partes para se desenvolver, não basta que lhes sejam conferidos
poderes, mas também é indispensável que elas sejam estimuladas a exercê-los. Tal
estímulo não pode ser obtido senão impondo ã parte uma “penalidade” para o seu
não exercício. Trata-se de considerar tal poder, no entanto, não um poder-dcver —
como ocorre no caso do exercício das atividades dos magistrados e dos membros
do Ministério Público-, porque isso significaria um contrassenso, mormente tendo
em conta a finalidade pela qual a parte atua no processo (tutela de um interesse
próprio). Quando a forza di propulsione para o exercício do poder está no interesse
do próprio titular, está-se diante do fenômeno do poder-direito. Assim, segundo
Camelutti, “a harmonia e o equilíbrio do processo civil repousa exatamente na
antítese entre o poder-direito da parte e o poder-dever do juiz”, sendo que o even­
tual não exercício deste poder-direito pela parte acarreta a frustração da finalidade
buscada no processo. Segundo ele, “a pane deve valer-se do seu poder se deseja
alcançar determinada finalidade”.15
A diferença entre ônus e obrigação, para Camelutti, encontra-se fundada,
portanto, na distinção entre o “poder-direito” e o “poder-dever” e, por conseguinte,
na diferença quanto à consequência sofrida por aquele que não exerce determinado
poder. Assim, está-se diante de obrigação ou dever quando a inércia do respectivo
titular dá lugar à sançãojurídica (execução ou pena); está-se diante de ônus quando
a abstenção dá origem à perda dos efeitos úteis do próprio atoíb. Tanto na obrigação
ou no dever quanto no ônus verificam-se consequências desfavoráveis ao titular
no caso de descum prim ento. Na primeira hipótese, todavia, existe a violação
de um comando jurídico e, na segunda, apenas a inobservância de uma regra de
conveniência1'. Enquanto o dever pressupõe um comando determinado pelo direito,
inclusive mediante ordem judicial, pelo que a sua respectiva inobservância importa 2567

25. CARNELUTTI, Francesco, Lezioni di d ir itto p ro c e ssu a le civile. Vol. II. Padova: CEDAM,
1933, p. 315-317.
26. CARNELUTTI, Francesco Lezioni d i d ir itto p ro c e ss u a le civile. Vol. II. Padova: CEDAM,
1933, p. 317.
27. MICHELI, Gian Antonio. H O ncre d e lla P ro va . Padova: CEDAM, 1942, p. 59.
O ÔNUS DA PROVA 31

em ilicitude, o ônus, embora também pressuponha comando determinado pelo


direito, condiciona o cumprimento de tal comando à vontade do sujeito, de m odo
que a inobservância do ônus é prevista como lícita pelo direito28.
Micheli, aliás, também outorga relevância ao problema do exercício dos poderes
jurídicos no que diz respeito à definição da categoria do ônus. Segundo o jurista italia­
no, em determinadas hipóteses a lei atribui ao sujeito o poder de realizar a condição
(necessária e suficiente) para o alcance de um efeito jurídico considerado favorável
para o mesmo. Em tais casos, a integração dafattispecie abstrata da norma dá-se m e­
diante a atividade do sujeito ao qual a ordem jurídica atribui tal poder, cujo exercício
representa o único meio para a incidência da norma. A finalidade prevista p o d e, no
entanto, verificar-se tanto na esfera jurídica do sujeito agente quanto na esfera jurídica
alheia, mesmo sem a cooperação de outros, em cuja desvantagem atuam os efeitos
jurídicos decorrentes do exercício unilateral do poder. Sob essa diretriz desenvolve-se a
distinção entre os poderes cujo exercício prevê a sujeição ao titular do poder (hipótese
ligada ao exercício dos direitos potestativos) e os poderes cujo exercício não acarreta
qualquer sacrifício alheio (hipótese ligada ao exercício dos ônus).29
Não poracaso, portanto, os contornos da natureza do ônus enquanto fenôm e­
no jurídico sempre restaram vinculados, em maior ou menor medida, à com paração
com o fenômeno do dever. Embora sejam semelhantes, não é possível confundir
as categorias. Vale, assim, pontuar algumas diferenças fundamentais que auxiliam
na compreensão de ambas as categorias.
A doutrina tradicional sempre pontuou que a diferença entre dever e ô n u s
está em que (a) o dever constitui imperativo de interesse alheio, ainda que se ja a
sociedade, isto é, a satisfação é do interesse do sujeito ativo da relação jurídica; ao
passo que (b) o ônus é em relação a si mesmo; não há relação entre sujeitos: o seu
cumprimento, portanto, constitui interesse do próprio onerado. Diante de um ô n u s,
em síntese, “não há sujeição do onerado; ele escolhe entre satisfazer, ou não t e r a
tutela do próprio interesse”30.

28. MICHELI, Gian Antonio. II'.Onere delia Prova. Padova: CEDAM, 1942, p. 59-60.
29. MICHELI, Gian Antonio. LOnere delia Prova. Padova: CEDAM. 1942, p. 73.
30. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil.
Rio de Janeiro: Forense, Tomo IV, 1974, p. 217. No mesmo sentido, GOLDSCFTM1DT,
James. Derccho procesal civil. Trad. Leonardo Prieto Castro. Barcelona: Labor, 1936, p.
203 e, mais amplamente, MICHELI, Gian Antonio. L Onere delia prova. Padova: Cedam ,
1966, p. 59-95, para quem era natural que a noção ônus encontrasse vasto cam po de
aplicação no processo civil, em que a iniciativa das partes tem notável im portância
3 2 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

É possível, no entanto, estabelecer distinção mais aprimorada.


A principal diferença entre as categorias está em que no dever, ao contrário
do ônus, não há possibilidade de escolha lícita ao devedor entre o agir ou não agir
n o modo determinado pela norma31. O descumprimento do dever, que consiste
e m situação passiva de sujeição radical, implica em ato contrário ao direito (ato
ilícito). Já no ônus, há possibilidade de escolha ao onerado entre o agir ou não
ag ir no modo determ inado pela norma. O descumprimento do ônus, que consiste
situação passiva com sujeição mais branda, é tolerável pelo direito e não resulta
e m ilicitude32.
Ao contrário do dever de não estacionar em local proibido, cujo descumpri­
m en to implica ato ilícito e penalização do infrator, o descumprimento do ônus
d e provar não implica ação ilícita, pois o direito outorga ao onerado a faculdade
d e escolher entre cum prir ou não cum prir o comportamento determinado pela
regra (art. 373, CPC). Justam ente com base em tal distinção é possível notar que,
d ian te do descumprimento de um dever, será possível a aplicação de penalidades
e m ultas coercitivas visando a reprovar a conduta do devedor e compeli-lo ao
adim plem ento. Diante do descumprimento de um ônus, de outro lado, a solu­
ção será distinta: sendo lícito ao onerado escolher entre adotar ou não adotar o
com portam ento determ inado pela regra, não há falar na aplicação de penalidade
o u multa coercitiva33.

na dinâmica do procedimento, sendo um dos “elementos essenciais da dogmática do


processo” e a que se deve o esclarecimento de muitos fenômenos jurídicos. No mesmo
sentido, DEV1S ECHANDÍA, Hemando. Teoria general de la prueba judicial. Buenos
Aires: Víctor P. De Zavallía, [s.d. ] v. 1, p. 393-421, com ampla pesquisa doutrinária,
e LENT, Friedrich. Obblighi e oneri nel processo civile. Rivista de Diritto Processuale,
Padova: v. 9, n. 1, p. 150-158, 1954, para quem “no processo civil os ônus são mais
importantes que as obrigações”.
31. Por todos, na doutrina nacional, v. RAMOS, Vitor de Paula. Ônus da prova no processo
civil: do ônus ao dever de provar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 53-65;
PACÍFICO, Luiz Eduardo Boaventura. O ônus da prova no direito processual civil. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 35-36, LEONARDO, Rodrigo Xavier. Imposição
e inversão do ônus da prova. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 57.
32. RAMOS, Vitor de Paula. Ônus da prova no processo civil: do ônus ao dever de provar.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 63-65. Para um aprofundamento do exame
sobre ônus e licitude, v. GAVAZZI, Giacomo. L ‘Onere: tra la libertá e Tobbligo. Torino:
Giappichelli, 1970, p. 71-122.
33. RAMOS, Vitor de Paula. Ônus da prova no processo civil: do ônus ao dever de provar. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 64.
O ÔNUS DA PROVA 33

O processo civil é informado por uma multiplicidade de exemplos de ônus.


Fala-se em ônus de alegação para significar o encargo que as partes têm de alegar
especificadamente os fatos que compõem o universo da demanda. Vale dizer: no
que diz respeito à parte autora, esse ônus recai quanto aos fatos constitutivos do seu
direito e no que se refere à parte ré, envolve especialmente a sua defesa de mérito.
Não se pode imaginar, com efeito, que o autor deduza pedido de ressarcimento de
dano em ação de responsabilidade civil sem que tenha cumprido o ônus de alegar,
de modo especificado, o aludido dano em sua causa de pedir. O ônus de alegação
referente à demanda constitui elemento vinculado à aplicação do princípio da
demanda e se encontra fundado na interpretação conjugada dos arts. 2o, 141,319,
III, 490 e 492, CPC. Caso aludido encargo não seja cumprido pela parte autora,
a consequência será a intimação para emenda da petição (art. 321, CPC) ou, na
eventual desobediência, o seu respectivo indeferimento (art. 330,1, CPC). Observa-
-se que, nada obstante ser evidente o descumprimento da regra que impõe a ade­
quada especificação da causa de pedir, trata-se de norma de sujeição mais branda,
a qual não implica aplicação de penalidade ou multa, sendo tolerável pêlo direito.
Falar em ônus da prova significa referir-se a encargo atribuído àparte no sentido
de demonstrar a veracidade de certo enunciado fático34. O ônus da prova impõe à
parte onerada, portanto, a opção entre cumprir e não cumprir o encargo probatório.
Ambas as condutas são toleradas pelo direito, muito embora o onerado conviva
com um risco que pode ser implementado no cáso dê descumprimento do ônus.
Caso os enunciados fáticos que fundam a demanda não sejam suficientemente
provados, isto é, não sejam capazes de subministrar o juízo a respeito dà suã res­
pectiva probabilidade, o órgão judicial julgará em desfavor da parte onerada. Por
outras palavras: aplicará a regra de julgamento, desestimando a ação ou a defesa
pelo descumprimento do ônus da prova.
Ao contrário do c[Ue sucede no que diz respeito à dinâmica de outros ônus
processuais, o descumprimento do ônus probatório não resulta necessariamente
em consequência desfavorável ao onerado. Isso porque a regra de julgamento será
aplicada apenas na hipótese de insuficiência de prova apta à formação do juízo de
probabilidade prevalente (no caso dos processos civis) sobre os enunciados fáti-

34. Como regra, os objetos da prova são enunciados de natureza fática; excepcionalmente,
no entanto, o ônus da prova recairá sobre enunciados de direito, como ocorre na hipótese
prevista no art. 376, CPC. Vale dizer: quando a parte alegar direito municipal, estadual,
estrangeiro ou consuetudinário, o juiz poderá determinar à parte o ônus de provar o
seu respectivo teor e vigência.
34 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

cos da causa. É possível, portanto, que, ainda que descumprindo o ônus da prova,
aludido juízo de probabilidade seja obtido, na medida em que não apenas o órgão
judicial, mas também a contraparte podem produzir provas idôneas a tanto. Recai
sobre a parte onerada da prova apenas um risco de consequência desfavorável aos
seus interesses, o que é bem diferente de uma necessária consequência. O risco
apenas será implementado na hipótese de ser impossível obter o juízo de probabi­
lidade prevalente a respeito do enunciado fático. Por isso é que o ônus da prova, ao
contrário do ônus de contestar e do ônus de recorrer, por exemplo, é considerado
um ônus imperfeito. Enquanto rio ônus perfeito a consequência decorrente do
descumprimento é necessária, no ônus imperfeito é consubstanciada em mero
risco, o qual pode, inclusive, não se materializar.

2. A "teoria das normas" como modelo de distribuição do ônus da


prova

A semelhança na redação dos dispositivos cujo papel é estabelecer a disciplina


nos ônus probatórios tem origem na incorporação da Normentheorie —ou teoria
das normas —na legislação de diversos países35. A concepção ganhou prestígio no
plano doutrinário por meio da obra de Leo Rosenberg, a qual referia que a parte tem
o ônus de afirmar e provar os pressupostos fáticos da norma que lhe é favorável,
isto é, da norma cujo efeito jurídico se resolve em seu proveito36. Pautada na rígida
separação entre fato e direito, a teoria rosenberguiana estabelece-se através de ra­
ciocínio lógico descrito em um silogismo de corte dedutivo: aquele que pretende
lograr o efeito decorrente da aplicação da norma tem correlato o ônus de alegar e
de provar sua “premissa m enor”, qual seja, o fato a ela subjacente.

35. Registra Pedro Ferreira Múrias que “dentre os múltiplos modelos gerais de distribuição
do ônus da prova, vai se destacando, pela já sua longa conservação, pelo majoritário
e, nalguns ordenamentos, pela consagração legal mais ou menos explicita, a chamada
‘teoria das normas', que, separando 'normas' ou ‘fatos’ ‘constitutivos’, por um lado, e,
por outro, ‘impeditivos’, ‘excludentes’ ou 'exüntivos', e talvez ainda, modificativos’ do
‘direito’, faz pender o risco de non liquet probatório, respectivamente, ora contra uma,
ora contra outra das versões disputadas. (MÚRIAS, Pedro Ferreira. Por uma distribuição
fundamentada do ónus da prova. Lisboa: Lex, 2000, p. 17). No mesmo sentido, de que
o art. 333 do CPC/73 —e, assim, o texto do an. 373, CPC - sofreu influência da teoria
das normas, KN1JNIK, Danilo. A prova nos juízos cível, penal e tributário. Rio de Janeiro:
Forense, 2007, p. 174.
36. ROSENBERG, Leo. La carga de la pruéba. Trad. de Ernesto Krotosohin. Buenos Aires:
Ejea, 1956, p. 91.
r O ÔNUS DA PROVA

A distribuição do ônus da prova encontra-se fundada, portanto, nas n o rm as


de direito m aterial invocadas na demanda e, em especial, nos elem entos q u e
correspondem ao seu respectivo suporte fático. Observa-se, portanto, evidente
3 5

relação entre o princípio dispositivo e a distribuição do ônus da prova. O princípio


fundamental é o de que o ônus probatório incumbe àquele que alega: onus probandi
incumbit ei qui dicit.
A base da distribuição dá-se, a exemplo do critério adotado pelo texto d o
Código de Processo Civil vigente, em fatos constitutivos, por parte do autor e m
relação ao direito por ele alegado, e em fatos impeditivos, modificativos ou extintivos
afirmados pelo réu. O autor tem o ônus de provar os enunciados fáticos alegados
por ele que, uma vez demonstrados, determinarão a aplicação das normas nas qu ais
vai fundada a sua pretensão. O réu, em contrapartida, tem o ônus de provar os
fatos que alega visando à aplicação de norma que impeça a eficácia, modifique o u
extinga o direito do autor37. O réu só terá ônus probatório, portanto, na hipótese
de apresentar defesa indireta de mérito38. Caso o réu simplesmente negue a e x is ­
tência dos fatos constitutivos do direito afirmado pelo autor, a ele não caberá ô n u s
probatório algum. O réu só terá ônus da prova caso excepcione algum direito s e u
que impeça a eficácia, modifique ou extinga o direito do autor, hipótese em q u e o
réu suportará o encargo de provar os fatos que compõem o suporte fático da n o rm a
que fundamente a sua exceção.
O CPC/39, em seu art. 209, incisos Ie II, assim registrou em seu texto aludido
critério de distribuição do ônus da prova:
Art. 209.0 fato alegado por um a das partes, quando a outra o n ã o
contestar, será admitido como verídico, si o contrário não re su lta r
do conjunto das provas.

§ I o Sio réu, na contestação, negar o fato alegado pelo autor, a e s te


incumbirá o ônus da prova.

37. ROSENBERG, Leo. L a ca rg a d e la p r u e b a . Trad. de Ernesto Krotoschin. Buenos Aires:


Ejea, 1956, p. 97-98.
38. Há defesa indireta de mérito quando o réu opõe ao fato constitutivo afirmado pelo a u ­
tor um outro fato impeditivo, modificativo ou extintivo do seu direito. Nesse sentido.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. A resposta do réu no sistema do Código de Processo
Civil. Revista d e P ro cesso , n. 1, abril-junho de 1976, p. 250.
3 6 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

§ 2° Si o réu, reconhecendo o fato constitutivo, alegar a sua ex­


tinção, ou a ocorrência de outro que lhe obste aos efeitos, a ele
cum prirá provar a alegação.

Na mesma linha, o CPC/73 registra em seu art. 333, incisos 1 e II, ainda que
p o r outras palavras, critério idêntico, a saber:
Art. 333. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo
ou extindvo do direito do autor.

O texto do CPC repete, em seu art. 373, a disposição do CPC/73, e mantém,


dessa forma, idêntico critério de distribuição originária do ônus da prova:
Art. 373. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II - ao réu,
quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo
do direito do autor.

Esse sempre foi e, portanto, permanece sendo o critério geral de distribuição


d o ônus da prova no processo civil brasileiro. O texto do art. 373 do CPC é seme­
lhante àquele disposto no art. 2.697 do Código Civil italiano39, assim como o do art.
37 7 do Código Processual Civil e Comercial da Nação Argentina40 e o do art. 342°
d o Código Civil português41. A codificação alemã não contém disposições espe­

39. Art. 2.697. Onere delia prova. Chi vuol far valere un diritto in giudízio (Cod. Proc. Civ.
163) deve provare i fatti che ne costituiscono il fondamento (Cod. Proc. Civ. 115). Chi
eccepisce l’inefficacia di tali fatti owero eccepisce che il diritto si è modificam o estinto
deve provare i fatti su cui 1’eccezione si fonda.
40. Art. 377. —Incumbirá la carga de Ia prueba a la parte que afirme la existência de un
hecho controvertido o de un precepto jurídico que el juez o el tribunal no tenga el deber
de conocer. Cada una de las partes deberá probar el presupuesto de hecho de la norma
o normas que invocare como fundamento de su pretension, defensa o excepción. Si la
ley extranjera invocada por alguna de las partes no hubiere sido probada, el juez podrá
investigar su existência, y aplicaria a Ia relación jurídica materia del litigio.
41. Art. 342. 1. Aquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos
do direito alegado. 2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do
direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita. 3. Em caso de dúvida,
os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.
O ÔNUS DA PROVA 37

cíficas acerca dos ônus probatórios, o que se explica pela compreensão de que a
alegação dos fatos (e, assim, a sua prova emjuízo) constitui expressão do princípio
dispositivo42. Por outras palavras: entende-se que da aplicação do principio dispo­
sitivo tem por consequência lógica a distribuição do risco do não esclarecimento
das alegações de fato43.
Não surpreende, portanto, a afirmação de Leo Rosenberg, no sentido de que
“não existe nem pode haver outra solução para o problema do ônus da prova” que
o princípio por ele defendido, segundo o qual “cada parte suporta o ônus referente
à existência dos pressupostos do preceito jurídico cujo efeito pretende obter no
processo”, pelo que “somente mediante a interpretação do direito material é pos­
sível acertar o alcance dos fatos que devem ser provados” .44Aliás, justamente por
tais razões é que ele rechaça com eloquência a possibilidade de regulação concreta

42. Consiste em uma obviedade que, portanto, dispensaria positivação (NIEVA FENOLL,
Jordi. Los sistemas de valoración de la prueba y la carga de la prueba: nociones que
precisan revisión. Lm ciCnciajurisdiccionaL novedad y tradición. Madrid: Marcial Pons,
2016, p. 267). Sobre a distinção entre princípio da demanda (Dispositionsmoxime ou
principio dispositivo em sentido material) e princípio dispositivo (Verfamdhmgsmoxtme
ou principio ãella trattazione), v., por todos, CAPPELLETT1, Mauro. La tcstcmonianza
delia parte ncl sistema deli oralità: contributo alia teoria delia utilizzazione probatória dei
sapere delle parti nel processo civile. Parte Prima. Milano: Giuffrè, 1962, p. 304 e ss.
43. Conforme PRÜTT1NG, Hanns. Preseatación de documentosy dirección delproceso. In:
PÉREZ RAGONE, Álvaro J.; ORTIZ PAD1LLO, Juan Carlos. Código Procesal Civil Alemdn
(ZPO). Traducción con un estúdio introduetorio al proceso dvil alemán contemporâneo.
Berlin: Konrad-Adenauer-Sliftung, 2006, p. 60. Micheli aponta fatores históricos,
especialmente decorrentes do desenvolvimento do dogma do ónus da prova no tardio
direito comum alemão, para a ausência de uma fórmula na lei acerca da distribuição do
ônus da prova. Um deles seria a sentença interlocutória de prova (Btrwri&simerlontí), na
qual vinham indicados os fatos relevantes aduzidos pelas panes e pela qual se determinava
a pane que teria o ónus de provar. Especialmente quanto a esse aspecto, o processo
comum alemão tendia a confundir a fase de valoração com a distribuição do ónus,
segundo regras pré-constituidas, de maneira que a sentença da prova, além de determinar
a relevância ou não dos argumentos lançados nas demandas propostas com base nos
elementos produzidos, decide ao mesmo tempo a questão da distribuição do ônus da
prova. Lembra Micheli que no projeto preliminar do BGB haviam sido formulados dois
parágrafos no sentido de regulamentar o ônus da prova, mas acabaram não incluídos na
redação final por serem considerados inúteis em face aos princípios retirados do conjunto
de normas positivas substanciais (MICHELI, Gian Antonio. L onere delia prova. Padova.
Cedam, 1942, p. 43-46).
44. ROSENBERG, Leo. La carga de la prueba. Trad. Ernesto Krotoschin. Buenos Aires: Ejea,
1956, p. 106-107.
38 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

da distribuição do onus probandi, vale dizer, segundo o modo em que as alegações


foram apresentadas pelas partes ou segundo a efetiva possibilidade de prová-las. De
acordo com o jurista alemão, a aplicação geral da teoria das normas outorga maior
segurança ao problema da distribuição do ônus da prova: evita-se, assim, o risco
de precipitar pela “área tumultuosa do litígio” mediante a escolha pelo caminho
do “éter puro do ordenamento jurídico”.45
O iter lógico-procedimental a respeito da distribuição do ónus da prova seria,
dessa forma, o mesmo da sentença: em um primeiro momento, deve-se constatar
quais são os pressupostos dos preceitos jurídicos aplicáveis à afirmação concreta
do direito que faz o autor; depois, deve-se verificar se o autor alegou todos estes
pressupostos e se o réu fundou sua defesa apenas negando as alegações que fundam
a demanda ou se afirmou fatos independentes que motivam a aplicação de outros
preceitos (ônus de alegação); finalmente, deve-se certificar se tais afirmações foram
provadas (ônus da prova)46. Daí porque seria até desnecessária, segundo Rosenberg,
a regulação legal do ônus da prova, pois essa se encontra na regulação legal das
próprias relações jurídicas, ou seja, no direito material47.
A influência exercida pela teoria das normas na regulação dos ônus probató­
rios em diversos ordenamentos constitui a razão pela qual os dispositivos legais
acabam praticamente se identificando. O Código de Processo Civil brasileiro, ao
determinar que incumbe ao autor o ônus de provar os fatos constitutivos do seu
direito, nada mais faz do que preconizar a solução defendida por Rosenberg: o autor
possui o ônus de provar os enunciados fãticos por ele alegados e que constituem
os pressupostos fáticos para o reconhecimento do direito por ele invocado, a fim
de que esse possa ser objeto de tutela jurisdicional.
O critério proposto por Rosenberg para a distribuição do ônus da prova
revelou-se, até hoje, sem dúvida alguma, o mais idôneo para regular a atividade
probatória, seja na perspectiva do direito à prova, seja na perspectiva da paridade
de armas. Afinal de contas, aquele que propõe demanda judicial pretendendo a
tutela jurisdicional de determinado direito ou situação jurídica de direito mate­

45. ROSENBERG, Leo. L a c a rg a d e la p ru e b a . Trad. Ernesto Krotosdún. Buenos Aires- Ejea


1956, p. 107.
46. ROSENBERG, Leo. L a c a rg a d e la p ru e b a . Trad. Ernesto Krotoschin. Buenos Aires- Ejèa
1956, p. 107.
47. ROSENBERG, Leo. L a c a rg a d e la p ru e b a . Trad. Ernesto Krotoschin. Buenos Aires- Ejea
1956, p. 109.
O ÔNUS DA PROVA 39

rial deve suportar o encargo de demonstrar a existência dos pressupostos fáticos


indispensáveis para a sua constatação em juízo. Se a incidência da norm a ju ríd ica
está assentada em determinado suporte fático, parece ser adequado onerar a p arte
que reclama a tutela do direito da sua respectiva prova.
A lógica da solução rosenberguiana, para o bem da verdade, chega até a parecer
óbvia, o que não é sem razão: o critério tem origem em uma máxima de experiência
ligada às efetivas possibilidades de provar a alegação de fato. Em outras palavras:
à luz do id quod plerumque accidit, ou seja, daquilo que norm alm ente acontece,
quem alega a existência de determinado fato possui melhores condições de prová-lo
do que aquele que simplesmente o nega. Trata-se de máxima de experiência q u e ,
aliás, informou a formulação doutrinária do ônus da prova ao longo da história48.
Trata-se, sobretudo, da versão processual de uma generalíssima regra defaim ess:
imagina-se que o autor de determinada afirmação deve ter condições de dem onstrar
sua veracidade em juízo49.
Assim, embora não seja isenta de críticas50, não há como negar: o critério
informado pela teoria das ncrrmas para regular a distribuição do ônus da prova é
o que se revela mais idôneo para a resolução da maioria das demandas levadas a
juízo. Apenas naquelas hipóteses nas quais falhar a máxima de experiência, as quais
são realmente excepcionais, é que o critério será inadequado. Em outros term os: o
critério proposto por Rosenberg não será idôneo nos casos em que a parte que alega
possui excessiva dificuldade na prova da sua alegação e, em contrapartida, não se
observa semelhante dificuldade quanto ao seu esclarecimento à parte contrária.

48. No perfil histórico traçado por Micheli a respeito do dogma do ônus da prova, encontra-
-se, no segundo estágio, “o juiz que estabelece qual das partes tem de produzir a prova
em juízo, com base nas regras de experiência, que o indicam qual é a parte que se encontra
em melhor posição para produzir a prova”.Com efeito, no processo primitivo germânico,
“a distribuição das consequências pela falta de prova entre as partes tem, portanto, u m
relevo absolutamente processual, fundando-se no critério da maior proximidade de um a
das partes â prova (...) determinado, portanto, por regras de experiência” (MICHELI,
Gian Antonio. llOnere delia prova. Padova: Cedam, 1942, p. 5 e 25, respectivamente).
No mesmo sentido, SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no cível e no comercial
v. I. São Paulo: Max Limonad. 4. ed., 1970, p. 104-105.
49. TARUFFO, Michele. La valutazione delle prove. In: TARUFFO, Michele (org.). Trattato
di Diritto Civile e Commerciale. Milano: Giuffrè, 2012, p. 246.
50. Para críticas à distribuição tradicional do ônus da prova ver, por todos, MÚRIAS, Pedro
Ferreira. Por uma distribuição fundamentada do ónus da prova. Lisboa: Lex, 2000.
40 I ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

3. A dupla função do ônus da prova

A disposição relativa ao ônus da prova pode ser interpretada como a exigência


feita a uma ou a ambas as partes de que demonstrem a verdade dos fatos por elas ale­
ga dos em sua petição inicial e sua contestação, sob pena de eventual sucumbência51.
O ônus da prova consubstancia-se, assim, não apenas em critério dejulgamento,
a s e r utilizado quando as provas não são suficientes para a constatação quanto à
probabilidade prevalente do enunciado fático (v. infra, Capítulo 5), mas também
critério de organização da atividade probatória, que informa às partes quanto à sua
parcela de responsabilidade na formação da prova destinada à construção do juizo
d e fato52. Em outras palavras: a distribuição do ônus da prova exerce duplafunção:
a u m , desempenha im portante papel no que tange à estruturação da atividade

51. COUTURE, Eduardo. Fundamentos do direito processual civil. Trad. de Rubens Gomes
de Sousa. São Paulo: Saraiva, 1946, p. 162.
52. No mesmo sentido, percebendo a existência da dupla função: MITIDIERO, Daniel.
Colaboração no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 3. ed„ 2015, p. 133-134;
YARSHELL, Flavio Luiz. Antecipação da prova sem o requisito da urgência. São Paulo:
Malbéiros, 2009, p. 56-71; BUZA1D, Alfredo. Do ônus da prova. Revista de Direito Proces­
sual Civil, v. 4, juL/dez. 1961, p. 17; TESHEINER, José Maria Rosa. Elementos para uma
teoria geral do processo. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 12; MATTOS, Sérgio Luiz Wetzel
de. Da iniciativa probatória do juiz no processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p,
48-49; AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2015, p. 497; CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e
relevância. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 317; MIRÓ, Horacio G. López.
Probar o sucumbir. Buenos Àíires: Abeledo-Perrot, 1988, p. 35; NETTO, Fernando Gama
de Miranda. Ônus da prova no direito processual público. Rio de Janeiro: Lumen Júris,
2009, p. 139-141; PAOLINELLI, Camilla Mattos. O ônus da prova no processo democrático.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014, p. 98-102; LOURENÇO, Haroldo. Teoria dinâmica
do ônus da prova. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 73-75; PELLEGRINI, José Francisco.
Do ônus da prova. Revista da Ajuris, Porto Alegre, n. 16, jul. 1979, p. 46; ALMEIDA,
Flãvio Renato Correia de. Do ônus da prova. Revista de Processo, São Paulo, n. 71, jul./
set. 1993, p. 49; MENDES JÚNIOR, Manoel de Souza. O momento para a inversão
do ônus da prova com fundamento no Código de Defesa do Consumidor. Revista de
Processo, São Paulo, n. 114, mar/abr. 1994, p. 75; YOSHIKAWA, Eduardo Henrique de
Oliveira. Considerações sobre a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova. Re­
vista de Processo, n. 205, março de 2012, p. 120-121; CUNHA, Maurício Ferreira. Ônus
da prova, dinamicização e o novo CPC. In: JOBIM, Marco Félix; FERREIRA, William
Santos (Coord.). Direito Probatório. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 314-316; SILVEIRA,
Bruna Braga da. In: JOBIM, Marco Félix; FERREIRA, William Santos (Coord.). Direito
Probatório. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 116-134, p. 215-219. No direito estadunidense,
é comum a distinção entre “persuasion burden”e “production burden”, o que se assemelha
à distinção entre função objetiva e função subjetiva. Ver sobre o tema FLEMING JR.,

I
O ÔNUS DA PROVA 41

probatória das partes (função subjetiva); a dois, funciona como regra dejulgamento,
a ensejar, no caso de insuficiência de provas aptas a constatação da probabilidade
prevalente .sentença contrária aos interesses da parte que não cumpriu o seu encargo
(função objetiva), na medida em que é vedado ao juiz pronunciar-se pelo non liquet53.
Nada obstante certa polêmica quanto à existência da função subjetiva54, a sensi­
bilidade do ônus da prova enquanto critério de estruturação da atividade probatória
ao longo de todo o procedimento probatório revela-se suficiente para perceber a
dupla função. Vale dizer: não apenas como critério de julgamento, m as também
como critério que indica às partes como pautar a sua atividade em tom o da prova55.
Ainda que ao final da fase probatória nenhuma relevância exista quanto ao
sujeito processual que produziu esta ou aquela prova, face ao princípio da comu­
nhão da prova, a função subjetiva encontra fundamento nos estímulos qualitativos
que produz visando à formação do juízo de fato56. Não por outra razãó, aliás, refere
a Exposição de Motivos da te y de Enjuiciamiento Civil espanhola que:

James. Burdens of proof. Yale Law School Legal Scholarship Repository. 47 Va, L. Rev.
51 (1961).
53. Sobre a racionalidade da função do ônus da prova como critério de julgamento, ver
VERDE, Giovanni. LOnere d elia p ro v a nel p ro c e sso civile. Napoli: Edizioni Scientifiche
Italiane, 2013. p. 27-53. Segundo o jurista, aliás, “a função da regra de juízo não deve
ser aquela de impedir o juiz de se pronunciar pelo non liq u et, mas deve concretizar-se
naquela que podemos definir como consequência de uma escolha de civilidade, já que
proibe ao juiz de dar por existentes fatos dos quais não tenha sido obtida prova plena
e convincente” (p. 27). Em sentido semelhante, ver FLEMING JR-, James. Burdens of
proof. Yale Law School Legal Scholarship Repository. 47 Va, L. Rev. 51 (1961).
54. Não outorgam relevância à função subjetiva do ônus da prova: TARUFFO, Michele. La
valutazione delle prove In: TARUFFO, Michele (otg.). 1ra tta to d i Diritío Chile e C om m trcíalc.
Milano: Giuffrè, 2012, p. 248-249; MÜR1AS, Pedro Ferreira. P o r u m a d is tr ib u iç ã o
fu n d a m e n ta d a d o ó n u s d a prova. Lisboa: Lex, 2000, p. 23; REICHELT, Luís Alberto. A prova
n o dire ito p rocessual civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 336; GARCIA, André
Almeida. A distribuição do ônus da prova e sua inversão judicial no sistema processual
vigente e no projetado. Revista de Processo, n. 208, junho de 2012, p. 94-95.
55. Para um exame do ônus da prova na perspectiva dos custos da atividade probatória
que a parte onerada precisa desempenhar - que toma por premissa, portanto, a função
subjetiva - , ver HAY, Bruce l_; SPIER, Kathryn E. Burdens of proof in civil litigation: an
economic perspective. T h e J o u r n a l o f L eg a l S tu d ie s , v. 2 6 . n . 2,June 1997, The Univeisity
of Chicago Press, p. 413-431.
56. Em sentido contrário, de que não existe a função subjetiva do ônus da prova, ver RA­
MOS. Vítor de Paula. Ônus da prova no processo civil: do ônus ao dever de provar. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 81-91.
42 ÕNUS DA PROVA NO NOVO CPC

As normas de ônus da prova, ainda que apenas se apliquem judi­


cialmente quando se obteve certeza sobre os fatos controvertidos
e relevantes em cada processo, constituem regras de decisiva
orientação para a atividade das partes.

A parte que deduz determinada alegação de fato normalmente se encontra


em posição de maior proximidade com as fontes de prova e, por conseguinte,
normalmente possui melhores condições de prová-la. Essa constitui máxima de
experiência secular que, como se disse, pautou o critério ordinário de distribuição
dos ônus probatórios na esmagadora maioria dos ordenamentos processuais. Tal
circunstância colabora, pois, em sentido qualitativo (e não apenas quantitativo)
para a obtenção da verdade no sentido de sua máxima correspondência com a rea­
lidade. Rejeitar a existência ou mesmo a relevância da função subjetiva do ônus da
prova significa solapar a importância que o contraditório possui para a adequada
formação do juízo de fato. Vale dizer: a percepção de que o processo deve ser orien­
tado pela verdade das alegações de fato (por correspondência à realidade e não tão
somente pelo consenso ou pela coerência57), não significa eliminar a relevância
que contraditório possui para a formação do juízo, ainda mais tendo em conta que:
(...) o diálogo, recomendado pelo m étodo dialético, amplia o
quadro de análise, constrange à comparação, atenua o perigo de
opiniões preconcebidas e favorece a formação de um juízo mais
aberto e ponderado.58

Ademais, a afirmação de que a função subjetiva do ônus da prova é irrelevante


em face do princípio da comunhão da prova decorre de visão parcializada do proble­
ma. Em sentido retrospectivo, isto é, após composto o contexto probatório, pouco
importa, de fato, qual foi a parte que produziu a prova ou se esta foi produzida pelo
juiz de ofício. Em sentido prospectivo, no entanto, é inegável que a atribuição do
ônus incrementará os esforços da parte onerada, o que resultará em material de
prova mais rico e, por consequência, em melhores condições de proporcionar a
formação de juízo fático melhor subministrado do ponto de vista epistemológico.

57. Para exame crítico sobre as teorias de verdade como consenso, coerência e por corres­
pondência, v, TARUFFO, Michele. La prova dei faiti giuridici. Milano: Giuffrè, 1992,
p. 143-158. Na doutrina brasileira, consulte-se RAMOS, Vitor de Paula, ônus da prova
no processo civil: do ônus ao dever de provar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015,
p. 23-29.
58. ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. A garantia do contraditório. In: Do formalismo
no processo civil. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 233-234.
Por outro quadro de análise, considerado o relevo outorgado à p a rticip a ç ã o
das partes no Estado Constitucional no processo contemporâneo, revela-se q u e s ­
tionável qualquer acepção que ignore ou minimize a função desempenhada p elo s
ônus probatórios enquanto regra de participação das partes na formação do m aterial
probatório. Consoante registra Álvaro de Oliveira em clássico ensaio,
(...) a partir dos anos cinquenta do século XX, com a ren o v ação
dos estudos de lógica jurídica e a ênfase emprestada ao se n tid o
problemático do direito, resgata-se em certa medida a d im en são
retórica e dialética do processo. Tal fenômeno ocorreu ex atam en te
quando - já prenunciando o pós-m odernism o - mais a g u d o s e
prementes se tornaram os conflitos de valores e mais im p reciso s e
elásticos os conceitos. Recupera-se, assim, o valor essencial do d iá lo ­
go na formação dòjuízo, fruto da cooperação das partes com o órgão
judicial e deste com as partes, segundo as regrasformais do processo.
Essa consequência, por outro lado, reforça-se pela percepção d e
uma democracia mais participativa, com u m consequente exercício
mais ativo da cidadania, inclusive de natureza processual. O ra , a
ideia de cooperação há de implicar, sim, u m juiz ativo, co lo cad o
no centro da controvérsia, mas tam bém a recuperação do c a rá te r
isonômico do processo, com a participação mais ativa das p a rte s.
O diálogo assim estimulado substitui com vantagem a oposição e o
confronto, dando azo ao concurso de atividades dos sujeitos proces­
suais, com ampla colaboração tanto na pesquisa dos fatos quanto n a
valorização da causa. Esse objetivo só pode ser alcançado p e lo
fortalecimento dos poderes das partes, p o r sua participação m a is
ativa e leal no processo deformação da decisão, dentro de um a v isã o
não autoritária do papel do ju iz e mais contemporânea q u a n to à
divisão do trabalho entre o órgão judicial e as partes.59

No processo civil do Estado Constitucional, a democracia encontrá-se in fo r­


mada pelo contraditório, isto é, no modo pelo qual as partes desempenham s u a
imprescindível atividade em tom o da construção da decisão justa. Tal participação
dar-se-á especialmente mediante a efetiva oportunidade não apenas de alegar, m a s
de requerer e produzir provas, isto é, em toda a atividade de formação do ju íz o

59. ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Efetividade e processo de conhecimento. In:


Do formalismo no processo civil. 2. ed., São Páulo: Saraiva, 2003, p. 253. Os grifos sã o
nossos.
1
44 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

d e fato69. Revela-se evidente que a estruturação procedimental dessa atividade,


função desempenhada pelos ônus probatórios, é de curial importância para os
contornos de um processo que tem por finalidade promover a tutela adequada,
efedva e tempestiva dos direitos.
Portanto, justam ente na ênfase que se outorga ao diálogo no processo civil
contem porâneo, no qual a própria legitimidade da decisão tem esteio no contradi­
tó rio judicial6061, não há mais como negar prestígio à dimensão subjetiva do ônus da
prova, como que a deixando à margem da dimensão que concebe a sua condição
d e “regra dè julgam ento”. Ora, se a repartição do ônus da prova possui influência
n a participação das partes - na medida em que vai servir à estruturação da sua
respectiva atividade probatória e tal participação constitui elemento nevrálgico
p a ra a construção da decisão justa, não se pode mais minimizar a importância da
função subjetiva. Não por acaso o Superior Tribunal de Justiça, em recente prece­
d en te, fez coro a tal constatação ao registrar que:
A distribuição do ônus da prova, além de constituir regra de ju l­
gam ento dirigida ao juiz (aspecto objetivo), apresenta-se também
com o norm a de conduta para as partes, pautando, conforme o
ônus atribuído a cada uma delas, o seu comportamento processual
(aspecto subjetivo).62

60. Como refere Taruffo, o contraditório, na condição de um dos “elementos fundamentais


do processo civil”, manifesta uma série de implicações, e, entre elas, assume particular
importância aquelas que se “vinculam à aquisição e valoraçào das provas aos efeitos da
decisão sobre o fato" (TARUFFO, Michele. L a p ro v a d e i f a t t i g iu r íd ic i. Milano: Giuffrè,
1992, p. 401).
61. Conforme Hermes Zaneti Júnior, “o Estado Democrático Constitucional necessita abrir
espaço para a participação dos destinatários finais nos atos de decisão que emanam do
poder instituído. Aqui representa o papel principal o princípio do contraditório, só
incluído como garantia constitucional, no âmbito do processo civil e administrativo,
na Constituição de 1988 (art. 5°, LV). Trata-se de inversão fundamental do conceito
de processo, que passa a ser melhor entendido como “procedimento em contraditório’,
abandonando as vestes formais da Telação jurídica processual' que lhe caracterizavam
e distinguiam, servindo a qualquer facção ideológica, e aderindo ao compromisso
democrático dos direitos fundamentais de quarta dimensão (direito fundamental de
participação no procedimento). (ZANETI JÚNIOR, Hermes. O p ro c e ss o c o n s titu c io n a l:
o modelo constitucional do processo civil brasileiro. Rio de Janeiro: Lumenjuris, 2007,
p. 62-63).
62. STJ, REsp 802.832/MG, rei. Paulo de Tarso Sanseverino, Segunda Seção, julgado em
13.04.2011, DJe 21.09.2011.
r O ÔNUS DA PROVA 45

Ao contrário do que enunciava Rosenberg ainda no primeiro quartel do século


passado, o problema dos ônus probatórios não se apresenta apenas quando a pro­
va não se produziu63, mas, pelo contrário, muito antes disso, ou seja, ao longo de
toda a atividade probatória64. Pode-se ir além: a distribuição do ônus da-prova serve
justamente para inibir a insuficiência de prova, na medida em que serve de estimulante
para que as provas sejam produzidas.
Com isso não se quer antepor os poderes instrutórios do juiz com a disciplina
dos ônus probatórios. Seja na sua dimensão objetiva, seja na sua função subjetiva,
a distribuição do ônus da prova não impede que o juiz determine, de ofício, a pro­
dução de alguma prova pertinente e relevante para a formação do juízo de fato65.
É inegável, todavia, que as partes se encontram em posição de maior proximidade
com a prova, sendo incontestável a relevância que a sua colaboração, estimulada
pelo exercício da função subjetiva do ônus da prova, possui na busca pelo esclare­
cimento dos fatcfs que circundam a atmosfera do litígio.
É preciso que fique claro, portanto, o relevo da função subjetiva dos ônus
probatórios. Revela-se um equívoco supor que tais “regras só interessam ante
a ausência de prova eficaz para suscitar certeza ao juiz”66 ou que “somente são
aplicáveis quando uma circunstância de fato [...j não se aclarou"67, como ainda

63. ROSENBERG, Leo. L a c a rg a de la p r u e b a . Trad. Ernesto Krotoschin. Buenos Aires: Ejea,


1956, p. 19.
64. “O momento do ônus da prova apresenta-se a partir da pergunta: quem é que deve
provar? E ai observamos um desdobramento: o ônus da prova, por um lado, representa
um guia para as partes, para estabelecer quando e como lhes convém usar determina­
do meio ou lograr determinada demonstração; por outro, é uma regra para o juiz, que
aparece no momento de sentenciar, permitindo-o sancionar com a ausência da prova
aquele que tinha o ônus de provar'’ a audiência premilinar.a prueba: ce no momento
de sentenciar, ença chamadas “la idde forma idtivando/protegendo situação. Assim,
FALCÓN, Enrique M, Como se o fr e c e y se p ro d u c c la p ru e b a : la audiência preliminar.
Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2005, p. 11-12.
65. No mesmo sentido, MATTOS, Sérgio Luiz Wetzel de. D a in ic ia tiv a p ro b a tó r ia d o j u i z
n o p ro c e ss o civiL Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 52-56; e BEDAQUE, José Roberto
Santos. P o d eres in s tr u tó r io s do j u i z . São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 86-87.
66. VÁZQUEZ FERREIRA, Roberto. La prueba de la culpa y lã relación causal en la res-
ponsabilidad civil medica. P ro c e d im ie n to P ro b a tó rio , Revista Jurídica de la Facultad de
Derecho y Ciências Soóales dei Rosário de la Pontifícia Universidad Católica Argentina,
Santa Fe; Editorial Jurídica Panamericana, [s.d.], p. 309.
67. KARAM, Munir. Ônus da prova: noções fundamentais. R e v is ta d e P ro cesso , São Paulo,
n. 17, janVmar. 1980, p. 51.

1
46 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

insiste parte da doutrina. A função subjetiva dos ônus probatórios é tão importan­
te quanto a função objetiva68: dada a devida atenção àquela, afasta-se o perigo de
formalização da decisão judicial e, por Conseguinte, aumenta-se a probabilidade
de se alcançar a justiça material.

4. As normas sobre o ônus da prova

Na redação da disposição que visa a regular a distribuição do ônus da prova no


novo processo civil brasileiro, não se nota do caput e respectivos incisos qualquer
alteração em relação ao CPC/73. A disposição do art. 373, e respectivos incisos,
do atual CPC, é praticam ente idêntica àquela presente no texto do art. 333, e
respectivos incisos, do CPC/73. Trata-se, com efeito, da perda de uma importante
oportunidade para melhorar a redação dessa disposição normativa de tanta rele­
vância no procedimento probatório.
Embora não deva ocorrer qualquer prejuízo no que diz respeito ao seu sen­
tido - a sua interpretação seguirá semelhante àquela já realizada à luz do art. 333,
CPC/73 —,o legislador poderia ter sido mais exato, especialmente no que diz respeito
à função objetiva do ônus da prova, isto é, à sua função de critério de julgamento.
Nada obstante seja corrente na praxe forense o sentido do aludido texto, vale dizer,
de que o juiz deve julgar desfavoravelmente à parte que não cumpriu com o seu
ônus probatório, o advento do novo código poderia ter deixado isso muito mais
claro, a exemplo do que fez o legislador espanhol. A Ley de Enjuiciamiento Civil
dispõe a propósito que:
Quando, ao tempo de proferir a sentença ou resolução semelhante,
o tribunal considerar duvidosos os fatos relevantes para a decisão,
rechaçará as pretensões dó autor ou do reconvinte, ou as do de­
mandado ou reconvíndo, segundo corresponda a um ou outros o
Ônus de provar os fatos que permaneçam incertos e fundamentem
as pretensões,69

o que torna muito mais evidente o sentido de regra de julgamento.

68. Semelhante opinião é compartilhada por Devis Echandía ao sustentar que o ônus da
prova ê uma "regra de conduta para as panes ’, aspecto tão importante como o da regra
de juízo. (DEVIS ECHANDÍA, Hemando. T eoria g e n e r a l d e la p r u e b a ju d ic ia l. Buenos
Aires; Víctor P. DeZavallía, [s.d] v. 1, p. 425).
6 9 Ley de Enjuiciamiento Civil, Art. 217. ônus da prova. 1. Quando, ao tempo de proferir
a sentença ou resolução semelhante, o tribunal considerar duvidosos os Tatos relevantes
para a decisão, rechaçará as pretensões do autor ou do reconvinte, ou as do deman-
O ÔNUS DA PROVA 47

4 .1 . A s regras q u e informam a disciplina d o ôn us da prova

A existência de inequívoca distinção entre texto e norma - e, por conseguinte,


a possibilidade de se obter mais de uma norma a partir de um mesmo texto n o rm a­
tivo*70- , torna possível adscrever ao art. 373, CPC, autênticas regras sobre o c o m ­
portamento dos sujeitos pnjcessuais em torno da prova. As regras, ao contrário d o s
princípios, são normas imediatamente descritivas de comportamentos devidos71.
Tal é o caso da distribuição do ônus da prova, que constitui regra de procedim ento
cuja incidência ocorrerá na hipótese em que a descrição do suporte fático abstrato
da regra (art. 3 7 3 ,1 e II, CPC) seja preenchida em concreto.
Do caput do art. 373, CPC, com efeito, é possível concluir por normas q u e
imediatamente descrevem comportamentos a serem observados pelos sujeitos p ro -

dado ou reconvíndo, segundo corresponda a um ou outros o ônus de provar os fatos


que permaneçam incertos e fundamentem as pretensões. 2. Corresponde ao autor e a o
demandado reconvinte o ônus de provar a verdade dos fatos dos que ordinariamente
se extraia, segundo as normas jurídicas a estes aplicáveis, o efeito jurídico correspon­
dente ãs preLensões de demanda e de reconvenção. 3. Incumbe ao demandado e a o
autor reconvindo o ônus de provar os fatos que, conforme as normas que lhes sejam
aplicáveis, impeçam, extingam ou potencializem a eficácia jurídica dos fatos a que s e
refere o apartado anterior. (...). No original; “Art. 217. Carga de la prueba. 1. Cuando,
al tiempo de dictar sentencia o resolución semejante, el tribunal considerase dudosos
unos hechos relevantes para la decisión, desestimará las pretensiones dei actor o d e i
reconviniente, o las dei demandado o reconvenido, según corresponda a unos u otros la
carga de probar los hechos que permanezcan inciertos y fundamenten las pretensiones.
2. Corresponde al actor y al demandado reconviniente la carga de probar la certeza d e
los hechos de los que ordinariamente se desprenda, según las normas jurídicas a ellos
aplicables, el efecto jurídico correspondiente a las pretensiones de la demanda y de la
reconvención. 3. Incumbe al demandado y al actor reconvenido la carga dè probar lo s
hechos que, conforme a las normas que les sean aplicables, impidan, extingan o enerverr
la eficacia jurídica de los hechos a que se refiere el apartado anterior”.
70. Interpretação constitui outorga de significado a determinado texto. Por isso é que, a
partir da interpretação a respeito de determinado texto normativo, é possivel extrair
mais de uma norma. A norma, assim, constitui não o objeto, mas o resultado da ativi­
dade interpretatíva. Afirmar que se interpretam “normas” é, portanto, um equívoco,
pois cria a falsa impressão que os significados dos textos normativos sejam inteiramente
pré-constituídos à interpretação. Sobre o tema, v. GUASTIN1, Riccardo. L interpretaztone
dei documenti normativi. Milano: Giuffrè, 2004, passim.
71. Sobre a definição da categoria das regras e da sua distinção dos princípios, v. AVILA-,
Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São
Paulo: Malheiros, 9. ed., 2009, passim.
48 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

cessuais ao longo de todo procedimento probatório, desde a fase de proposição da


prova até a sua fase decisória. Significa dizer que ao autor caberá o ónus de provar
o “fato constitutivo do seu direito”, isto é, o ônus da prova do enunciado fático
q u e fundamenta a existência do direito que alega ter e cuja tutela pretende ver
prestada em juízo. Já ao réu não é atribuído qualquer ônus probatório na hipótese
e m que ele simplesmente nega o “fato constitutivo do direito do autor”. O ônus
d a prova do réu depende da sua alegação quanto à existência de “fato impeditivo,
modificativo ou extintivo do direito do autor”. Em outras palavras: ao réu caberá
o ônus da prova apenas quanto às alegações fáticas que servem para modificar ou
extinguir o direito do autor ou, ainda, impedir a sua eficácia.
A norma que se adscreve ao texto legal possui a natureza de autêntica regra
dirigida às partes72, na medida em que imediatamente determina —embora carac­
terize sujeição branda, por consistir em ônus73- o comportamento das partes.
E quanto ao juiz? Do art. 373, CPC, caput e respectivos incisos, é possível
adscrever alguma regra de comportamento para o juiz?
Do texto do caput do art. 373, CPC, aliado a outras disposições, observa-se
a descrição de comportamento a ser adotado pelo juiz no caso de insuficiência de
prova apta a eliminar as dúvidas a respeito da veracidade dos enunciados fáticos
d a causa. Nessa hipótese, a lei processual determina ao órgão judicial a aplicação
d e um critério dejulgamento, qual seja, o de decidir desfavoravelmente à pretensão
d a parte que deixou de cum prir com o seu respectivo ônus probatório.
Emsíntese: o ônus da prova cabe à parte quealega, e não àquela que simplesmente
nega. Trata-se denorma que, de um lado, descreve comportamentos a serem adotados
pelas partes e, de outro, descreve comportamento a ser adotado pelo juiz no caso de
insufidência de prova apta à formação da convicção sobre os enunciados fáticos da
causa74.A percepção de que o ônus da prova consiste em regra dirigida às partes decorre
d a interpretação do art. 373, CPC. Já quanto à regra dirigida ao juiz, a interpretação
é informada não apenas pelo aludido dispositivo, mas ainda pelo sentido de outras,

72. TARUFFO, Michele. L onere como figura processuale. In: Rivista Trimestrale di Diritto
e Procedura Civile, vol. LXVI, 2012, p. 429.
73. RAMOS, Vitor de Paula. Ônus da prova no processo civil: do ônus ao dever de provar.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 63-65.
74. No mesmo sentido, ver DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Samo; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Curso de direito processual civil. v. 2. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2015,
p. 107-110.
O ÔNUS DA PROVA 49

entre as quais se inserem, por exemplo, o art. 5o, XXXV73*75 e LXXVII176, da CRFB, e do
novo Código de Processo Civil, como os arts. 4o e 6o, por exemplo.77789É de se observar
que a interpretação do art. 373, CPC, como regra de julgamento decorre não apenas
da existência de ônus probatórios atribuídos às partes, mas também da necessidade
de resolver a demanda de modo efetivo e em tempo razoável (art. 4o, CPC).

4.2. Os princípios que informam a disciplina do ônus da prova

As finalidades subjacentes às regras do ônus da prova encontram-se fundadas


substancialmente em quatro distintos direitos fundamentais informativos da con­
cepção de processo justo: i) o direito fundamental à duração razoável do processo,
também conhecido por direito fundamental ao processo sem dilações indevidas (art.
5°, LXXV111, CRFB; e art. 4o, CPC); ii) o direito fundamental à igualdade entre as
parles no processo, também denominado direito fundamental à paridade de armas
(art. 5o, caput, CRFB, e art. 7o, CPC); iü) o direito fundamental ao contraditório
(art. 5o, LV, CRFB e arts. 9° e 10, CPC) e, finalmente, iii) o direito fundamental à
prova (art. 5o, incisos XXXV e LVI, da CRFB).
Tais direitos fundamentais, em sua dimensão objetiva, funcionam como “fins
diretivos da ação positiva dos poderes públicos”,'8 ou seja, exercem o papel de
verdadeiros princípios, na medida em que servem, em última análise, para promover
um estado ideal de coisas a ser atingido.
Os princípios são normas imediatamente jinalisticas que atuam sobre outras
normas do sistemajurídico, especialmente sobre as regras, contribuindo na outor­
ga de seu respectivo sentido e valor70. Destaca-se do rol de eficácia dos princípios
sobre as regras, com efeito, zsna Junção interpretativa, na medida em que “servem
para interpretar normas conSLruídas a partir de textos normativos expressos, res­

73. Art. 5o, XXXV, CFRB: “[...] a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão
ou ameaça a direito”.
76. Art. 5o, LXXVIII, CRFB: *[...] a todos, no âmbito judicial e administrativo, são asse­
gurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua
tramitação”.
77. Art. 4°, CPC: “As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do
mérito, incluída a atividade satisfativa”.
78. SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; M1TIDIERO, Daniel. C u r s o de
D ire ito C o n s titu c io n a l. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 298.
79. ÁVILA, Humberto. Teoria dos p rin c íp io s: da definição à aplicação dos princípios jurídicos.
São Paulo: Malheiros, 9. ed., 2009, p. 97.
50 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

tringindo ou ampliando seus sentidos”,80 nada obstante seja conhecida a rigidez


das regras, cuja “superação só é admissível se houver razões suficientemente for­
tes para tanto, quer na própria finalidade subjacente à regra, quer nos princípios
superiores à ela”.8182Os princípios atuam, no entanto, não apenas na interpretação
do texto legal, isto é, na outorga de sentido à legislação, mas também na aplicação
das regras82que definem o procedimento.
Na sua acepção de regra dejulgamento, a ser utilizada pelo juiz diante da au­
sência de seu convencimento a respeito dos enunciados fáticos da causa, o ônus
da prova é informado pelo direito fundamental à duração razoável do processo. É
evidente, por semelhante perspectiva, que a regra do ônus dá prova serve para que
o juiz, em determinado momento, ponha fim à fase de conhecimento do processo e,
por conseguinte, o impulsione rumo à prestação da tutela jurisdicional definitiva.
Não existisse tal finalidade do ônus da prova, qual seja, a de regra de julgamento,
alguns litígios jamais teriam fim, bastando ao juiz decidir pelo non liquet, o que
equivale a aceitar a que demandas ficassem sem resolução. Assim, considerado
que o processo, cuja própria denominação tem origem no verbo procedere, o que
significa “avançar, caminhar em direção a um fim” - na feliz expressão que inaugura
o primeiro volume do Curso de Processo Civil do inesquecível Professor Ovídio83
era indispensável que ao órgão judicial fosse outorgado um critério para ser usado

80. Sobre como se desdobra a eficácia dos princípios a respeito das demais normas, v. ÁVILA,
Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São
Paulo: Malheiros, 9. ed., 2009, p. 97-102.
81. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos.
São Paulo: Malheiros, 9. ed., 2009, p. 103.
82. A diferença entre interpretação e aplicação pode ser deduzida sob os seguintes perfis.
Por primeiro, enquanto a interpretação é passível de ser realizada por qualquer sujeito,
a aplicação só pode ser realizada por determinados órgãos, notadamente aqueles que
possuam natureza jurisdicional. Ademais, enquanto os objetos da interpretação são os
textos normativos, os objetos da aplicação são as normas em sentido estrito, ou seja, o
resultado da interpretação realizada sobre aludidos textos. Vale dizer: toda a aplicação
pressupõe logicamente a interpretação. O verbo “aplicar’, enfim, designa um conjunto de
operações que não se exaurem na interpretação, muito embora incluam a interpretação
propriamente dita: a interpretação dos fatos da causa, a qualificação dafattispecie concreta
de que se trata, e a decisão da controvérsia (GUASTIN1, Riccaido. Lmterpmazione dei
documenti normativi. Milano: Giuffrè, 2001-, p. 13 e60). Sobre a distinção, v. tb. 1ARELLO,
Giovanni. Linterpretazíone delia legge. Milano: Giuffrè, 1980, p. 42-49.
83. 8APTISTA DA SILVA, Ovídio Araújo. Curso de Processo Civil. v. I. Porto Alegre: Fabris,
1987, p. 9.
O ÔNUS DA PROVA 51

com a finalidade de resolver a demanda proposta em juízo para aquelas hipóteses


em que não restassem suficientemente provados os enunciados fáticos da causa84.
O ônus da prova encontra-se informado, assim, pelo princípio de que as
demandas não podeifi durar indefinidamente, ou, por outras palavras, de q u e o
processo deve durar o tempo adequado à promoção de suas respectivas finalidades.
A interpretação do art. 373, CPC, bem como a aplicação das regras do ônus d a
prova, devem considerar a “razoável duração do processo e os meios que garantam
a celeridade de sua tramitação” (art. 5o, LXXVIII, CRFB). Se “As partes têm o d i ­
reito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade
satisfativa” (art. 4o, CPC) e “Todos os sujeitos do processo devem cooperar e n tre
si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”, n ã o é
possível minimizar a influência de tais diretrizes em aspecto tão nuclear do p ro c e ­
dimento85. A técnica da preclusão temporal - cuja aplicação também é inform ada
pelo mesmo princípio - também se insere em semelhante contexto, pois im põe
às partes ônus de propor e produzir a prova no prazo determinado, sob pena d a
perda do poder para tanto86.
Normalmente, quem alega a existência de determinado fato possui m elhores
condições de prová-lo emjuízo. Semelhante formulação constitui autêntica m áxim a
de experiência que informou a formulação doutrinária do ônus da prova ao longo
da história87- e colaborou, por conseguinte, para promover a igualdade entre as

84. Nas palavras de Gian Antonio Micheli, "a regra do ônus da prova é uma consequência
da proibição no processo civil do non liq u e t" , na medida em que “o juiz não pode lavar
as mãos” (ALV1M, Arruda; MICHELI, Gian Antonio; JÚNIOR, Clito Fomaciari; PELU-
SO, Antônio Cezar. O ônus da prova e o direito intertemporal. R e v is ta d e P ro c e s so , São
Paulo, n. 4, outubro-dezembro, 1976, p. 229).
85. Sobre os contornos do tema, ver JOBIM, Marco Félix. O d ire ito á d u r a ç ã o r a z o á v e l d o
p ro c esso : responsabilidade civil do Estado em decorrência da intempestividade p roces­
sual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.
86. Nesse sentido, SICA, Heitor Vitor Mendonça Sica. P re c lu sã o p ro c e ss u a l civil. 2. ed., São
Paulo: Atlas, 2008, p. 171.
87. No perfil histórico traçado por Micheli a respeito do dogma do ônus da prova, encontra-
-se, no segundo estágio, "o juiz que estabelece qual das partes têm de produzir a prova
em juízo, com base nas regras d e e x p e r iê n c ia , que o indicam qual é a parte que se encontra
em melhor posição para produzir a prova”. Com efeito, no processo primitivo germânico,
“a distribuição das consequências pela falta de prova entre as partes tem, portanto, u m
relevo absolutamente processual, fundando-se no critério da maior proximidade de u rna
das partes à prova (...) determinado, portanto, por regras de experiência” (MICHELI,
Gian Antonio. L O n e r e d e lia p ro v a . Padova: Cedam, 1942, p. 5 e 25, respectivamente).
52 | ÔNUS DA PROVA NO N O V O C PC

p artes no decorrer da atividade probatória. Se normalmente aquele que deduz a


alegação fática tem melhores condições de demonstrar a sua veracidade em juízo88,
consistiria evidente violação à isonomia outorgar o ônus da prova à contraparte que
logicam ente possui piores condições de prová-la em semelhante situação.
A igualdade é “a relação entre dois ou mais sujeitos, com base em medida(s)
ou critério(s) de comparação, aferido(s) por meio de elemento(s) indicativo(s), que
serve(m ) de instrumento para a realização de determinada finalidade”.89Por outros
term os, o adequado exame da igualdade passa pela identificação das seguintes
premissas: i) a existência de um a relação entre dois sujeitos; ii) a definição de uma
m edida (critério) de comparação entre eles; e iii) a existência de pelo menos um
elem ento indicativo visando à promoção de determinada finalidade.
No que se refere ao específico contexto da atividade probatória, a relação se
estabelece entre as partes. Isso significa que o exame da igualdade no processo civil
pressupõe a comparação entre as posições exercidas pelas partes em determinado
processo em particular. Falar em paridade de armas” exige, assim, a comparação
e n tre as possibilidades das partes em exercer as suas posições jurídicas em um
determ inado processo.
No caso específico do contexto probatório, semelhante comparação entre as
p artes dá-se na perspectiva das efetivas possibilidades de provar determinada alega­
ção de fato. Esse, aliás, é o viés mais evidente em matéria de equilíbrio processual
dian te da prova, qual seja, a de que não haja desvantagem de qualquer das partes
na possibilidade de produção de determinada prova90. Por outras palavras: se existe
desvantagem de uma das partes em relação à outra no que diz respeito às efetivas

No mesmo sentido, FLACH, Daisson. A verossimilhança no processo civil e sua aplicação


prática. Sào Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 112-114; SANTOS, Moacyr Amaral.
Prova judiciária no cível e no comercial v. I. São Paulo: Max Limonad. 4. ed., 1970, p.
104-105, e NETTO, Fernando Gama de Miranda. Ônus da prova no direito processual
público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 179-182.
88. Conforme Jordi Nieva Fenoli, o ^núcleo essencial do õnus da prova” é a constatação a
respeito da facilidade probatória de acordo com o id quod plenmque accidie no que diz
respeito à obtenção da prova (FENOLL, Jordi Nieva. Los sistemas de valoración de la
prueba y la carga de la prueba: nociones que precisan revisión. La ciência jurisdictional:
novedady tradition. Madrid: Marcial Pons, 2016, p. 274).
89. ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. São Paulo: Malheiros, 2. ed., 2009,
p. 42.
9 0 . ABREU, Rafael Sirangelo de. Igualdade e Processo: posições processuais equilibradas e
unidade do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 213.
O ÔNUS DA PROVA | 53

possibilidades de cumprir com o ônus da prova, existe desigualdade, o que não é


tolerável pelo direito.
Em razão disso, observa-se no contexto judiciário tentativas de reduzir a
desigualdade entre as partes em diversas dimensões. No campo probatório, a mais
célebre encontra-se justamente no problema do ônus da prova. Vale lembrar que
o CDC, em seu art. 6o, inciso VIII, há muito tempo propõe o exame quanto à hi-
possuficiência do consumidor em comparação ao fornecedor —na perspectiva das
efetivas possibilidades de provar determinada alegação fática—como condição para
a dinamização do ônus da prova91. Não por outra razão é que, segundo o Superior
Tribunal de Justiça, “A inversão do ônus probatório tem como pressuposto a (...)
hipossuficiência do consumidor, conceito este ligado à dificuldade de produção da
prova pelo consumidor e â possibilidade de sua produção pelo prestador do serviço 92
As efetivas possibilidades de demonstrar a veracidade de determinado enunciado
fático constitui, com efeito, o critério (ou medida) da comparação a ser efetuada
no exame da igualdade no contexto probatório.
Colaborar na formação do juízo de fato ou, por outra perspectiva, evitar a
sucumbência, constituem as finalidades buscadas pelas partes no procedimento
probatório. As partes, ao produzirem as provas dos enunciados fáticos, auxiliam
na formação do juízo de fato no mesmo passo que procuram evitar decisão contrá­
ria aos seus interesses em razão da insuficiência de prova. Trata-se de inequívoco
objetivo das partes em tomo da prova.
A distribuição do ônus da prova constitui, assim, o elemento indicativo do cri­
tério, na medida em que esse informa o modo pelo qual as partes irão, em linha
de princípio, estruturar ou otimizar sua atividade probatória visando a colaborar
na formação do juízo de fato e, portanto, evitar a sucumbência. Observe-se bem
o ponto: é evidente que a parte desonerada pode provar alegação fática cujo ônus
competia à onerada. A percepção não invalida, no entanto, a constatação de que a
regra que distribui o ônus da prova entre as partes indica o critério que irá balizar os
esforços das partes em tomo da prova. O critério, longe de absolutamente determinar
a conduta das partes, informa-as sobre como colaborar com a formação do juízo
de fato e inibir a implementação do risco de sucumbência.

91. Sobre a indistinção entre “inversão” e “dinamização”, v. infra Parte II, Capítulo 3.
92. STJ, REsp 1141675/MG, rei. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 13.12.2011,
DJe 19.12.2011.

mmm
54 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

Observa-se desse contexto, portanto, a congruência enLre a distribuição do


ónus da prova (elemento indicativo do critério de comparação) e as efetivas pos­
sibilidades das partes provarem suas alegações de fato (critério de comparação).
A regra que informa sobre o comportamento das partes com relação à prova (art.
373, CPC) é congruente, tendo em conta o id quod plerumque accidit, isto é, a ideia
de normalidade, com as efetivas possibilidades que as partes têm de provar as suas
alegações de fato. A distribuição do ônus da prova é congruente, nesse sentido, com
o direito fundamental à igualdade das partes no contexto da atividade probatória55.
Há congruência, ademais, entre o critério da comparação (efetivas possibilidades de
as partes provarem as suas alegações de fato) e as finalidades buscadas pelas panes
no procedimento probatório (formar do juízo de fato ou inibir a sucumbência).9394
Hm suma, o critério pelo qual se examina a igualdade entre as partes na
atividade probatória encontra-se vinculado às efetivas possibilidades de prova:
nonnalmeme aquele que alega a existência de determinado fato possui melhores
condições de prová-lo do que aquele que simplesmente o nega. A contrario sensw,
a inversão de semelhante lógica levaria à imposição de ônus cujo cumprimento
seria norma Imente difícil, de modo a resultar em evidente prejuízo à “paridade de
armas". Justamente por isso ê que a doutrina alerta quanto ao perigo concernente
ao manejo das regras de distribuição do ônus da prova: qualquer equívoco pode
significar a violação do direito fundamental à igualdade95.
As regras do ônus da prova, por essa perspectiva, têm por finalidade promover
a igualdade entre as partes no processo, sobretudo no terreno probatório96.

93. MITÍDIHRO, Daniel. Colaboração no processo rivit pressupostos sociais, lógicos e éti­
cos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 3. ed., 2015, p. 135; ABREU, Rafael Sirangelo de.
igualdade e Processo: posições processuais equilibradas e unidade do direito. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2015, p. 215; GRECO, Leonardo. A reforma do direito probatório
no processo civil brasileiro - Primeira pane: anteprojeto do grupo de pesquisa “Obser­
vatório das Reformas Processuais” - Faculdade de Direito da Universidade Federa! do
Estado do Rio de Janeiro. Revista de Processo, n. 240, p. 66-67.
94. Para exame pormenorizado a respeito dos elementos estruturais da igualdade, v. ÁVILA,
Humberto. Teoria da igualdade tributária. São Paulo: Malheiros, 2. ed.. 2009, p. 42-73.
95. KNIJNIK, Danilo. As (perigossíssimas) doutrinas do “ônus dinâmico da prova" e da
situação de senso comum como instrumentos para assegurar o acesso à justiça e su­
perar a probatio diabólica. In: FUX, Luiz; NERY JR., Nelson; WAMBLER, Teresa Arruda
Alvim (coord.). Processo c Constituição: estudos em homenagem ao Professor José Carlos
Barbosa Moreira. São Paulo; Revista dos Tribunais, 2006, p. 942-951.
96. SAN TOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no cível e no comercial, v I. São Paulo: Max
Limonad, 4. ed., 1970, p. 99.
O ÔNUS DA PROVA 55

Outra razão motivadora das regras que informam o ônus da prova encontra-se
fundada no principio do contraditório. Isso porque o cumprimento do encargo
probatório passa, inequivocamente, pelo conhecimento que as partes p o ssu em
a tal respeito (dimensão passiva do contraditório)97 e pela influência que a s u a
atividade probatória possui para a formação do juízo (dimensão ativa do c o n tra ­
ditório). O princípio do contraditório, aliás, é o que impede, por exemplo, sejam
as partes surpreendidas com a dinamização do ônus da prova na sentença (v. P arte
III, Capítulo 3.1)98 e inibe o julgamento imediato do pedido com base na regra d e
julgamento do ônus da prova em determinados casos (v. Parte III, Capítulo 5).
Por hm, o ônus da prova encontra-se informado pelo princípio de que as p arte s
têm o direito à ampla possibilidade de produzir provas aptas a demonstrár a p ro b a ­
bilidade dos enunciados fáticos da demanda. A contrario sensu, isso signihca d iz e r
que é defeso impor às partes obstáculos injustificados à prova das suas alegações.
A admissibilidade da prova é relativamente ampla: o órgão judicial só p o d e
inadmitir a produção de prova ilícita, impertinente ou irrelevante para a form ação
do juízo de fato. Não há falar, portanto, na inadmissibilidade da prova pelo fato d e
o juiz já estar convencido99 ou por outras razões de natureza subjetiva. A regra d o

97. Desse modo, “(...) o contraditório envolve a prerrogativa de requerer ou de p ro p o r a


produção da prova. Isso exige prévio conhecimento das regras acerça de distribuição
do ônus da prova, porque não como aquilatar a necessidade de prova sem saber a q u em
está imputado o respectivo encargo. A prévia e clara distribuição do ónus da prova se
afeiçoa ao que se convencionou chamar de confiança legítima, expressão fundam ental
à segurança” (YARSHELL, Flávio Luiz. Curso de Processo Civil. v. I. São Paulo: M arcial
Pons, 2Q14, p. 108).
98. CARPES, Artur Thompsen. Apontamentos sobre a inversão do ônus da prova e a garantia
do contraditório. In: KNIJNIK, Danilo (Org.). Prova judiciária: estudos sobre o n o v o
direito probatório. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 27-49.
99. Nesse sentido, TARUFFO, Michele. Studi sulla rilevanza delia prova. Padova: Cedam ,
1970, p. 77; TROCKER, Nicòlo. Processo civile e costituzione. Milano: Giuffrè, 1974, p.
522; KNIJNIK, Danilo. A prova nos juízos cível, penal e tributário. Rio de Janeiro: Forense,
2007, p. 19-24; MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil. São Paulo: Revista d o s
Tribunais, 3. ed., 2015, p. 140-141; CAMBI, Eduardo. A prova civil. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2006, p. 443; MATTOS, Sérgio. O juiz é o destinatário da prova: p o rta
aberta para o arbítrio? In: MITIDIERO, Daniel; AMARAL, Guilherme Rizzo. Processo
Civil: estudos em homenagem ao Professor Doutor Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. São
Paulo: Adas,”2012, p. 454; DALL ALBA, Felipe Camilo. A ampla defesa como proteção
dos poderes das partes: proibição de inadmissão da prova por já estar convencido o ju iz .
In: KNIJNIK, Danilo (org.). Prova judiciaria; estudos sobre o novo direito probatório.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 93-105; DEMAR1, Lisandra, Juízo de r e ­
56 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

ô n u s da prova é informada, vale dizer, pelo direitofundamental à prova: só é possível


im p o r o ônus de provar porque as partes têm, por outro lado, o direito à máxima
eficiência probatória100. Consistiria invencível paradoxo outorgar à parte o ônus
d e provar sem disponibilizá-la plenas oportunidades para cum prir com aludido
ô n u s 101. E vedada, em suma, a imposição de obstáculos que tom em a prova exces­
sivam ente difícil ou impossível de ser produzida.
Ter direito fundamental à prova significa, no entanto, não apenas o direito a
n ão ter a prova injustificadamente obstaculizada, mas ter direito aos “meios instru-
tórios dotados de potência suficiente”102para demonstrar as alegações de fato cujo
ô n u s recai sobre a parte103. 0 problema desenvolve-se, portanto, não propriamente
n o que diz respeito à quantidade dos meios de prova, mas, sobretudo, quanto à
s u a respectiva qualidade, ou seja, aptidão para esclarecer o enunciado104. A parte
onerada deve ter à sua disposição todos os meios probatórios que sejam realmen­
te aptos ao desem penho do seu ônus probatório. Por essa perspectiva, o direito
fundam ental à prova, ou o princípio da máxima eficiência probatória, informa a
distribuição do ônus da prova.

5. Ônus da prova, modelos de constatação e a redução do módulo


probatório

Costuma-se estabelecer, em doutrina, relação entre a disciplina dos ônus


probatórios e os m odelos de constatação. Nada obstante ambas sejam técnicas
processuais aplicáveis no âmbito da prova, os fenômenos são distintos e não se

levância da prova. In: KN1JNIK, Danilo (org.). P rova ju d ic iá r ia : estudos sobre o novo
direito probatório. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 171-179.
100. FERREIRA, William Santos. P r in c íp io s fu n d a m e n ta is d a p r o v a c ív e l. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2014, p. 183-194.
101. Por isso é que, “(...) ainda que o ônus da prova seja associado ao risco de sua não
produção, não se pode negar que a pane que possui esse ônus tem o direito de produzir
todas as provas adequadas à demonstração do seu direito” (MAR1NON1, Luiz Guilherme;
ARENHART, Sérgio Cruz. P ro va . São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 173).
102. FERREIRA, William Santos. P r in c íp io s fu n d a m e n ta is d a p r o v a c ív e l. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2014, p. 185.
103. COITINHO, Jair Pereira. Verdade e colaboração no Processo Civil (ou a prova e os
deveres de conduta dos sujeitos processuais). In: AMARAL, Guilherme Rizzo; CARPENA,
Márcio Louzada. Visões c r ític a s d o p ro c e ss o c iv il b rasileiro: uma homenagem ao Prof. Dr.
José Maria Rosa Tesheiner. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 84-86.
104. FERREIRA, William Santos. P r in c íp io s fu n d a m e n ta is d a p ro v a c ív e l. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2014, p. 185.
O ÔNUS DA PROVA 57

confundem. É importante sublinhar a distinção entre elas, além do proveito da


sua utilização para a obtenção de bons resultados no que diz respeito à formação
do juízo de fato.

5 .1 . O s m odelos de constatação

Os modelos de constatação são standards, ou seja, critérios que orientam o


grau de suficiência de prova para aformação dojuízo defato.
Malgrado a relevância do tema —aspecto de nuclear im portância no que
diz respeito ao direito fundamental à jurisdição, à prova e, sobretudo, no qüe se
refere à determinação de limites à liberdade do convencimento do juiz —, é rara
a doutrina no Brasil a respeito da teoria dos modelos de constatação105, o que,
como sói perceber, reflete-se na sua pouca utilização na experiência dos tribunais.

105. Na doutrina nacional, os principais estudos sao oriundos do Programa de Pós-


-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS) e decorrem da ênfase que os professores Carlos Alberto Álvaro de Oliveira
e Danilo Knijnik sempre outorgaram ao tema da prova judiciária. Abordando o tema
dos modelos de constatação, são frutos desse movimento os seguintes trabalhos:
KNIJNIK, Danilo. Os s ta n d a r d s do convencimento judicial: paradigmas para o seu
possível controle. In: S e p a r a ta d a Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 353, janVfev. 2001;
KNIJNIK, Danilo. A p r o v a n o s j u í z o s c ív e l, p e n a l e trib u tá r io . Rio de Janeiro: Forense,
2007; BALTAZAR JÚNIOR. José Paulo. Standards probatórios. In: KNIJNIK, Danilo
(Org.) Prova judiciária: estudos sobre o novo direito probatório. Porto Alegre: Livraria
do Advogado. 2007, p. 153-170; FLACH, Daisson. A v e r o s s im ilh a n ç a n o p ro c e sso civil.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 114-128; CARPES, Artur Thompsen, Direito
fundamental ao processo justo: notas sobre os modelos de constatação nas decisões
liminares, lm ARMELIN, Donaldo (org.). Tutela c a u te la r e tu te la s d e urgência. São Paulo:
Saraiva, 2010, p. 176-189; ALVARO DE OLIVEIRA. Carlos Alberto; MITID1ERO, Da­
niel. C u r s o d e P ro cesso Civil. v. 2 - Processo de Conhecimento. São Paulo: Atlas, 2012,
esp. p. 80-81; CARPES, Artur. O direito fundamental ao processo justo: notas sobre o
modelo de constatação nas ações de improbidade administrativa. In: LUCON, Paulo
Henrique dos Santos; COSTA, Eduardo José da Fonseca; COSTA, Guilherme Recena.
Im p ro b id a d e a d m in is tr a tiv a : aspectos processuais da Lei n° 8.429/92. São Paulo: Adas,
2013, p. 44-60; COSTA, Guilherme Recena. Livre convencimento e s ta n d a r d s de prova.
In: 4 0 a n o s d a T eo ria G e r a l d o P ro cesso n o B ra sil. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 356-380,
RAMOS, Vitor de Paula. Direito fundamental à prova. Revista d e P ro c e sso , v. 224/2013,
p. 41; MARINON1, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MIT1DIERO, Daniel.
N o v o C ó d ig o d e P ro cesso C iv il c o m e n ta d o . 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017,
p. 480. Embora propondo reflexão da teoria sueca, também se encartam no contexto da
análise dos modelos de constatação MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sétgio
Cruz. P ro va e c o n v ic ç ã o . São Paulo: Resista dos Tribunais, 3. ed., 2015, p. 102-104.
58 ÓNUS DA PROVA NO NOVO CPC

Embora tenha origem na tradição da commom íaw, não há razões que inibam a sua
utilização em países orientados pela civil íaw106. Pelo contrário: só há razões que
a recomendam. A fixação de critérios segundo os quais o juiz deve se basear para
estabelecer se determinado enunciado fático recebeu ou não adequada confirmação
probatória constitui uma das questões fundamentais do processo civil e merece,
assim, a máxima atenção.
Os modelos de constatação, portanto, consistem em critérios que, com base na
natureza do direito material envolvido e com base na maneira com que ele se apresen­
ta em juízo, informam o grau de suficiência de prova necessário à formação do juízo
a respeito dos enunciados fdticos da causa. Vale dizer: os modelos de constatação
constituem standards, isto é, são pautas objetivas que irão vincular e estruturar a
formação do juízo de fato, tomando-se, por via de consequência, determinante para
o juízo de direito na demanda. Servem para orientar o órgão jurisdicional sobre o
grau mínimo de prova capaz de subministrar a formação do seu convencimento
quanto aos fatos107, o que reduz os riscos de erro na formação da decisão judicial108.
Costuma-se dizer que existem diferenças entre a verdade a ser buscada no
processo civil eno processo penal. Afirma-se, com efeito, que a verdade no processo
penal seria “absoluta”, enquanto aquela com a qual trabalha o processo civil seria
"relativa”. Embora equivocada, na medida em que não é possível laborar com di­
ferentes “verdades" - a verdade só pode ser uma, independentemente do contexto

106. TARUFFO, Michele. Réthinking standards oí proof. In: 51 Am. J . C o m p . L . 663


2003. O tema foi objeto de preocupação de Gerhard Walter que, escrevendo à luz do
sistema jurídico alemão, por primeiro identificou a impossibilidade de existir apenas
um único modelo de constatação a orientar a convicção do juiz (WALTER, Gerhard.
L ib re a p r e c ia c iá n d e la p ru e b a . Trad. Tomás Banzhaf Bogotá: Temis, 1985).
107. Os modelos de constatação “são critérios para orientar a análise da prova”, sua
respectiva suficiência, “critérios para efetivamente submeter ao contraditório, a par de
um diálogo comum, as opções valoralivas do juiz”. KN1JNIK, Danilo. Os sta n d a r d s do
convencimento judicial; paradigmas para o seu possível controle. In: S e p a r a ta d a R e v ista
Forense, Rio de Janeiro, v. 353, jan/fev. 2001, p. 33. Dito de outra forma, configuram
pautas que dirigirão o raciocínio judicial, permitindo seu melhor esclarecimento quanto
ao misterioso momento de valoração da prova, de forma a facilitar o controle da decisão
judicial. Sobre os modelos de constatação, especiaimeme quanto à sua aplicação no
Brasil, confira-se, também, José Paulo Baltazar Júnior Standards p ro b a tó r io s. (KN1JNIK,
Danilo (Org.). P ro v a ju d ic iá r ia : estudos sobre o novo direito probatório. Porto Alegre:
Lmaria do Advogado, 2007, p. 153-170).
108. CLERMONT, Kevin M. Standards of proof revisited. In: 33 Ví. L. Rev. 4 6 9 , 2 0 0 8 -2 0 0 9 ,
p. 469.
O ÔNUS DA PROVA 59

em que se está inserido a acepção ilustra a distinção que orienta o grau de sufici­
ência da prova para o convencimento do juiz à luz da natureza do direito m aterial
envolvido na demanda109. Isso porque são as particularidades do direito material
que determinam a existência de distintos modelos de constatação a serem observados
no processo civil e no processo penal. Vale dizer: o grau de suficiência de prova p a ra
o juiz condenar ao pagamento de quantia, no processo civil, não se identifica c o m
aquele que ele deverá observar para condenar à pena privativa de liberdade no
processo penal. A fixação de tais critérios é o que está por trás, portanto, da natu ral
percepção de que oju iz depende de maiores e mais qualificados elementos probatórios
para condenar no processo penal do que no processo civil110. A tese é confirmada pelo s
chamados “processos civis especiais”, como nas ações de improbidade adm inistra­
tiva, p. ex., nos quais a sensível carga penal determina a observância de um terceiro
modelo, intermediário, que se coloca entre os dois extremos.
O modelo de constatação próprio do processo civil, em cujo âm bito sã ò
tratadas questões meramente patrimoniais, é o da probabilidade preponderante, e
consiste em dar por provado o enunciado fático que se apresenta mais provável
diante do contexto probatório existente111. Isso signi fica que não será o núm ero de
testemunhas ou pela quantidade de provas, mas pela força persuasiva que o c o n ­

109. Rigorosamente não se pode falar, mesmo no âmbito do processo penal, no alcance
da “verdade absoluta" ou da “verdade real" pela simples razão de que esta "verdade” é
impossível de ser alcançada. Na prática sempre haverá, em maior ou menor m edida, a
interferência na obtenção da verdade. O humano é ser falível por natureza e a obtenção
de juízo de verdade em absoluta correspondência com a realidade deve existir apenas
como ideal a ser atingido. Distinção entre o direito penal e o direito civil em to rn o
da verdade existe, portanto, acerca do grau de convicção do juiz para condenar no
processo penal, que é mais elevado, a exigir, via de consequência, contexto probatório
mais robusto do que para condenar no processo civil. Não é de se cogitar propriamente
quanto à busca de uma verdade mais ou menos “absoluta" ou “real", pois, no contexto
do convencimento do órgão judicial, tudo se resolve em um juízo de maior ou m enor
probabilidade; mas de verificar qual o grau necessário de convencimento judicial q u anto
aos fatos para que se possa condenar no juízo penal e no juízo cível. Sobre o tema, v e r
FERRER BELTRÁN, Jordi. Pruebay verdade en el derecho. Madrid: Marcial Pons, 2005,
p. 55-78.
110. REsp 1.164.236-MG, Terceira Turma, rei. Min. Nancy A ndrighi, julg ad o e m
21.02.2013.
111. COHEN, Jonãthan L. The probable and the Provable. Oxford: Clarendon Press, 1977,
p. 50; CLERMONT, Kevin M. A comparative view of standards of proof. In: 50 Am. J.
Comp. L. 243 2002, p. 251-253; KNIJNIK, Danilo. A prova nos juízos cível, penal e tr i­
butário. Rio dejaneiro: Forense, 2007, p. 37-38.
60 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

texto probatório é capaz de promover112. Assim, se as provas dos autos permitem


concluir que a versão da parte autora é mais provável que a versão contrária, o juiz
está autorizado a definir o juízo de fato nesse sentido.
O modelo de constatação próprio do processo penal, no entanto, é diferente.
Consideradas as peculiaridades do direito penal, em especial a de imputar even­
tualmente uma pena restritiva de liberdade ao réu, o convencimento do juiz deverá
s e r pautado em contexto probatório mais robusto, apto a gerar um maior grau de
convencim ento a respeito da veracidade das alegações de fato. Isso significa que
a s provas produzidas, em tais casos, devem levar o julgador a superar qualquer
dúvida razoável que eventualmente tenha a respeito da veracidade dos enunciados
fáticos113. Caso persista a dúvida razoável, o juiz não poderá condenar no processo
penal. Na experiência estadunidense, o critério da proojbeyond reasonable doubt
determ ina a necessidade de superar aquela dúvida “que levaria um homem pru­
d en te a hesitar em dar um passo em assuntos importantes”114. No Brasil, referido
standard encontra-se vinculado à presunção constitucional relativa de inocência,
p elo que o contexto de provas deve superar qualquer dúvida razoável de que o réu
é inocente para que seja possível condená-lo.
Há, entretanto, entre tais modelos extremos, um modelo interm ediário,
aplicável aos chamados processos civis especiais. Os valores tratados em tais casos
transcendem à dimensão meramente patrimonial, tornando inadequada a utili­
zação do modelo da preponderância de provas para a formação do juízo de fato115.
O s casos envolvendo as ações de improbidade administrativa, cujos reflexos na
pessoa do condenado podem alcançar a perda da sua função pública e a suspensão
d e seus direitos políticos, constituem exemplo de demandas nas quais o critério

112. FLEMING JR., James. Burdens of proof. Yale Law School Legal Scholarship Repos­
itory. 47 Va. L. Rev. 51 (1961).
113. COHEN, Jonathan L. The probable and the Provable. Oxford: Clarendon Press, 1977,
p. 50; CLERMONT, Kevin M. A comparative view of standards of proof. In: 50 Am. J.
Comp. L. 243 2002, p. 251-253; FLEMING JR., James. Burdens of proof. Yale Law School
Legal Scholarship Repository. 47 Va. L. Rev. 51 (1961); KNIJNIK, Danilo. A prova nos
juizos cível, penal e tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 39-42.
114. ROSENBERG, Irene Merker et al., apud KNIJNIK, Danilo. A prova nos juízos cível,
penal e tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 40.
115. Nesse sentido, KNIJNIK, Danilo A prova nos juízos cível, penal e tributário. Rio de
Janeiro: Forense, 2007, p. 37-38.
o Onus d a prova 61

intermediário - o da prova dara e convincente116- deve ser aplicado. Não bastará,


portanto, a mera preponderância de probabilidade: a probabilidade deverá ser
mais intensa, vale dizer, corroborada por um conjunto probatório mais robusto117.
Importa sublinhar que a parte onerada da prova tem o ônus de orientar a sua
atividade probatória de modo a provar suficientemente na perspectiva do modelo
de constatação aplicável ao caso. Isso significa que, no que diz respeito ao proces­
so civil, a parte onerada terá o ônus de demonstrar a probabilidade prevalente a
respeito de cada enunciado de fato singularmente considerado118. Nos casos en­
volvendo a responsabilidade civil profissional, por exemplo, o autor terá o ônus de
provar cada um dos enunciados fáticos alegados - o dano, o nexo de causalidade
e a culpa - com base no critério do “mais provável do que não”, sob pena de que
o juiz julgue improcedente o pedido mediante a aplicação da regra de julgamento
do ônus da prova.

5.2. A distinção funcional entre ônus da prova e m odelo de constatação

A diferença entre a distribuição do ônus da prova e a fixação do modelo de


constatação reside na função outorgada a cada uma das referidas técnicas proces­
suais no procedimento probatório.
Os modelos de constatação constituem critérios que informam o grau de su­
ficiência de convicção a respeito dos enunciados fáticos da causa e que, portanto,

116. CLERMONT, Kevin M. A comparative view or standards of proof. In: 50 Am.]. Comp.
L. 243 2002, p. 251-253; FLEMING JR., James. Burdens of proof. Yale Law School Legal
Scholarship Repository. 47 Va. L. Rev. 51 (1961) ; KNIJNIK, Danilo. A prova nos juízos
cível, penal e tributário. Rio de Janeiro; Forense, 2007, p. 39.
117. Trabalho o tema com maior amplitude em CARPES, Artur. O direito fundamental ao
processo justo: notas sobre o modelo de constatação nas ações de improbidade admi­
nistrativa. lm LUCON, Paulo Henrique dos Santos; COSTA, Eduardo José da Fonseca;
e COSTA, Guilherme Recena. Improbidade administrativa: aspectos processuais da Lei n°
8.429/92. São Paulo: Atlas, 2013, p. 44-60. Em sentido contrário, de que não é possível
apartar um modelo de constatação intermediário para ser aplicado nos processos que
versam sobre as ações de improbidade administrativa - aos quais deveria ser aplicado o
standard típico dos processos penais, PINTO, Marcos Vinícius. Reflexões sobre improbi­
dade administrativa, ônus da prova, modelos de constatação e nota sobre o NCPC, In:
BEDAQUE, José Roberto dos Santos Bedaque; CINTRA, Lia Carolina Batista; e EID, Elie
Pierre (Coord.). Garantismo processual: garantias constitucionais aplicadas ao processo.
Brasília: Gazeta Jurídica, 2016, p. 361-393.
118. FLEMING JR., James. Burdens of proof. Yale Law School Legal Scholarship Reposi­
tory. 47 Va. L. Rev. 51 (1961).
62 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

funcionam na fase de valoração da prova. Fixado o critério, bastará o juiz verificar


se as alegações do autor são i) mais prováveis do que a versão contrária, na hipóte­
se da demanda ter por objeto o direito material civil; ii) claras e convincentes, na
hipótese da demanda ter por objeto o direito material civil com significativa carga
penal; e üi) superam qualquer dúvida razoável que incida sobre a versão contrária,
na hipótese de a demanda ter por objeto o direito material penal.
A regra do ônus da prova, quando exerce a sua função de regra de julgam ento,
será aplicada apenas se determinada alegação de fato não se revela demonstrada
em juizo à luz do modelo de constatação empregado. A função do ônus da prova
enquanto regra de julgamento é exercida, portanto, em momento posterior ao da
valoração da prova, isto é, já na fase decisória do procedimento probatório. As­
sim, se a prova produzida em uma demanda cível è valorada e ainda assim não se
torna possível obter o convencimento de que a versão do autor é mais provável do
que a negativa do réu, deve ser aplicada a regra de julgamento do ônus da prova,
julgando-se desfavoravelmente ao autor (arL 373,1, CPC).
A eventual aplicação da regra de julgamento do ônus da prova ocorrerá, com
efeito, após a fase de valoração da prova119. Apenas após o momento da valora­
ção é que se pode decidir a respeito da aplicabilidade da “regra de juízo”, se - e
apenas se —ao órgão judicial não foi possível obter o convencimento necessário
para a formação do juízo de fato ou, por outras palavras, a prova colhida não foi
suficiente tendo em conta o standard probatório aplicável. A distribuição dos ônus
probatórios, portanto, não se altera em razão da valoração da prova. Vale dizer:
independentemente da valoração da prova que seja realizada120, o autor continua

119. Jã alertava Micheli quanto ao perigo de não se dar ‘o devido relevo à distinção entre
a fase de valoração das provas e a de decisão sobre o fato incerto, isto é, a aplicação da
regra de juizo” (MICHELI, Gian Antonio L Onere d elia p ro v a . Padova: Cedam 1942
p. 288).
120. A confirmação dos enunciados fáticos a partir das provas produzidas depende do
raciocínio inferencial que é realizado em juízo. É a partir de tal confirmação que é possível
aferir o preenchimento ou não do sta n d a r d probatório eleito. A estrutura inferencial do
raciocínio probatório pode ser observada a partir de dois discintos níveis. No primeiro
nível, fundamentai e mais simples, o raciocínio do juiz envolve o exame das chamadas
"provas diretas", isto é, daquelas provas cujo grau de proximidade para com o j a c t u m
p r o b a n d u m é maior e, assim, exige menos inferências. O primeiro nivel da estrutura
inferencial do raciocínio probatório envolve, portanto, menor grau de complexidade.
Nos casos em que ocorre um juizo sobre um deLentiinado enunciado do tipo “o fato
F sé verificou desse ou daquele modo", estabelecendo que tal enunciado ê verdadeiro,
o ônus da prova 63

tal juízo constitui a conclusão de uma inferência que o juiz realiza a respeito de u m a
prova; porém, trata-se de uma inferência que não é complexa. Por exemplo: o juiz afir­
ma que o enunciado é verdadeiro porque uma testemunha afirmou que o enunciado é
verdadeiro. A estrutura da inferência neste nível fundamental é, portanto, a seguinte: a)
uma prova confiável diz que o enunciado é verdadeiro; b) as provas confiáveis fornecem
informações verdadeiras; c) portanto, o enunciado em questão é verdadeiro com b ase
nas provas em questão. O segundo nível da estrutura inferencial do raciocínio probatório
ocorre nas hipóteses em que o percurso a ser percorrido pelo intérprete entre a prova e
o fato a ser provado é muito maior. Em tais casos, torna-se indispensável laborar m ais
intensamente com a prova por indução, ou seja, prova consistente em processo lógico
por meio do qual, a partir de um fato conhecido, toma-se possível formar conclusões
a respeito da veracidade ou falsidade de um fato desconhecido (TARUFFO, Michele.
La valutazione delle prove. In: TARUFFO, Michele (org.). Trattato di Diritto Civile e
Commerciale. Milano: Giuffrè, 2012, p. 207-269). A fim de legitimar tal processo ló g i­
co que se estabelece visando à confirmação da hipótese fática por meio das provas, a
doutrina sugere a adoção do conceito epistemológico geral de warrant, que constituem
modelos gerais de argumentação que se prestam a aferir as conexões instauradas en tre
uma afirmação hipotética e as provas que confirmem a sua respectiva veracidade (TOUL-
MIN, Stephen Edelston. The uses of argument. Cambridge: Cambridge University, 1958;
e HAACK, Susan. Defending Science - within reason. Between scientism and cynism.
New York: Amherst, 2007). Tal modelo de justificação e confirmação da hipótese fática
submetida à prova é informado por duas dimensões distintas. A primeira dimensão d iz
respeito à amplitude e à qualidade das provas produzidas, A segunda dimçnsão refere-se
ao fundamento cognoscitivo por meio do qual a inferência probatória pode ser fundada.
Na primeira dimensão, alusiva às noções de supportiveness (conexidade recíproca en tre
as provas) e comprehensiveness (abrangência das provas), a hipótese fática será mais o u
menos confirmada com base no grau de confirmação que as provas outorgam àquela h ip ó ­
tese. Nesse caso, será importante aferir a) a relação entre a quantidade e a qualidade d as
provas efetivamente produzidas e todas as provas possíveis de serem produzidas sugere
maior ou menor grau de confirmação; b) toda a prova que se acrescenta às demais já
produzidas em torno da mesma hipótese de falo aumenta o grau de confirmação dessa
mesma hipótese de fato; c) a existência de provas convergentes no mesmo sentido d e
determinada hipótese de fato aumenta o grau de confirmação dessa mesma hipótese d e
fato; d) a confirmação da hipótese de fato não depende apenas das proyas que a esta se
referem diretamente, mas também de outros enunciados fáticos (secundários ou indici-
ários) que eventualmente lhe deem suporte (TARUFFO, Michele. La valutazione delle
prove. In: TARUFFO, Michele (org.). Trattato di Diritto Civile e Commerciale. Milano:
Giuffrè, 2012, p. 223-224; HAACK, Susan. Correlation and Causation: The “Bradford
Hill Criteria" in Epidemiological, Legal, and Epistemological Perspective. In: Evidence
Matters: Science, Proof and Truth in the Law. New York: Cambridge, 2014, p. 258-259,
FERRER BELTRÁN, Jordi. La valoración racional de la prueba. Madrid: Marcial P ons,
2007). Na segunda dimensão toma-se em consideração o backing do warrant, isto é, o
/undamento cogniscitivo através do qual a inferência se pode ter por fundada . de m odo a
emprestar grau de contabilidade - e, assim, de segurança —ás conclusões alcançadas.
6 4 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

tendo o ônus de provar os fatos constitutivos de seu direito, bem como o réu os
fatos impeditivos, modificativos e extintivos do direito do autor (art. 373, CPC).
O que se modifica em face do modelo de constatação fixado é o grau de sufi­
ciência da prova necessário para a formação do juízo quanto aos enunciados fáticos,
o que pode determ inar ou não a aplicação da regra (dejulgamento) do ônus daprova.
É a gravidade do ônus, portanto, que se altera.
Na perspectiva do ônus da prova, é possível perceber que quanto mais rarefeito
o modelo de constatação empregado, menos esforços probatórios serão exigidos
d a parte onerada. O inverso também é verdadeiro: quanto mais alto o standard,
m aiores esforços de prova serão exigidos da parte onerada. A fixação do modelo
d e constatação pode interferir na atividade processual que visa ao cumprimento
d o ônus da prova por conta do grau de suficiência de prova que se exige para a
formação do juízo de fato (dimensão subjetiva), o que irá determinar a aplicação
o u não da regra de julgam ento (dimensão objetiva).
De qualquer m odo, a variação do modelo dè constatação não se relaciona a
qualquer modificação no regime de distribuição dos ônus probatórios. Isso porque
o ônus da prova do enunciado fático atribuído à parte - a prova do dano decorrente
d o furto de bagagem na responsabilidade civil por defeito na prestação do serviço
d e transporte aéreo, p o r exemplo - não varia, ainda que tenha ocorrido a redução
d o módulo de prova (v. infra, Item 6.3). A única diferença é que à parte onerada,
p ara cumprir aludido ônus, poderá ser suficiente produzir um contexto probató­
rio caracterizado por provãs indiciãrias, o que significa, por outra perspectiva de
análise, que o juízo de fato poderá ser formado com base no módulo de cognição
sum ária no sentido vertical.
Se o ônus da prova é dinamizado (v. infra, Parte II), ou seja, é atribuído a
outra parte, por outro lado, isso não implica na redução do módulo de prova: o
critério de suficiência de prova será exigido das partes na perspectiva do ônus da

As provas científicas apontam, em regra, o maior grau de confiabilidade à confirmação.


Quando não for possível recorrer às provas científicas, as fontes dos critérios encontram-
-se baseadas nas noções de senso comum, b a c k g r o u n d k n o w le d g e s e nas máximas de
experiência, cujo grau de confiabilidade será variável (TARUFFO, Michele. La valuta-
zione delle prove. In: TARUFFO, Michele (org.). Tr a tta to d íD i r i t t o C iv ile e C o m m e rc ia le .
Milano: Giuffrè, 2012, p. 223-227). Sobre a aplicação de uma falsa ou incorreta máxima
de experiência, ver ROSITO, Francisco. D ire ito p ro b a tó rio : as máximas de experiência
em juízo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 104-105.
O ÔNUS DA PROVA 65

prova atribuído a cada uma delas, seja esse atribuído pela lei, seja atribuído por
decisão judicial.

5 .3 . A técnica da "redu ção do m ódu lo d e p ro v a "

A fixação em modelo de constatação mais rarefeito que o da preponderância de


provas nos processos que instrumentam demandas cíveis comuns é rigorosàmente
inadmissível. Isso porque não se pode admitir que o critério do “mais provável que
não” seja ainda mais rarefeito do que realmente já é. Reduzir o critério do “mais
provável que não” significa o mesmo que estabelecer o critério da probabilidade
semelhante entre as versões em disputa, o que não justificaria a opção por uma
versão em detrimento da outra.
Como a própria denominação do standard sugere, no critério da probabi­
lidade preponderante, ou do “mais provável do que não”, uma hipótese fática é
privilegiada se a sua probabilidade prevalece sobre as probabilidades de todas as
outras hipóteses e, em particular, sobre a probabilidade da hipótese contrária121.
Reduzir tal modelo seria o mesmo que reduzir a preponderância, de modo a, pelo
menos, identificar as probabilidades de uma e de outra hipótese, pelo que a solução
passaria inevitavelmente pelo rechaço da pretensão mediante a aplicação da regra
de julgamento do ônus da prova. Se ambas as versões são prováveis, a qual razão
assistiria o juiz para optar pela vérsão alegada pela parte autora?
Falar em “redução do módulo de prova” significa, para o bem dá verdade,
falar na redução do módulo da cognição no sentido vertical. Significa reduzir a exi­
gência de profundidade da cognição do órgão judicial a respeito dos fatos da causa
por excessiva dificuldade ou impossibilidade material de prová-los. Ao invés de
se exigir o critério da cognição exauriente, ou seja, aprofundado, tblera-se que a
cognição seja mais superficial, a exemplo do que sucede com as decisões limina­
res, como aquelas profêridas em sede de antecipação de tutela. A técnica permite
que o juiz, sem deixar de considerar o modelo de constatação da preponderância
da prova, possa formar o seu convencimento com base no módulo da cognição
sumária, o que implica - comparativamente ao módulo da cognição exauriente

121. TARUFFO, Michele. La s e m p lic e v e r ità : il giudice e la costruzione dei fatti. Bari:
Laterza, 2009, p. 222. Há tradução para o português: TARUFFO, Michele. U m a sim p le s
verd a d e: o juiz e a construção dos fatos. Trad. yitor de Paula Ramos. São Paulo: Marcial
Pons, 2012.
66 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

a outorga de maior valor às provas indiciárias e, por conseguinte, ao raciocínio


judicial presuntivo122.
O que ocorre com a “redução do módulo probatório” é, portanto, a adoção
do módulo de cognição no sentido vertical mais rarefeito, o qual se articula com
o modelo de constatação da preponderância de probabilidade, de modo a permi­
tir a formação do juízo de fato com base em cognição sumária123. Estabelecida a
natureza da demanda, o modelo de constatação é lixado, não sendo mais possível
variá-lo124125.Em perspectiva dogmática, a solução está em admitir que, com esteio
na dificuldade probatória objetiva, ou seja, probatio diabólica que atinge ambas as
partes1-’ —e não apenas a parte onerada - , ocorra julgamento de mérito baseado
em juízo de cognição sumária.

122. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Prova e convicção. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 3. ed., 2015, p. 248.
123. Sobre a cognição na perspectiva de seus dois distintos planos, horizontal e vertical
(extensão, amplitude) e vertical (profundidade), v. a obra clássica de WATANABE,
Kazuo. Da cognição no processo civil. São Paulo: Perfil, 3. ed., 2005, p. 127-143.
124. Em sentido contrário ao defendido no texto, ou seja, aduzindo que o fenômeno en­
volve redução do standard probatório, WALTER, Gerhard. Libre apreciaciún de la pnicba.
Trad. Tomás Banzhaf. Bogotá: Temis, 1985, p. 171-185; 229-260; KNIJNIK, Danilo. A
prova nos juízos cível, tributário e penal. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 46-48; MARI-
NONI, Luiz Guilherme. Antecipação de tutela. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009,
p. 169; ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto; MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo
Civil. v. 2. São Paulo: Atlas, 2012, p. 81. Embora reconheça “a verossimilhança como
modelo de constatação dos fatos da causa” (p. 119) eem “redução do módulo de prova"
(p. 122), Flach afirma que “[al verossimilhança (...) deve ser considerada em relação
ao modelo de constatação referencial para a concessão da tutela final (...)” (FLACH,
Daisson. A verossimilhança no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p.
123). Na verdade, ê o módulo da cognição sumária que deve ser considerado em relação
ao modelo de constatação referencial para a concessão da tutela final. A posição aqui
adotada neste escrito contraria e, assim, invalida a que adotei em trabalhos anteriores, nos
quais não tinha bem nítida a natureza do fenómeno (CARPES, Artur Ónus dinâmico da
prova. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2010, p. 100-103; CARPES, Artur Thompsen.
Direito fundamental ao processo justo: notas sobre os modelos de constatação nas de­
cisões liminares. In: ARMELIN, Donaldo (org.). Tutela cautelar e tutelas de urgàicia. São
Paulo: Saraiva, 2010, p. 176-189; e CARPES, Artur Thompsen. O direito fundamental
ao processo justo: notas sobre o modelo de constatação nos processos envolvendo as
ações de improbidade administrativa. In: LUCON, Paulo Henrique dos Santos; COSTA,
Eduardo José da Fonseca; e COSTA, Guilherme. Improbidade administrativa: aspectos
processuais da Lei n° 8.429/92. São Paulo: Atlas, 2013, p. 44-60.
125. Sobre os conceitos de prova objetiva/subjetivameme difícil, v. SILVA, Paula Costa e;
REIS, Nuno Trigo dos. A prova difícil: da probatio levior à inversão do ônus da prova.
Revista de Processo, n. 222, agosto de 2013, p. 154-155.
O ÔNUS DA PROVA 67

Se a cognição sumária é admitida para pautar as decisões fundadas na im ­


possibilidade de contar com farta atividade probatória - a exemplo do que ocorre
com as decisões liminares nada impede que semelhante módulo de cognição
fundamente a sentença que, a exemplo das decisões liminares, esteja pautada n a
excessiva dificuldade ou mesmo na impossibilidade probatória.
Nos juízos que envolvem as tutelas de urgência, a cognição do órgão ju d i­
cial, no sentido vertical, é sumária. A principal justificativa para a adoção desse
módulo de cognição é a impossibilidade em se exigir daquele que postula a tutela
de urgência uma robusta produção de prova126. Antes de iniciar o processo, ou em
seu momento liminar, isto é, muito antes do momento oportuno para a produção
da prova, encontra-se a parte normalmente diante de excessiva dificuldade ou a té
impossibilidade de produzir a prova a respeito de determinada hipótese de fato.
Exigir da parte prova robusta das suas alegações, nessa fase prem atura, seria o
mesmo que inviabilizar a tutela efetiva do direito. Com base em idêntica razão,
não seria possível exigir a mesma profundidade de cognição que o juiz teria ao
momento de sentenciar nas demais hipóteses de probatio diabólica. Assim, em
todas as hipóteses em que se está diante da excessiva dificuldade ou impossibili­
dade probatória - seja no momento liminar (postulatória) ou na fase decisória d o
processo - , o juiz está autorizado a “reduzir o módulo de prova”, ou seja, a jü lg ar
com base em cognição sumária, a qual lhe autoriza outorgar maior valor à prova
indiciária127. Se um dos principais fundamentos que justificam a sumariedade da
cognição das tutelas liminares é a presunção de dificuldade probatória presente
na fase inicial,do processo, a constatação quanto à conservação de sem elhante
dificuldade ao final da instrução justifica a adoção do módulo da cognição sum ária
também na sentença.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul dispõe de alguns interessantes
julgados a respeito. O mais conhecido deles talvez esteja no caso do arrom bam en­
to de cofre secreto ou sigiloso em instituição financeira, hipótese em que a prova

126. MITIDIERO, Daniel. A n te c ip a ç ã o d a tu te la : da tutela cautelar à tutela antecipatória.


São Paulo: Revista dos Tribunais. 2012, p. 107.
127. Para um exame sobre o tema no âmbito do Supremo Tribunal Federal, ver CABRAL,
Antonio do Passo. Questões processuais no julgamento do Mensalão: valoração da prova
indiciária e preclusão para o juiz em questões de ordem pública. Revista d o s T rib u n a is ,
933, julho de 2013, p. 131-150.
68 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

do dano, isto é, do que havia dentro do cofre, é extremamente difícil128. Idêntico


problem a observa-se quanto aos casos envolvendo o furto de objetos dentro de
veículos estacionados no interior de shoppings centers, nos quais se revela também
evidente a dificuldade em dem onstrar a extensão do dano129. A técnica da redução
do módulo de prova é aplicável, pela mesma razão, na hipótese envolvendo o
extravio de bagagem nos casos de responsabilidade pela prestação do serviço de
transporte: embora possa o autor demonstrar o dano através do peso da bagagem,
de notas fiscais de aquisição de mercadorias e até mesmo de fotografia, tais provas
são meramente indiciárias e dificilmente levariam, no módulo da cognição exau-
riente, ao juízo positivo de constatação sobre os danos alegados130.
O caso das chamadas “pílulas de farinha”, que obteve bastante repercussão
n o s meios de comunicação, também envolveu a aplicação da técnica. Ao julgar
dem anda indenizatória por consumo de pílulas anticoncepcionais defeituosas - o
q u e acarretou a gravidez indesejada o Superior Tribunal de Justiça admitiu a
redução do módulo de prova, indicando ser incabível a dinamização do ônus da
pro v a131. Na hipótese, a consumidora demonstrou “que fazia uso regular do anti­
concepcional, mas não que consumiu, especificamente, uma das carteias que foram
colocadas à venda com defeito”. A fornecedora do medicamento afirmou, por sua
vez, que o Tribunal de Justiça havia dinamizado indevidamente o ônus da prova,
o u torgando-lhe probatio diabólica, isto é, o ônus da prova de que a consumidora não
fez uso do produto defeituoso, o queseria impossível. No voto da relatora, Ministra
N ancy Andrighi, fica evidente a inequívoca constatação de que “está presente uma
d u p la impossibilidade probatória”. Isso porque:
(...) à autora também era impossível dem onstrar que comprara
específicamente uma carteia defeituosa, e não por negligência
como alega a recorrente, mas apenas por ser dela inexigível outra
conduta dentro dos padrões médios de cultura do País.

128. TJRS, Apelação Cível 70001464676, Sexta Câmara Cível, rei. para o acórdão Carlos
Alberto Alvaro de Oliveira, julgado em 21.11.2001.
129. TJRS, Apelação Cível 70036601334, Sexta Câmara Cível, rei. Ney Wiedemann Neto,
julgado em 19.08.2010.
130. TJRS, Recurso Cível 71005806062, Segunda Turma Recursal Cível, rei. Roberto
Behrensdorf Gomes da Silva, julgado em 27.01.2016.
131. STJ, REsp 918.257/SP, rei. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 03 05.2007
DJ 23.11.2007, p. 465.
O ONUS DA PROVA 69

Diante de tal contexto, extrai-se da ratio decidenâi que “não se trata de atribuir
equivocadamente o ônus da prova a uma das partes, mas sim de interpretar as normas
processuais em consonância com os princípios de direito material aplicáveis àespécie”.
A solução, naquele caso, foi estabelecida no sentido de prestigiar o princípio da
proteção ao consumidor". Ainda segundo a motivação do precedente, caso fosse
negada a suficiência da prova relativa ao consumo reiterado do produto,
(...) restará, apenas, a opção de acolher em seu lugar uma presunção
de que a consumidora teria proposto a ação para se aproveitar da­
quele receituário e de uma situação pública de defeito no produto,
fazendo-se passar por vítima do evento sem sê-lo.
Observa-se que o Superior Tribunal de Justiça trabalha com a hipótese de
redução do módulo de prova em razão da mútua dificuldade na produção da pro­
va, para contentar-se com prova mais rarefeita quanto ao fato da consumidora ter
administrado justamente carteia do lote defeituoso. Além do mais, a ratio decidendi
é clara ao justificar que a hipótese não envolve aplicação da dinamização do ónus
da prova, mas aplicação da técnica que permita a máxima efetividade probatória
em consonância com as peculiaridades do direito do consumidor.
Em semelhante sentido, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul possui
julgados nos quais afirma que:
O extravio definitivo de bagagem enseja reparação p o r (...) dano
material, correspondente ao valor estimado do conteúdo da ba­
gagem extraviada, submetendo-se a estimativa do consumidor
demandante ajuízo de razoabilidade, no caso concreto, com base
np princípio da facilitação da defesa do consumidor em Juízo (art.
6o, VIII, CDC).
A orientação aponta para o “Descabimento de exigência de prova do valor
de cada um dos objetos contidos na bagagem extraviada, por tratar-se de prova
diabólica".132
A articulação entre o modelo da preponderância da probabilidade e o módulo
de cognição sumária dependerá, obviamente, de decisão a respeito da excessiva
dificuldade ou mesmo da impossibilidade probatória. Tal juízo deverá ser infor­
mado por prévio contraditório (art. 10, CPC) e a possibilidade de eventual impug­
nação à noção de probatio diabólica empregada. Se o juiz, no momento de proferir
a sentença, percebe que o caso envolve a probatio diabólica para ambas as partes

132. TJRS, Apelação Cível 70069027738, D é c i m a Segunda Câmara Cível, rei. Umberto
Guaspari Sudbrack, julgado em 28.04.2016.
70 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

no que diz respeito a determinado enunciado fálico pertinente e relevante para


a solução da demanda, deverá intimá-las para que se manifestem sobre eventual
redução do módulo de prova. Do conLrário, isto é, no caso de aplicação da técnica
no momento de decidir, a sentença consistirá emdecisão surpresa, absolutamente
vedada em nossa ordem jurídica, por implicar não apenas violação ao contradi­
tório (art. 10, CPC), mas também violação aos deveres de colaboração do órgão
judicial (art. 6o, CPC).
Gerhard Walter afirma ser impossível determinar em abstrato quando seria
possível a simples “redução do módulo de prova” e quando seria necessário aplicar
a dinamização dos ônus probatórios. Analisa a doutrina e a jurisprudência na ten­
tativa de fixar um critério objetivo pelo qual seria possível distinguir os casos em
que bastaria a redução do módulo de prova, permitindo-se a suficiência da prova
por indícios, e os demais, nos quais se faz necessário modificar a distribuição dos
ônus probatórios, como nos casos envolvendo a infração a deveres profissionais03.
Não é possível, todavia, determinar abstratamente um rol de hipóteses nas quais
se aplicaria um a e outra técnica. O exame sempre dependerá das particularidades
do caso concreto, ou seja, da constatação quanto à excessiva dificuldade ou im­
possibilidade probatória para qualquer dos sujeitos processuais.
O certo é que ambas as técnicas - redução do módulo de prova e dinamiza­
ção dos ônus probatórios - dependem, para serem utilizadas, da aferição quanto
à dificuldade na produção da prova. Se a prova é extremamente difícil, ambas as
técnicas serão potencialmente aplicáveis. A diferença é que para a aplicação da dina­
mização deverá ser constatada a fragilização da igualdade nos esforços de prova13'1.
Em outras palavras: a aplicação da dinamização pressupõe a constatação de que a
dificuldade da prova de determinado enunciado fático pende apenas para a parte
onerada. Nessa hipótese é que a dinamização do ônus da prova pode servir decifro
iso/tõmico aos esforços probatórios das partes (ver infra, Parte II, Capítulo 2.4.1).
Se, todavia, o grau de dificuldade em demonstrar a verdade a respeito de determi­
nado enunciado fático é semelhante para ambas as partes, não fará sentido aplicar
a dinamização, pois isso implicaria apenas transferir o ônus probatório diabólico 134

133. WALTER, Gerhard. L ib r e a p r e c ia c ió n d e la p r u e b a . Trad. Tomás Banzhaf. Bogotá-


Temis, 1985, p. 229-288.
134. Em sentido semelhante, para distinguir as técnicas da “inversão do ônus da prova"
e da "prova da aparência", NIEVA FENOLL, Jordi. Los sistemas de valoración de la
prueba y la carga de la prueba: nociones que precisan revisión. L a c iê n c ia ju r is d ic c io n a l:
novedad y tradición. Madrid: Marcial Pons, 2016, p. 269.
O ÔNUS DA PROVA 71

de uma parte para a outra (ver infra, Parte II, Capítulo 2.4.2). Será potencialm ente
aplicável, nesse caso, a redução do módulo de prova.
A redução do módulo de prova constitui técnica processual que, assim como
a da dinamização do ônus da prova, serve para outorgar a máxima efetividade ao
direito fundamental à prova e, por conseguinte, à tutela dos direitos135136.

6. As presunções e a sua relação com a distribuição do ônus da prova

A presunção constitui a conclusão de processo lógico fundado em máxima


de experiência comum que conclui pela probabilidade de determinado enunciado
fático135. Trata-se de juízo pautado, portanto, naquilo que normalmente acontece.
O enunciado fático que se busca provar, para ser presumido, não pode se apresentar
como “consequência possível ou mais ou menos provável do fato conhecido”, mas
sim com “grau de probabilidade tal que induza o convencimento racional que o fato
desconhecido tenha realmente ocorrido”, pois é no grau da relação da inferência,
entre o fato conhecido e o desconhecido, que repousa a força demonstrativa da
presunção137.
A noção de presunção parte da ideia de que o conhecimento de certo fato pode
ser induzido pela constatação de outro ao qual o primeiro está associado138. 0 fato
conhecido - aquele que não é o que se pretende provár, mas se relaciona com o que
se busca provar —denomina-se indício. O indício é cotejado com um a máxima de
experiência comum139. O resultado de tal percurso intelectivo denomina-se pre­

135. Assim, “a cognição sumária constitui uma técnica processual relevantíssima para
a concepção de processo que tenha plena e total aderência à realidade sócio-jurídica a
que se destina, cumprindo sua primordial vocação que é a de servir de instrumento à
efetiva realização dos direitos” (WATANABE, Kazuo. D a c o g n iç ã o n o p ro c e ss o c iv il. 3.
ed. São Paulo: Perfil, 2005, p. 168).
136. SANTOS, Moacyr Amaral. P r o v a ju d i c i á r i a n o c ív e l e n o c o m e r c ia l. 3. ed. São Paulo:
Max Limonad, 1968, v. 5, p. 409.
137. MANZONI, Ignazio. Potere de acertamento e tutela dei contribuente nelle imposte
dirette e nell iva. Milano: Giuffrè, 1993, p. 188, KNIJNIK, Danilo. A prova nos juízos
cível, p e n a l e tr ib u tá r io . Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 49.
138. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz .,.P ro v a e c o n v ic ç ã o . 3. ed.,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 155.
139. Sobre as máximas de experiência, ver STEIN, Friedrich. E l c o n o c im ie n to p r iv a d o
d e l j u e z . Trad. Andrés de la Oliva Santos. Madrid: Centro de Estúdios Ramón Aceres,
1990; TARUFFO, Michele. Senso comune, esperienza e scienza nel ragionamento dei
giudice. In: Sui C o n fin i: scritti sulla giustizia civile. Bolonha: II Mulino, 2002; ROSITO,
72 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

sunção. O indício, ou fato indiciário, interessa aos contornos do raciocínio judicial,


portan to , como instrum ento destinado à investigação da hipótese fática incerta.
E m suma: parte-se do indício (fato certo, provado ou não objeto de prova) para,
m ediante inferência lógica fundada em máximas da experiência (ou leis científicas
de caráter geral), obter a presunção. A presunção constitui, assim, o resultado de
construção lógica baseada naquilo que normalmente acontece140.
As presunções podem ser classificadas em simples, também denominadas
judiciais (praesumptiones hominis), e legais, também chamadas de presunções de
direito (praesumptiones iuris).

A primeira das diferenças é que, nas presunções judiciais, o raciocínio indutivo


conatural ao fenômeno é realizado pelo juiz. Nas presunções legais, por outro lado,
sem elhante raciocínio é substituído pelo sentido obtido pelo intérprete a partir
do texto normativo. Noutras palavras: nas presunções legais é o legislador quem
“realiza” semelhante raciocínio e estabelece a presunção, bastando ao intérprete
adscrever o seu sentido. De qualquer modo, em ambas as hipóteses, o raciocínio in­
dutivo é apoiado em juízosuniversais, notadamente em máximas da experiência141.
Seja no caso em que é formulada pelo juiz, seja naqueles em que é formulada pelo
legislador, as presunções consistirão o produto desse processo lógico, residindo a
diferença em que, no caso das presunções judiciais, tal processo é realizado pelo

Francisco. Direito probatório: as máximas de experiência em juízo. Porto Alegre: Livraria


do Advogado, 2007.
140. No mesmo sentido, GASCÓN ABELLÁN, Marina. Los hechos en el derecho - Bases
argumentativas de la prueba. Madrid: Marcial Pons, 2004, 2. ed., p. 152-153.
141. Barbosa Moreira afirma que, no caso das presunções legais, além de juízo ligado
ao id quod plerumque accidit, outro ponto de contato entre o indício e a presunção é
o da excessiva dificuldade em provar a ocorrência do fato que se tem por presumido.
Segundo o autor, “muitas vezes se mostra sobremodo árdua - por paradoxal que isso
possa afigurar-se, à primeira vista —, a demonstração cabal de que as coisas se passaram
normalmente, de acordo com o esquema que reúne maiores condições de Verossimi­
lhança e, por conseguinte, de probabilidade”. De qualquer modo, tais considerações
“só têm relevância quando se pesquisa a ratio legis”, o que diz respeito a uma “opção
do legislador e, portanto, se inscrevem no plano da política legislativa", de sorte que a
sua relevância é, por assim dizer, “pré-jurídica” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. As
presunções e a prova. In: Temas de direito processual Primeira Série. São Paulo: Saraiva,
1988, 2. ed., p. 62). Marina Gascón, em sentido semelhante, aduz que “as presunções
(...) exercem o fundamental papel de facilitar ao juiz a tarefa de julgar quando o fato
resulta difícil de provar” (GASCÓN ABELLÁN, Marina. Los hechos en el derecho - Bases
argumentativas de la prueba. Madrid: Marcial Pons, 2004, 2. ed., p. 140).
O ÔNUS DA PROVA

julgador em concreto, ao passo que nas presunções legais semelhante processo é


realizado pelo legislador em abstrato142.
Outra diferença entre as presunções legais e as judiciais é que aquelas, ao
contrário destas, possuem natureza normativa.
Isso quer dizer que as presunções legais exercem a função de pressuposto
fático para a incidência da norma, ou seja, constituem fenômeno descritivo de
sua fattispecíe abstrata143. 0 legislador, ao dispor a respeito da presunção - seja ela
absoluta, mista ou relativa —,nada mais faz senão fixar os pressupostos fáticos para
a incidência da norma, tenha essa natureza substancial ou processual.
O art. 322, do CCB, constitui claro exemplo de presunção legal, ao dispor que
“Quando o pagamento for em quotas periódicas, a quitação da última estabelece, até
prova em contrário, apresunção de estarem solvidas as anteriores . C om osevê,o
reconhecimento do pagamento do débito pelo devedor dependerá apenas da pi ova
quanto à quitação da última parcela. A quitação da última parcela não demonstra,
rigorosamente, terem sido quitadas as parcelas anteriores e, por conseguinte, tet
ocorrido o adi mplemento integral da divida. Tal circunstância fática - quitação da
última parcela —,todavia, é suficiente, à luz do id tjuod plerumc\ue accidit, para gerar
presunção de quitação quanto às anteriores*, o ato do credor de recebei a última
parcela decorre, normal mente, do fato de ele já ter recebido as anteriores.
No caso das presunções legais, portanto, é o texto normativo que oútorga re­
levância jurídica a determinados fatos que, embora não correspondam àqueles que
efetivamente possuem relevo (no caso, para reconhecer a quitação, seria necessário
ter ocorrido o pagamento de todas as prestações e não apenas a última), consideram-
-se a esses equivalentes. É o texto normativo que estabelece a prova da hipótese

142. As presunções legais, por sua vez, ainda podem ser divididas em absolutas (iuris et
de iure), que não admitem prova em contrário, e relativas (iuris tantum), que, por sua
vez, admitem prova em contrário. Ainda se alude à espécie das presunções mistas, as
quais admitem prova em contrário apenas por meio de meios tipificados pela própria
lei. Sobre o tema, v. SANTOS,Moacyr Amaral. Provajudiciáriano cível eno comercial 3.
ed. São Paulo: Max Limonad, 1968, v. 5, p. 414; e RIBEIRO, Darci Guimarães, Da tutela
jurisdicional às formas de tutela. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 201.0, p. 66-69.
143. M1CHEL1, Gian Antonio. L Onere delia prova. Padova: Gedam, 1966, p. 169. No
mesmo sentido, DEVIS ECHANDÍA, Hemando. Teoria general de la prueba judicial.
Buenos Aires: Víctor P De Zavallía, [s.d.], v. 2, p. 701-702; ROSITO, Francisco. Direito
probatório: as máximas de experiência em juízo. Porto Alegre: Livraria do Advoga o,
2007, p. 95; e LEONARDO, Rodrigo Xavier. Imposição e inversão do ônus da prova. Rio
de Janeiro: Renovar, 2004, p. 246-247.


74 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

fática por presunção: o pagamento da última prestação equivale ao pagamento de


todas as anteriores. O exemplo bem ilustra que a aplicação das presunções legais
não é capaz de promover qualquer modificação na regra de atribuição legal dos
ónus probatórios. Se o réu alegar a quitação da última parcela, tocará a ele o ônus
da prova quanto ao aludido enunciado fático, de acordo com o que prevê o art. 373,
II, CPC. Com a previsão da presunção pela lei, o direito material estipula qual é o
pressuposto fático que coincide com a hipótese de quitação geral, a não ser que haja
prova em contrário. A distribuição do ônus da prova continua, de qualquer modo,
seguindo à risca a teoria das normas, ou seja, o que determina o direito material144.
Outro exemplo ilustrativo encontra-se na hipótese da comoríência, discipli­
nada no art. 8o, CCB, cujo texto dispõe: “Se dois ou mais indivíduos falecerem na
mesma ocasião, não se podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos
outros, presumir-se-ão simultaneamente mortos”. Para ser reconhecido o faleci­
mento simultâneo, na hipótese de não existir modo de examinar se um aconteceu
antes do outro —como ocorre, com frequência, nos casos de desastres aéreos —,
basta demonstrar que as pessoas faleceram na mesma ocasião e que há dificuldade
em aferir a cronologia dos falecimentos. Esses são osfatos constitutivos da hipótese
comoriência, sendo bastantes, por si sós, para determinar a aplicação da norma.
Já as presunções judiciais possuem estruturação diferente. Não estão previstas
no direito material, mas são construídas no processo, decorrendo da aplicação das
máximas de experiência comum (ou da lei científica de caráter geral) pelo órgão
judicial. A presunção judicial não constitui fenômeno normativo: é construída à
luz do caso concreto, mediante raciocínio indutivo fundado do que normalmente
acontece, o qual é realizado no processo judicial.
Parte-se do indício ou de conjunto de fatos indiciários para presum ir a
ocorrência do fato a ser provado. Não se trata, aqui, de presunção determinada
pela sintaxe fática do texto normativo. No que diz respeito à presunção judicial,

144. Conforme Taruffo, “as presunções legais são utilizadas para dirigir as estratégias
probatórias das partes perante os tribunais; a decisão final dependerá do princípio
usual do ônus da prova, a não ser que disposições particulares desloquem este ónus
especifico” (TARUFFO, Míchele. A p ro v a . Trad. João Gabriel Couto. São Paulo: Marcial
Pons, 2014, p. 150). No mesmo sentido, Marinoni e Arenhart afirmam que a presunção
legal “assume a função de alterai o critério Ido direito material] pata a distribuição
do ônus da prova", ou seja, “não se trata propriamente de inversão do ónus da prova”
(MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. P rova c c o n v ic ç ã o . 3. ed„ São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 165).
r
exige-se o desenvolvimento de raciocínio lógico no bojo do próprio processo,
mediante a consideração de indícios, isto é, fatos que se situam na atmosfera d a
causa e se relacionam à alegação a ser provada. Por tal razão é que, no âmbito d a s
presunções simples ou judiciais, é possível perceber autêntico deslocamento d o s
ônus probatórios: formada a presunção, transfere-se o ônus de provar as alegações
que venham a desconstruí-la.
Caso de presunção judicial bastante comum é a da culpa do m otorista q u e
colide na traseira. Trata-se de presunção não prevista em lei, mas construída a
partir do caso concreto, mediante a análise das circunstâncias que envolveram o
acidente. É inegável que, no momento em que ingressa em juízo, o autor da d e ­
manda indenizatória tem o ônus de provar a culpa do demandado. Provado o fa to
certo indiciário - colisão na traseira - , será possível formar a presunção judicial d e
culpa do demandado com base na máxima de experiência de que o motorista q u e
colide na traseira normalmçnte age com negligência, imperícia ou im prudência e,
portanto, é culpado. Note-se bem: a presunção judicial transfere o ônus da p ro v a
do autor ao réu apenas quanto à alegação de que o réu agiu com culpa. Em o u tra s
palavras: construída a presunção, caberá ao réu provar que, ao contrário do q u e
restou judicialmente presumido, ele não agiu com culpa (p. ex.: que a colisão t e ­
nha decorrido de uma freada brusca e injustificada do autor ou tenha origém n a
hipótese em qué esse deu marcha-ré).
A presunção judicial, portanto, é construída no decorrer do processo, c o m
base em elementos concretos da demanda, ainda que decorra de uma máxima d e
experiência estabelecida há bastante tempo. Com a alegação e a prova de q u e a
colisão ocorreu na traseira do veículo do autor é formada a presunção e ocorre, p o r
conseguinte, a transferência dos Ônus probatórios especificamente quanto a u m
dos elementos da responsabilidade civil, qual seja, a culpa. Muito embora o a u to r
permaneça com o ônus de provar o nexo de causalidade e a existência do d an o ,
passa o réu a ter o ônus de provar que a sua conduta não foi culposa145.
Os casos envolvendo a indenização por dano moral por cadastro indevido
nos órgãos de proteção de crédito também constituem exemplos corriqueiros d e
presunção judicial nos foros brasileiros. O cadastro indevido, ou seja, decorrente

145. “Culpado, em linha de princípio, é o motorista que colide por trás, invertendo-se,
em razão disso, o ‘o n u s p ro b a n d i’, cabendo a ele a prova de desoneração de sua cu lp a
(REsp 198.196/RJ, rei. Sálvio De Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgado e m
18.02.1999, DJ 12.04.1999, p. 164).


76 | ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

d e inexistência de dívida ou de ausência de pretérita notificação do cadastrado,


autoriza a formação da presunção judicial de que este sofreu o dano moral. Diz-se,
com um ente, dano in re ipsa, ou seja, “na própria coisa”. Tal presunção acarreta a
transferência do ônus da prova para o réu, o responsável pela inscrição, que passa
a ter o ônus de provar que o cadastro não acarretou o dano.
Enfrentando o tema, posicionou-se o Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul no sentido de que:
(...) nos casos em que exista apenas uma dívida registrada, não
comprovada a notificação, os danos são considerados in re ip s a , e
a indenização não deve passar da casa dos R$ 1.000,00; existindo
duas ou mais dívidas registradas, os danos necessariamente devem
ser comprovados pelo suposto lesado, deixando de ser presumidos,
casos em que a indenização não passará dos R$ 300,00; existindo
inúmeras inscrições, a presunção e a comprovação da ocorrência
de danos morais ficam prejudicadas, restando apenas ser julgada
improcedente a dem anda146.

A par do interessante caráter tarifário contido em tal julgado - que deixa


transparecer certo resquício do sistema de prova legal no que diz respeito à prova da
gravidade do dano moral revela-se interessante notar o processo de formação da
presunção judicial, inclusive pela colaboração das máximas de experiência, muito
em bora essas não tenham sido expressamente destacadas no texto do acórdão.
Havendo apenas um a anotação, presume-se que o dano ocorreu, transferindo-
-se ao réu o ônus de provar o contrário. Por outro lado, diante de mais de uma
dívida registrada, não há falar na presunção, seguindo, assim, com ônus do autor
provar a existência do dano. Vale lembrar: para que seja reconhecida a obrigação de
indenizar, o direito material exige a constatação do dano, do nexo de causalidade
e da culpa. Nada obstante, segundo o critério estabelecido pelo Tribunal de Justi­
ça do Rio Grande do Sul, um a vez provada a culpa, o nexo de causalidade e uma
inscrição, a alegação de dano infere-se provada por meio de presunção judicial.
Ocorre, por conseguinte, um a alteração na conformação dos ônus probatórios, na
m edida em que, para afastar tal presunção, caberá ao réu provar que o autor não
sofreu o dano (por existirem outras anotações no cadastro de devedores, p. ex.).

146. TJRS. Apelação Cível 70019669498, Nona Câmara Cível, rei. Marilene Bonzanini,
julgado em 27.06.2007.
O ÔNUS DA PROVA 77

A presunção judicial, portanto, difere da presunção legal também no aspecto


da conformação do ônus da prova. Enquanto diante da presunção legal, isto é, da
previsão do direito material, as partes já ingressam em juízo com a distribuição do
onus probandi pré-estabelecida, com base no art. 373, do CPC, eventual constru­
ção de presunção judicial importará, inexoravelmente, na alteração do esquema
básico positivado na lei. A construção da presunção judicial, mormente porque
importa no deslocamento dos ônus probatórios e, portanto, na outorga deposição
de desvantagem no processo, deve ser previamente informada à parte onerada.
Trata-se, aliás, de providência indispensável em nosso modelo cooperativo de
processo, o qual impõe ao juiz o dever de diálogo para com as partes (art. 6o, CPC),
o zelo pelo contraditório (art. 7o, CPC) e proíbe, por conseguinte, decisão “com
base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade
de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”
(art. 10, CPC).
A relação entre as presunções e a distribuição dos ônus probatórios deve ser
manejada, portanto, com devido cuidado. A insuficiência de prova não é motivo
determinante para a construção de presunção judicial. Para que a presunção seja
construída no caso concreto, a inferência que lhe caracteriza deve ser “forte”. Vale
dizer: o raciocínio indutivo apenas pode levar a um a presunção quando se atribui
à conclusão sobre o fato a ser provado (presumido) úma probabilidade prevalente,
ou seja, em grau de confirmação maior daquele que resulta da hipótese contrária147.
Em alguns casos, diante das necessidades do direito material ou da excessiva dificul­
dade ou da impossibilidade de provar determinado enunciado fãtico, pode até ser
possível aplicar a técnica da “redução do módulo de prova”, ou seja, a articulação
entre o módulo da cognição sumária e o modelo de constatação aplicável ao caso
(v. supra, Parte I, Capítulo 5.3). Referido fenômeno, todavia, não se confunde com
o das presunções e tampouco com o da distribuição dos ônus probatórios.

7. O ônus da prova no modelo da colaboração do processo civil


brasileiro

Houve época em que o processo era visto como “coisa das partes” . Isso porque
os pressupostos ideológicos do Iluminismo francês reduziam o processo a um locus
para a resolução dos interesses dos particulares. O Estado tinha pouco ou nenhum

147. TARUFFO, Michele. In: TARUFFO, Michele (org.).


L e p ro v e p e r in d u z io n e . T ra tta to di
D ir itto C iv ile e C o m m e rc ia le . Milano: Giuffrè, 2012, p. 1.107.
78 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

interesse nos litígios que as pessoas levavam ao Poder Judiciário. Naquele tempo,
quanto menos o Estado tivesse ingerência na resolução dos conflitos existentes
entre as pessoas, melhor: o antigo regime absolutista tinha deixado marcas pro­
fundas, de modo que qualquer risco de interferência estatal nas relações entre os
cidadãos era visto como algo nefasto. O exercício do poder jurisdicional sofreu, por
óbvio, com tais vicissitudes. A condução do processo, bem como sua resolução,
era devida exclusivamente ao interesse dos litigantes. Aludido contexto fez com
que o processo judicial mais se assemelhasse a umjogo; às partes caberia a função
de autênticos players.
A guinada dessa perspectiva liberal se iniciou com a codificação austríaca de
1895, que passou a vigorar a partir de 1898, e teve como protagonista Franz Klein.
Trata-se de um a “autêntica revolução copémica”,148 isto é, um marco ideológico
para o processo civil. Na seminal proposta de Klein, o processo civil deve ser
compreendido não mais pela perspectiva dos direitos individuais ou meramente
subjetivos, mas como im portante ferramenta de realização dos direitos sociais e
dos direitos objetivos. Mais do que isso: segundo o projeto, a tutela dos direitos,
ainda que dos direitos disponíveis ou meramente patrimoniais, possui relevância
não apenas para os particulares, mas também para a coletividade. Com semelhante
alteração de paradigma, as finalidades do processo civil não poderiam mais ser
informadas exclusivamente pelos interesses dos litigantes. A guinada de perspec­
tiva é evidente: dá conta que existe um interesse público na realização da justiça do
caso concreto, cuja relevância transcende os interesses particulares envolvidos na
demanda judicial149. 0 juiz, em semelhante contexto, desempenha função de suma
importância: deixa de ser mero árbitro do litígio, com passividade na condução da
controvérsia, para assumir papel muito mais atuante, inclusive no que se refere à
aproximação da verdade. No modelo processual de Klein o juiz dispõe de amplos
poderes probatórios, inclusive de modo oficioso.

148. ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. D o f o r m a lis m o n o p r o c e s s o c iv il: proposta


de um formalismo-valorativo. São Paulo: Saraiva, 3. ed., 2009, p. 55.
149. Destaca Rainer Sprung que “o grande êxito de Klein consistiu na compreensão
sociológico-económica da instituição processual e na orientação das instituições
processuais singulares aos fins mencionados. Das normas processuais modernas, o
processo austriaco foi o primeiro que tomou a sério a efetivação do conhecimento de
que o processo seria uma manifestação social das massas e deveria ser organizado como
instituição do bem público!” (SPRUNG, Rainer. Os fundamentos do direito processual
civil austriaco. R e v is ta d e P rocesso, São Paulo, n. 17, jan./mar. 1980, p. 149).
O ÔNUS DA PROVA 7 9

Na condição de herdeiro da doutrina italiana do início do século passado o


Código de Processo Civil de 1973 permaneceu intim am ente ligado à concepção
individualista do século XIX150. A reforma de Klein, no entanto, teve entre n ó s
inegável contribuição151. Ainda sob a égide do CPC Buzaid nota-se certo prestígio
ao ativismo judicial no âmbito probatório. O texto do art. 130, aliás, não deixa
margem para dúvidas ao dispor que “Caberá ao juiz, de ofício ou a requerim ento
da parte, determ inar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo a s
diligências inúteis ou meraínente protelatórias”. Além disso, o art. 339, cújo texto
dispõe que “Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário p a ra
o descobrimento da verdade”, também possui inegável a inspiração kleineana,
muito embora em evidente contrariedade ao sentido individualista impresso n a
versão original do Código.
É apenas com o advento da Constituição em 1988, todavia, que o caráter
público do processo civil definitivamente passou a ser observado no Brasil. A in ­
trodução entre nós da teoria dos direitos fundamentais inclui a teoria do processo.
Vale dizer: o processo civil passa a ser compreendido na perspectiva dos direitos
fundamentais152. Trata-se de importante ruptura com o status quo teórico indivi­
dualista e patrimonialista então vigente no País, o que importou em significativa
alteração quanto à compreensão do processo civil e, por conseguinte, quanto à
interpretação do CPC/73 e à aplicação das norm as dé caráter processual. Não sur­
preende que imediatamente à promulgação da CRFB/88 o CPC/73 tenha sido alvo
de diversas reformas, todas visando à sua adaptação à nova ordem constitucional,
ou seja, à sua conformidade à pauta dos direitos fundamentais.

150. MITIDIERO, Daniel. O processualismo e a formação do Código Buzaid. R e v is ta d e


P ro cesso , n. 183, maio 2010, p. 165-191.
151. Klein exerceu relevante influência sobre Giuseppe Chiovenda, o que fica evidente
pela aceitação do jurista italiano a propósito dos princípios fundamentais que inspi­
raram a reforma austríaca, inclusive no que diz respeito à ampliação dos poderes d o
juiz (ALCALA-ZAMORA Y CASTILLO, Niceto. La influencia de Wach y de Klein sobre
Chiovenda. E stú d io s d e te o r ia g e n e r a ly h is to r ia d e i p ro c e ss o ( 1 9 4 5 -1 9 7 2 ) . México: Unam,
1974, t. II, p. 561-566). Chiovenda, de sua vez, foi o mestre de Enrico Tullio Liebman,
o qual transmitiu a influência de Klein a Alfredo Buzaid, o autor do CPC/73, de q u em
foi professor na Faculdade de Direito da USP. Para o desenvolvimento do tema, v. MITI­
DIERO, Daniel. O processualismo e a formação do Código Buzaid. R e v is ta d e P r o c e s s o ,
n. 183, maio 2010, p. 165-191.
152. Sobre o tema, confira-se o seminal ensaio de ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto.
O processo civil na perspectiva dos direitos fundamentais. D o f o r m a lis m o n o p r o c e s s o
c iv il. 2. ed.. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 260-274.
8 0 ÒNUS DA PROVA NO NOVO CPC

A incorporação da teoria dos direitos fundamentais implicou assunção pelo


E stado de série de deveres prestacionais visando à tutela adequada e efetiva de
referidos direitos. O direito ao processo justo (art. 5o, LIV, CRFB), na condição
d e instrum ento indispensável para a tutela dos direitos, assume a condição de
autêntico direito fundam ental153. A sua violação, por consequência lógica, tem
p o r efeito direto e imediato a fragilização de direitos fundamentais materiais. Não
p o r acaso é que a atividade jurisdicional do Estado, realizada pelo juiz, tem o seu
papel redimensionado a partir da CRFB. Observe-se bem o ponto: toda vez que, em
ju ízo , perceba-se o risco de fragilização de algum direito fundamental processual,
o órgão judicial tem o dever de atuar visando à eliminação do perigo.
A;densificação dos direitos fundamentais no processo civil brasileiro, m or­
m ente após o advento do CPC154, tornou evidente a percepção quanto à existência
d e deveres de colaboração do juiz para com as partes155. Isso porque não se justifica
a omissão do órgão judicial diante do risco de fragilização de direitos fundamen­
tais, m orm ente os de caráter exclusivamente processual, entre os quais se inclui
o s direitos fundamentais à tutela jurisdicional adequada e efetiva (art. 5o, XXXy
GRFB), à igualdade (art. 5o, caput, CRFB), à máxima efetividade probatória (art.
5 o, LVI), ao contraditório e à ampla defesa (art. 5o, LV), ao juiz natural (art. 5o,
XXXVII e LIII), ao processo sem dilações indevidas (art. 5o, LXXVIIII, CRFB) e à
publicidade e à motivação (art. 93, IX, CRFB).
Antes de chegar definitivamente ao Brasil com o CPC, o modelo processual da
colaboração configurou ponto alto da reforma de 1996 do hoje já revogado Código
d e Processo Civil de Portugal. Segundo o art. 266, n° 1, em texto cujo objetivo
e ra delinear o princípio da cooperação, “os magistrados, mandatários judiciais e as
próprias partes devem cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevida­

153. Sobre o tema, confira-se MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Comen­
tários ao Código de Processo Civil. v. I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 83-89.
154. As normas fundamentais do processo civil (Livro I, Título Único, Capítulo I, do CPC)
consistem em “concretizações infraconstitucionais de determinados direitos fundamen­
tais processuais que compõem o direito fundamental ao processo justo” (MARINONI,
Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Comentários ao Código de Processo Civil. v. I. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 83).
155. Confira-se a respeito do modelo da colaboração no processo civil brasileiro, por
todos, MITIDIERO, Daniel. Colaboração do processo civil: pressupostos sociais, lógicos
e éticos. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, passim. Na literatura estrangeira,
ver GRASSO, Eduardo. La collaborazione nel processo civile. Rivista di Diritto Processuale,
v. 21, Padova: Cedam, 1966, p. 580-609.
O ÔNUS DA PROVA 81

de e eficácia, ajusta composição do litígio”. Denota-se assim a existência de “um


dever de cooperação das partes com o tribunal, mas também há um idêntico dever
de colaboração deste órgão com aquelas”.156 O dever do juiz para com as partes
desdobra-se em quatro espécies fundamentais: i) um dever de esclarecimento, isto
é, “o dever de o tribunal se esclarecer junto das partes quanto às dúvidas que tenha
sobre suas alegações, pedidos ou posições em juízo”, ii) um dever de prevenção,
ou seja, “o dever de o tribunal prevenir as partes sobre eventuais deficiências ou
insuficiências das alegações ou pedidos”, iii) um dever de consultar as partes, “sem­
pre que pretenda conhecer matéria de fato ou de direito sobre a qual aquelas não
tenha tido possibilidade de se pronunciarem” e, finalmente, iv) “o tribunal tem o
dever de auxiliar as partes na remoção das dificuldades ao exercício dos seus direitos
ou faculdades ou no cumprimento de ônus ou deveres processuais”157. A redação do
266°, 4, não deixava dúvidas quanto a isso ao dispor que
Sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificul­
dade séria em obter documento ou informação qúé condicione o
eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónús ou dever
processual, deve o juiz, sempre que possível, provideiiciar pela
remoção do obstáculo158.

Quanto às partes, o art. 519, n° 1, que


todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de
prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respon­
dendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções
necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos
que forem determinados,

dever este que é “independente da repartição do ônus da prova (cf. arts. 342
a 345 C. Civ.)”159.

156. SOUSA, Miguel Teixeira de. Aspectos do novo processo civil português. Revista
Forense, Rio de Janeiro, v. 338, 1997, p. 151.
157. SOUSA, Miguel Teixeira de. Aspectos do novo processo civil português. Revista
Forense, Rio de Janeiro, v. 338,1997, p. 151.
158. Sobre o tema da colaboração no processo civil português, com análise dos referidos
deveres e amplo exame da bibliografia local, v. DIDIER JR., Fredie. Fundamentos do
Princípio da Cooperação no Direito Processual Civil Português. Coimbra: Coimbra Editora,
2010, passim.
159. SOUSA, Miguel Teixeira de. Aspectos do novo processo civil português. Revista
Forense, Rio de Janeiro, v. 338, j 997, p. 150. Acerca do dever de veracidade e sua re­
82 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

Coma edição do novo CPC português (Lei 41/2013) restaram rigorosamente


mantidas as disposições alusivas ao modelo da colaboração. O art. 7o do novo Có­
digo repete o texto contido no art. 266° do CPC revogado. Nada obstante Portugal
tenha editado um novo CPC, o legislador português fez questão de manter em seus
exatos termos o avanço obtido com a reforma de 1996.
Embora o Brasil já estivesse inserido no modelo da colaboração processual
desde a promulgação da Constituição em 1988 - pelo menos a partir de uma ade­
quada outorga de sentido ao seu texto—,o novo Código de Processo Civil brasileiro
adota-o de modo expresso.
No Capítulo I de seu Livro I, denominado “Das Normas Fundamentais do
Processo Civil”, encontra-se o art. 6o, cujo texto dispõe que “Todos os sujeitos do
processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de
mérito justa e efetiva”. Trata-se de disposição de extrema relevância, cujo sentido
redimensiona o papel do juiz e das partes a partir da “necessidade de equilibrada
participação”.160 No desenvolvimento do processo —e especialmente na seara
probatória —deve estar presente uma relação de plena isonomia entre as posições
do juiz e das partes, realidade que se altera apenas quando dos atos decisórios161.
Aludido equilíbrio é sentido em diversas normas adscritas do novo CPC. A regra
que veda ao juiz surpreender as partes, seja decidindo com base em fundamento
não previamente dialogado com elas (art. 10), constitui um exemplo do predito: a
decisão do ju iz é condicionada pela oportunidade do debate prévio, o que carac­
teriza aludido equilíbrio162.

lação com o instituto da discovery da common law, ver PITT, Gioconda Fianco. Dever
de veracidade no processo civil brasileiro e sua relação com o instituto da discovery do
processo norte-americano da common law. In: KNIJNIK, Danilo (Org.). Provajudiciária:
estudos sobre o novo direito probatório. Porto Alegre: Livraria do Advogado 2007
p. 115-127.
160. M1TÍD1ERO, Daniel. Colaboração no processo civil: pressupostos sociais, lógicos e
éticos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 3. ed., 2015, p. 98-99. Sobre o lema da colabora­
ção, ver também LANES, Julio César Goulart. Fato e direito no processo civil cooperativo.
São Paulo: Revista dos Tribunais 2014, p. 121-129.
161. MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil: pressupostos sociais, lógicos e
éticos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 3. ed., 2015, p. 98-99.
162. Conforme Mitidiero, “A isonomia está em cjue, embora dirija processual e mate­
rialmente o processo, agindo ativamente, o juiz o faz em permanente diálogo com as
partes, colhendo as suas impressões a respeito dos eventuais rumos a serem tomados no
processo, possibilitando que essas dele participem, influenciando-o a respeito de suas
O ÔNUS DA PROVA 83

O modelo da colaboração adotado pelo novo processo civil brasileiro im plica


principalmente observância de alguns deveres do juiz para com as partes e dessas
para com o juiz. Nada obstante a interpretação em sentido literal do art. 6o do n o v o
CPC possa sugerir a existência de deveres de colaboração entre as partes, esse n ã o
é o sentido mais adequado que se pode outorgar à referida disposição163. D u as
razões militam em torno disso: a primeira, de ordem dogmática, é de que a relação
que se estabelece no plano do direito processual é entre as partes e o juiz e n ã o
propriamente entre as partes. A relação que se estabelece (ou não) entre as p arte s
é assunto afeito ao direito material. Falar em dever ou ônus, no plano processual,
portanto, pressupõe conhecer a dinâmica da “relação de direito processual” e
saber que essa se estabelece entre as partes e o juiz e entre o juiz e as partes164. A
segunda, de ordem pragmática, decorre da natureza litigiosa do contexto e n c o n ­
trado no processo, que impede o desenvolvimento prático da colaboração entre os
sujeitos parciais do processo. Dito em outros termos: no plano do direito m aterial
é possível falar em deveres de colaboração em razão da evidente convergência de
interesses dos sujeitos da relação jurídica de direito material no sentido de que essa
atinja as suas finalidades. No plano do direito processual, no entanto, não o co rre
da mesma forma: os interesses das partes, ao contrário, são divergentes, na m edida
em que, no caso de estarem em polos opostos, cada uma busca a vitória, o que im ­
plica logicamente sucumbência do adversário165.Justam ente por isso, aliás, é q u e
o direito à igualdade no processo é tratado como direito à “paridade de armas”: n o s
processos de jurisdição contenciosa, a existência de interesses divergentes im pede
que a colaboração seja observada entre as partes, mas do ju iz para com as p artes,
m ediante o cumprimento de deveres, e das partes para com o juiz, influenciada
normalmente pelo desempenho dos ônus.

possíveis decisões (...)” (MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil: pressupos­


tos sociais, lógicos e éticos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 3. ed., 2015, p. 65-66).
163. Em sentido contrário, DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. v. 1, 17.
ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 127; FUX, Luiz. Curso de Direito Processual Civil. Rio
de Janeiro: Forense, 3. ed., 2005, p. 254-255.
164. “Entre as partes, os deveres resultam da atividade ou inatividade no processo, e não
da própria relação jurídica processual”. Em outras palavras: os deveres de colaboração,
entre as partes, são assunto do direito material, conforme PONTES DE MIRANDA,
Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. Prólogo. Tomo I. Rio de
Janeiro: Forense, 1973, p. 29.
165. No mesmo sentido, MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; M ITI-
DIERO, Daniel. Novo Código de Processo Cryil comentado. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016, p. 154.
8 4 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

No que diz respeito especificamente ao problema da provajudiciária, o art. 378


su g ere a existência de u m dever específico de colaboração, ao dispor que “Ninguém
se exime do dever de colaborar com o PoderJudiciário para o descobrimento da verdade”.
Trata-se, aliás, do mesmo texto contido no art. 339 do CPC/73 revogado. A expressa
adoção do modelo da colaboração pelo novo CPC (art. 6o), no entanto, colore de
n o v as luzes interpretativas o aludido texto normativo. Qual é, de fato, a dimensão
d o referido “dever” de colaboração? Quais são os destinatários da referida norma?
O modelo cooperativo de processo, no qual vige o princípio da colaboração,
im p õ e ao juiz diversos deveres de colaboração para com as partes. A exemplo do
processo civil português, o juiz brasileiro possui deveres de i) esclarecimento, ii)
prevenção, iii) diálogo e iv) auxílio para com as partes. Em outras palavras: o juiz
te m o dever i) de buscar esclarecimento junto às partes quando tenha dúvida a
respeito de suas alegações, pedidos ou posições em juízo; ii) de prevenir as partes
d o risco de frustração de sua pretensão por uso inadequado do processo; iii) de
dialogar com as partes antes de decidir qualquer questão, possibilitando que essas
influenciem na construção da tutela jurisdiçional a ser prestada; e iv) de auxílio
n a superação de eventuais dificuldades que prejudiquem o exercício de direitos ou
faculdades ou o cum prim ento de ônus ou deveres processuais166*.
No campo do direito probatório, o exercício de tais deveres fica absolutamente
claro no texto do novo Código. Na hipótese de que o requerimento de produção
d è determ inada prova não reste absolutamente claro, face à incerteza quanto
à s u a pertinência ou relevância, deve o juiz intimar a parte para que preste seu
esclarecimento, sendo-lhe vedado inadmitir imediatamente a prova. Caso o juiz
perceba, por exemplo, que a produção de prova testemunhal pode ser decisiva
p a ra resolver a demanda, deve prevenir às partes a sua realização, mesmo que não
p o ssa determiná-la de ofício em razão do desconhecimento das testemunhas. Ade­
m ais, as partes devem ser ouvidas a respeito do resultado das provas, a fim de que
as suas valorações sejam também consideradas pelo juiz, em ambiente de pleno
diálogo, portanto, no m om ento de construir o seu juízo de fato. A dinamização do
ô n u s da prova, quando determinada pelo juiz, constitui, com efeito, exemplo de
cum prim ento do dever de auxílio na superação de dificuldades que prejudiquem
o cum prim ento de ônus processual.

166. MITIDIERO, Daniel. C o la b o r a ç ã o n o p ro c e sso c iv il. São Paulo: Revista dos Tribunais,
3. ed., 2015, p. 69-70.
T
No que diz respeito à colaboração das partes em torno da prova, a percepção
quanto à existência de autênticos deveres para com órgão judicial revela-se mais
tímida. Nada obstante o avanço do CPC na matéria, inclusive com a previsão
quanto à aplicação de multa para coagir a parte aó cumprimento do dever de exi­
bir documento (art. 400, parágrafo único), o processo civil brasileiro pauta o seu
modelo da colaboração na prova na figura do ônus. O risco de sucúmbência em
face da ausência de esclarecimento é que constitui a mola mestra da colaboração
na atmosfera do nosso direito probatório.
Não existem no Brasil normas similares àquelas que gravitam em tomo da
discovery estadunidense, isto é, normas que evidenciem um autêntico dever de
colaboração das partes, tal qual ocorre com o duty ojdisclosure167. A colaboração
na produção da prova pelas partes no processo é pautada pela submissão a ônus e
não a devems. Embora seja possível destacar do modelo cooperativo de processo a
existência de deveres de colaboração do juiz para com as partes no curso da ativi­
dade probatória168, é difícil destacar autênticos deveres de colaboração das partes
para corri o juiz em moldes semelhantes169.
Observe-se, por exemplo, a disposição contida no art. 400, e respectivo pará-
grafo único, do CPC. A solução proposta para eventual desobediência à determina­
ção judicial de exibição de documento ou coisa permite constatar a imposição de
um ônus e não de um dever. Percebe-se que consequência pelo descumprimento
da ordem de exibição não implica qualquer ilícito. Pelo contrário: é tolerada pelo
próprio sistema, que admite como consequência para o inadimplemento a formação
da presunção relativa de veracidade dos Tatos que por meio da fonte de prova não

167. O d u ty o f d isc lo s u re , previsto na R u le 2 6 das F e d e ra l Rides o f C iv il P ro ced u re , constitui


uma das normas fundamentais que regulam o processo civil estadunidense, impondo
às partes o dever preliminar de comunicar às outras todas as informações relativas às
provas que possui.
168 Sobre o tema v„ por todos, MITIDIERO, Daniel. C o la b o r a ç ã o n o p r o c e s s o civil. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 3. etL, 2015, p. 132- L42, e, no que se refere especificamente
ao tema da prova. p. 138-147. Na doutrina estrangeira ver, por todos, GRASSO, Eduardo.
La collaborazione nel processo civile. Rivísta di Dtritto Processuais, n. 21. Padova: Cedam,
1966. No âmbito do processo civil português, v. SOUSA, Miguel Teixeira de. Aspectos
do novo processo civil português. Rio de janeiro: Revista Forense, v. 338, 1997.
169 Nesse sentido, YARSHELL, Flavio Luiz. A n te c ip a ç ã o d a p r o v a se m o r e q u is ito d a ur­
gência. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 173-179. Em sentido contrário, RAMOS, Vítor de
Paula. Ônus da prova no processo civil: do ônus ao dever de provar. São Paulo. Revis
dos Tribunais, 2015, p. 94-101.
86 ONUS DA PROVA NO NOVO CPC

exibida se pretendia demonstrar. Dispõe o art. 400, a propósito, que “Ao decidir o
pedido, ojuiz admitirá como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou da
coisa, a parte pretendia provar se (...) o requerido não efetuar a exibição nem fizer ne­
nhuma declaração no prazo do art. 398”ou “a recusafor havida por ilegítima”. Algo
semelhante sucede com a disposição prevista no art. 232, do CCB, com a diferença
de que a fonte de prova não constitui o documento ou a coisa, mas a própria parte.
Dito em outras palavras: a imposição à parte ao cumprimento da ordem judicial de
exibição do documento ou de sujeição ao exame pericial tem por fundamento um
ônus probatório originado da presunção legal construída a partir da sua conduta.
O parágrafo único do art. 400, do novo CPC, ao outorgar ao juiz o poder de
adotar medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para que o
documento seja exibido” merece ser interpretado, portanto, com cautela. A princi­
pal delas, por certo, é a de que a outorga de tais poderes ao juiz não tem o condão
de alterar a natureza do fenômeno que sujeita a parte: se o documento ou a coisa
não for apresentado e não houver legítima justificativa, a solução passará inequi­
vocamente pela presunção de veracidade dos enunciados fáticos que, por meio
do documento ou da coisa, a parte pretendia provar. Não passa, por conseguinte,
pela imposição de um dever de provar. A regra do caput é que dita a natureza do
fenômeno que determ ina a sujeição da parte, de modo que a previsão quanto à
possibilidade de aplicação de técnica coercitiva não tem o condão de obscurecer a
consequência advinda do descumprimento da regra: presunção devefacidade, com
a dinamização do ônus da prova, o que por certo não constitui efeito de qualquer
ilícito. A evidente primazia aum imperativo de interesse da própria parte, aliado à
inexistência do ilícito e da sanção que, segundo a doutrina, caracterizam a figura
do dever, é o que justifica a orientação de que as partes não são obrigadas a um de­
terminado comportamento em face da prova no processo civil brasileiro.
A aplicação de qualquer medida coercitiva pelo juiz tem cabimento apenas
na hipótese prevista no inciso I do art. 399, ou seja, quando o requerido possui o
“dever legal” de exibir o documento. Nesse caso, existe autêntico dever de exibição
e esse se encontra fundado no direito material. O que se tem no processo não é
propriamente o exercício de um dever probatório, mas de um dever de exibição, o
qual, ao fim e ao cabo, resultará em colaboração para a formação do juízo de fato.
Fora dessa hipótese, a aplicação da técnica coercitiva dependerá da constatação
quanto à absoluta inviabilidade de presumir o fato cujo esclarecimento se busca
através do documento. Se não existem sequer provas indiciarias que possam levar
à conclusão, a aplicação da multa pode se revelar a última ratio.
_ — :— — - V

o On u s d a prova

Embora seja inegável que a adequada formação do juízo de fato - vale dizer,
juízo de fato pautado na verdade como máxima correspondência possível da re a li­
dade - seja pressuposto da decisão justa, o processo civil encontra-se determ inado
por outras diretrizes igualmente legítimas, que justificam certo contingenciam ento
no procedimento para obtenção da verdade.
Seja como for, é inegável que a previsão do ônus dinâmico da prova co n stitu i
uma das expressões do modelo cooperativo adotado pelo novo CPC, na m ed id a
em que permite ao juiz e às partes racionalizarem a sua colaboração na form ação
do contexto probatório. A dinamização do ônus da prova, cuja aplicação sem p re
depende de decisão judicial, representa, a um só tempo, portanto, expressão d o
dever de auxílio do juiz e estímulo à atividade de colaboração da parte que se:e n ­
contra mais próxima das fontes de prova.

8. Os poderes instrutórios do juiz e o ônus da prova

O art. 379, CPC, outorga ao juiz poder de determinar, a requerim ento d a s


partes ou mesmo de ofício, a produção das provas necessárias ao julgam ento d o
m érito. Tal poder compreende não apenas a produção da prova propriamente d i t a ,
como a inquirição de testemunha referida ou a exibição de determinado docum ento,
por exemplo, mas também diz respeito à promoção dos me ios indispensáveis p a ra
tanto, o que autoriza o juiz a determinar eventuais adaptações do procedim ento
e a aplicar técnicas destinadas a racionalizar e a potencializar a atividade p ro b a ­
tória. Observada a igualdade entre as partes e o contraditório - mormente em s u a
dimensão ativa170 - , a lei processual confere ao juiz amplos poderes de iniciativa
probatória171. Trata-se de evidente acerto: a outorga de poderes probatórios n ã o
apenas às partes, mas também ao juiz, torna mais provável a obtenção da v erd ad e
enquanto máxima correspondência possível da realidade e, por conseguinte, a
promoção da justiça172. Isso significa que o processo civil brasileiro contem pla

170. Sobre as correlações existentes entre o exercício dos poderes probatórios pelo juiz e o
contraditório, v. BEDAQUE, José Roberto Santos. Poderes instrutórios do juiz■São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1994, passim, e MATTOS, Sérgio Luiz Wetzel de. Da iniciativa
probatória do juiz no processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2001, passim.
171. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Os poderes do juiz na direção e na instrução d o
processo. Temas de direito processual. Quarta Série. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 48.
172. P1CÓ I JUNOY, Joan. E lju e zy laprueba. Barcelona: Bosch, 2007. Há tradução p a ra
o português: PICÓ 1JUNOY, Joan. Oju iz e aprova: estudo da errônea recepção do b r o ­
cardo íudex iudicare debet secundum allegata etprobata, non secundum conscíentiam e s u a
*

88 j ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

u m “ativismo probatório equilibrado” m , de modo que o juiz deve ser proativo na


b u sca da verdade sem invadir o papel reservado às partes nesse particular, ou seja,
d ev e cooperar das partes e delas receber cooperação174.
Os limites para exercício dos poderes instrutórios do juiz são fixados, em
prim eiro lugar, pelos critérios objetivos de admissibilidade. Assim, além da li-
citude, deve ser observado o problema da pertinência da prova, o que envolve a
aferição do thema probandum, isto é, dos fatos que foram efetivamente alegados
p elas partes como fundamento de ação (os “fatos constitutivos” do direito do au­
to r) e da defesa (os “fatos impeditivos, modificativos ou extintivos” do direito do
autor)'175. Ademais, deve ser aferida a relevância da prova a' ser produzida, o que
toriia em consideração a contribuição que esta poderá dar à prestação da tutela
jurisdicional. Daí porque o exercício dos poderes instrutórios do juiz encontra
lim ite na atividade probatória já realizada pelas partes. Mas não é só: a atividade
probatória do juiz depende do conhecimento qué as partes externem no processo
a respeito das fontes de prova.
É im portante sublinhar: os critérios para a admissibilidade da prova - licitu-
de, pertinência e relevância - vinculam não apenas as partes, mas também o juiz.
Com relação ao exame da pertinência, o exercício dos poderes instrutórios do
ju iz encontra-se limitado pela alegação das partes sobre os fatos da causa. Não pode
o juiz, com efeito, valer-se de conhecimento e informações sobre os fatos da causa
q u e transcendam aqueles alegados na fase postulatória- exceção feita aos fatos

repercussão atual. Trad. Darci Guimarães Ribeiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2015, p. 103-105.
173. LANES, Julio Cesar Goulart. Fato e direito no processo civil cooperativo. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2014, p. 164.
174. Na lição de Barbosa Moreira, “com o atuar de modo mais intenso não estará o ór­
gão judicial, necessariamente, relegando os litigantes a posição passiva. Não se trata, é
evidentíssimo, de competição ou disputa, em que cada participante se tenha de preo­
cupar em passar à frente do outro e em evitar que o outro lhe passe à frente. Ninguém
preconiza o absurdo de cerceãr-se a iniciativa das partes, para deixar-se tudo, ou quase
tudo, por conta do juiz. Como jã tivemos ocasião de dizer alhures, o lema do processo
‘social’ não da contraposição entre juiz e partes, e menos ainda o da opressão destas por
aquele: apenas pode ser o da colaboração entre um e outras” (BARBOSA MOREIRA, José
Carlos. Os poderes do juiz na direção e na instrução do processo. In: Temas de direito
processual. Quarta Série. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 50).
175. RICCI, Gian Franco. Questioni controverse in tema de onere delia prova. Rivista di
diritto processuale, v. LXIX (II Serie), 2014, p. 330.
O ÔNUS DA PROVA 89

secundários ou aos notórios176- sob pena de violação ao principio da demanda177.


Por corolário lógico, devem restar previamente informadas no processo as fontes
de prova sobre as quais incidirá a atividade probatória do ju iz178. Exemplo disso
encontra-se pautado no art. 4 6 1 ,1, CPC, que autoriza ao juiz ordenar, inclusive
de ofício, “a inquirição de testemunhas referidas nas declarações da parte ou das
testemunhas". Isso significa que o juiz não pode determinar a oitiva de pessoa que
não tenha sido referida pelas partes ou informada a partir de outros meios no prova.
A vedação tem origem na proibição ao que o juiz se valha de seu conhecimento
privado a respeito dos fatos da causa para julgá-la, no que se incluem, por exemplo,
as pesquisas reali zadas privadamente pelo juiz na internet e o conhecimento técni­
co pessoal que eventualmente possua para resolver determinada questão de fato.
No caso de o juiz possuir conhecimento particular sobre qualquer enunciado
fãtico que seja objeto de prova, é de ser presumida a sua parcialidade, na medida
em que, nesse caso, poderá exercer a função de testemunha, o que configura seu
impedimento para exercer a sua atividade jurisdicional em determinado processo
(art. 452,1, CPC).
Nada veda que o juiz faça pesquisas na internet para formar a sua convicção a
respeito dos fatos. Neste caso, no entanto, é indispensável que os resultados encon­
trados, antes de serem valorados, sejam submetidos ao crivo das partes, sob pena
de violação ao contraditório (art. 10, CPC). As partes devem ter a oportunidade
de se manifestar com relação ao resultado da prova, mormente no que diz respeito
àquela oriunda do exercício dos poderes instm tórios oficiais. Isso é importante
porque por vezes a atividade probatória oficial é tão intensa que o juiz passa, ele
mesmo, a ser fonte de prova, o que é defeso por conta da incompatibilidade entre
a função de juiz e a de testemunha. Aliás,
(...) [s] e fosse possível ao ju iz utilizar-se no processo de suas
informações extrajudiciais e de atingir às turvas reservas da me-

176. De acordo com a doutrina, “não é recomendável (...) proibir a apreciação dos fatos
secundários pelo juiz, do quais poderá, direta ou indíretamente, extrair a existência ou
modo de ser do fato principal, seja porque constem dos autos, por serem notórios, ou
por pertencerem à experiência comum” (ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do
formalismo no processo civil: proposta de um formalismo-yalórativo. São Paulo: Saraiva,
3. ed„ 2009, p. 184).
177. PICÓ IJUNÕY, Joan. El derecho a la prueba en el proceso civil. Barcelona: Bosch,
1996, p. 267-270.
178. PICÓ IJUNOY, Joan. El derecho a la prueba en el proceso civil. Barcelona: Bosch,
1996, p. 270-271.
90 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

mória para trazer fora dos resíduos de observações ocasionais tudo


aquilo que porventura se referisse aos fatos da causa, ele, sob as
vestes de juiz, executaria na realidade as funções de testemunha;
e os perigos de inexata ou incompleta percepção, de arbitrária
reprodução, de insciente parcialidade, que são inerentes a toda
testemunha, ficariam nesse caso sem corretivo algum, porque não
interviria, para removê-los ou atenuá-los, a avaliação objetiva de
pessoa diversa da testemunha1”
No caso de possuir conhecimentos técnicos que superem a normalidade es­
perada do homem médio, isto é, a experiência comum, o juiz não poderá dispensar
a realização de prova pericial, conforme determina o art. 375, do CPC, parte final,
ou a oitiva do perito (art. 464, § 3o, CPC), sob pena de também restar indevida­
mente comprometida não só a sua imparcialidade, mas também o contraditório.
O conhecimento privado do juiz, isto é, aquele conhecimento que transcenda
aquilo que é debatido nos autos do processo, jamais poderá pautar o juízo sobre
os fatos da causa150.
O exercício dos poderes instrutórios do juiz pode inibir a aplicação da regra
de julgamento do ônus da prova. Bastará que determinado enunciado fático cuja
prova não foi produzida pela parte onerada, o tenha sido através de determinação
ex officio do juiz. Isso não significa, todavia, que exista qualquer contradição
ou sobreposição entre a atividade instrutória do juiz com a função desempe­
nhada pelos ônus probatórios179180181. Não há contradição, porque todos os sujeitos
do processo colaboram indistintam ente para que o juízo de fato seja formado a
contento182, isto é, mediante a consideração da máxima correspondência possível
da realidade, e isso ocorrerá quer mediante o desempenho de ônus pelas partes,
quer mediante o cum prim ento de deveres probatórios pelo ju iz183. Não há so-

179. SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no cível e no comercial. 3. ed. São Paulo:
Max Limonad, v. 1,1968, p. 163.
180. STE1N, Friedrich. El conocimiento privado deljuez . Trad. Andrés de la Oliva Santos.
Madrid: Centro de Estúdios Ramón Aceres, 1990, p. 71.
181 BEDAQUE, Luís Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. 4. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2009, p. 118-126.
182. Em perspectiva semelhante, ver RE1CHELT, Luis Alberto. A exegese das regras sobre
ônus da prova no direito processual civil e o controle da argumentação judicial. Revista
de Processo, n. 197, junho de 2011, p. 129-131.
183. Para um exame crítico sobre o problema dos deveres probatórios no processo civil
brasileiro, ver RAMOS, Vitor de Paula. Ônus da prova no processo civil: do ônus ao
dever de provar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, passim.
o Onus da prova 91

breposição entre o ônu^da prova e o exercício dos poderes instrutórios, p o rq u e


o equilíbrio entre a atividade probatória das partes e do juiz é estabelecido p e la
aplicação dos critérios objetivos de admissibilidade da prova. Vale dizer: se a
prova não é relevante-porque o enunciado fático já se encontra suficientem ente
demonstrado por meio das provas produzidas pelas partes - não haverá falar u a
sua respectiva produção.
A aplicação da regra de julgamento do ônus da prova é a última ratio, isto é ,
trata-se da alternativa que resta ao órgão judicial para evitar o inadmissível non
liquet18*. Trata-se, portanto, de critério subsidiário que orienta a decisão do m agis­
trado apenas nos casos de insuficiência do contexto probatório184185. Desse m o d o ,
toda a atividade probatória que vise a inibir a formalização do juízo de fato em tais
termos deve, antes de tudo, ser louvada, na medida em que se presta à obtenção
de uma decisão fundada na verdade e, por conseguinte, à promoção da justiça186.
Eventual benefício que qualquer das partes pode receber a propósito de sua posição
jurídica é relativo e pode decorrer não apenas da atividade do juiz, mas também d a
própria contraparte. Bem observados os limites do exercício dos poderes oficiais,
esses são absolutamente legítimos e sua previsão deve ser festejada como v irtu d e
de nosso procedimento probatório, mormente diante da constatação de que o se u
principal escopo é promover a tutela adequada e efetiva dos direitos.

184. PEYRANO, Jorge Walter. La regia de la carga de la prueba enfocada como n o rm a


de clausura dei sistema. In: M1TIDIERO, Daniel; AMARAL, Guilherme Rizzo. Processo
Civil: estudos em homenagem ao Professor Doutor Carlos Alberto Álvaro de Oliveira.
São Paulo: Atlas, 2012, p. 231; e MARINON1, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio
Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil comentado. 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016, p. 470.
185. OLIVEIRA, Vivian von Hertwig Fernandes de. A distribuição do ônus da prova n o
processo civil brasileiro: a teoria da distribuição dinâmica. Revista de Processo, n. 2 31,
maio de 2014, p. 15; RODRIGUES, Roberto de Aragão. A dinamização do ônus da prova.
Revista de Processo, n. 240, fevereiro de 2015, p. 45.
186. ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Problemas atuais da livre apreciação da prova.
In: ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto (org.). Prova cível. Rio de Janeiro: Forense,
1999, p. 45-46. No mesmo sentido, CÂMARA, Alexandre Freitas. Poderes instrutórios
do juiz e processo civil democrático. In: Revista de Processo, n. 153, novembro de 2007,
p. 44. Sobre a relação entre processo justo, decisão justa e procedimento probatório, v e r
RAMOS, Vitor de Paula. Ônus da prova no processo civil: do ônus ao dever de provar.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 40-46.
P a r te II

O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA

1. O ônus estático da prova no CPC/73

A disposição que antes do novo Código regulava a distribuição dos ônus


probatórios no sistema processual brasileiro encontrava-se prevista no art. 333, do
CPC/73. 0 texto não outorgava ao intérprete margem para sentido diferente daquele
divisado pela teoria das normas. Ao autor cabia o ônus da prova quanto à alegação
de fato que realiza em juízo visando a obter a aplicação de determinada norma.
Ao réu apenas cabia o ônus de provar as suas alegações fáticas que sustentavam a
sua defesa indireta de mérito. Ao réu apenas era atribuído ônus da prova das suas
alegações que ensejam a aplicação das normas que impediam, modificavam ou ex­
tinguiam o direito do autor. O réu, por outras palavras, possuia o ônus de provar os
fatos que alegava em sua defesa indireta de mérito, enquanto o ônus de provar
o fato constitutivo cabia ao autor. O réu, em regra, não tinha ônus probatório na
hipótese de apresentar defesa direta de mérito1.

1. Assim, np caso da negativa da seguradora ré em pagar a indenização ao segurado em


razão de sua embriaguez, quando do acidente de trânsito, é seu o ônus de provar tal
circunstância, pois nela consubstancia sua defesa indireta de mérito. Assim, se “Compete
ao réu a prova do fato impeditivo do direito do autor (artigo 333, inciso 11, do Código
de Processo Civil)", na “hipótese de morte em acidente de trânsito, cabe à seguradora
provar que este ocorreu em decorrência de embriaguez ou consumo de entorpecentes,
não sendo licito exigir do beneficiário em sentido contrário” (BRASIL. Superior Tri­
bunal de Justiça. Terceira Turma. AgRg no Ag 672.865/DF Rei. Min. Castro Filho, j.
15.08.2006. DJ 11.09.2006, p. 256). O mesmo raciocínio vale para a defesa indireta da
seguradora nos casos em que esta se opõe ao pagamento da indenização nos casos de
doença pré-existente. Era com força no inciso 11 do art. 333 do CPC/73, cuja texto se
repete no inciso II do art. 373, que a seguradora, na condição de ré, tem o ônus de provar
a existência de doença pretérita à contratação do seguro, bem como o conhecimento
do segurado a seu respeito ao tempo da contratação, circunstâncias que irão servir para
aferição da violação ao princípio da boa-fé objetiva e, assim, para a improcedência do
pedido formulado pelo autor.
94 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

Tome-se, por exemplo, a hipótese de uma ação de responsabilidade civil. O


autor tem o ônus de aíegarnão apenas a ocorrência do dano, mas também que o réu
agiu de modo culposo e, ainda, que existiu o nexo de causalidade entre o dano e o
fato do réu (ação ou omissão) (art. 927, CCB)2. Caso realize tal sorte de alegações,
terá o ônus de provar aludidos enunciados fáticos constitutivos do seu direito -
dano, culpa e nexo de causalidade —,a fim de que seja reconhecido o seu direito ao
ressarcimento. O réu, caso simplesmente negue qualquer dos fatos constitutivos
do direito do autor —afirmando, por exemplo, que não existe o alegado dano; que
não agiu com culpa; ou mesmo que a sua ação/omissão não tem qualquer relação
de causalidade com o evento danoso - , estará apresentando defesa direta de mérito
e, neste caso, não terá qualquer ônus probatório. No caso, no entanto, de afirmar,
por exemplo, i) que a pretensão do autor encontra-se prescrita; ii) que o autor
colaborou para que o evento danoso ocorresse; ou iii) que já realizou o pagamento
do ressarcimento ao autor, o réu terá o ônus de provar os enunciados fáticos que
sustentam tais defesas indiretas de mérito. Em outras palavras: terá o ônus de pro­
var i) a ocorrência dos eventos que determinam o decurso do prazo prescricional,
circunstância que impede a eficácia do direito do autor (“fato impeditivo”); ii) que
a ação/omissão do próprio autor concorreu para que ocorresse o prejuízo (“fato
modificativo”); e iii) que o pagamento do ressarcimento já foi realizado, o que
extingue o direito à tutela ressarcitória (“fato extintivo”).
Por outro lado, o CPC Buzaid ainda tornava admissível a convenção das
partes a respeito da distribuição do ônus da prova. Tratava-se de hipótese legal de
modificação da atribuição dos ônus probatórios. A aludida convenção não seria
válida, no entanto, em duas hipóteses: quando, pela convenção, o ônus probatório
convencionado pudesse resultar na fragilização de direito indisponível da parte, de
modo a sugerir a sua indevida disponibilidade;e quando a oneração convencionada
tomasse excessivamente difícil a uma delas —qual seja, a parte onerada —o exercício
de um direito, como, por exemplo, o direito fundamental à prova.
A afinidade com a Normenstheorie tomava evidente que no CPC/73 a distri­
buição do ônus da prova obedecia uma disciplina estática. Ao remeter o critério
para o texto normativo, o ônus da prova era fixado de modo geral e abstrato sob os
ombros da parte que pretendia obter o reconhecimento judicial de determinado
direito, ou seja, mediante a imposição do ônus de provar os enunciados de fato

2. CARPES, Artur Thompsen. A p r o v a d o n e x o d e c a u sa lid a d e n a r e sp o n s a b ilid a d e c iv il. São


Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA 95

presentes na sintaxe fática da disposição legal. Desse modo, se a pretensão consiste


em obter o efeito decorrente da aplicação da norma adscrita de determinado te x to ,
o sujeito possui não apenas o ônus de alegar o enunciado fã tico correspondente —
o que consiste no ônus da alegação mas também o ônus de provar a alegação
deduzida - o que consiste no ônus da prova.
O CPC/73 dispunha, portanto, de disciplina normativa fixa ou estática, isto
é, de critério de distribuição que, em linha de princípio, não considerava o u tra
possibilidade de regulação que não aquela determinada a partir da “vontade d o
legislador”, qual seja, aquela obtida pela interpretação literal do art. 333. N esse
contexto, não era admitida interpretação ao art. 333, CPC/73, que considerasse,
por exemplo, aspectos relacionados à realidade concreta do processo, tais com o
questões ligadas à maior ou menor facilidade de um a parte em relação ao acesso
das fontes de prova3.
A intenção do legislador de 1973 foi a de prim ar pela segurança jurídica4 e
pela igualdade puramente formal entre as partes. A regulação da distribuição d o
ônus da prova através de modo estático caracterizava assim visão excessivamente

3. Muito embora a regulação do Código de Processo Civil de 1939, prevista no art. 209,
pudesse sugerir interferência da teoria das normas já no direito anterior, tal assertiva
não se revela alheia a questionamentos. Consoante refere o próprio autor dp antepro­
jeto daquela lei, “o ônus de provar os fatos alegados em juízo não incumbe, de m aneira
exclusiva, nem ao autor, nem ao réu; reparte-se, ao contrário, entre útn è outro, seg u n ­
do certas regras previstas em lei, ou consagradas na jurisprudência e pela do u trin a”
(MARTINS, Pedro Batista. C o m e n tá r io s a o C ó d ig o de P ro c e s so Civil. Rio de Janeiro:
Forense, 1960, t 1. v. III. p. 239). Como se vê, a influência do praxismo era bastante
presente em nosso sistema processual, nada obstante o discurso positivista contido n a
Exposição de Motivos do CPC de 1939. Aliás, também reconhecia o processualista q u e,
“dada a complexidade do problema da repartição do ônus da prova, é rèalmente difícil
encontrar-se uma fórmula geral e abstrata capaz de proporcionar solução satisfatória
a todas as dificuldades que se deparam na prática forense” (MARTINS, Pedro Batista.
Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1960. t. 1. v. III.
p. 245), com o que se observava a preocupação do legislador do CPC/39 em perm itir
a construção de solução mais adequada ao caso concreto. Nunca é demais lembrar, n o
entanto, que o legislador de 1939 assume o acolhimento da doutrina de Chiovenda acerca
da repartição dos ônus probatórios (MARTINS, Pedro Batista. Comentários ao Código
de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1960. t. 1. v. III. p: 243), a qual pugnava pela
necessidade de promover à igualdade formal das panes no processo (CHIOVENDA,
Giuseppe. Instituições de direito p ro c e ss u a l civil. Trad. J. Guimarães Menegale. São Paulo:
Saraiva, 1969, p. 379, v. 2).
4. Segurança jurídica aqui compreendida como de um suposto significado bastante e u n í­
voco que é intrínseco ao texto. Sobre o assunto, v. ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica:
9 6 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

liberal do fenômeno processual5, típica expressão da tardia chegada do processu-


alism o europeu entre nós6. A proposta fechada delineada pelo art. 333 do CPC/73
deixava ao juiz pouca ou nenhum a margem para construir disciplina diversa
daquela caracterizada como a “vontade da lei”, como se o legislador fosse capaz
d e realm ente prever as peculiaridades de toda e qualquer situação conflituosa
apresentada em juízo. Não por outra razão é que Rosenberg, o principal respon­
sável pela dogmatização do fenômeno em tomo da teoria das normas, aduzia que
“ a distribuição invariável do ônus da prova é um postulado da segurança jurídica,
sustentado justam ente pelos práticos e defendido também pelos partidários das
teorias discordantes”, pelo que tal “regulação [dos ônus probatórios] deve conduzir
a um resultado determinado, independente das contingências do processo particular”7.
O contexto cultural que fundou as bases do CPC/73 tom ou impossível, portanto,
com preender a distribuição do ônus da prova para além do generalismo e do abs-
tracionism o da lei, pois não era possível ler o direito de ação e o direito de defesa
pela perspectiva da tutela jurisdicional adequada as peculiaridades do caso8.
A disposição do parágrafo único, aliás, constitui a demonstração mais evi­
d en te disso. Aos olhos do legislador seria possível cogitar que a convenção das

entre permanência, mudança e realização no Direito Tributário. Sao Paulo: Malheiros,


2011. p. 167-169.
5. Assim, Augusto Mario Morello, quando refere que as regras atinentes à distribuição
do ônus da prova no CPC argentino “continuam filiadas à uma visão acentuadamente
liberal do direito processual, a centrar-se, de modo principal e não excludente, no pólo
referencial do interesse das partes, que opera assim como único pólo de impulso e trans­
missão do princípio dispositivo e de uma conceituação privatística da tarefa judicial”. Esta
a razão pela qual o jurista anota a necessidade em adotar-se ideia mais flexível, atilada
a uma “visão solidarista do ônus da prova”, derivada do “princípio da cooperação (ou
da efetiva colaboração)” e, em última análise, no princípio da solidariedade e da boa-fé
(MORELLO, Augusto Mario. La prueba: tendências modernas. La Plata: Abeledo-Perrot,
2. ed„ 2001. p. 85).
6. Sobre a influência do liberalismo europeu nas bases do CPC/73: MITIDIERO, Daniel. O
processualismo a formação do Código Buzaid. Revista de Processo, n. 183, maio. 2010,
p. 165-194.
7. ROSENBERG, Leo. La carga de la prueba. Trad. Ernesto Krotoschin. Buenos Aires: Ejea,
1956. p. 58-59. Em passagem bastante expressiva, afirmou o autor alemão que “apenas
a justiça acrisolada através dos séculos e configurada pelo legislador, apenas a própria
lei pode ser pauta e guia para o juiz”, (p. 58).
8. Sobre o caldo de cultura que informou a edição do Código de Processo Civil de 1973, v.
por todos, amplamente: MITIDIERO, Daniel. O processualismo e a formação do Código
Buzaid. Revista de Processo, n. 183, maio. 2010. p. 165-191.
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA 97

partes a respeito do ônus da prova viesse a acarretar a fragilização de direitos


indisponíveis ou excessiva dificuldade para o exercício do direito. Quanto à
distribuição do ônus da prova positivada no caput e respectivos incisos do art.
333. CPC/73, no entanto, o mesmo seria impossível. Ao dispor que “É nula a
convenção que distribui de maneira diversa os ônus probatórios quando” o
ônus implicar fragilização de “direito indisponível da parte” ou venhà a “tornar
excessivamente difícil a uma parte o exercício de um direito”, o legislador teve a
intenção de autorizar exceção à regra legal de distribuição dó ônus dá prova tão
somente nas hipóteses de convenção. Antes de infirmar, a opção do legislador
confirma o caráter de universalidade da regfa legal prevista nò caput è respecti­
vos incisos, pois permite deduzir que a dificuldade na produção da prova apenas
poderia resultar da convenção entre as partes, jamais da fixação prevista na lei.
Sintomaticamente não existe, por outro lado, qualquer previsão que autorize a
dinamização dos ônus probatórios à luz das peculiaridades do caso concreto. Em
síntese, eventual invalidade da distribuição do ônus da prova apenas podçria ser
cogitada nas hipóteses de convenção entre as partes, na medida em que a lei tem
pretensão de validade geral e, portanto, a aplicaçaó da regra lègál presumivelmente
não poderia ser suscetível de Violar direitos.
Ao positivar distribuição geral, abstrata e fechada, isto é, sem comportar ex­
ceções, o legislador do CPC/73 pensou estar resolvendo todo e qualquer problema
relacionado a tão importante aspecto da regulação do procedimento probatório. A
generalidade e abstracionismo característicos da lei promoveram o ônus estático
da prova a um dos símbolos da igualdadeformal, ao qual não importava a vida real
das pessoas e eventuais distinções concretas existentes entre elás. A intenção era
clara: garantir a imparcialidade no tratamento das partes - que por serem “iguais”
deveriam ser tratadas em todo e qualquer caso sem distinção - e a segurança jurí­
dica, que im punha óbices a quaisquer alterações-por mais legítimas e justificadas
que fossem - no procedimento previamente definido pelo legislador.
O resultado inexoravelmente passou a não ser o mais adequado ná perspectiva
de um Estado Constitucional que eleva o acesso à tutela jurisdícionalà condição de
direito fundamental (art. 5o, XXXV, CRFB). A distribuição dos ô n u s .probatórios,
compreendida em sua dimensão absolutamente estática, revelava-sè alheia à igual­
dade substancial das partes e com efetivas possibilidades que parte onerada possui
em concreto para cumprir com o ônus estabelecido pela lei. Marcada a ideia de
98 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

que a lei genérica, abstrata e de eficácia temporal ilimitada9somente seria possível


em uma sociedade formada por iguais - o que se revela evidente utopia - ou em
uma sociedade em que o tstad o ignorasse as desigualdades sociais para privilegiar
a liberdade, ‘‘baseandq-se na premissa de que essa somente seria garantida se os
homens fossem tratados de maneira formalmente igual, independentemente das
desigualdades concretas"10, o ônus estático da prova poderia revelar-se inadequado
diante das peculiaridades do caso concreto11.
Diante de tal contexto, que se revela similar em outros países, nasceram teorias
que pugnaram pela relativização da regra legal. Uma delas - a teoria da dinamização
dos ônus probatórios - consagrada principalmente na Argentina, ganhou terreno
no âmbito doutrinário, legislativo e jurisprudencial no Brasil. Embora não tenha
sofrido modificações em sua redação nas sucessivas reformas que sofreu o CPC/73, o
ônus da prova passou a experimentar concepção dinâmica nos tribunais brasileiros
até restar firmada hoje definitivamente no texto do novo CPC.

2. O ônus dinâmico da prova e a experiência pós-Constituição de 1988

A experiência do ônus dinâmico da prova no direito processual civil brasi­


leiro pode ser catalogada em duas fases distintas: a primeira, ainda sob a vigência
do CPC/73, momento em que, fora os casos inseridos no contexto do direito do
consumidor, a flexibilização da disciplina estática dependia de maior esforço do
intérprete em razão da ausência de qualquer previsão legislativa que facultasse a
modificação do regime ordinário de distribuição; e a segunda, já sob a vigência do

9. Com Zagrebelsky, à generalidade está vinculada à abstração das leis, que se pode definir
como “generalidade no tempo" e que “consiste cm prescrições destinadas a valer inde­
finidamente e, portanto, formuladas mediante supostos de fato abstratos". A abstração,
por servir à estabilidade do ordenamento jurídico e à sua certeza e previsibilidade, “era
inimiga das leis retroativas, necessariamente ‘concretas”', como também é inimiga das
leis limitadas pelo tempo e da possibilidade de modificação frequente destas. (ZAGRE­
BELSKY, Gustavo. E l d e r e c h o d ú c til. 3. ed. Madrid: Trotta, 1999, p. 29-30).
10. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIÈRO, Daniel. C u r so de
P rocesso C iv il. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. v. 1. p. 53.
11. No mesmo sentido: PORTO, Guilherme Athayde. Notas às disposições gerais sobre
prova no NCPC. In: JOBIM, Marco Félix; FERREIRA, William Santos (Coord.). Direito
P ro b a tó rio . Salvador: JusPodivm, 2016. p. 116-134. Tal forma dc distribuição do õnus
da prova revela maior preocupação com a decisão judicial do que propriamente em
prestar tutela aos direitos (CAMB1. Eduardo. Teoria das cargas probatórias dinâmicas
(distribuição dinâmica do õnus da prova) - Exegese do art. 373, §§ 1° e 2° do NCPC.
Revista de P rocesso, n. 246, ago. 2015. p. 88 ).
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA 9 9

CPC, em cujo texto há expressa previsão quanto à possibilidade de o juiz m odificar


a disciplina ordinária de distribuição.

2.1. A teoria argentina das "cargas probatórias dinâm icas" e a introdução


do ônus dinâmico da prova no processo civil brasileiro

A distribuição do ônus da prova revela-se aspecto nevrálgico do procedim ento


probatório e, porque não dizer, do processo em si. Se a prova constitui in stru m en ­
to indispensável para demonstrar a verdade dos enunciados fáticos da causa, e a
justiça buscada no processo não prescinde de um a adequada demonstração d e
tais enunciados12, é evidente a sua capital importância para que o processo a tin ja
as suas finalidades. O ônus da prova é, portanto, técnica processual de inequívoca
relevância para o processo, na medida em que é decisiva para a prestação da tu te la
jurisdicional. Ao organizar a atividade dos sujeitos processuais no procedim ento
probatório e outorgar critério para a definição da caüsa, sua disciplina co n stitu i
uma das matrizes do direito fundamental ao processo justo.
No que diz respeito à organização do procedimento - no que se inclui por óbvio
o procedimento probatório-, seus respectivos dispositivos devem, ser interpretados
na perspectiva de outorgar “maior efetividade possível (...) no desempenho de s u a
tarefa básica de realização do direito material”13. Alébi disso, as normas que visam
regular o procedimento devem ser aplicadas no sentido de outorgar a m áxim a

12. TARUFFO, Michele. Idee per una teoria delia decisione giusta. Sui confini — Scritti
sulla giustizia civile. Bologna: II Mulino, 2002. p. 225. Nb mesmo sentido: PINTAÚDH,
Gabriel. Acerca da verifobia processual. In: MITIDIERO, Daniel; AMARAL, G uilherm e
Rizzo. Processo Civil: estudos em homenagem ao Professor Doutor Carlos Alberto Álvaro
de Oliveira. São Paulo: Atlas, 2012. p. 188-198.
13. ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Doformalismo no processo civil. 3. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2009. p. 134. Sobre o princípio da adequação ver: LACERDA,
Galeno. O Código como sistema legal de adequação do processo. Revista do Instituto
dos Advogados do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, número especial comemorativo a o
cinquentenário, p. 161-170,1976. Acerca do principio da adequação formal no âm bito
da reforma do Código de Processo Civil de Portugal ver: BRITO, Pedro Madeira. O n o v o
princípio da adequação formál. Aspectos do novo processo civil. Lisboa: Lex, 1997. p. 3 1 -
-69; para quem “afigura-se que o princípio da adequação formal constitui um elem ento
essencial para o êxito da reforma do processo civil na medida em que pode revelar com o
instrumento para atingir o objetivo de um efetivo acesso à justiça”, escopo que im p õ e
“o proferimento preferencial de uma decisão de mérito sobre uma decisão de forma, o
que o princípio da adequação formal viabiliza pela remoção dos obstáculos inerentes a
uma tramitação processual rígida”.
1 GO ônus da prova n o novo cpc

efetividade possível às finalidades constitucionais, isto é, as razões que fundaram


a sua própria instituição. Assim, a distribuição do ônus da prova, na sua condição
d e coração do procedimento probatório, não pode deixar de estar conformada à
Constituição: suas funções subjetiva e objetiva devem ser exercidas em consonância
co m os direitos fundamentais que informam o ideal do processojusto. Não se pode
tolerar, com efeito, que a distribuição do ônus da prova seja articulada no sentido
d e fragilizar direitos fundamentais processuais. Isso significaria a fragilização da
própria natureza instrum ental do processo, vale dizer, significaria negar ao processo
a sua condição de ferramenta indispensável para a tutela dos direitos. A imposi­
ção de um ônus probatório que contraria o direito fundamental ao processo justo
constitui um obstáculo para a obtenção da verdade e, por conseguinte, uma grave
am eaça à prestação da tutela jurisdicional dos direitos.
A influência do paradigma da legalidade estrita, que ainda hoje domina a for­
m ação dos operadores do direito no Brasil14e que justifica a forte carga liberal contida
n o CPC/7315, sugeria ser impensável a relativização da disciplina estática, geral e

14. Conforme o acertado alvitre de Ovídio A. Baptista da Silva, “o Direito, tanto na Universi­
dade quanto há prátiõá, contihuásendo uma ciência demonstrativa, não uma ciência da
compreensão, construída dialêticamente. A retórica, enquanto ciência da argumentação
forense, ainda não teve seu reingresso autorizado na Universidade brasileira. O ensino
do Direito, em nosso país, tema normalizar os fa t o s dando-lhes o sentido de uma norma,
mesmo que o processo tenha como objeto a lide, que é um pedaço da história humana.
Nossa metodologia universitária cuida dessa parcela da história como se estivesse a tratar
de um problema geométrico, como preconizara Savigny. O estudante não tem acesso
aos ‘fatos’, apenas às regras” (SILVA, Ovídio Baptista da. P ro c e sso e id e o lo g ia . 2. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2006. p. 36-37).
15. Tal importante peculiaridade, que singulariza a experiência jurídica brasileira, explica-se
pelo fato de que, “até o Código de Processo Civil vigente [CPC/73], o nosso direito
processual civil não havia sofrido nenhum acidente histórico capaz de propiciar hm
distanciamento mais profundo entre a tradição lusitana quinhentista e o direito então
praticado”, o que proporcionou ao processo civil brasileiro livrar-se da “’radical reno­
vação dos princípios de direito processual’ propiciada pelo C o d e d e P ro c é d u re C iv ile
napoleônico de 1806.que apanhou o direito continental com toda a sua força”. Em
outros termos: foi possível “adiar a invasão francesa para 1973”, o que ofertou “maior
espaço para o desenvolvimento natural de nossa tradição cultural”. Como bem refere
Daniel Miüdiero, “mesmo após a nossa independência continuaram a ter vigência no
Brasil as Ordenações Filipinas, sendo que o processo civil brasileiro só fora alcançado
por legislação nacional quando o Decreto n. 763, de 1890, mandou que se aplicasse ao
foro cível o Regulamento n. 737, de 1850 (que, nada obstante tenha procurado simpli­
ficar algumas formas, manteve basicamente a estrutura do processo, particularizando-se
apenas por aportar uma nova técnica legislativa à ordem jurídica nacional). Antes, a
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA | 1 01

abstrata prevista em seu respectivo art. 333.0 advento da Constituição em 1988 e


o modo de pensar o processo na perspectiva dos direitos fundamentais, no entanto,
significou evidente ruptura com o paradigma da legalidade estrita. Isso revela, por
outras palavras, que a instituição do nosso Estado Constitucional coincide com a
adoção do paradigma da legalidade substancial, o que implica na interpretação e na
aplicação de sentido da lei através da ótica dos direitos fundamentais. A alteração
de paradigma tornou admissível pensar na dinamização do ônus da prova ainda
que inexistisse a previsão legal expressa a esse respeito16.

Consolidação Ribas, aprovada por Resolução Imperial de 1876, havia apenas recolhido
o direilo luso-brasileiro então aplicável à praxe forense, tomando-o racilmeme iden­
tificável. Neste panorama, o papel da doutrina fora enorme: cumpria-lhe subsidiar a
aplicação do direito luso-brasileiro, então lacunoso e imperfeito, sobre indicar soluções
mais rentes à ordem do dia. quiçá alçando mão do direito comparado e da autoridade
de doutrinadores estrangeiros (aqui, a manifestação de nosso ‘bartolistno (...) deveras
impregnado em nossa tradição jurídica). O Código de Processo Civil de 1939, a que
se chegou depois de certo período em que tivemos inúmeros Códigos estaduais na
matéria (pluralismo que só poderia ter fracassado, tendo em conta o nossó acentuado
centralismo jurídico), mesclava alguns elementos modernos com institutos tipicamente
pertencentes ao direito intermédio. Informado pela técnica da oralidade, o legislador
de 1939 imprimiu ao processo um nítido sabor publicisüco, outorgando ao juiz o en­
cargo de dirigi-lo com o fito de alcançar ao povo justiça pronta e eficaz. Note-se: o juiz
então galgou o posto de diretor do processo. A anunciada síntese entre romanismo e
germanismo, base do processo civil moderno, segundo conhecida lição de Giuseppe
Chiovenda, estava então a manifestar-se, ainda que de maneira tímida, limitada basica­
mente à primeira parte daquele diploma (única, consoante Alfredo Buzaid, elaborada
â luz dos 'princípios modernos da ciência do processo’, na qual Buzaid, a nosso ver
equivocadamente, identificava inclusive a existência de um verdadeiro processo de
conhecimento’), com o que ainda se poderia vislumbrar no processo civil de então
nítidos traços do processo comum luso-brasileiro. Com efeito, desde nossas profundas
raízes experimentávamos o praxismo como modelo processual. Esse quadro só veio a
alterar-se com o Código de Processo Civil de 1973, diploma normativo que inaugurou,
entre nós, inequivocamente, o proccssualismo, impondo um método científico ao pro­
cesso civil à força de construções alimentadas pela lógica teórico-positiva, evadindo-o
da realidade”. (M1T1DIERO, DanieL Elementos p a r a u m a te o r ia geral do p ro c e ss o . Porto
Alegre: Livraria do Advogado. 7005. p, 36-38).
16. Em sentido contrario, sustenta Paulo Ostamack do Amaral que "não era compatível
com o ordenamento [então] vigente [o CPC/73, inclusive pós CRFB] a alteração dos
ónus probatórios das situações diversas das previstas (autorizadas) em lei". Ainda
amarrado ao paradigma da legalidade estrita, referido autor entende que liaria 'grave
defeito processual (...) no caso de o juiz distribuir os ônus probatórios de forma diversa
da prevista pelo legislador” (AMARAL, Paulo Ostamack. Provas: a tip ic id a d c , lib erd a d e e.
m s tr u m e n ta lid a d e . São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p 54-55).
102 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

É evidente que a ruptura com o paradigma da legalidade estrita constitui o


efeito do paulatino enfraquecimento do racionalismo de corte liberal, o qual tinha
por princípios a igualdade formal e o abstracionismo da lei. A mudança de para­
digma ocorre com o surgimento de uma nova metodologia para a interpretação e
aplicação do direito. Além disso, incluiu a normativa dos direitos fundamentais.
Tais circunstâncias foram determinantes para uma maior abertura para adaptação
do fenômeno jurídico à realidade da vida: Abriu-se espaço para uma concepção mais
fluída de direito, inclusive mediante o incremento de novas técnicas legislativas,
entre as quais são exemplos as cláusulas gerais e a utilização de conceitos jurídicos
indeterminados. A maior aproximação do direito à vida determina a necessidade
de maior participação e responsabilidade do juiz, do qual se exige a tomada de
consideração das circunstâncias concretas do caso levado à sua apreciação. Só assim
sérá possível ao juiz o cumprimento de sua missão constitucional, qual seja, a de
prestar tutela jurisdicional qualificada pela adequação e pela efetividade.
Os novos direitos fundamentais constituem Conquista do século XX. A aten­
ção para tais direitos reforçou-se principalmente após a Segunda Guerra Mundial.
As atrocidades cometidas na segunda grande guerra foram o estopim para que se
outorgasse a devida atenção à necessidade de dar adequada e efetiva tutela àqueles
direitos cuja existência são indispensáveis à promoção da dignidade da pessoa
humana. No Brasil, no entanto, os direitos fundamentais ganfiaram status teórico-
-normativo apenas depois do advento da Constituição de 1988, cujo texto cataloga
diversos direitos fundamentais materiais e processuais. O art. 5o, incisos XXXV e
Liy P°r exemplo, são disposições cujo sentido fornece as bases para a construção
do di reitpfufidamental ao processojusto. Por isso é que vale sublinhar: a interpretação
da lei processual deve estar pautada pelo direitofundamental ao processojusto, porque
só assim será possível ao processo cumprir com a suafinalidade de dar tutela dos demais
direitos (materiais), especialmente osfundamentais. A consagração de tal finalidade
do processo será constatada, todavia, não apenas em abstrato, mas também à luz
da situação concreta levada a juízo. É o caso concreto que apontará —mediante a
consideração dos postulados normativos (v. infra Parte II, Capítulo 2.2) - s e a regra
legal revela-se adaptada aos direitos fundamentais processuais e, portanto, se a sua
aplicação serve efetivamente à tutela dos direitos materiais.
É sintomático, aliás, que, apenas dois anos após o advento da Constituição,
viesse a lume a Lei 8.078/90 - o Código de Defesa do Consumidor—contendo diver­
sas disposições destinadas a melhor regular a participação do consumidor em juízo.
Mediante a utilização de técnica de redação aberta - cláusulas gerais e conceitos
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA 103

jurídicos indeterminados conferiu-se maior poder ao juiz para a conformação


constitucional do processo, possibilitando a efetiva e adequada tutela dos direitos
do consumidor. Naquilo que particularmente mais interessa, o art. 6o, VIII, do
CDC, sublinhou ao juiz o seu dever de conformação constitucional do procedimento
probatório17. Vale dizer: o juiz deve dinamizar o ônus da prova nas hipóteses em q u e
se constata a hipossuficiência do consumidor no que diz respeito à obtenção d a
prova. Desse modo, naqueles casos em que o consumidor se encontra em posição
de desvantagem no contexto da atividade probatória em relação ao fornecedor, o
juiz deve dinamizar o ônus da prova, de modo a equilibrar a posição das partes n o
que diz respeito à prova18.
Por conseguinte, toda a vez que a aplicação das regras do art. 333, do CPC/73,
se apresentasse em contrariedade ao direito fundamental que inform ou o próprio
Código de Defesa do Consumidor - o direito fundamental à igualdade substancial
(art. 5°, caput, CRFB) - e isso significasse a fragilização do direito fundamental ã
prova (art. 5o, LVI, CRFB), o art. 6o, inciso VIII, CDC, outorgava ao juiz o dever
de aplicar tais normas de modo adequado, ou seja, de acordo com a C onstituição.
Muito embora as normas adscritas do CDC tenham restrito âm bito de aplicação —
demandas que envolvem exclusivamente o direito do consumidor —, a sua edição

17. No sentido da cogência da regra prevista no art. 6 o, VIII, do CDC, ver: BORTOWSKI,
Marco Aurélio Moreira. A carga probatória segundo a doutrina e o Código de Defesa d o
Consumidor. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, n. 7, jul./set. 1993, p. 115.
Advoga a técnica da dinamização como “regra de procedimento”: KRIGER FILHO, D o­
mingos Afonso. Inversão do ônus da prova: regra de julgamento ou de procedimento?
Revista de Processo, n. 138. ago. 2006. p. 287-288. Sobre a “inversão” do ônus da prova
como hipótese de flexibilização procedimental, ver: GAJARDONI, Fernando da Fonseca.
Flexibilização procedimental: um novo enfoque para o estudo do procedimento em matéria
processual. São Paulo: Atlas, 2008. p. 162-167.
18. É de se concordar com a crítica de Antônio Gidi, quanto à utilização, pelo legislador, d a
partícula “ou” para unir o requisito da hipossuficiência ao da verossimilhança: “Afigura-
-se-nos que verossímil a alegação sempre tem de ser. A hipossuficiência do consumidor
per se não respaldaria uma atitude tão drástica como a inversão do ônus da prova se o
fato afirmado é destituído de um mínimo de racionalidade (...). Temos, portanto, que,
para que a inversão do ônus da prova seja autorizada, tanto a afirmação precisa ser v e­
rossímil, quanto o consumidor precisa ser hipossuficiente". (GIDI, Antonio. Aspectos
da inversão do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor. Genesis Revista de
Direito Processual Civil. n. 3, set./dez. 1996. p. 584). Hm sentido semelhante; CAMB1,
Eduardo. Inversão do ônus a prova e tutela dos direitos transindividuais: alcance exegé­
tico do art. 6o. VIII. do CDC. Revista de Processo, n. 127, set. 2005. p. 104. Em sentido
contrario: D1DIERJR., Fredie, BRAGA, Paula Samo; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de.
Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. v. 2. p. 130.
104 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

consiste sem dúvida no primeiro passo pela conformação constitucional da disci­


p lin a dos ônus probatórios no processo civil brasileiro.
A proposta dos ônus probatórios dinâmicos, também conhecida pela criticável
denom inação “carga dinâmica da prova”15, surgiu, no entanto, não pela mão do
legislador, mas por obra da doutrina. Embora não inicialmente fundada na teoria dos
direitos fundamentais, a proposta foi a primeira entre nós a marcar a possibilidade
d e relativização da distribuição legal dos ônus probatórios mesmo na ausência de
previsão legal. Por outras palavras, a teoria das “cargas probatórias dinâmicas”,
cu ja introdução no Brasil foi fortemente influenciada pelo desenvolvimento da
d o u trin a argentina a respeito do tema1920, foi a precursora no sentido de outorgar
ao juiz o poder de flexibilizar a concepção estática do ônus da prova mesmo na
inexistência de permissivo legal21.
Embora já não fosse nenhum a surpresa falar na modificação do critério está­
tico de distribuição do ônus da prova - o art. 6°, VIII, do CDC, admitia desde 1990
a inversão dó ônus da prova nos limites do direito do consumidor - a teoria do
ô n u s dinâmico da prova enfatizou, no plano dogmático, as reflexões em torno da
eventual modificação dp critério previsto no art. 333, CPC/7322. A ênfase, aliás, não

19. A doutrina, bem como a jurisprudência brasileira, de modo geral, costuma referir-se à
técnica da dinamização como decorrente da teoria das “cargas probatórias dinâmicas”.
Todavia, não há razão para deixar de traduzir a expressão estrangeira em sua totalidade.
Em outras palavras, se a expressão “carga” em espanhol possui o sentido de “ônus”,
nada justifica deixar de denominá-la corretamente no português, vale dizer, como teoria
dos “ônus probatórios dinâmicos".
20. Sobre a expansão do fenômeno da doutrina argentina, consulte-se: CARBONE, Carlos
Alberto. Cargas probatórias dinâmicas: una mirada al derecho comparado y novedosa
ampliación de su campo de acción. In: PEYRANO, Jorge W. LÉPORI WHITE, Inés
(Org.). Cargas probatórias dinâmicas. Santa Fe: Rübinzal Culzoni, 2004. p. 212-222.
21. Nada obstante a introdução da dinamização do ônus da prova no Brasil tenha sido
influenciada pela doutrina argentina, essa está longe de ter o pioneirismo teórico a
respeito do fenômeno. Percebe-se, muito antes da proposta dos argentinos, o tema já
era tangenciado na Itália sob a denominação de “presunzioni giurisprudenziali” e na
Alemanha sob o nome de “Anscheinsbeweis”. Conforme TARUFFO, Michele. F onere
como figura processuale. Rivista Trimestrale di Dirittoe Procedura Civile, v. LXVI, 2012.
p. 431. Bentham, aliás, já sugeria a proposta dinâmica, ao sustentar que “um regime
de justiça franca e simples, em um procedimento natural (...) o ônus da prova deve
ser imposto, em cada caso concreto, àquela das partes que a pode aportar com menos
inconvenientes” (BENTHAM, Jeremias. Tratado de las pruebasjudiciales. Trad. da edição
francesa Manuel Ossorio Florit. Buenos Aires: EJEA, 1971. v. II. p. 150).
22. Embora se diga que a manifestação mais remota da doutrina data do século XIX, através
de Bentham, ou que esta sempre foi conhecida na Alemanha, na medida em que foi alvo
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA 105

era sem razão: a proposta era buscar critérios para admitir a dinamização do ônus
da prova não apenas para os casos envolvendo o direito do consumidor, mas para
todos os demais. Em outros termos: a partir da doutrina das “cargas probatórias
dinâmicas” questiona-se mais incisivamente a possibilidade de o juiz modificar o
critério de distribuição ordinário, aplicando a regra legal de modo a adequá-la às
particularidades de determinados casos. Para a doutrina, a manutenção dà regra
geral, em certas hipóteses, sublinhava a desigualdade entre as partes no que diz
respeito aos esforços de prova, além de leva-las à “inutilidade da ação judiciária”,
por “violação oculta à garantia de acesso à justiça”*23.
Segundo a descrição cunhada nas Quintas Jornadas Bonaerenses dé Direito
Civil, Comercial, Processual e Informático, celebradas em Junín, Argentina, em
outubro de 1992,
(...) a chamada doutrina dos ônus probatórios dinâmicos pode c
deve ser utilizada nos processos em determinadas situações nas
quais não funcionam adequada e valiosamente as previsões legais
que, como regra, repartem os esforços probatórios. A mesma
importa um deslocamento do ô n u s p r o b a r id i, segundo forem as
circunstâncias do caso, em cujo mérito aquele pode recair, v e r b i
g r a tia , na cabeça de quem está em melhores condições técnicas,
profissionais ou fáticas para produzi-las, independentem ente da
condição de autor ou demandado ou tratar-se de fatos constituti­
vos, impeditivos, modificativos ou extintivos .24

de críticas de Rosenberg, como faz Maximiliáno Garcia Grande, não se pode negar que o
mais contundente desenvolvimento dogmático iniciou-se pelas mãos do processualista
rosarino Jorge W. Peyrano, na Argentina, a partir do início da década de 80 do século
passado. Aliás, Peyrano, quando era juiz no Juizado da Quinta nominaçâo da cidade
de Rosário, lavrou sentença, ainda no ano de 1978, na qual aplicou a dinamização dos
ônus probatórios em caso de erro médico (GARCÍA GRANDE, Maximiliane. Lus cargas
p r o b a tó r ia s dinâmicas.' inaplicabilidad. Rosario: Juris, 2005. p. 45-48).
23. KN1JNIK, Danilo. A p r o v a nos juízos c ív e l, p e n a l e trib u tá rio . Rio de Janeiro: Forense,
2007 p. 173. No mesmo sentido, RODRIGUES, Roberto de Aragão. A dinamização do
ônus da prova. R e v is ta d e P rocesso, n. 240, fev. 2015. p. 46-47.
24. PEYRANO, Jorge W. Nuevos lineamentos de las cargas probatórias dinâmicas. In:
PEYRANO, Jorge W.; LÉPORIWH1TE. Inés (Org.). C a rg a s p r o b a tó r ia s d in â m ic a s . Santa
Fe: Rubinzal Culzoni, 2004. p. 19-20.
106 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

Ainda segundo conclusões das mesmas jornadas,


(...) a temática do deslocamento do ônus da prova reconhece
hoje como capítulo mais atual e suscetível de consequências a
denominada doutrina dos ônus probatórios dinâmicos, também
conhecida como princípio da solidariedade ou de efetiva colabo­
ração das partes com o órgão jurisdicional no alcance do material
de convicção23.

O que se propôs foi a flexibilização do esquema básico, ou a dinamização


daquele modelo estático previsto na lei, em determinados casos concretos, espe­
cialmente naqueles em que, face a suas peculiaridades, a prova revela-se exces­
sivamente difícil para a parte onerada e, em contrapartida, mais facilitada àquela
inicialmente desonerada. A dinamização serve para as hipóteses em que se coloca
a dificuldade de prova de uma das partes em relação à outra mesmo nos casos não
contemplados pela lei. Através do funcionamento do ônus dinâmico, acaba-se
com o imobilismo do arquétipo legal: transfere-se maior encargo probatório para
uma das partes, provocando, por conseguinte, o aliviamento do ônus da outra2526.
O que a teoria dos ônus probatórios dinâmicos propõe, em síntese, é a relati-
vização do esquema legal e estático de distribuição do ônus da prova, tomando-o,
assim, dinâmico27. Isso significa que, em determinados casos, ocorrerá a transferên­

25. PEYRANO, Jorge W. Nuevos lineamentos de las cargas probatórias dinâmicas. In:
PEi RANO, Jorge W ; LfcPORI WHITE, Inés (Org.). Cargas probatórios dinâmicos. Santa
Fe: Rubinzal Culzoni, 2004. p. 20.
26. BARBERIO, Sérgio José. Cargas probatórias dinâmicas. In: PEYRANO, Jorge W; LEPORI
WHITE, Inés (Org.). Cargas probatórias dinâmicas. Santa Fe: Rubinzal Culzoni, 2004.
P 103. juan Alberto Rambaldo afirma que “a doutrina dos ônus probatórios dinâmicos
produz um verdadeiro salto qualitativò tanto desde o ângulo da teoria quanto desde a
sua operanvidade na prática concreta11 (RAMBALDO, Juan Alberto. Cargas probatórias
dinâmicas: un giro epistemológico In: PEYRANO, Jorge W ; LEPORI WHITE, Inés
(Org.). Cargas probatórias dinâmicas. Buenos Aires: Rubinzal Culzoni, 2004. p. 29).
27. Na doutrina nacional, os primeiros trabalhos a respeito do tema foram os ensaios de
DALL AGNOL JÚNIOR, António Janyr. Distribuição dinâmica dos ônus probatórios
Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 788. p 92-107, jul. 2001; KNIJNIK, Danilo. As
(perigoslssimas) doutrinas do “ônus dinâmico da prova" e da “situação de senso comum"
como instrumentos para assegurar o acesso à justiça e a probatio diabólica. Processo c
constituição: estudos cm homenagem ao ProjessorJoséCarlos Barbosa Moreira. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2006. p. 942-951, e o nosso: CARPES, Artur Thompsen. A
distribuição dinâmica do ônus da prova no formalismo-valorativo. Ajuris, Porto Alegre,
n. 104. p. 9-18, dez. 2006. Posteriormente foi editado o nosso: CARPES, Artur. Ónus
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA 107

cia do ônus da prova de determinado enunciado fático para a parte que original­
mente não estava onerada. Conforme referido no primeiro acórdão de um trib u n al
brasileiro a respeito do tema, “É logicamente insustentável, que aquele dotado d e
melhores condições de demonstrar os fatos, deixe de fazê-lo, agarrando-se e m
formais distribuições dos ônus de demonstração”, pois “O processo m oderno n ã o
mais compactua com táticas ou espertezas procedimentais e busca, cada vez m a is,
a verdade”*28.
Desde então, o ônus dinâmico da prova foi recepcionado com muito entusias­
mo pelos tribunais, o que motivou a doutrina e o legislador a se dedicareni sobre
o problema. A relevância não apenas teórica, mas também prática motivou o se u
acolhimento expresso no texto do novo CPC. O ônus dinâmico da prova encontra -
-se hoje expressamente incorporado ao direito positivo brasileiro.
Por serem conhecidos os sérios riscos que giram em torno da adoção genérica
de um fenômeno que é excepcional29, revela-se indispensável promover o exam e
do art. 373, e seus respectivos parágrafos, do CPC, cuja interpretação outorga c ri­
térios para operar, da forma mais segura possível, a adequada aplicação das regras
disciplinadora do ônus da prova.

dinâmico da prova. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. Os pioneiros estudos


em nível de pós-graduação strictu sensu no Brasil foram, no entanto, as dissertações d e
mestrado de AZÁRIO, Márcia. Dinamicização dos ônus probatórios. Dissertação (M es­
trado em Direito) - Faculdade de Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Porto Alegre, 2006; e VALE, Juliana Leite Ribeiro do. A funcionalidade do ónus da prova
no processo dvil brasileiro. Dissertação (Mestrado em Direito) - Faculdade de D ireito,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2007.
28. Apelação Cível n. 597083534, Primeira Câmara Cível, TJRS, Rei. Armínio José A breu
Lima da Rosa, julgado em 03.12.1997).
29. CARPES, Artur. Ônus dinâmico da prova. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.
p. 146; KN1JN1K, Danilo. As (perigosíssimas) doutrinas do “ônus dinâmico da p r o ­
va” e da “situação de senso comum” como instrumentos para assegurar o acesso à
justiça e a probatio diabólica. In: Processo e constituição: estudos em homenagem ao
Professor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 942-
-951; YOSHIKAWAj Eduardo Henrique de Oliveira. Considerações sobre a teoria d a
distribuição dinâmica do ônus da prova. Revista de Processo, n. 205, mar. 2012. p. 129.
Em sentido contrário, qual seja, de que “A distribuição dinâmica não deve ser m era
exceção, mas sim a própria regra geral”: REDONDO, Bruno Garcia. Distribuição d i ­
nâmica do ônus da prova: breves apontamentos. Revista Dialética de Direito de Direito
Processual, n. 93, dez. 2010. p. 19.
108 ônus da prova no novo cpc

2 .2 . Dinamização o p e judieis: a utilização do postulado normativo da


razoabilidade na aplicação das regras sobre o ônus da prova

Embora a doutrina das cargas probatórias dinâmicas tenha contado com


diversos escritos na doutrina argentina do início deste século - em boa medida
catalogados na obra coletiva coordenada por Jorge W. Peyrano e Inés Lépori Whi-
te 30- revelava-se ainda superficial o exame da sua pertinência dogmática. Afirmar
q u e a dinamização seria cabível nas hipóteses de excessiva dificuldade probatória
d a parte onerada, aliada a maior facilidade da outra parte, não era suficiente para
outorgar incontestável validade teórica à proposta. A tese da solidariedade no campo
d à prova e das implicações da boa-fé objetiva na atuação dos sujeitos processuais
tam bém não eram por si fundamentos dignos em perspectiva dogmática para a ou­
torga da indispensável segurança na aplicação da dinamização31. 0 caráter refratário
d a prova a aspectos exclusivamente jurídicos, bem como à malfadada tentação de
constranger a atividade probatória das partes ao terreno da pura subjetividade32,
talvez tenham contribuído para o tímido desenvolvimento dos primeiros passos
d a teoria do ônus dinâmico da prova. O certo é que, quando no início do desen­
volvimento do tema na doutrina, ainda faltavam critérios seguros para o manejo
d a técnica da dinamização.
Toda a ponderação sem a adoção de critérios objetivos, no entanto, revela-se
d e pouca utilidade para a aplicação do direito33. A solução para os problemãs rela­
cionados à aplicação do direito processual civil não constitui exceção: depénde de
fundamentação fundada em pautas objetivas. A aplicação das normas do processo
n a ausência de parâmetros obj etivos constitui conduta arbitrária, viola a segurança,
a igualdade e, por conseguinte, conduz à fragilização das estruturas mais elemen­
tares do Estado Constitucional. Não é suficiente, portanto, afirmar que a teoria da

30. PEYRANO, Jorge W ; LÉPORI WHITE, Inés (Org.) Cargas probatórias dinâmicas. Buenos
Aires: Rubinzal Culzoni, 2004.
31. Sobre o assunto, v.: GIANNINI, Leandro. Principio de colaboración y carga dinâmica
de la prueba (una distinción necesaria). In: BERIZONCE, Roberto O. (Coord ). Los
princípios procesales. La Plata: Librería Editora Platense, 2011. p 145-160.
32. Conforme KNIJNIK, Danilo. A prova nos juízos cívelpenal e tributário. Rio de Janeiro:
Forense, 2007. p. 3-6. Nos Estados Unidos a sensação era a mesma até meados de
1970, quando começaram a ser publicados estudos que impulsionaram o estudo da
prova judiciária a outro patamar, conforme TWINING, William. Rethinking Evidence:
Exploratory Essays. Evanston: Northwestern University Press, 1994. p. 341-342.
33. AVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos.
9. Ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 142.
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA 109

dinamização é legítima porque ancorada no paradigma da colaboração, da boa-fé


objetiva ou no critério da solidariedade na prova. É preciso ir além.
Revela-se indispensável perceber, por outras palavras, que, nada obstante seja
hoje positivada no texto do novo Código, a dinamização do õ/ius da prova constitui
problema ligado ã interpretação e à aplicação do direito.
Importa questionar, assim, em primeiro lugar, a respeito da natureza das nor­
mas que informam a distribuição do ônus daprova; e, depois, como se desenvolve o
processo desua aplicação pelo juiz. Em outras palavras: deve-se perguntar primeiro
se as normas que informamo ônus daprova são regras ou são princípios. Após, deve-
-se passar para um outro processo que lógicamente é subsequente à interpretação,
qual seja, o processo da aplicação das normas que são resultado da interpretação.
Do texto do art. 373, caput e respectivos incisos, do CPC é possível ads-
crever autênticas regras. Consoante já referimos supra (Capítulo II, item 6.1), a
interpretação dos dispositivos conduz à formulação de normas que imediãtamente
descrevem comportamentos a serem observados pelos sujeitos processuais ao longo
do todo procedimento probatório, desde a fase de proposição da prova até a sua fase
decisória. Isso fica evidente quando se percebe que ao autor caberá o ônus de
provar o “fato constitutivo do seu direito”, isto é, o ônus da prova do enunciado
fático que fundamenta a existência do direito que alega ter e cuja tutela pretende
ver prestada em juízo. Já ao réu não é atribuído qualquer ônus probatório na hipó­
tese em que ele simplesmente nega o “fato constitutivo do direito do autor , mas
quando alegar “fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor ’.
Tais normas constituem regras. A constatação, aliás, não surpreende: a instituição
e a organização dos procedimentos, na esmagadora maioria das vezes, ocorrem
através de regras. Isso porque as regras, ao contrário dos princípios, são normas
imediatamente descritivas de comportamentos devidos14, justam ente o caso da
atribuição dos ônus probatórios.
Ocorre que nem toda a regra incidente será, em concreto, aplicável3435. A regra
que impõe ao autor o ônus da prova do enunciado fático constitutivo do seu direito
será sempre incidente em qualquer processo que instrumentaliza demanda judicial

34. Sobre a definição da categoria das re g ra s e da sua distinção dos p r in c íp io s , v.: AVILA,
Humberto. T eo ria d o s p r in c íp io s : da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 16.
Ed. São Paulo: Malheiros, 2015, passim.
35. ÁVILA, Humberto. T eo ria dos p rin c íp io s: da definição à aplicação dos princípios jurídicos.
16. Ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 197.
110 ÓNUS DA PROVA NO NOVO CPC

civil. Sua aplicação ao caso concreto, no entanto, é fenômeno distinto. A aplicação


da regra ao caso, por outras palavras, não coincide com a sua incidência. O proces­
so intelectivo que se desenvolve visando à aplicação da regra será permeado pela
utilização dos postulados normativos, o que poderá resultar na sua aplicação, ou
não aplicação, tendo em conta o caso concreto.
Os postulados normativos aplicativos consistem em metanormas, ou normas
de segundo grau, que têm por função estruturar a aplicação das regras e os princí­
pios. Os postulados normativos aplicativos são, portanto, “normas imediatamente
metódicas que instituem critérios para a aplicação de outras normas situadas no plano
do objeto da aplicação”. Vale dizer: “estruturam a aplicação dê outras normas com
rígida racionalidade”, isto é, são “normas que fornecem critérios bastante precisos
para a aplicação do Direito”36. Seu funcionamento é, portanto, diferente das nor­
mas de primeiro grau. Daí porque “só elipticamente é que se pode afirmar que são
violados os postulados da razoabilidade, da proporcionalidade ou da eficiência,
por exemplo. A rigor, violadas são as normas - princípios e regras - que deixaram
de ser devidamente aplicadas”37.
Enquanto os princípios são definidos como “normas imediatamente finalísti-
cas”, que “impõem a promoção de um estado ideal de coisas por meio da prescrição
indireta de comportamentos cujos efeitos são havidos como necessários àquela
promoção” e as regras são “normas imediatamente descritivas de comportamen­
tos devidos ou atributivas de poder”, os postulados normativos não impõem a
promoção de um fim ou descrevem comportamentos. A função dos postulados é,
justamente, estruturar a aplicação do dever de promover um fim (princípios) ou es­
truturar a aplicação de normas que descrevem comportamentos (regras). Vale dizer:
os postulados não prescrevem direta ou indiretamente com portamentos, mas
estruturam a aplicação de normas que o fazem. Daí porque inserir os exames da
razoabilidade e da proporcionalidade, por exemplo, em tal categoria normativa, na
medida em que nem um nem outro impõe a promoção de um estado ideal de coisas
a ser atingido ou a descrição de um comportamento devido, mas, sim, servem de
método de aplicação do princípio ou da regra a ser utilizada pelo intérprete em
determinado caso concreto38.

36. ÁVILA, Humberto. T eo ria d o s p rin c íp io s: da definição à aplicação dos princípios jurídicos.
16. Ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 163 e ss. Os grifos não constam do original.
37. ÁVILA, Humberto. T e o ria d o s p rin c íp io s: da definição à aplicação dos princípios jurídicos.
16. Ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 176.
38. ÁVILA, Humberto. T e o ria d o s p rin c íp io s: da definição à aplicação dos princípios jurídicos.
16. Ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 177.
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA | 1 J J

A razoabilidade, utilizada na perspectiva da equidade, atua em função de har­


monizar a norma geral ao caso individual. Em outras palavras: exige a consideração
do aspecto individual do caso nas hipóteses em que este é desconsiderado p ela
generalização legal, porque, “para determinados casos, em virtude de d eterm i­
nadas especificidades, a norma geral não pode ser aplicável, por se tratar de caso
anormal”3940.Os tribunais estão repletos de exemplos de utilização do postulado
da razoabilidade, ainda que isso não conste de m odo absolutamente expresso e m
suas decisões.
Ainda na vigência do CPC/73, decidiu o Superior Tribunal de Justiça que
Embora não tenha sido expressamente contemplada no CPC, u m a
interpretação sistemática da nossa legislação processual, inclusive
em bases constitucionais, confere ãrnpla legitimidade à aplicação
da teoria da distribuição dinâmica do ôíius dá prova, segundo a
qual esse ônus recai sobre quem tiver m e lh o r e s c o n d iç õ e s d e p r o d u z i r
a p ro va , conforme as c ir c u n s tâ n c ia s f á tic a s d e c a d a c a s o .'0

Isso significa que as regras que disciplinam a distribuição do ônus da prova


podem ser aplicadas “conforme as circunstâncias fáticas de cada caso”, quando v e ­
rificada a posição de vantagem que ostenta determinada parte em relação à outra. O
STJ, ao assim decidir, nada mais fez senão afirmar qué aplicação dás regfás do ô n u s
da prova deve ser estruturada mediante a utilização do postulado da razoabilidade.
Vale dizer: ainda que as regras sejam incidentes em abstrato, porque preenchido
o süpórte fático normativo, sua aplicação depende da aferição quanto à partè q u e
ostenta melhores condições de produzi-la, de m odo a assegurar tutela do direito
fundamental à igualdade.
Em outro precedente, afirmou o STJ em sua ratio decidendi que “à luz; da teo ria
da carga dinâmica da prova, não se concebe distribuir o ônus probatório de m o d o
a retirar tal incumbência de quem poderia fazê-lo mais facilmente e atribuí-la a
quem, por impossibilidade lógica e natural, não o Conseguiria”.41 Trata-se, c o m
efeito, de estruturar a aplicação das regras do ônus da prova segundo o postulado

39. ÁVILA, Humberto. T eo ria d o s p rin c íp io s : da definição à apbcação dos princípios jurídicos.
16. Ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 196.
40. STJ, REsp 1286704/SP, Rei. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado e m
22.10.2013, DJe 28.10.2013. Os grifos não constam do original.
41. REsp 619.148/MG, Rei. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado e m
20.05.2010, DJe 01.06.2010.
112 ÕNUS DA PROVA NO NOVO CPC

d a razoabilidade, mas, neste caso, de modo diferente: não apenas é assegurada a


aplicação do princípio da igualdade, mas também do princípio do amplo acesso à
pxoya. A imposição de ônus probatório impossível ou excessivamente difícil de ser
cum prido compromete o direito fundamental à prova. A razoabilidade atua, assim,
p ara estruturar a aplicação de regra do ônus da prova, de modo a inibir, no caso
concreto, que o direito fundamental aprova seja violado ou sofra excessiva restrição.
Em tais casos observa-se que a regra geral, aplicável à generalidade dos casos,
n ão foi considerada aplicável ao caso específico em razão da sua anormalidade. Isso
porque, como referido, nem toda a regra incidente é aplicável: “é preciso diferenciar
a aplicabilidade de uma regra da satisfação das condições previstas em sua hipótese”,
sendo que “urna regra não é aplicável somente porque as condições previstas em sua
hipótese são satisfeitas ”, mas apenas se “suas condições são satisfeitas e sua aplicação
nãoé excluída pela razão motivadora da própria regra ou pela existência de um princípio
que institua razão contrária ”.n Por isso é que, nos precedentes apontados, ainda que
a s condições de incidência das regras do ônus da prova estivessem satisfeitas, a sua
aplicação foi permeada pelos princípios da igualdade e do amplo acesso à prova. A
razoabilidade, mesmo não expressamente referida na motivação das decisões, atuou
em tais casps como ‘'instrum ento metodológico para demonstrar que a incidência
d a norm a é condição necessária mas não suficiente para sua aplicação”, sendo
q u e, “para ser aplicável, o caso concreto deve adequar-se à generalização da norma
g eral”4243. A razoabilidade, portanto, é utilizada como diretriz que exige a relação das
normas gerais com as individualidades do caso, concreto, quer mostrando sobre qual
perspectiva a norm a deve ser aplicada, quer indicando em quais hipóteses o caso
individual, em face das suas especificidades, deixa de se enquadrar na norma geral.
Significa dizer que, nada obstante as regras do ônus da prova atuem geralmente
visando a promover à igualdade e o direito à prova, conforme referido supra, no
caso concreto, em face de suas particularidades, isso não acontecia.
Caso exista excessiva dificuldade para a vítima do dano, autora da ação de
responsabilidade civil, em cum prir como seu ônus de provar a presença do nexo de
causalidade e, aliado a isso, não há semelhante dificuldade pela parte ré em produzir
a prova de que o nexo de causalidade inexistiu - como, por exemplo, na hipótese

42. ÁVÍLA, Humberto. Teo ria d o s p rin c íp io s: da definição à aplicação dos princípios jurídicos.
16. Ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 196.
43. ÁVILA, Humberto. T eo ria d o s p rin c íp io s: da definição à aplicação dos princípios jurídicos.
16. Ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 197.
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA 113

de o dano ter sido provocado exclusivamente pela vítima, autora da demanda


o postulado da razoabilidade atua para estruturar racionalmente a aplicação das
regras de ônus da prova: à parte ré caberá provar sua alegação de que inexistiu
nexo de causalidade entre a sua conduta e o dano causado ao autor. Estruturam-
-se a aplicação das regras, de modo a inibir a violação do princípio da igualdade
e do direito fundamental à prova. Reestruturam-se as atividades probatórias das
partes, permitindo-se que a prova de determinada alegação de fato, antes tida como
excessivamente difícil ou até mesmo impossível de ser produzida, seja passível de
ser realizada no processo, o que colabora qualitativamente para a obtenção de um
juízo de verdade .44
Se as regras do ônus da prova são instituídas para assegurar a igualdade das
partes, fica fácil compreender as razões para a inaplicabilidade do critério ordinário
de distribuição indicado nos incisos do art. 373, CPC naqueles casos em qué resta
flagrante a desigualdade nos esforços de produção da prova. Em outros termos: se
a razão motivadora da regra —a igualdade —é fragilizàda no caso coricreto, a regra
de distribuição do ônus da prova pode não ser aplicável. Tal é a razão péla qual
a dinamização funciona como filtro isònômíco do direito fundamental á prova: o
exercício desse direito é ajustado em concreto, evitando tratamento discriminatório
a qualquer das partes45.
Do mesmo modo, haverá situações em que as regras do ônus da prova estarão
em flagrante confronto com o direito fundamental à prova que, em sua dimensão
objetiva, funda o principio da máxima amplitude dos esforços probatórios e a
vedação da probatio diabólica. Em tais hipóteses, embora incidente, as regras ordi­
nárias do õmis da prova podem não ser aplicáveis. O caso concreto poderá apontar
para eventual interferência entre as regras do ônus da prova e os referidos princí­
pios constitucionais. Se tais princípios estão, no caso concreto, a instituir razões
contrárias à aplicação das regras, como de fato demonstrou-se ocorrer nos casos
examinados pelo Superior Tribunal dejustiça aludidos acima, o procedimento será

44 .Em sentido contrário, de que a dinamização não contribui para o aumento da comple-
tude do material probatório, ver: RAMOS, Vítor de Paula. Ônus da prova no processo
civil: do ónus ao dever de provar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p, 85-91.
45. CARPES, Artur. Ônus dinâmico da prova. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.
p. 8 6 . No mesmo sentido: ABREU, Rafael S ir a n g e lo de. Ig u a ld a d e e P rocesso: posições
processuais equilibradas e unidade do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2015.
p. 215.
114 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

flexibilizado, isto é, as regras do ônus da prova terão a sua aplicação estruturada


mediante as referidas outras normas.
Assim, toda a vez que a aplicação das regras ordinárias do ônus da prova estiver
em confronto com os princípios da igualdade e da máxima efetividade probatório,
caberá ao juiz, mediante a utilização do postulado da razoabilidade, estruturar a
aplicação das referidas normas, o que implicará dinamização do ônus da prova.*6
O texto do novo CPC expressamente dispõe a respeito da admissibilidade do
ônus dinâmico da prova no direito brasileiro. Rigorosamente, seria dispensável a
previsão na lei, na medida em que ao juiz seria possível dinamizar o ônus da prova
mediante a utilização do postulado da razoabilidade4647. Seja como for, a previsão
revela-se bastante oportuna por pelo menos duas razões: elimina, de uma vez
por todas, a controvérsia a respeito da flexibilização de aspecto tão nevrálgico do
procedimento48, fazendo o ônus dinâmico da prova ser aceito mesmo por aqueles
que ainda se encontram amarrados ao paradigma da legalidade estrita; e orienta
a atuação daqueles que operam o direito no foro, funcionando assim como um
“guia de viajantes”49, o que sempre colabora para a consagração da segurança no
processo, notadamente em razão do incremento da sua previsibilidade.

2.3. Dinamização ope legis: a consagração do ônus dinâmico da prova no


CPC

Conforme já referido supra (item 2.2), a incidência das regras ordinárias sobre
o ônus da prova não implica necessariamente na sua aplicação. As peculiaridades
do caso concreto podem determinar sua inaplicabilidade. Mesmo no sistema nor­

46. MITID1ERO, Daniel. C o la b o r a ç ã o n o p ro c e sso civil. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribu­
nais, 2015. p. 137.
47. Sobre o assunto, ver ainda: CARPES, Artur Thotnpsen. Carga de la prueba dinâmica y
el postulado de la razonabilidad. In: CAVANI, Renzo; RAMOS, Vitor de Paula (Coord.).
P ru e b a y p ro c e so ju d ic ia l. Uma: Instituto Pacífico, 2015. p. 349-362; e CARPES, Artur
Thotnpsen. Notas sobre a interpretação do texto e aplicação sobre ônus (dinâmico) da
prova no Novo Código de Processo Civil. In: JOB1M, Marco Félix; FERREIRA, William
Santos. D ir e ito P ro b a tó rio . 1 . ed. Salvador: jusPodivm, 2016. p. 197-209.
48. Nesse sentido, ou seja, de que “Não era compatível com o ordenamento vigente [o do
CPC/731a alteração dos Ônus probatórios em situações diversas das previstas (autoriza­
das) em lei", AMARAL, Paulo Ostamack. Provas: a tipicidade, liberdade e in s tr u m e n ta lid a d e .
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 54.
49. A célebre expressão é de PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. T ra ta d o d a a çã o
re scisó ria d a s sentenças e d e o u tr a s d ecisõ es. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 266.
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA 115

mativo anterior ao novo CPC, admitia-se, portanto, que a atribuição estática d o


ônus da prova fosse modificada em casos excepcionais, de m odo mais adequado às
particularidades concretas da causa, o que determinava regime distinto de a trib u i­
ção em relação ao geral. A dinamização do ônus da prova, assim, não dependia d e
previsão legal para ser aplicada. Fora dos casos em que fosse convencionada pelas
partes, exigia-se apenas que a dinamização ocorresse via decisão judicial fundada
na presença dos requisitos vinculados aos princípios da igualdade e da m áxim a
efetividade probatória50.
O CPC/73 contém previsão de dinamização do ônus da prova apenas no q u e
diz respeito à possibilidade dè convenção entre as partes. A modificação na d istri­
buição do ônus da prova já era facultada às partes em razão da previsão contida n o
parágrafo único do art. 333, desde que aludida convenção não fragilizasse direito
indisponível da parte ou tornasse excessivamente difícil a tutela do direito.
Fora dos quadros do CPC/73, o legislador fez expressa previsão a respeito d a
dinamização do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor. Mesmo e m
restrita seara de aplicação às demandas fundadas nas relações de consumo o art. 6 o,
VIII, do CDC, dispõe que “São direitos básicos do consumidor: (...) a facilitação da
defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, n o
processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando fo r
ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências” (siç). Trata-se d e
exemplo de texto normativo do qual é possível adscrever a dinamização do Ônus
da prova. A disposição nada mais faz do que informar as finalidades que devem
ser perseguidas na aplicação das regras sobre o ônus da prova: a igualdade entre as
partes, na medida em que a dinamização revela-se aplicável tão somente no caso
em que é constatada a hipossuficiência do Consumidor, e a máxima efetividade
probatória, na medida em que a dinamização revela-se devida para assegurar a “fa ­
cilitação da defesa dos seus direitos”, o que equivale ajuízo a respeito dé eventual
dificuldade probatória.
Embora o CDC se utilize do termo “inversão” para denom inar a modificação
do regime de distribuição ordinário, o certo é que, rigorosamente, inversão n ã o
ocorre: o réu não passa a sèr onerado da prova das alegações fáticas do autor e vice-
-versa. Ao contrário do que o termo também faz supor; t> autor nem sempre fica
sem qualquer ônus probatório. Nada obstante o termo “inversão” esteja presente

50. Nesse sentido referimos em CARPES, Artur; Ônus dinâmico da prova. Porto Alegre.
Livraria do Advogado, 2010, passim.
116 O NUS DA PROVA NO NOVO CPC

n o texto da lei, o termo dinamização parece mais adequado para denominar o fenô­
m eno p or m elhor expressar tal sorte de excepcional fluidez do regime do ônus da
prova à luz das peculiaridades concretas do caso (v. infra, Parte II, Capítulo 3). Não
existe, com efeito, qualquer distinção ontológica entre o fenômeno denominado
“inversão” e aquele denominado “dinamização”.
No CPC, a dinamização do ônus da prova encontra-se prevista nos parágrafos
I o e 2° do art. 373. Trata-se de notável inovação legislativa. Extrai-se do texto que,
(...) Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da
causa, relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade
de cum prir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade
de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir
o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão
fundamentada,

hipótese na qual “oju iz deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do


Ônus que lhefoi atribuído” (§ I o) . Ressalva-se, no entanto, que referida decisão “não
pode gerar situação em que a desincumbênçia do encargo pela parte seja impossível ou
excessivamente difícil” (§ 2o).
Em outras palavras: o novo CPC expressamente consagra no processo civil
brasileiro o ônus da prova não mais em sentido estático, mas em sentido dinâmico. O
legislador, desse modo, nada mais faz do que orientar os sujeitos processuais no
desenvolvim ento do processo de aplicação das regras ordinárias de distribuição
d o ônus da prova. Ao mencionar quais são as “peculiaridades da causa” que de­
term inam a dinamização, o legislador aponta quais são as razões motivadoras das
regras do ônus da prova. Por outras palavras, ao referir que tais peculiaridades
dizem respeito à “impossibilidade ou a excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos
termos do caput”, o novo CPC dispõe que a aplicação das regras deve ser mediada
pelo direito fundamental à prova. Além disso, o texto da lei refere que a aplicação
d as regras dependerá também do exame quanto “à maior facilidade de obtenção da
prova do fato contrário”, o que significa a dinamização depende da constatação de
q u e a parte desonerada encontra-se em posição de vantagem no que diz respeito à
prova, hipótese em que o juiz deverá promover a paridade de armas. Tais princípios -
m áxim a efetividade probatória e igualdade - estruturam, portanto, a aplicação das
regras do ônus probatório. Tais princípios informam, em última análise, os critérios,
o u seja, os requisitos para a dinamização.
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVÀ 117

2.4. Duas perguntas para a dinamização do ônus da prova: os critérios da


igualdade substancial e da máxima efetividade probatória

Diante da questão envolvendo a dinamização do ônus da prova, ou seja, se


o juiz deve dinamizar ou não os ônus probatórios, duas perguntas devem ser res­
pondidas, ambas positivamente, a fim de que seja devida a aplicação da técnica.
A primeira desdobra-se do seguinte modo: É impossível, ou extremamente
difícil, pela parte onerada, a produção da prova de determinado enunciado fático ?
Caso respondida de forma positiva, aludido questionamento é seguido de outro,
a saber: “É mais fácil, à outra parte, a produção da prova da hipótese contrária ao
enunciado fático que se busca esclarecer? ”.
Caso a resposta para ambas as perguntas seja “sim , é devida a dinamização
do ônus da prova.

2 .4 . / O critério da igualdade substancial (direito fundamental à


igualdade)
Com relação ao exame da igualdade, trata-se de um problema de igualdade
substancial, isto é, da dimensão da igualdade que é informada pelas peculiares
diferenças existentes entre os sujeitos comparados. Nesse sentido, caso tais par­
ticulares distinções entre as partes sejam relevantes, na perspectiva do alcance da
finalidade buscada através da atividade probatória, o órgão judicial deverá adaptar
o procedimento, visando a outorgar efetividade na promoção do fim. Por isso é
importante sublinhar: no que diz respeito ao ônus da prova, o exame da igualdade
pressupõe a comparação entre as partes na perspectiva dos esforços de prova, isto
é, pela mirada das efetivas possibilidades que as partes possuem para demonstrar os
enunciados fáticos relevantes e pertinentes debatidos na causa.
Acaso seja constatada a igualdade sob tal perspectiva, está-se diante do pri­
meiro critério, isto é, do primeiro requisito para aplicação da dinamização do ônus
da prova.
Do contrário, caso o exame comparativo entre as partes demonstrem dife­
renças entre elas, mas diferenças que sejam irrelevantes na perspectiva da sua
colaboração com formação do contexto probatório, pão há falar em dmamrzaçao
do ônus da prova51.

51 A hipossuficiência não se caracteriza, na perspectiva do ônus da p ro v a pela pobreza


da parte, mas pela capacidade que a parte possui em demonstrar a verdade das suas
118 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

A igualdade pressupõe o exame da relação que se estabelece entre as partes,


com base em determinada medida de comparação que serve de instrumento para
a realização de determinada finalidade. As partes serão comparadas na perspectiva
das efetivas possibilidades que possuem visar à prova de determinada alegação de
fato. O esclarecimento do enunciado fático é, portanto, a finalidade buscada em
juízo. A regra do ônus da prova media o equilíbrio entre as partes, tendo em conta
que impõe o encargo probatório à parte que, em juízo fundado normalmente à ex­
periência comum, encontra-se provavelmente mais próxima das fontes de prova,
ou seja, àquela que possui maior facilidade para provar. Caso exista desvantagem
de parte onerada em relação à desonerada neste particular, o equilíbrio entre as
partes é fragilizado, o que não se pode tolerar52.
Assim, muito embora o parágrafo primeiro do art. 373, CPC, sugira, mediante
a utilização da terceira partícula “ou”, que a dinamização seria aplicada a partir
da constatação quanto à violação da igualdade ou do direito à prova, isto é, um ou
outro de modo isolado, esta não é a interpretação adequada do referido dispositivo.
Para que o juiz determine a dinamização não bastará, com efeito, seja simples­
mente constatada a disparidade de armas no contexto probatório. Não bastará,
do mesmo modo, tão-somente a constatação quanto à excessiva dificuldade ou
impossibilidade de obtenção da prova. Para que seja aplicadãa dinamização do ônus
daprova, é indispensável que sejaverificada, emconcreto, não apenas a contrariedade
do direito fundamental à igualdade substancial, mas também a excessiva dificuldade
ou impossibilidade na produção da prova. Ausente uma ou outra dessas condicio­
nantes, será indevida a dinamização53, devendo o juiz aplicar ordinariamente as
regras do ônus da prova.

alegações. No mesmo sentido: GAGNO, Luciano Picoli. O novo Código de Processo


Civil e a inversão ou distribuição dinâmica do ônus da prova. Revista de Processo, n.
249, nov. 2015. p. 119.
52. ABREU, Rafael Sirangelo de. Igualdade e processo: posições processuais equilibradas e uni­
dade do direito. São Paulo: Livraria do Advogado, 2015. p. 214-216. No mesmo sentido:
ROCHA, Raquel Heck Mariano da. A distribuição do ônus da prova como instrumento
garantidor da igualdade das partes no processo civil brasileiro. Revista Processo e Cons­
tituição. Porto Alegre, n. 1, dez. 2004. p. 345-371.
53. A aplicação da dinamização, portanto, não se encontra no âmbito da discricionariedade
do juiz. Nesse mesmo sentido, ver LOPES, João Batista. Ônus da prova e teoria das car­
gas dinâmicas no novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, n. 204, fev. 2012.
p. 239-240.
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA 119

A excessiva dificuldade, ou mesmo a impossibilidade de produzir determ inada


prova, não justifica isoladamente a dinamização do ônus da prova. É indispensável
que seja constatada a inexistência de semelhante dificuldade, ou im possibilidade,
pela outra parte. Por outras palavras: é imprescindível que a parte não onerada ten h a
melhores condições de produzir a prova porque, do contrário, a dinamização d o
ônus da prova implica tão somente transferir semelhante dificuldade probatória, o
que significa, a um só tempo, violar a igualdade e nada contribuir para a obtenção
da verdade.

2 .4 .2 . O critério da máxima efetividade probatória (direito fu n d a m en ta l


à prova)

Só há falar em fragilização do direito fundamental à prova na hipótese em q u e


a prova de determinado enunciado fático, embora possível, revela-se obstaçulizada
de qualquer modo a parte onerada. Se a excessiva dificuldade ou impossibilidade d e
produzir a prova recai sobre ambas as partes, isso não irá necessariamente im plicar
violação do direito fundamental à prova. A realidade revela diversos exem plos
de ampla dificuldade probatória, ou seja, de que a prova não só é exeessivam ente
difícil para a parte onerada, mas para todos os demais sujeitos processuais. O
direito fundam entalà prova apenas será violado caso existam meios de p ro d u zir
a prova de determinado enunciado fático e esses não são disponibilizados à p a r­
te onerada - por desconhecimento, distanciamento ou deficiência, técnica, p o r
exemplo - , tomando, assim, extremamente difícil, ou mesmo impossível, a su a
demonstração em juízo.
Os meios que dispomos para estabelecer a relação de máxima Correspondên­
cia entre a alegação de fato e a realidade são limitados. Quando se afirma que u m
enunciado é difícil de ser provado, isso significa que existe uma dificuldade e m
criar um a convicção racional de coincidência entre a realidade narrada através
do enunciado e a realidade54. Fatos muito antigos, cuja prova deve ser produzida
através da oitiva de testemunhas; fatos que ocorrem em ambiente fechado ou d e
restrito acesso - prova de fatos íntimos que fundam alegação de assédio sexual,
por exemplo - , constituem normalmente hipóteses de probatio diabólica55. A d i ­
namização do ônus da prova apenas será cabível nos casos em que a dificuldade

54. SILVA, Paula Costa e; REIS, Nuno Trigo dos. A prova difícil: da p r o b a tio le v io r à inversão
do ônus da prova. R e v is ta d e P rocesso, n. 222, ago. 2013. p. 154.
55. SILVA, Paula Costa; REIS, Nuno Trigo dos. A,prova difícil: da p r o b a tio le v io r à inversão
do ônus da prova. Revista d e P rocesso, n. 222, ago. 2013. p. 157.
120 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

p ro batória é subjetiva56, ou seja, a demonstração do enunciado fático impõe difi­


culd ad e apenas à parte originalmente onerada da prova. Vale dizer: a prova do fato
c o n trá rio , pela parte originalmente desonerada, não ensej a semelhante dificuldade
d e ser produzida.
A experiência do foro está repleta de exemplos ligados à indevida dinamização
d o ônus da prova com base tão-somente na constatação da dificuldade probatória da
p a rte onerada. Nas demandas envolvendo o direito do consumidor, por exemplo,
n ã o raro a dinamização é determinada sem a consideração das dificuldades que
eventualm ente tocam também à outra parte, isto é, aquela cujo ônus é atribuído
a p ó s a dinamização. São emblemáticas, com efeito, as causas que envolvem a
responsabilidade civil por defeito na prestação do serviço de transporte aéreo, as
q u ais se referem as hipóteses de extravio de bagagem. Em tais demandas, o ônus
d a prova do dano compete ao autor (art. 3 7 3 ,1, CPC), ou seja, é autor que possui
o ônus de provar quais eram os objetos que se encontram dentro da bagagem
desaparecida, a fim de que seja possível determinar a medida do ressarcimento.
Trata-se, no entanto, de prova praticamente impossível: como demonstrar, com
razoável dose de probabilidade, o que se encontrava no interior da mala extraviada
p ela companhia área? Por certo o peso da bagagem, o seu tamanho, a sua marca,
b e m como os rècibòs das compras reâlizádas na viagem podem fornecer indícios
a respeito dos objetos extraviados, mas tais dados não são capazes de demonstrar,
c o m Suficiente grau de probabilidade, os danos sofridos. Trata-se de problema
id êntico àquele ligado à prova do conteúdo dos cofres de aluguel em instituições
financeiras, cuja finalidade é manter em sigilo a guarda de objetos e valores. Em
caso de ocorrer o furto, como provar os bens que foram furtados?
A solução para o problema, para muitos, passaria piela dinamização do ônus
d a prova, com base no que dispõe o art. 6o, VIII, CDC, ou com fundamento no
parágrafo primeiro do art. 373, CPC. Semelhante desfecho, no entanto, não seria
adequado: a prova do que havia no interior da bagagem é extremamente difícil,
q u içá invpossível, também para a companhia aérea demàndada. Provar o dano, ou
seja, quais eram os objetos que foram extraviados, constitui uma probatio diabólica
p a ra ambas as partes. Isso significa que ambas as partes encontram-se em situação
d e igualdade em relação à produção da prova: no que diz respeito à finalidade

56. Sobre os conceitos de prova o b je tiv a /s u b je tiv a m e h te difícil e a sua utilização como cri­
tério distintivo para a aplicação da técnica da dinamização e da redução do módulo de
prova, v.: SILVA, Paula Costa; REIS, Nuno Trigo dos. A prova difícil: da p r o b a tio le v io r
à inversão do ônus da prova. R e v is ta d e P rocesso, n. 222, ago. 2013. p. 154-155.
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA 121

buscada - prova do dano sofrido pelo autor - a comparação entre as partes revela a
igualdade entre ambas. Dessa forma, não se encontra presente, na hipótese, qualquer
fragilização ao direito fundamental à igualdade. Não há falar, por conseguinte, na
dinamização do ônus da prova. Embora seja certo que o ônus é dinâmico, neste caso
deve ser aplicada a regra geral de distribuição (art. 373,1, CPC): a dinamização,
acaso determinada, significaria hipótese de probatio diabólica reversa e, portanto,
implicaria não promoção, mas na violação do princípio da igualdade (art. 5o, caput,
CRFB; art. 7o, CPC). O § 2°, do art. 373, CPC, aliás, sublinha semelhante solução
para o problema. Ao dispor que a dinamização “não pode gerar situação em que a
desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil”,
o que significa, justamente, a vedação da probatio diabólica reversa5758.
O fenômeno da probatio diabólica reversa decorre da aplicação indevidá da
técnica da dinamização. Em outras palavras: quando a transferência do ônus da
prova acarreta semelhánte dificuldade probatória para a parte contrária. Como se
disse, a aplicação da dinamização pressupõe que as partes estejam em desigualdade
na produção da prova: quando se dinamiza o ônus “é preciso supor que aquele que
vai assumi-lo terá a possibilidade de cumpri-lo", pena de a dinamização “significar
a imposição de uma perda, e não apenas a transferência de um ônus M.
Conforme referido, eventual existência de desigualdade nos esforços de
prova também não é suficiente, de modo isolado, para determinar a, dinamização
do ônus probatório. Ainda que ao desonerado seja mais fácil o esclarecimento de
determinado enunciado fático, se o onerado não possui excessiva dificuldade ou
impossibilidade de prová-lo não há falar na dinamização do ônus da prova. Se
eventual diferença existente entre as partes não é relevante no que diz respeito ao

57. A melhor solução para a hipótese passa pela aplicaçao da técnica da “redução do módulo
de prova", o que implica outorgar maior valor à prova indiciaria produzida. Significa, por
outras palavras, aplicar o módulo da cognição sumária aos casos de ampla dificuldade
probatória, a exemplo do que se justifica fazer nos juízos liminares, os quais também
são caracterizados normalmenie pela restrição no contexto da prova: A técnica da re­
dução do módulo de proví não se confunde com a técnica da dinamização: a aplicação
da primeira tem por requisito a prova o b je tiv a m e n te difícil; já a segunda depende da
constatação da prova s u b je tiv a m e n te difícil, ou seja, que a dificuldade probatória existe
apenas para uma das partes (v. supra, Parte l. Capítulo 7.3). Sobre o tema, v.: SILVA,
Paula Gosta; REIS, Nuno Trigo dos. A prova difícil: da p r o b a tio le v io r ã inversão do ônus
da prova. Revista d e P rocesso, n. 222, ago. 2013. p. 149-171.
58. MARINON1, Luiz Guilherme. Formação da convicção e inversão do ônus da prova se­
gundo as peculiaridades do caso concreto. Revista Magister d e Direito C iv il e P rocessual
Civil. Porto Alegre, n. 8, set./out. 2005. p. 21
122 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

fim perseguido - esclarecimento do enunciado de fato —, não há razão para deixar


de aplicar a regra ordinária de distribuição. Nem sempre o maior distanciamento
de uma das partes em relação à prova implica excessiva dificuldade ou impossibi­
lidade em provar. Em outras palavras, revela-se tolerável eventual diferença nos
esforços de prova desde que isso não seja relevante para o fim perseguido, qual sej a,
a obtenção da verdade como máxima correspondência da realidade.
Percebe-se, em última análise, que a decisão judicial que determina a dina­
mização exige inexoravelmente uma dupla constatação: i) desigualdade entre as
partes nos esforços de prova e ii) ilegítima dificuldade na produção da prova. Não
basta, com efeito, constatar apenas a existência de desigualdade entre as partes. À
constatação quanto à violação da paridade de armas deve somar-se a constatação
da fragilização do direito fundamental à prova. São, portanto, dois requisitos que
devem ser observados. A dinamização do ônus da prova não decorre da simples
complexidade da causa.59
A excessiva dificuldade em produzir a prova, ou mesmo a sua impossibili­
dade, é circunstância que deve atingir tão msomente a parte onerada (problema
de direito fundamental à igualdade), de modò que, acaso não seja determinada
a dinamização, ela não tenha condições de demonstrar à probabilidade das suas
alegações de fato (problema de direito fundamentalà prova). Vale dizer: a prova é
possível de ser produzida; porém, apenas caso a parte originalmente desonerada
colabore nesse sentido. Sé o esclarecimento do enunciâdo fático é possível de ser
obtido, ainda que através da parte desonerada, a sua não obtenção revela ilegítima
imposição de dificuldade do acesso à prova e, consequentemente, violação do
direito fundamental à prova60.

59. CARPES, Artur. Ônus dinâmico da prova. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.
p. 113; FERREIRA, William Santos. Das provas. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et a i
(Coord.). Breves c o m e n tá r io s a o N o v o C ó d ig o d e P rocesso C iv il. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2015. p. 1.021.
60. “A violação do direito à prova pode implicar (...) a inutilidade da ação judiciária, carac­
terizando, assim, v io la ç ã o o c u lta à g a r a n tia d e a c e sso ú til à j u s t i ç a ”. (KNIJNIK, Danilo.
A p ro v a n o s j u í z o s cív e l, tr ib u tá r io e p e n a l. Riò de Janeiro: Forense, 2007. p. 173). No
mesmo sentido: BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Garantia da amplitude de produção
probatória. G a r a n tia s c o n s titu c io n a is d o p ro c esso c iv il São Paulo, Revista dos Tribunais,
1999. p. 153. No sentido de que o problema do ônus da prova revela-se vinculado com
o direito fundamental de acesso à justiça, v.: ALVIM, Tereza Arruda. Reflexões sobre o
Ônus da prova. R e v is ta d e P ro cesso , n. 76, out.-dez. 1994. p. 141-145.
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA 123

Outro exemplo de probatio diabólica, conforme já referido supra, pode s e r


encontrado com sensível frequência nas ações de responsabilidade civil por e rro
médico. Em tais casos a vítima e, portanto, a parte autora, é quem norm alm ente
se encontra na condição de hipossuficiência em relação ao médico. Acaso não seja
profissional da área médica, o lesado é a pessoa leiga na medicina, de modo q u e
não conhece quais são os métodos existentes, por exemplo, para a realização d e
uma simples cirurgia de catarata; quais os exames são necessários para a realização
de uma cirurgia de redução de estômago; ou, ainda, para apontar quais as pessoas
que testemunharam no bloco cirúrgico a realização do procedimento.
Pode existir excessiva dificuldade na produção da prova do erro do m édico,
não apenas quanto ao contexto da sua culpa, mas também quanto à caracterização
dos demais elementos fáticos constitutivos da responsabilidade civil61, como a o c o r­
rência do dano e o nexo de causalidade62. A vítima .normalmente se encontra e m

a ocorrência dos fatos constitutivos da responsabilidade do profissional, pois o s


dados relativos ao acompanhamento da enfermidade encontram-se nos p ro n tu á ­
rios médicos, na posse do próprio profissional ou da clínica ou do hospital em q u e
exerce a sua atividade. Não raro é o médico que tam bém acaba retendo os exam es,
circunstância que, por óbvio, também dificulta o acesso à prova. Sem falar no a to
cirúrgico em si, momento em que no mais das vezes a vítima encontra-se sedada, o
que lhe impede de observar as circunstâncias em que se deu o evento danoso, n e m
as pessoas que o testemunharam.63A dificuldade na produção da prova é, p o rtan to ,
constatação bastante comum em tais espécies de dem anda64.

61. Não se desconhece a controvérsia doutrinária e jurisprudencial em tomo da natureza d a


responsabilidade civil profissional. Perfilamo-nos ao lado daqueles que entendem q u e a
responsabilidade, in cosu, é subjetiva. Tal compreensão decorre da própria lei protetiva
do consumidor (art. 14, § 4o, CDC).
62. CARPES, Artur Thompsen. A prova do nexo de causalidade na responsabilidade civil.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, passim.
63. Consoante atesta Roberto A. Vazquez, “o segredo do bloco cirúrgico impede ao paciente
de aportar as provas da negligência dos profissionais que realizaram a operação, ao passo
que a estes resultará mais fácil demonstrar que atuaram conforme as regras de sua a rte .”
(VAZQUEZ, Roberto A. La prueba de la culpa y la relación causal en la resppnsabilidad
civil medica. R e v is ta J u r íd ic a d e la F a c u lta d d e D e r e c h o y C iê n c ia s S o c ia le s d e l R o s a r io d e
la P o n tific ia U n iv e r s id a d C a tó lic a A r g e n tin a - Procedimíento Probatorio, [s.d.]. p. 3 1 0 ).
64. No mesmo sentido, por todos: AGUIARJÚNIOR, Ruy Rosado de. Responsabilidade civil
do médico. R e v is ta d o s T rib u n a is. São Paulo, n. 718. p. 33-53,1995; e ROCHA, Cleonice
124 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

Diante de sem elhante contexto, existe verdadeiro dever do juiz proceder à


conformação do procedimento deprovak Constituição, possibilitando o pleno exercício
do direito à prova, utilizando-se da dinamização para transferir o ônus de provar
determ inada circunstância fática à parte que disponha de melhores condições de
prová-la . Dessa forma, no caso de responsabilidade civil profissional, face ao maior
distanciam ento das fontes de prova que pode estar o paciente, suposta vítima do
erro médico, m orm ente porque realmente é difícil o ônus de provar a culpa do
profissional da m edicina, a dinamização pode ser a melhor solução visando à
obtenção da verdade no caso concreto. Vale dizer: atribui-se ao médico o Ônus de
p rovar que foi diligente, agiu em conformidade com a melhor técnica e que fez as
escolhas acertadas no procedimento do qual originou o danoâs.
O direito fundam ental à prova (art. 5°, LVI, CRFB) informa o modelo do
direito fundamental ao processo justo e constitui, ao lado do direito fundamental à
igualdade, a norm a que pauta a dinamização dos ônus probatórios. Por isso é que
o ônus da prova no CPC é dinâmico: nas hipóteses em que a aplicação da regra de
distribuição ordinária esteja a contrariar as suas razões motivadoras, caberá ao juiz
transferir o ônus probatório para a parte que possui melhores condições de produzir
a prova. Com efeito, diante da excessiva dificuldade probatória e da desigualdade
en tre as partes neste específico particular, constitui verdadeiro dever de colabora­
ção do órgão judicial (art. 6o, CPC) lançar mão da técnica da dinamização, a hm 65

Rodrigues Casarin da. O ônus da prova na culpa médica. R e v is ta d a A ju r is , Porto Alegre,


n. 90, jul. 2003. p. 112-114. :
65. MORELLO, Augusto Mario. L a p r u e b a . te n d ê n c ia s m o d e r n a s. Buenos Aires: Abeledo Per-
rol, 2001. p. 116. Alexandre Freitas Câmara cita como exemplo de p ro b a tio d ia b ó lic a as
hipóteses de “inversão" do ônus da prova imposto às seguradoras no sentido de provar
que o segurado era enfermo e tinha o conhecimento de tal aspecto em momento anterior
à contratação do seguro de vida (CÂMARA, Alexandre Freitas. Doenças preexistentes
e ônus da prova: o problema da prova diabólica é uma possível solução. R e v is ta D ia lé ­
tic a d e D ir e ito P ro c e ssu a l. São Paulo, n. 31, p. 9-18, out. 2005). Para o bem da verdade,
todavia, o ônus da prova compete à seguradora porque a doença preexistente constitui
alegação impeditiva do direito à indenização (art. 373, II, do CPC), não havendo falar,
rigOTOsamente, portanto, em dinamização. Por outro lado. vale dizer que, embora
realmente o beneficiário do seguro esteja em melhores condições de produzir a prova,
não parece esta érigir-se como d ia b ó lic a à seguradora: a prova testemunhal dos médicos
que atenderam o segurado na época da contratação pode servir para elucidar a questão,
razão pela qual, ao menos em tese, não haveria lugar, na hipótese, para a adoção da
técnica da dinamização no sentido de atribuir ao autor a prova de que não havia doença
preexistente.
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA | 125

de que não seja lesado o direito fundamental de efetiva e isonômica participação


na construção da decisão judicial66.
Outra hipótese de violação do direito fundamental à prova ocorre quando
uma das partes inviabiliza o alcance da prova à outra, por exemplo, mediante sua
destruição.
A inviabilidade da prova por fato da parte pode dar-se através da sua destruição,
do seu perecimento—quando se faz necessária a conservação - ou mesmo porque sua
produção depende única e exclusivamente da conduta da parte - quando essa deve
se submeter a determinado exame, por exemplo. Nos casos em que a inviabilidade
da prova dá-se por ato da parte onerada, a solução dar-se-á pela funcionalidade
da regra de julgamento, caso essa não consiga, através de outros meios ou fontes,
alcançar ao processo aquilo que se pretendia através da prova inviabilizada. Todavia,
a questão ganha contornos problemáticos quando sobre a parte responsável pela
inviabilidade da produção da prova não recai o ônus probatório, decorrendo, assim,
impossibilidade na produção da prova - e respectiva impossibilidade na tarefa de
se desincumbir do onus probandi - gerando, na esteira do que se sustentou supra,
uma probatio diabólica.
O comportamento da parte quanto à conservação das provas e a viabilidade
de sua produção, especialmente quando revestido de culpa ou dolo, poderá exercer
a função de argumento de prova, hipótese que abre a porta a valoroso e renovado
debate, principalmente no contexto do modelo cooperativo de processo eleito no
Brasil (art. 6o, CPC). No direito italiano, a distinção entre prova e o argumento de
prova sempre se tom ou mais clara ao intérprete em face da disposição contida no
art. 116 dó Códice di Procedura Civile67, que elenca como bases para o conceito as

66. Contra, conforme já asseveramos, navega a doutrina de Rosenberg, para quem “em
nenhum caso a dificuldade e inclusive a impossibilidade de subministrar a prova deve
levar a uma modificação do nosso princípio a respeito do ônus da prova. Pois, um fato
negativo apenas deve ser provado quando a lei vincula à ele um efeito jurídico" (RO­
SENBERG, Leo, h a c a rg a d e la p ru e b a . Trad. Ernesto Krotoschin. Buenos Aires: Ejea,
1956. p. 296-297).
67. Art. 116. II giudice deve valutare le prove secondo íl suo prudente apprezzamento, salvo
che la legge disponga altrimenti.
II giudice puo’ desumere argomenri di prova dalle risposte che le parti gli danno a norma
dellarticolo seguente, dal loro rifiuto ingiustificato a consentire le ispezioni che egli ha
ordinate e, in generale, dal contegno delle parti stesse nel processo.
126 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

respostas das partes em sede de interrogatório não formal68 e a sua não justificada
negação em consentir com inspeções em geral69.
Na dou trina italiana são delineadas algumas tendências interpretativas quanto
à diferença entre prova e argumento de prova. Afirma-se, por exemplo, que os argu­
mentos de prova não são suficientes para, isoladamente, determinar a convicção
sobre a veracidade ou falsidade de determinado enunciado de fato. O juiz pode, no
entanto, servir-se de exame quanto ao comportamento das partes para valorar as
provas70. A inclinação, como se observa, ocorre no sentido de outorgar aos argu­
mentos de prova caráter subsidiário, cuja função é auxiliar tão somente na etapa
de valoração da prova. A doutrina é crítica quanto à hipótese de reconhecer valor
probatório autossuficiente ao comportamento processual das partes.71
Em Portugal, o art. 344° do Código Civil determina a inversão do ônus da
' prova “quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova
ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente
aplicar à desobediência ou às falsas declarações”. Embora o direito português de­
termine que a transferência do encargo probatório ocorra como sorte de sanção ao
dever de cooperação no plano do direito material72, deixa transparecer ceito valor

68 . Art. 117. Il giudice, in qualunque stato e grado del processo, ha facolta’ di ordinäre la
comparizione personale delle parti in contraddittorio tra loro per interrogarle liberamente
sui fatti della causa. Le parti possono farsi assistere dai difensori.
69. Art. 118. II giudice puo’ ordinäre alle parti e ai terzi di consentire sulla loro persona o
suile cose in loro possesso le ispezioni che appaiano indispensabili per conoseere i fatti
della causa, purche’ cio’ possa compiersi senza grave danno per la parte o per il terzo,
e senza costringerli a violare uno dei segreti previsti negli articoli 351 e 352 del codice
di procedura penale. Se la parte rifiuta di eseguire taie ordine senza giusto motivo, il
giudice puo’ da questo rifiuto desumere argomenti di prova a norma delParticolo 116,
secondo comma. Se rifiuta il terzo, il giudice lo condánna a una pena pecuniaria non
superiore a lire ottomila.
70. VERDE, Giovanni. Prova: b) teoria generale e diritto processuale civile. E n c ic lo p é d ia del
D ir itto . Milano: Giuffrè, 1987. v. XXXVII. p. 602.
71. VERDE, Giovanni. Prova: b) teoria generale e diritto processuale civile. E n c ic lo p é d ia d el
D iritto . Milano: Giuffrè, 1987. v. XXXVII. p. 602.
72. O Tribunal da Relação de Coimbra, por exemplo, na Apelação 1952/2001, julgada em
04.12.2001 e relatada por Araújo Ferreira, atestou categoricamente que “A inversão
do ônus da prova, por violação do dever de cooperação à descoberta da verdade a que
estão vinculadas as partes, há de aferir-se da economia conjunta dos arts. 344°, n. 2 do
C.Civil e 519° n. 2 do C.P.C., por tal forma que se demonstre uma determinada ação
ou omissão, culposa intencional, conexionante, numa relação de causa-efeito, com a
criação de condições da impossibilidade da contra-parte em fazer a respectiva prova;
r
O ÔNUS DINÂMICO

probatório a ser outorgado ao comportamento da parte. Isso porque norm alm ente a
parte que destrói intencionalmente a prova o faz porque esta não pode prejudicá-la.
Com base em tal máxima de experiência, o legislador português fixou uma sorte d e
presunção em tom o do enunciado fático que seria obj eto de esclarecimento através
da prova obstaculizada, o que gera a aplicação da dinamização do ônus da prova.
No Brasil a questão ganhou interessantes contornos nos últimos anos, n o
especial em face das ações de investigação de paternidade, principalm ente e m
decorrência dos desenvolvimentos tecnológicos em tom o do exame de DNA, q u e
constitui relevante subsidio probatório. O exame de DNA é capaz de proporcionar
demonstração tão aproximada da verdade como raros meios de prova seriam capazes,
razão pela qual, especialmente nas demandas em que tal perícia se revela o principal
meio de prova, doutrina e jurisprudência vêm admitindo inclusive a relativização
da coisa julgada73. A alta fidedignidade dos resultados da prova colhida do exam e
de DNA pode gerar reflexos no comportamento das partes, principalmente daquela
que deve oferecer o material genético necessário para a realização do exame. Sem
embargo das considerações de natureza material, relativas ao direito fundam ental
à dignidade da pessoa humana, da preservação da intimidade, da intangibilidade
do corpo, uma vez admitida e deferida a prova, a negativa da parte em se subm eter
ao exame é comportamento que, evidentemente, inviabiliza a produção da prova.
A redação do art. 232, CCB, dispõe que “A recusa à perícia médica ordenada
pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia pelo exame”. Ao cabo de tal p r e ­
visão legislativa, o verbete sumular 301, do Superior Tribunal de Justiça, editado
em 22 de novembro de 2004, estabelece que “Em ação investigatória, a recu sa
do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção júris tantum d e

(...)”. A lei remete à técnica da inversão em face da violação ao dever de cooperação e n ao


propriamente à dificuldade que venha, eventualmente, a decorrer de tal comportamento.
73. Nesse sentido, “Não excluída expressamente a paternidade do investigado na primitiva
ação de investigação de paternidade, diante da precariedade da prova e da ausência d e
indícios suficientes a caracterizar tanto a paternidade como a sua negativa, e conside­
rando que, quando do ajuizamento da primeira ação, o exame pelo DNA ainda não era
disponível e nem havia notoriedade a seu respeito, admite-se o ajuizamento de ação
investigatória, ainda que tenha sido aforada uma anterior com sentença julgando im ­
procedente o pedido (...)” (STJ, REsp 226.436/PR, rei. Sálvio de Figueiredo Teixeira,
Quarta Turma, julgado em 28.06.2001, DJ 04.02.2002. p. 370). Sobre o problema d a
justificativa para a relativização da coisa julgada em tais demandas em perspectiva critica,
ver MAR1NONI, Luiz Guilherme. Coisajulgttda inconstitucional. São Paulo: Revista d o s
Tribunais, 2008. p. 191-204.
128 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

paternidade". Qual será, no entanto, o critério a melhor orientar o intérprete no


deslinde do problema?
Em julgado de 2005, o Superior Tribunal de Justiça asseverou que “a recusa do
investigado em se subm eter ao teste de DNA implica a inversão do ônus da prova
e consequente presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor”, além de
q u e, em sendo
verificada a recusa, o reconhecimento da paternidade decorrerá
de outras provas, estas suficientes a demonstrar ou a existência
de relacionamento amoroso à época da concepção ou, ao menos,
a existência de relacionamento casual, hábito hodierno que parte
do simples ‘ficar’, relação fugaz, de apenas um encontro, mas que
pode garantir a concepção, dada a forte dissolução que opera entre
o envolvimento amoroso e o contato sexual.
Extrai-se da motivação que
a jurisprudência do STJ, por sua vez, (...) limita-se a reconhecer
que a recusa do réu em realizar a prova pericial (DNA) implica a
presunção de existência da relação de paternidade. Tal presunção,
entretanto, não é absoluta, mas relativa, porque, além de ensejar
prova em contrário, não induz —a mera recusa —em automática
procedência do pedido. À presunção resultante da recusa deverão
ser adicionadas outras provas, a serem produzidas pelo autor, como
condição de procedência do pedido74.

Antes disso, em precedente de 2003, o Superior Tribunal de Justiça havia


definido que “a recusa injustificada à realização do exame de DNA contribui para a
presunção de veracidade das alegações da inicial quanto à paternidade”75, ou que
“A recusa do investigado em submeter-se ao exame DNA induz presunção que
m ilita contra sua irresignação"76.
Observa-se, especialmente no caso envolvendo as ações de investigação de
paternidade, que o comportamento da parte de negar-se a realizar o exame e com

74. STJ, REsp 557.365/RO, rei. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 07.04.2005,
DJ 03.10.2005. p. 242.
75. STJ, AgRg no Ag 498.398/MG, rei. Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma,
julgado em 16.09.2003, DJ 10.11.2003. p. 188. Grifamos.
76. REsp 55.958/RS, rei. Bueno De Souza, Quarta Turma, julgado em 06.04.1999, DJ
14.06.1999. p. 192. Grifamos.
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA 129

isso frustrar a prova, a par de não se revelar suficiente para determinar a procedência
do pedido, supera a força probatória de mero argumento de prova. Embora deixe de
considerar a conduta do investigado prova cabal da paternidade, entendendo que
esta faz prescindir outras provas, o Superior Tribunal dejustiça estabelece autêntica
presunçãojudicial77em torno da veracidade do enunciado de fato, o que determina,
por conseguinte, a dinamização do ônus da prova. Em outras palavras: no caso
de negativa de submissão ao exame pericial, abre-se a porta para a formulação de
presunção judicial que, por sua vez, acarreta a transferência do ônus probatório à
parte investigada78.
O raciocínio do intérprete, conforme dito, possui por fundamento a seguin­
te máxima de experiência: normalmente aquele que se nega a produzir a prova
assim o faz porque tem consciência de que o seu resultado será contrário aos seus
interesses79. Semelhante máxima de experiência por certo pautou a redação do art.
232, CCB. A interpretação do Superior Tribunal dejustiça acerca do dispositivo
implica considerar a recusa mais do que um mero argumento de prova. A negativa
em se submeter ao exame deflagra o processo de formação de presunção relativa
de veracidade do enunciado fático que se buscava esclarecer com o exame e não
raro é decisivo em sua conclusão. Não bastará, todavia, a negativa do investigado
como único indício apto à formação da presunção: no caso da investigação de
parentalidade, outros indícios também deverão ser objeto de prova, tais como o

77. Nesse mesmo sentido, de que o dispositivo permite a construção de presunção judicial,
GÓES, Gisele Santos Fernandes. O art. 232 do CC e a Súmula 301 do STj - Presunção
Legal ou Judicial ou Ficção Legal? Iru DIDIERJÚNIOR, Fredie; MAZZE1, Rodrigo (Org.).
Reflexos do novo Código Civil no direito processual. Salvador: JusPodivm, 2007. p. 314.
A processUalista inclusive advoga a revogação da Súmula n. 301 do STJ, na medida em
que esta, equivocadamente, eleva a negativa ao exame ã condição de presunção legal
de paternidade.
78. Essa, aliás, já era a tese advogada por Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart
muito antes do advento do Novo Código Civil Brasileiro CMARINONl, Luiz Guilherme;
ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2000. v. 5. L 1. p. 207). No mesmo sentido: OTEIZA, Eduardo. La carga
de la prueba: los critérios de valoración y los fundamentos de la decisiõn sobre quién
está en mejores condiciones de probar. In: OTEIZA, Eduardo (coord.). La prueba en
proceso judicial. Santa Fé; Rubinzal-Culzoni, 2009. p. 193-207.
79. Eis a máxima de experiência presente em precedente do STj, “a recusa do investigado
em submeter-se ao exame de DNA constitui prova desfavorável ao réu. pela presunção
que induz de que o resultado, se realizado fosse o leste, seria positivo em relação aos
Tatos narrados na inicial, já que temido pelo alegado pai” {REsp 409.285/PR, rei. Aldir
Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 07.05.2002, DJ 26.08.2002. p. 241).
•J

130 | ÔNUS DA PROVA NO NOVO CP C

relacionamento, ainda que efêmero, anterior à concepção80. Aliás, para o bem da


verdade, tais indícios devem pressupor o próprio juízo de admissibilidade do exame de
DNA, não sendo possível sequer determiná-lo sem que haja mínima probabilidade
em torno das alegações do investigante.

3. Dinamização fundada no Código de Defesa do Consumidor: o


equívoco do termo "inversão do ônus da prova"

Não existe qualquer diferença entre a “inversão” do ônus da prova prevista


no CDC e a “dinamização” do ônus da prova prevista no CPC. Muito embora as
normas adscritas do Código de Defesa do Consumidor apliquem-se às demandas
relativas às relações de consumo, a técnica é rigorosamente a mesma: depende da
aferição dos mesmos critérios para ser aplicada81.
Na Lei 8.078/90 - o Código de Defesa do Consumidor - , o legislador preferiu,
no entanto, denominar com o termo “inversão” a possibilidade de o juiz m odi­
ficar o esquema ordinário de distribuição do ônus da prova. Embora o vocábulo
“inversão” já esteja consagrado em nossa tradição jurídica, especialmente para os
casos envolvendo as relações de consumo, tal constatação não é capaz de tomá-la
imune a criticas.
A expressão “inversão do ônus da prova”, com efeito, não se afigura capaz de
adequadamente ilustrar o fenômeno que ocorre quando se opera a conformação
constitucional da regra de distribuição do ônus da prova.
O termo “inversão” suscita tendencialmente uma interpretação inadequada
do fenômeno, porque remete a uma transferência integral dos ônus probatórios de

80. “Todavia, tal presunção não é absoluta, de modo que incorreto o despacho monocrático
ao exceder seu alcance, afirmando que a negativa levaria o juízo de logo a presumir como
verdadeiros os fatos, já que não há cega vinculação ao resultado do exame de DNA ou
à sua recusa, que devem ser apreciados em conjunto com o contexto probatório global
dos autos” (REsp 409.285/PR, rei. Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em
07.05.2002, Dj 26.08.2002. p. 241).
81. Em sentido contrario: CAMBI, Eduardo. Teoria das cargas probatórias dinâmicas
(distribuição dinâmica do ônus da prova) - Exegese do art. 373, §§ 1° e 2° do NCPC.
R e v is ta d e P rocesso, n. 246, ago. 2015. p. 89; para quem “só se poderia falar em inversão
caso o ônus fosse estabelecido prévia e abstratadamente”. Também observam diferença:
LOURENÇO, Haroldo. T e o ria d in â m ic a d o ônus d a p r o v a . Rio dejaneiro: Forense, 2015.
p. 98-99; e ARDITO, Gianvito. O ônus da prova no novo Código de Processo Civil. In:
JOBIM, Marco Félix; FERREIRA, William Santos (Coord.). D ire ito P ro b a tó rio . Salvador:
JusPodivm, 2016.
O ONUS DINÂMICO DA PROVA | 13T

uma parte à outra, nada ressalvando quanto aos enunciados de fato cujo encargo
de prova é, de fato, transferido82. O thema probandum pode ser composto de in ú ­
meros enunciados fáticos, mas não são todos que encerram hipótese de excessiva
dificuldade ou mesmo impossibilidade probatória. Nem todos, do mesmo m odo,
remetem à desigualdade nos esforços probatórios. O que se quer dizer, por o u tras
palavras, é que a modificação na distribuição do ônus da prova depende da consta­
tação quanto aos critérios para a dinamização - desigualdade nos esforços de prova
e fragilização do direito à máxima efetividade probatória - no que diz respeito a
cada um dos enunciados fáticos cuja prova depende de obtenção.
Isso significa que haverá alegações fáticas sobre as quais não paira qualquer
violação à igualdade ou fragilização do direito à prova. Dessa forma, no que d iz
respeito à prova de tais enunciados não será possível modificar a distribuição d o
ônus probatório.
O termo “inversão” supõe a transferência integral do ônus da prova de u m a
parte à outra; a menos que haja a particularização, na decisão judicial, dq en u n ­
ciado de fato cujo ônus foi objeto de “inversão” 83. Trata-se, no entanto, de prática
bastante incom um em nossa prática jurídica. É raro, com efeito, que os ju ízes,
quando “invertem” o ônus da prova, especifiquem quais os enunciados fáticos q u e
restam atingidos pela modificação determinada.
A proposta em tom o do termo dinamização é mais adequada, porque se opõe ã
distribuição estática e não toma presumível o modo pelo qual restará estabelecida
a distribuição do ônus da prova. A expressão ônus dinâmico da prova informa a
compreensão de que a distribuição seráfluída, tendo em conta o postulado da razo-
abilidade. Por outras palavras: a distribuição do ônus da prova é dinâmica, p o rq u e
depende do caso concreto e é assim determinada pelo critério geral estabelecido
no caput e pelos critérios fixados nos parágrafos I o e 2° do art. 373, CPC. Falar e m
dinamização significa falar em flexibilização do esquema estático para perm itir a
transferência do ônus da prova relativamente apenas a algum ou alguns enuncia­

82. Para uma crítica similar, mas não idêntica, ao termo inversão,.consulte-se: ARENHART,
Sérgio Cruz. Ônus da prova e sua modificação no processo civil brasileiro. R e v i s t a j u r í -
d ica , n. 34, mai, 2006. p. 32.
83. No mesmo sentido, BARBERIO, Sérgio José. Cargas probatórias dinâmicas: íQué deve
probar el que no puede probar? In: PEYRANO, Jorge; WHITE, Inés Lépori (Org.). C a r g a s
p r o b a tó r ia s d in â m ic a s . Buenos Aires: Rubinzal Culzoni, 2004. p. 102,
132 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

d o s fáticos, isto é, apenas aquele(s) cujo(s) Ônus probatório(s) caracterize(m) a


excessiva dificuldade ou impossibilidade de provar para uma das partes.
As demandas que buscam a desconstituição de negócio jurídico com base na
fraude a credores, nas quais se revela excessivamente difícil a prova da situação de
insolvência do alienante, revela-se um bom exemplo do predito. Apenas a prova
d a alegação de insolvência é que se revela probatio diabólica, o que não ocorre com
o s demais requisitos. O mesmo serve para os casos de fraude à execução (art. 792,
i y CPC). O utra hipótese bastante comum encontra-se nas demandas envolvendo
a responsabilidade civil, em que se faz necessária a prova da culpa, do dano e do
n ex ó de causalidade —ou pelo menos dos dois últimos enunciados - para o caso
d a responsabilidade civil objetiva, para o fim de que seja reconhecida a obrigação
d e indenizar.
Fica evidente, por tais exemplos, que a transferência do ônus da prova, no
m ais das vezes, afeta apenas um dos enunciados fáticos cuja prova é necessária
p ara a incidência da norma de direito material e não todas as demais. Por tal razão é
q u e a expressão “inversão do ônus da prova” não é a mais adequada para significar
o fenômeno84. A expressão “dinamização do ônus da prova” não sugere a transfe­
rência integral do encargo de uma parte para outra, o que impõe ao órgão judicial
especificar, no bojo da sua decisão que determina a modificação, qual enunciado
d e fato é atingido e como isso ocorre.

4. Ônus dinâmico da prova na responsabilidade civil

4 .1 . O ô n u s d in âm ico da p ro va na responsabilidade civ il o bjetiva: a tutela


do d ireito d o co n su m id o r

Questão das mais intrigantes no direito brasileiro encontra-se na confusão


q u e não raro é observada entre a distribuição do ônus da prova e a figura da res­
ponsabilidade civil objetiva. Revela-se bastante comum, com efeito, a afirmação

84. Em sentido contrário, de que “as técnicas [inversão e dinamização] não pode ser
confundidas]”, mas partindo da premissa de que “A atribuição do ônus dinâmico da
prova, se admitida, deve ser compreendida como uma regra geral aplicável em todas as
hipóteses”, v.: MACHADO, Marcelo Pacheco. Ônus estático, ônus dinâmico e inversão
do ônus da prova: análise crítica do Projeto do novo Código de Processo Civil. R e v is ta
d e P ro c e sso , n. 208, jun. 2012. p. 304-305.
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA 133

de que as regras adscritas aos arts. 1285 e 148687do Código de Defesa do Consumidor
constituem hipótese de inversão (rectius: dinamização) do ônus da prova.
Tal constatação, no entanto, caracteriza compreensão equivocada do pro­
blema.
A responsabilidade civil, de modo geral, tem como pressupostos a existência
do dano, a culpa do agente e o nexo de causalidade entre a conduta do agente e o
evento danoso. Dessa noção avultam duas espécies de responsabilidade: a subjetiva
e a objetiva. Nessa última modalidade —a responsabilidade civil objetiva - torna-
-se desnecessária a alegação e a correspondente prova, pelo autor, do enunciado
da culpa. Por outras palavras: no caso da responsabilidade civil objetiva, a culpa
fica alheia ao contexto do objeto litigioso e, portanto, sequer constitui objeto de
alegação e prova no processo. A culpa apenas ingressará no objeto litigioso caso o
fornecedor alegue “culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro”, na esteira do
que dispõem os parágrafos 3o do art. 1267e o inciso II do parágrafo 3o do art. 1488.
Nesse caso, a alegação de culpa exclusiva do consumidor pelo fornecedor consis­
tirá em fato impeditivo ou modihcativo do direito à indenização, ou seja, estará
inserida no contexto da defesa indireta de mérito.
Seja como for, nos casos que envolve a responsabilidade civil objetiva o autor
não tem o ônus de alegar e, por consequência lógica; de provar a culpa do réu; ao
réu, no entanto, faculta-se o exercício de defesa indireta de mérito mediante a ale­
gação de culpa exclusiva do autor. Diante desse quadro, que toma desnecessário
ao autor alegar e demonstrar a existência da culpa, costuma-se confundir a figura
da responsabilidade civil objetiva com a inversão dos ônus probatórios, como se
o ônus da prova da culpa ficasse “invertido”.

85. An. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador


respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados
aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem,
fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento, de seus produtos, bem como
por informações insuficientes ou inadequadas sobre utilização e riscos.
8 6 . Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa,
pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação
de serviços, bem como por informações insuficientes e inadequadas sobre fruição e
riscos.
87. § 3 °. O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não serão responsabilizados
quando provar: (...) III —a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
88 . § 3“. O fornecedor dê serviços só não será responsabilizado quando provar: (...) II - a
culpa exclusiva do fornecedor ou de terceiro.
134 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

O que ocorre, todavia, é a inexistência do elemento fático-jurídico culpa


para a aferição da responsabilidade civil, retirando-o do objeto litigioso. É o
direito material rigorosamente que, em comparação com a responsabilidade civil
subjetiva, deixa de exigir a prova da culpa89: para que seja reconhecido o direito ao
ressarcimento não se exige a alegação nem a prova da culpa. Não há falar, portanto,
em inversão ou dinamização do ônus da prova: o ônus de alegação é atribuído
de modo distinto por força do que determina o direito material em comparação
às hipóteses de responsabilidade civil subjetiva. Como se disse, a culpa apenas
ingressará no objeto litigioso se o réu alegar culpa exclusiva do fornecedor ou
de terceiro, hipótese em que lhe caberá o ônus probatório com base no art. 373,
II, do CPC.
Isso não impede, no entanto, que o Ônus dinâmico da prova seja admissível
nos processos que instrumentalizam demandas de responsabilidade civil obj etiva.
Tanto a prova do dano quanto a prova do nexo de causalidade podem revelar-se na
prática impossíveis ou extremamente difíceis ao autor. Ao mesmo tempo, a ativi­
dade probatória que visa a esclarecer tais enunciados fáticos pode se revelar mais
fácil ao réu. Desse modo, se o réu possui melhores condições de demonstrar que o
dano não ocorreu, ou que esse foi causado exclusivamente pela vítima (ou, ainda,
que a vítima colaborou decisivamente para que este tivesse ocorrido), admite-se a
dinamização do ônus da prova para outorgar ao réu a prova de tais enunciados. Em
síntese: pela distribuição ordinária do ônus da prova, o autor da demanda possui
o ônus de provar suas alegações que respeitam à existência do dano e do nexo de
causalidade, mas nada impede ao juiz que, ao constatar a probatio diabólica e a
desigualdade nos esforços de prova, aplique a dinamização90. Dessa forma, a dina­
mização poderá ocorrer no sentido de onerar o réu da prova da inexistência de nexo
de causalidade ou que demonstre a inocorrência do próprio dano, como nos casos,
por exemplo, envolvendo o furto de veículos em shopping centers, especialmente
quando estes dispõem de câmeras e possuem maior facilidade em demonstrar que
o dano não ocorreu nas suas dependências.

89. No mesmo sentido, Voltaire de Lima Moraes, quando afirma que “a questão referente à
responsabilidade civil objetiva ou subjetiva diz respeito a tema disciplinado em sede de
direito substancial, enquanto a inversão do ônus da prova diz com tema afeto ao direito
processual”. Anotações sobre o ônus da prova no Código de Processo Civil e no Código
de Defesa do Consumidor. R e v is ta d e D ire ito d o C o n s u m id o r , n. 31, jul.-set. 1999. p. 68 .
90. Contra, entendendo que “revela-se redundante e desnecessário inverter-se o ônus da
prova no sistema da responsabilidade objetiva”, KFOURI NETO, Miguel. C u lp a m é d ic a
e ô n u s d a p ro v a . São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 150.
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA 135

Quanto ao problema envolvendo o nexo de causalidade, o Código de Defesa


do Consumidor especifica que os danos indenizáveis são aqueles “causados aos
consumidores por defeitos (...) de seus produtos” (art. 12, caput) ou “por defeitos
relativos à prestação dos serviços” (art. 14, caput): A lei determina, assim, que o
nexo de causalidade seja compreendido mediante relação entre o defeito no p ro ­
duto ou na prestação de serviços e o dano sofrido pelo consumidor. Vale dizer: a
prova do nexo de causalidade não se limita à relação de causa e efeito entre o dano
e o produto91. Embora exista presunção legal iuris tantum a respeito da existência
do defeito - “Ofornecedor (...) só não será responsabilizado quando provar (...) que
o defeito inexiste” (art. 12, § 3o, II e art. 14, § 3°, I do CDC) - , em princípio é d o
consumidor o ônus de provar o nexo de causalidade entre tal defeito do produto
ou do serviço e o dano que alega ter sofrido.
Em outras palavras: o ônus da prova do nexo de causalidade entre o defeito
do produto ou do serviço e o dano permanece, como regra, com o autor, conso­
ante a disciplina do art. 3 7 3 ,1, CPC, a menos que seja determinada a dinamização
mediante decisão judicial. Por tal razão, portanto, também se revela um equívoco
confundir a responsabilidade civil objetiva com o fenômeno da inversão dos ô n u s
probatórios. Embora não tenha o ônus de provar a culpa, é do autor o ônus d e
provar os demais pressupostos da responsabilidade civil, tais como o dano92 e o
nexo de causalidade93. Ainda que o defeito seja eventualmente presumido, não se

91. MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman V; MIRAGEM, Bruno. C o ­


m e n tá r io s a o C ó d ig o d e D e fe s a d o C o n su m id o r. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
p. 259.
92. “Muito embora esteja caracterizada a fraude, pela qual foi habilitada uma linha telefônica
em nome do autor, circunstância que caracteriza a falha na prestação da serviço, há q u e
se ter presente que a responsabilidade civil nào surge, tâo-someme, pela prática de ato
ilícito. Não há falar cm indenização sem que haja prova do dano. No caso dos autos,
nào se pode admitir que a fraude tenha causado dor, vexame, sofrimento ou humilhação
que, fugindo à normalidade, possa ter interferido intensamente no comportamento psi­
cológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem estar,
circunstâncias que configurariam o dano moral.” (TJRS, Quinta Câmara CíveL Apelação
Cível 70020110649, rei. Umberto Guaspari Sudbrack. julgado em 22.08.2007). Ainda:
“É responsabilidade do correntista a guarda do cartão magnético e o sigilo da senha
respectiva, que é pessoal e intransferível, somente podendo ser responsabilizado o banco
depositário se restar cabalmente comprovada a falha no serviço. Relação de consumo q u e
não dispensa a prova do dano e do nexo causal. (TJRS, Décima Câmara Civel. Apelação
Cível 70019220326, rcl. Paulo Antônio Kretzmann, julgado cm 12.07.2007).
93. “A responsabilidade civil do prestador de serviços é objetiva, o que, todavia, nào exclui
o encargo do consumidor de demonstrar o dano e o nexo de causalidade (TJRS, D éci­
136 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

exclui o ônus de dem onstrar o nexo causal entre este e o dano, ou seja, de que o
dano decorreu do defeito do produto ou do serviço.

4 .2 . O ôn u s din âm ico da p rova na responsabilidade civil o bjetiva: a tutela


d o direito am biental

A responsabilidade civil decorrente de danos causados ao meio ambiente


tam bém é objetiva. Consoante dispõe a Lei 6.938/81, o poluidor é obrigado, “inde­
pendentem ente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao
m eio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade” (art. 14, § I o). A propósito
d o assunto, o Superior Tribunal de Justiça possui a orientação de que referida lei
“adotou a sistemática da responsabibdade objetiva, que foi integralmente recep­
cionada pela ordem jurídica atual, de sorte que é irrelevante (...) a discussão da
conduta do agente (culpa ou dolo) para atribuição do dever de reparação do dano
causado”94. Segundo o mesmo STJ, a desconsideração do fator de imputação na
hipótese decorre da aplicação do denominado “princípio do poluidor-pagador”,
que obriga o poluidor, “independentemente da existência de culpa, a reparar - por
óbvio que às suas expensas —todos os danos que cause ao meio ambiente e a ter­
ceiros afetados por sua atividade, sendo prescindível perquirir acerca do elemento
subjetivo, o que, consequentemente, tom a irrelevante eventual boa ou má-fé para
fins de acertamento da natureza, conteúdo e extensão dos deveres de restauração
do status quo ante ecológico e de indenização”95.
Embora a culpa do suposto poluidor não seja tema a ser examinado nas de­
m andas que versam sobre a responsabilidade civil por danos ao meio ambiente, o
ônus de provar o dano e o nexo de causalidade é do autor da demanda (art. 373,1,
CPC). Afinal, segundo dispõe ô art. 4o, VII, da Lei n° 6938/81, o poluidor possui
“obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados” ao meio ambiente. Em
outras palavras: o reconhecimento do direito à compensação do dano ambiental
depende da demonstração do dano e do nexo de causalidade. Será admissível a
dinamização do ônus da prova do dano e/ou do nexo de causalidade em tais de­

ma Câmara Cível, Apelação Cível 70067703488, rei. Jorge Alberto Schreiner Pestana,
julgado em 31.03.2016).
94. STJ, AgRg no AREsp 183.202/SP, rei. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma,
julgado em 10.11.2015, DJe 13.11.2015
95. STJ, REsp 769.753/SC, rei. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 08.09.2009,
DJe 10.06.2011.
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA 137

mandas? Desde que seja constatada a concreta presença dos requisitos (art. 373,
§§ I o e 2o, CPC), a resposta só pode ser positiva96.
No que concerne especificamente à distribuição do ônus da prova, aos proces­
sos coletivos fundados na tutela do meio ambiente aplica-se a regra de distribuição
ordinária adscrita do art. 373, incisos I e II, CPC97. As conhecidas dificuldades que
giram em tom o da demonstração da causalidade, mormente nas demandas que
envolvem a tutela do meio ambiente, tornam tais demandas, no entanto, campo
fértil para a aplicação da dinamização do ônus prova98. Os eventos “causa” e “efeito”
são constituídos por dois ou mais fatos, de modo que tanto a causa pode ser com­
posta de um ou mais eventos quanto o efeito pode ser composto de uma ou mais
consequências dessa causa. A relação que se estabelece entre estes dois fenômenos—
denominada nexo causal, nexo de causalidade ou nexo etiológico —pôde consistir

96. Há doutrina que defenda que "os princípios prudenciais da prevenção e precaução"
determinam “liminarmente uma atuação judiciai preventiva, que inviabiliza a aplicação
da regulação clássica da distribuição dos ônus probatórios” (DIAS, Jeân Carlos. As
cadeias prometéicas: ainda o ônus da prova nas ações ambientais. R e v ista ,d e , P rocesso,
n. 153, nov. 2007. p. 133-144). De acordo com tal perspectiva, tais princípios “deter­
minam a exclusão da causalidade”, ou seja, mesmo que a parte iião tenha se liberado
de seus “ônus processuais, o juízo deve decidir de modo a evitar que o dano ambiental
ocorra", de modo que “Pouco importa (...) a performance probatória da parte que
requer do juízo a proteção do meio ambiente", pois “a existência e aplicabilidade dos
princípios prudenciais vão determinar sempre uma decisão protetiva". Tais princípios,
todavia, embora tenham aplicabilidade nas demandas fundadas na tutela inibitória ou
compensatória do meio ambiente, não exercem influência no procedimento probatório,
no que se inclui a distribuição do ônus da prova. A proposta talvez encontrasse melhor
esteio argumentativo na hipótese de interpretação constitucional da responsabilidade
civil, mediante a realização de um diálogo dê fontes, o que podería, em tese, oferecer
solução em termos de “flexibilização’' do nexo de causalidade. Note-se bem o ponto:
flexibilizar o nexo de causalidade, isto é, no que diz respeito à função que o fenômeno
desempenha na fattispecie abstrata da norma de direito material. Tratar-se-ia, nesse caso,
de problema que se insere no plano ligado ã aplicação das regras, princípios e postulados
normativos. Melhor ainda seria, todavia, se o tema fosse tratado como um problema
de lege ferenda, ou seja, de formulação de novas bases legislativas para o problema do
nexo de causalidade na responsabilidade civil, tendo em conta não apenas a notória
dificuldade de sua demonstração em muitos casos, mas a necessidade de dar adequada
compensação ao meio ambiente.
97. RUCH, Erica, Distribuição do ônus da prova nas ações coletivas ambientais. Revista de
P rocesso, n. 168, fev. 2009. p. 367. Sobre o tema, ver também: GRECO, Leonardo. As
provas no direito ambiental. Revista d e P rocesso, n. 128, out. 2005.
98. Sobre o tema, ver: CARPES, Artur Thompsen. A p r o v a d o n e x o d e c a u s a lid a d e n a respon­
s a b ilid a d e civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
138 ÓNUS DA PROVA NO NOVO CPC

em fenômeno de dificílima demonstração em juízo. Isso porque, ao contrário do


fenômeno tido por “causa” e aquele tido por “efeito”, o nexo de causalidade tem
por principal característica não ser um evento empírico observável ou perceptível".
Não por acaso, aliás, a doutrina civilista consagra o nexo causal como o elemento
mais complexo da responsabilidade civil99100.
Decorre de semelhante constatação o consenso a respeito das dificuldades
probatórias em processos que envolvem demandas ligadas à tutela compensatória
do meio ambiente101. Não fosse a complexidade do fenômeno em si, a prova do nexo
causal também se revela difícil em razão da distância temporal entre o fato gerador e
o dano102. Ademais, os fatos ligados à poluição, além de serem complexos, possuem
efeitos difusos, ocasionando danos distanciados de sua fonte e prolongados no tem­
po, muitas vezes em concurso com outras fontes poluentes103. Fala-se, a propósito,
na hipótese de “dispersão do nexo causal”, pois o dano pode ser atribuído a uma
multiplicidade de causas, fontes e comportamentos. A multiplicidade ou concurso
de causas pode ser devida a ocorrência de i) causas complementares, ou concausas,
que ocorre quando o dano é decorrência lógica de diversos fatos que, isoladamen­
te, não teriam eficácia suficiente para causar o dano104; ii) causas cumulativas, ou
causas concorrentes, que ocorre quando cada uma das distintas causas teria, por si
só, força para determinar a produção do dano105; eiii) causas alternativas, quando

99. TARUFFO, Michele. La prova dei nesso causale. Rivísta critica del diritto privato. Napoli:
Jovene, 2006. n. 1. Ano XXIV. p. 113.
100. ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações esuas consequências. Rio de janeiro:
Editora Jurídica e Universitária, 1965. p. 326; SERPA LOPES, Miguel María de. Curso
de direito civil. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2. ed, 1962. v. V p. 231; CRUZ, Gisela
Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Renovar,
2005. p. 12. OLIVEIRA, Ana Ferestrelo de. Causalidade e imputação na responsabilidade
civil ambiental. Coimbra: Almedina, 2007. p. 14.
101. Conforme, por todos, Ana Perestelo de Oliveira, "A demonstração da causalidade,
dentro ou fora da responsabilidade ambiental, apresenta, pois, dificuldades acrescidas".
(OLIVEIRA, Ana Perestelo de. Causalidade e imputação na responsabilidade civil ambiental.
Coimbra: Almedina, 2007. p. 84).
102. CRUZ. Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. Rio
de Janeiro: Renovar, 2005. p. 262.
103. BENJAMIN, Antônio Herman V. Responsabilidade civil pelo dano ambiental. Revista
de Direito Ambiental, São Paulo, n. 9, 1998. p. 44.
104. CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. Rio
de Janeiro: Renovar, 2005. p. 28.
105. CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. Rio
de Janeiro: Renovar, 2005. p. 29.
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA 139

não é possível definir, dentre os diversos participantes em certo grupo, qual d eles
efetivamente causou o dano: embora seja sabido que o agente que causou o d a n o
faz parte do grupo, mas não se faz possível identificá-lo106.
Quanto ao dano ambiental, esse “caracteriza-se por seu caráter difuso” e p e la
sua “autonomia em relação aos danos impostos aos diversos elementos que integram
o meio ambiente (ar, água, solo, vegetação)”, gerando efeitos “complexos” e q u e
“variam de intensidade e imediatez”107. Por tais razões, o dano ao meio am biente
pode apresentar-se como enunciado excessivamente difícil de ser provado em ju íz o .
Vale imaginar a constatação quanto ao grau de sua intensidade do dano ao m eio
ambiente, aspecto decisivo no que diz respeito à mensuração da compensação a
ser determinada pelo órgão judicial.
Em síntese, as demandas ambientais,
tendo em vista respeitarem bem público de titularidade d ifu sa,
cujo direito ao meio am biente ecologicamente equilibrado é d e
natureza indisponível, com incidência de responsabilidade c iv il
integral objetiva, implicam um a atuação jurisdicional de ex trem a
complexidade108.

Diante de tantas dificuldades, faz-se necessário que o juiz disponha de técnicas


processuais que outorguem a máxima efetividade probatória para a formação d o
juízo sobre o nexo de causalidade e o dano. A dinamização do ônus da prova, p o r ­
tanto , pode consistir em técnica indispensável para a adequada prestação da tu te la
jurisdicional do meio ambiente, de modo a tomá-la efetiva. Defender nesse âm bito
a estática aplicação das técnicas probatórias não raro significa negar a operativi-
dade da responsabilidade civil ou, antes disso, à própria Constituição, cujo tex to
prevê, em seu art. 225, o direito fundamental ao “meio ambiente ecologicam ente
equilibrado” e à sua respectiva integridade109.

106. CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. R io
de Janeiro: Renovar, 2005. p. 31.
107. MARCHESAN, Ana Maria Moreira; STEIGLEDER, Annelise. Fundamentos jurídicos
para a inversão do ônus da prova nas ações civis públicas por danos ambientais. Revista
da Ajuris, n. 90. Porto Alegre: Ajuris, jun. 2003. p. 14.
108. STJ, AgRg no REsp 1412664/SP, rei. Raul A raújo, Q uarta Turma, julg ad o e m
11.02.2014, DJe 11.03.2014.
109. CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. R io
de Janeiro: Renovar, 2005. p. 262. Ho mesmo sentido, Ana Maria Moreira M archesan
e Annelise Steigleder, inclusive estabelecendo interessante conexão entre os princípios
140 ÓNUS DA PROVA NO NOVO CPC

São diversos os julgados do Superior Tribunal de Justiça a respeito da dina­


m ização do ônus da prova em demandas fundadas na responsabilidade civil am­
b ien tal110, de modo a sujeitar aquele que supostamente gerou o dano ambiental o
ô n u s da prova de “que não o causou [o dano] ou que a substância lançada ao meio
am biente não lhe é potencialmente lesiva”111. Embora a dinamização seja medida
excepcional e dependa da dupla constatação - fragilização do direito fundamental
à prova e à igualdade —, as particularidades da tutela do meio ambiente permitem
proveitoso debate sobre a aplicação da técnica na prática. Ao transferir o ônus da
prova ao suposto ou potencial poluidor, permite-se que esse, situado em posição
d e maior proximidade com as fontes de prova, demonstre que não colaborou com
a produção do dano ambiental ou, ainda, que não ocorreram os alegados danos ao
m eio ambiente. A dinamização pode significar, desse modo, evidente salto quali­
tativo no processo de formação do juízo de fato.

4 .3 . O ônus dinâmico da prova nos processos fundados na responsabilidade


civil profissional

As demandas envolvendo a responsabilidade civil profissional, especialmente


a do médico, são aquelas que mais são utilizadas pela doutrina argentina para de­
m onstrar a aplicação da técnica da dinamização112. No Brasil, tais casos têm sido

da precaução e da prevenção, bem como do poluidor-pagador e a necessidade de mo­


dificação na estrutura legal dos ônus probatórios. (MARCHESAN, Ana Maria Moreira;
STEIGLEDER, Annelise. Fundamentos jurídicos para a inversão do ônus da prova nas
ações civis públicas por danos ambientais. R e v ista d a A ju r is , n. 90. Porto Alegre: Ajuris,
jun. 2003. p. 22-23).
110. Sobre o tema, ver: RIBEIRO, Crisüna Zugno Pinto. Comentário de acórdão do STJ:
o ônus dinâmico da prova à luz dos direitos fundamentais. R e v ista d a A ju r is , n. 34, jun.
2014. v. 41 p. 571-594.
111. REsp 1060753/SP, rei. Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 01.12.2009, DJe
14.12.2009.
112. Roberto A. Vázquez Ferreira realiza interessantes observações acerca do tratamento
probatório nos casos envolvendo a responsabilidade civil médica em diversos países.
Observa que na Itália o juiz se vale das máximas de experiência comum para presumir a
culpa do médico. Valèndo-se de precedente da Corte de Cassação, refere que “quando se
trate de operações de fácil execução, em que o normal é que da intervenção médica siga a
cura do paciente, a prova dada por este acerca do tipo de operação, da sua fácil execução
e do dano consequente, permite ao juiz presumir a culpa do médico, correspondendo a
este a prova da ausência de sua culpa”. Na França, por outro lado, a jurisprudência tem
evoluído no sentido de reduzir o módulo de prova, tendo os juízos se valido dos indícios
em tomo da culpa para presumir sua existência, naqueles casos em que “a ocorrência do
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA 141

submetidos ao regime do Código de Defesa do Consumidor113, inclusive no que se


refere à dinamização do ônus da prova114, muito embora com ressalvas a respeito
da prestação de serviço de saúde em hospital público115. Seja como for, os casos
envolvendo as ações de responsabilidade civil por erro médico, face às suas pecu­
liares características, são ricos em fornecer exemplos sobre a aplicação da técnica
da dinamização, mormente no que diz respeito à prova da culpa do profissional116.

dano não se pode explicar, segundo a experiência comum, senão por uma falta médica”.
Na Espanha também os tribunais se baseiam nas máximas de experiência comum para
trabalhar a presunção de culpa do profissional: segundo o Tribunal Supremo, a culpa
pode ser demonstrada através de prova p r im a fa c ie quando o dano não se pode explicar
segundo a experiência comum e não sc aportem provas contrárias oportunas. Nos paises
do Common Law, a jurisprudência trabalha princi palmente a técnica da res ipsa loquitur
(“as coisas falam por si mesmas”), hipóteses para as quais a qualificação de imprudência
ê tão simples que não requer maior exame, como, por exemplo, o esquecimento de um
bisturi dentro do abdômen do paciente. (VAZQUEZ, Roberto A. La prueba de la culpa
y la relación causal en la responsabilídad civil medica. Revista Jurídica d e la F a cu lta d de
D e rech o y C iê n c ia s Soriaies dei R o sá rio d e la P o n tifíc ia U n iv e r s id a d Católica A r g e n tin a -
Procedimiento Probatorio, [s.d,]. p. 300-304).
113. Nesse sentido, “Consoante a jurisprudência consolidada no âmbito do Superior
Tribunal de Justiça, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos serviços médi­
cos, inclusive o prazo prescricional previsto no artigo 27 da Lei 8.078/1990" (AgRg no
AREsp 785.171/SP, rei. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 19.11.2015, DJe
24.11.2015).
114. Assim, “É possível a inversão do ônus da prova (arL 6 °, VIII, do CDC), ainda que se
trate de responsabilidade subjetiva de médico, cabendo ao profissional a demonstração de
que procedeu com atenção às orientações técnicas devidas” (AgRg no AREsp 25.838/PR,
rei. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 20.11.2012. DJe 26.11.2012).
115. “As Turmas de Direito Público que integTam esta Corte já se manifestaram no sen­
tido de inexiste qualquer tipo de remuneração direta no serviço de saúde prestado por
hospital público, posto que seu custeio ocorre por meio de receitas tributárias, de modo
que não há falar em relação consumerista ou apücaçáo das regras do Código de Defesa
do Consumidor à hipótese” (STJ, AgRg no REsp 1471694/MG, rei. Mauro Campbell
Marques, Segunda Turma, julgado em 25.11.2014, DJe 02.12.2014).
116 Mesmo nos casos submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade
do profissional liberal é de natureza subjetiva, segundo previsão conrida no § 4° do art.
14,o que pressupõe a necessidade de provar a culpa. Todavia, os tribunais brasileiros,
de um modo geral, têm estabelecido diferenças entre os serviços médicos que consti­
tuem “obrigações de meio” e aqueles que consdtuem “obrigações de resultado”, a fim
de estipular que nestes últimos a responsabilidade é de natureza objetiva, prescindindo,
portanto, da demonstração da culpa. Assim, há muito já fixou o STJ a r a tio d ecid en d i no
sentido de que, “contratada a realização da cirurgia estética embelezadora. o cirurgião
assume obrigação de resultado (Responsabilidade contratual ou objetiva), devendo
indenizar pelo não cumprimento da mesma, decorrente de eventual deformidade ou
142 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

Em tais hipóteses, segundo a regra do Código de Defesa do Consumidor,


recai sobre o autor da demanda, ou seja, sobre aquele que se diz vítima do erro
médico, o ônus de provar a culpa do profissional da medicina. Não raro, entretan­
to, o ônus de provar a culpa do profissional revela-se tarefa das mais árduas. Isso
porque o paciente normalmente não possui o conhecimento da técnica médica
nem os docum entos (prontuários) médicos, o que não lhe perm ite conhecer
com exatidão o procedimento que lhe foi ministrado. Como se sabe, no mais das
vezes até os exames - de imagem, de sangue, físicos etc - , acabam ficando em
poder do médico. Ademais, quando o paciente está na sala de cirurgia norm al­
mente está sedado, o que lhe retira capacidade de discernim ento para apontar
as provas que poderiam melhor servir à compreensão dos fatos alegados, como
a indicação de testemunhas, por exemplo. Como se tudo isso não bastasse para
caracterizar as dificuldades da vítima do erro médico em relação à atividade
probatória, há de se considerar os riscos inerentes à parcialidade do perito, na
medida em que o expert geralmente pertence à mesma classe profissional e à
mesma especialidade do réu.
No Brasil, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul foi o primeiro a desen­
volver a aplicação da dinamização nos casos de responsabilidade civil profissional
fundada em erro médico. No pioneiro caso, relatado pelo Desembargador Armínio
José Abreu Lima da Rosa, assim se pronunciou a corte diante da dificuldade que o
caso concreto impunha à produção da prova da culpa do profissional:
Não se ignora a dificuldade de obtenção da prova, sempre que a
ação se funda em erro médico. Um arraigado, e equivocado, con­
ceito de ética médica serve a obstaculizar a elucidação dos fatos,
levando, no mais das vezes, à improcedência de demandas que
visem à responsabilização de profissionais dessa área.
Não por outra razão, em doutrina, com alguns reflexos juris-
prudenciais, tem-se trazido a essa seara a denominada Teoria da
carga dinâmica da prova, que outra coisa não consiste senão em
nítida aplicação do princípio da boa-fé no campo probatório. Ou
seja, deve provar quem tem melhores condições para tal. É logi­
camente insustentável, que aquele dotado de melhores condições
de demonstrar os fatos, deixe de fazê-lo, agarrando-se em formais

de alguma irregularidade” (REsp 81.101/PR, rei. Waldemar Zveiter, Terceira Turma,


julgado em 13.04.1999, DJ 31.05.1999. p. 140).
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA 143

distribuições dos ônus de dem onstração. O processo m o d e rn o


não mais compactua com táticas ou espertezas procedim entais e
busca, cada vez mais, a verdade.

Pois é na área da responsabilidade m édica que o profissional d a


medicina tem, evidentemente, maiores (se não a única) p o s s i­
bilidades de demonstração dos fatos, que a referida co n cep ção
probatória encontra campo largo à sua incidência. Como c o n s e ­
quência prática, inverte-se o ônus probatório. O médico é q u e m
deve demonstrar a regularidade de sua atuação .117

De se notar que, nos casos de responsabilidade civil do médico, a im posição


do dever de exibição de documentos não é suficiente para o esclarecimento d a
verdade, na medida em que esse poderá escolher quais os documentos que ir á
juntar, excluindo aqueles que não lhe interessam e que, justam ente por deficiência
de conhecimento técnico, a vítima desconhece existir.
Vale lem brar que, nada obstante o nosso processo civil seja pautado p e lo
princípio da colaboração (art. 6o, CPC), não é dotado de norm as similares àquelas
que gravitam em torno da discovery estadunidense, isto é, regras que evidenciam, a
existência de um autêntico dever de colaboração das partes na prova judiciária, ta l
qual ocorre com o duty of disclosure118. A colaboração das partes na prova judiciária
do processo civil brasileiro é exercida substancialmente através do cum prim ento

117. TJRS, Apelação Cível 597083534, Primeira Câmara Cível, rei. Armínio José A b reu
Lima da Rosa, julgado em 03.12.1997.
118. O duty of disclosure, previsto na Rule 26 das Federal Rules of Civil Procedure, constitui
uma das normas fundamentais que regulam o processo civil estadunidense, impondo às
partes o dever preliminar de comunicar às outras todas as informações relativas às provas
que possui. Sobre o tema, ver: FOLLE, Francis Perondi. A prova sem urgência no direito
norte-americano: um exame do instituto da Discovery. Revista de Processo, n. 204, fev.
2012. p. 131-152. Para um exame comparativo entre o direito probatório estadunidense e
o brasileiro, ver: PAULAJUNIOR, Aloysio Libano de. A Experiência Probatória no Direito
Americano e no Brasileiro. Dissertação (Mestrado em Direito Processual) - Faculdade d e
Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008. Para um exam e
sobre algumas características particulares do procedimento probatório estadunidense,
ver IMWINKELRIED, Edward J. Evidentiary foundations. New Provence: LexisNexis,
2012. Para uma crítica ao modelo probatório estadunidense, ver: TWINING, W illiam.
Rethinking evidence: exploratory essays. Evanston: Northwestern University Press, 1994;
e VERNEK, Remme. Fact-finding in civil litigation. Antwerp: Intersentia, 2010. p. 279-
-300.
144 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

d o s ônus119. Assim, toma-se mais idôneo no que diz respeito à formação do juízo
d e fato onerar o médico da prova de que atuou com prudência, perícia e diligência,
d o que deixar ao autor da demanda tal encargo. Em determinados casos, é mais
fácil ao médico demonstrar que agiu diligentemente, que tomou todas as cautelas
adequadas à solução do caso concreto, do que manter a distribuição determinada
p elo critério padrão.
A dinamização, vale sublinhar, não fica restrita ao ônus da prova do enun­
ciado da culpa. O enunciado do nexo de causalidade e até mesmo do dano podem
tam bém ser objeto da transferência do ônus da prova, desde que fique constatada
e devidamente fundamentada a aplicação dos princípios da igualdade e da máxi­
m a efetividade probatória no caso, mediante a utilização do postulado normativo
aplicativo da razoabilidade (v. supra, item 2.2)120.
Nó que diz respeito às demais hipóteses de responsabilidade civil profissio­
n a l, como sucede com a do advogado e a do engenheiro, por exemplo, também
é p o r óbvio admissível a dinamização do ônus da prova. Presentes os requisitos
(art. 373, §§ I o e 2°, CPC), a dinamização do ônus da prova tem cabimento em
qualquer demanda.

5. O ônus da prova para o reconhecimento do direito à gratuidade


judiciária

O ônus da prova constitui técnica processual que funciona como regra de


julgam ento para a definição de qualquer questão, seja essa de natureza final ou
incidental. Assim, rigorosamente, não apenas exerce sua função na fase decisória
d o processo, mas também atua na oportunidade em que o órgão judicial desafia
qualquer questão, seja essa de direito material (o julgamento de parcela dos pedidos

119. Sobre a relação dos ônus probatórios com o modelo da colaboração adotado pelo
processo civil brasileiro, v.: MITIDIERO, Daniel. C o la b o r a ç ã o n o p r o c e s s o c iv il. São
Paulo: Revista dos Tribunais. 3. ed., 2015. p. 132-143; MITIDIERO, Daniel. Processo
justo, colaboração e ônus da prova. R e v is ta d o TST, Brasília, n. 1, jan.-mar. 2012. v. 78.
p. 67-77.
120. Sobre o ônus da prova nas ações indenizatórias do empregado em face do empregador,
no sentido de que se outorga ao autor, como regra, o ônus de provar o dano, o nexo
de causalidade e a culpa, ver: AMORIM, José Roberto Neves. Indenização acidentaria
fundada no direito comum: a prova e o ônus de produzi-la. R e v is ta d e P rocesso, n. 136,
jun. 2006. p. 104-110.
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA 145

constitui exemplo disso - art. 356, CCP/15), seja essa de direito processual, como
aquela que diz respeito à concessão da gratuidade judiciária.
A gratuidade j udiciária constitui expressão do direito fundamental de amplo e
irrestrito acesso àjurisdição. Se “alei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário
lesão ou ameaça a direito” (art. 5o, XXXY CRFB), não é a exigibilidade do pagámen-
to das despesas processuais que irá impedir ou mesmo prejudicar o exercício do
direito de acesso àjurisdição. Caso a parte não disponha de recursos para efetuar
o pagamento das despesas processuais, incluídas aí taxas e custas judiciais, selos
postais, despesas com publicação na imprensa oficial, despesas com a realização
de exame de código genético - DNA e de outros exames considerados essenciais,
Honorários do advogado e do perito e a remuneração do intérprete ou do tradu­
tor, preparo recursal, além dos emolumentos devidos a notários ou registradores
em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial
necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial
no qual o benefício tenha sido concedido, terá direito à gratuidade judiciária. A
previsão está contida no art. 98, e respectivos parágrafos, do CPC, que também
dispõe que o benefício pode alcançar “algum ou (...) todos os atos processuais, ou
consistir na redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver
de adiantar no curso do procedimento” (§ 5o), e autoriza o juiz a conceder “par­
celamento de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso
do procedimento” (§ 6o).
Ainda segundo o novo CPC, lei que veio a expressamente revogar em parle
aquilo que dispunha a Lei 1.060/50 a respeito do tema - o art. 1.072,111, CPC,
dispõe que “os arts. 2o, 3o, 4o, 6o, 7°, 11,12 e 17 da Lei 1.060, de 5 de fevereiro de
1950” foram revogados - , o requerimento de concessão da gratuidade judiciária
podé ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de
terceiro no processo ou em recurso (art. 98, CPC). Caso seja deferido o requeri­
mento, a parte contrária poderá oferecer impugnação na contestação, na réplica,
nas contrarrazões de recurso ou, nos caSos dê pedido superveniente ou formulado
por terceiro, por meio de petição simples, a ser apresentada no prazo de 15 dias,
nos autos do próprio processo, sem suspensão de seu curso (art, 100, CPC).
No que diz respeito à prova das alegações fáticas formuladas pelo requerente
da gratuidade judiciária duas disposições merecem ser sublinhadas. A primeira diz
respeito à presunção legal júris tantum de veracidade da alegação dé insuficiência
de recursos quando deduzida por pessoa nattjral (art. 99, § 3o, CPC). O legislador
resolveu m anter a presunção historicamente estabelecida pela Lei 1.060/50 em seu
146 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

art. 4o, § I o, cujo texto dispunha “Presume-se pobre, até prova em contrário, quem
afirmar essa condição nos termos desta lei, sob pena de pagamento até o décuplo
das custas judiciais”. A segunda permite adscrever pelo menos duas regras, uma
vinculada ao ônus da prova e outra a um dever de colaboração ao juiz. O texto do
art. 99, § 2o, dispõe a propósito que
O ju iz som ente poderá indeferir o pedido se houver nos autos
elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a
concessão de gratuidade, devendo, antes de indeferir o pedido,
determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos
pressupostos.

A insuficiência de récursos para o enfrentamento das despesas processuais


sem o prejuízo do próprio sustento ou do núcleo familiar do requerente constitui
a sintaxe fática para a incidência da norma vinculada à gratuidade judiciária. As
duas disposições, bem interpretadas, outorgam sentido bastante claro ao problema
do ônus da prova da àlegação de insuficiência de recursos.
A primeira, como referido, outorga sentido à evidente presunção relativa de
veracidade da narrativa. Ao dispor “Presume-se verdadeira a alegação de insufi­
ciência deduzida exclusivamente por pessoa natural”, o legislador nada mais fez
do que construir conclusão, baseada na experiência comum, de que normalmente
quem alega a insuficiência de recursos o faz cumprindo o seu dever de veracidade
e de lealdade, ou seja, o faz pautado na boa-fé. Referida presunção legal implica
atribuição do ônus da prova da suficiência de recursos à contraparte. Por outras
palavras: a contraparte que terá o ônus de alegar e consequentemente provar que
a parte tem recursos suficientes para enfrentar as despesas do processo e que, por­
tanto, não tem direito à gratuidade judiciária.
A leitura da segunda disposição outorga semelhante sentido no que diz respeito
ao problema do ônus dá prova. Segundo o art. 99, § 2o, CPC, oju iz “somente poderá
indefzriro pedido ”caso existam elementos probatórios que demonstrem a ausência dos
pressupostos para a concessão de gratuidade. Vale dizer: apenas na hipótese em que
restar demonstrada a suficiência de recursos da parte requerente é que o benefício
poderá ser indeferido pelo juiz. A contrario sensu, isso significa que somente no
caso de não ficar claro, pelo contexto probatório, se o requerente possui ou não
capacidade financeira, o benefício deverá ser deferido.
O sentido de ambas disposições não poderia ser mais claro: a lei atribui o
ônus da prova quanto à inexistência do fato constitutivo do direito da gratuida­
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA 1 4 7

de judiciária à contraparte. É a contraparte que tem o ônus de dem onstrar q u e


o requerente do benefício tem recursos financeiros suficientes para suportar a s
despesas processuais sem o prejuízo do próprio sustento. A razão de tal op ção
legislativa é evidente: a “insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas
processuais e os honorários advocatícios” constitui hipótese de fato negativo, cu ja
prova normalmente configura probatio diabólica, isto é, trata-se de prova m u ito
difícil de ser produzida.
Vale questionar: como demonstrar com razoável dose de segurança o enuncia­
do fático de que a parte não tem recursos para pagar com as despesas do processo?
Como demonstrar, a propósito, que o recursofinanceiro para pagar com as despesas
processuais não existe? Por óbvio é possível produzir diversas provas que dem o n s­
tram fatos indiciários, por exemplo, o extrato de conta bancária, a declaração d e
imposto de renda, o contracheque de rendimentos, etc. Tais provas, no entanto,
jamais serão aptas para concluir, com razoável grau de probabilidade, a respeito
da insuficiência de recursos. O requerente pode utilizar outras contas bancárias, o u
mesmo não aplicar o seus rendimentos no banco; pode, eventualmente, não declarar
a totalidade de seus rendimentos ao fisco; é possível ainda, que tenha outras fontes
de renda, até mesmo de natureza informal, das quais obtenha a maior parte de se u s
recursos. Trata-se de suposições naturais, decorrentes da experiência comum, q u e
dificultam o cumprimento do ônus probatório dacfuele que pretende obter o ju íz o
de probabilidade a respeito da sua alegação de carência de rendimentos.
Justam ente por tal razão, o legislador estabeleceu a presunção relativa d e
veracidade da alegação de suficiência de recursos e, por conseguinte, a trib u iu
expressamente à contraparte o ônus da prova da alegação contrária. Em o u tras
palavras: é da contraparte o ônus de provar que o requerente possui rendim entos
suficientes para arcar com ás despesas do processo sem o prejuízo do p ró p rio
sustento. O Superior Tribunal de Justiça possui precedente lavrado por sua C o rte
Especial no qual fixa referida ratio decidendi, qual seja, a de que “pessoas físicas e
entidades filantrópicas ou de assistência social gozam da presunção de m iserabi-
lidade iuris tantum, por isso que admite-se a prova em contrário”121. Sem elhante
orientação, aliás, é encampada pelo Tribunal dejustiça do Rio Grande dõ Sul q u e,
em recente julgado, consignou que “é da parte contrária o ônus da prova de q u e o
requerente não faz ju s ao benefício, por dispor de condições de pagar as despesas

121. STJ, EREsp 1044784/MG, rei. Luiz Fux, Cqrte Especial, julgado em 29.06.2010, D Je
09.05.2011.
148 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

d o processo; ünputá-la a quem o pleiteia implica exigir prova negativa, diabólica


p o r suposto”122. Não há, com efeito, como interpretar as disposições do CPC de
m o d o diferente: o ônus da prova não é de quem alega a insuficiência de recursos,
m as daquele que nega tal enunciado fático negativo.
A rdtio para a solução da mesma questão envolvendo a pessoa jurídica como
requerente é, no entanto, diferente. Isso porque normalmente a empresa possui
condições de arcar com as despesas processuais sem o prejuízo do próprio susten­
to . Pautada nessa máxima de experiência comum, o CPC dispõe que “Presume-se
verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural”
(art. 9.9, § 3o). Não há falar, assim, na presunção de veracidade da alegação de in­
suficiência de recursos e na consequente transferência do ônus da prova. Há de se
atentar, no entanto, para não estipular ao requerente pessoa jurídica um encargo
diabólico no sentido de provar as suas alegações. Por óbvio que a dificuldade pro­
bató ria decorrente da prova de enunciado fático negativo também é percebida em
face da pessoa jurídica. Desse modo, a adequada valoração dos indícios que giram
e m tom o da alegada condição de miserabilidade, inclusive com eventual redução
d o módulo probatório, aliada ao valor a ser desembolsado a título de custas judiciais
iniciais, deve pautar a decisão a respeito da questão em cada caso concreto. Pensar
o contrário significaria minim izar a importância de aspecto nevrálgico do processo
ju sto , qual seja, a existência do próprio direito de acesso à justiça.

6. O ônus da prova da alegação de insolvência: o celso da ação pauliana


e dá fraude à execução
Outra questão interessante diz respeito à aplicação do ônus dinâmico da prova
nosprocessos que envolvem a ação páuliana e o requerimento de fraude à execução.
Segundo o art. 158, CCB, “Os negócios de transmissão gratuita de bens ou
rem issão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à
insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirogra-
fários, como lesivos dos seus direitos”. Isso significa que o credor pode postular em
ação judicial - a denominada “ação pauliana” - que seja reconhecida a ineficácia
d a alienação de bens promovida pelo devedor que seja insolvente. O texto legal
ap o n ta os pressupostos fáticos para a caracterização da denominada “fraude contra
credores” —e, portanto, para o reconhecimento da ineficácia do negócio jurídico

122. TJRS, Apelação Cível 70027505239, rei. Genaro José Baroni Borges, Vigésima Pri­
meira Câmara Cível, TJRS, julgado em 18.02.2009.
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA 149

em face do credor do transmitente -, quais sejam: i) a anterioridade do crédito do


credor em face do transmitente; ii) o consiliumfraudis, ou seja, a existência de con­
luio entre o transmitente e adquirente (ou donatário, por exemplo) visando fraudar
credores daquele; e iii) o eventus damni, isto é, qué a alienação tenha efetivamente
causado prejuízo ao credor do transmitente, o que normalmente se caracteriza pela
insolvência do transmitente-devedor123.
Não há dúvida, portanto, que o autor da ação pauliana tem o ônus de alegar a
ocorrência de tais pressupostos fáticos, como também o ônus de prová-los em juízo,
segundo determina a regra adscrita do art. 373,1, CPC. Entretanto, a prova de pelo
menos um dos enunciados fáticos que remetem à desconstituição de alienação de
bens pelo devedor é praticamente impossível: afinal, como demonstrar que o réu
não tem bens suficientes para responder pela dívida com o autor? Como será pos­
sível ao autor inventariar todo o patrimônio do réu para que se possa demonstrar
sua condição de insolvente?
No que diz respeito ao reconhecimento da fraude à execução o autor do
requerimento depara-se com a mesma dificuldade. Segundo o art. 792, IY CPC,
“A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução (...) quando,
ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedpr ação capaz de
reduzi-lo à insolvência". Em outras palavras: para que seja aplicada a regra legal e
reconhecida a ineficácia da alienação ou oneração de bens pelo devedor, toma-se
necessária a constatação da sua insolvência.
Seja nos casos envolvendo a ação pauliana, seja naqueles envolvendo o reque­
rimento de fraude à execução, os tribunais têm aplicado a dinamização do ônus da
prova, a fim de atribuir ao réu a prova de que não é insolvente. Em oujtfas palavras:
o réu passa a ter o ônus de provar a sua negativa, ou seja, de que um dos requisitos
para o reconhecimento da fraude não foi cumprido. Com efeito, o ônus passa a
ser do réu que contesta a existência da fraude contra credor, no sentido de provar
que não se encontra em estado de insolvência, ou seja, de que possui patrimônio
suficiente a cumprir com a obrigação firmada com o autor.
A prova dos demais requisitos indicados no Código Civil não induz a maiores
dificuldades: tanto a existência do crédito quirografáriq, bém como a sua ante-

123. A orientação'do Superior Tribunal de Justiça dá-se no sentido de que “ocorrência


de fraude contra credores depende, para além da prova de c o n s iliu m fr a u d i s e de even tu s
d a m n i, da anterioridade do crédito em relação ao ato impugnado” (REsp 1217593/RS,
rei. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 12.03.2013, DJe 18.03.2013).
150 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

rioridade em relação à alienação fraudulenta, são, em regra, passíveis de serem


provados pelo autor. O problema reside na prova da circunstância de que os bens
ativos de seu patrimônio do réu são de valor menor que suas obrigações passivas124.
A solução pela dinamização dos ônus probatórios, no caso da prova da insolvência,
aliás, é a adotada pelo Código Civil de Portugal, em seu art. 61 I o125, e tem merecido
também a acolhida pelo nosso Superior Tribunal de Justiça126. Nos termos da ratio
decidendí aplicada, “À falta de comprovação, pelo executado, de que a alienação do
bem penhorado não o levou à insolvência, configura-se a fraude à execução e a
ineficácia, para o exeqüente, da alienação”127.
A transferência do ônus probatórios, portanto, vai ao ensejo de promover a
igualdade substancial das partes no processo: se a produção da prova é muito difícil
ao autor e, em contrapartida, encontra-se ao melhor alcance do réu, apenas com
á dinamização do ônus probatórios é que será possível formar adequadamente o
juízo de fato128.
Deve-se sublinhar, todavia, que tal sorte de dinamização raramente vem apli­
cada mediante decisão judicial fundamentada nesse sentido, o que surpreende as
partes, de modo a fragilizar o direito fundamental ao contraditório e à segurança
no processo. Vale lembrar que, mesmo em tais hipóteses de evidente dificuldade
probatória e nas quais se revela evidente a disparidade nas possibilidades de prova

124. Para Humberto Theodoro Júnior, “Hã de se convir que, de fato, seria impossível ao
credor provar que as dívidas do réu são maiores do que seu ativo. Só o próprio devedor
tem condições de demonstrar, de forma consciente e precisa, seu estado patrimonial”
(THEODORO JÚNIOR, Humberto. C o m e n tá r io s a o n o v o C ó d ig o C iv il. 2. ed. Rio de
janeiro: Forense, [s.d.]. v. 3. t. 1. p. 339).
125. Art. 611°. Incumbe ao credor a prõva do montante das dívidas, e ao devedor ou
a terceiro interessado na manutenção do acto a prova de que o obrigado possui bens
penhoráveis de igual ou maior valor.
126. “Na fraude da execução não é do credor o ônus da prova do fato negativo da insol­
vência em face da alienação de bens após o ajuizamento da demanda”, pois “O encargo
da prova de solvabilidade é do demandado” (STJ, REsp 13.988/ES, rei. Cláudio Santos,
Terceira Turma, julgado em 04.05.1993, DJ 28.06.1993, p. 12.886).
127. STJ, REsp 418.032/SP, rei. Humberto Gomes de Barros, Terceira Turma, julgado em
25.04.2006, DJ 29.05.2006, p. 227.
128. Sobre a inovadora orientação da 3a Turma do Superior Tribunal de Justiça a respeito
do ônus da prova na fraude à execução, mas na perspectiva da prova de enunciado que
conduz a boa-fé do terceiro adquirente, ver: MOREIRA, Fernando Mil Homens. Rápida
exposição sobre a nova orientação da 3a Turma do STJ a respeito do ônus da prova da
(ín)ocorrência de fraude à execução. R e v is ta d e P rocesso, n. 161, jul. 2008. p. 239-242.
T
O ÔNUS DINÃMICC

entre as partes, a aplicação da técnica exige sempre prévio debate entre os sujeitos
do processo e decisão judicial fundamentada, a qual deve ocorrer em m om ento
oportuno, ou seja, que permita ao onerado cumprir com o seu ônus probatório

7. A inadmissibilidade da dinamização do ônus da prova no processo


penal e nos processos que versam sobre a ação de improbidade
administrativa

A dinamização dos Ônus probatórios pode ter espaço em qualquer processo


de natureza cível129, ou seja, no qual se aplica o modelo da preponderância de p r o ­
vas, como apta para assegurar a tutela do direito fundamental à igualdade (art. 5o,
caput, CRFB; art. 7°, CPC) e do direito fundamental à prova (art. 5°, LVI, CRFB; art.
369, CPC).Já nos processos que instrumentalizam a tutela do direito penal não h á
espaço para a dinamização do ônus da prova por um a razão evidente: a presunção
da inocência (art. 5°, LVII, CRFB) impede, logicamente, que ocorra a transferência
ao réu do ônus da prova do enunciado fático no qual se baseia a acusação130.
Ainda que a prova seja excessivamente difícil ou até mesmo difícil de s e r
produzida, não existe modo de dinamizar o ônus da prova sem violar, portanto, o

129. Isso não impede, obviamente, a aplicação da dinaniização em processos que in stru ­
mentalizam demandas não propriamente cíveis. O que importa é que a demanda n ã o
tenha caráter penal. Toma-se possível a dinamização, portanto, no processo tributário
e no processo do trabalho como, aliás, prevê o Enunciado 302 do Fórum Perm anente
de Processualistas Civis, ao dispor que “Aplica-se o art. 373, §§ I o e 2o, ao processo d o
trabalho, autorizando a distribuição dinâmica do ônus da prova diante de peculiaridades
da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade da parte de cum prir
o seu encargo probatório, ou, ainda, à maior facilidade de obtenção da prova do fato
contrário. O juiz poderá, assim, atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde q u e
de forma fundamentada, preferencialmente antes da instrução e necessariamente an tes
da sentença, permitindo à parte se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído”.
130. A presunção da inocência, que no direito brasileiro encontra-se fundada no art. 5o,
LVII, da CRFB, constitui expressão da influência de outros diplomas. O art. 11 da D e­
claração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, dispõe, a propósito, que “1. Toda
a pessoa acusada de um ato delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade
fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias
necessárias de defesa lhe sejam asseguradas”. A Convençãõ Europeia dos Direitos d o
Homem, de 1950, dispõe em seu art. 6o, § 2°, que “Toda a pessoa no curso de uma infração
se presume inocente até que a sua culpabilidade tenha sido legalmente conhecida”. N o
Pacto de San José da Costa Rica, de 1969, consta semelhante previsão no art. 8 °, § 2o:
“Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto
não se comprove legalmente sua culpa”.

J
152 | ÔNUS DA PROVA N O NOVO CPC

direito fundamentalà presunção da inocência131. Não por acaso, o Supremo Tribunal


Federal já fixou a ratio decidmdi de que, no processo penal, revela-se inadmissível
a dinamização do ônus da prova132. Segundo a Corte Suprema, “Inserido na ma­
triz constitucional dos direitos humanos, o processo penal é o espaço de atuação
apropriada para o órgão de acusação demonstrar por modo robusto a autoria e a
m aterialidade do delito”, de modo que o Ministério Público “não pode se esquivar
da incumbência de fazer da instrução criminal-a sua estratégica oportunidade de
produzir material probatório substancialmente sólido em termos de comprovação
da existência de fato típico e ilícito, além da culpabilidade do acusado”. Assim,
“A tento a esse marco interpreta tivo, pontuo que, no caso dos autos, as instâncias
precedentes recusaram o pedido defensivo de incidência da minorante do § 4o do
art. 33 da Lei 11.343/2006 sob o fundamento de inexistir prova da primariedade
do acusado”, o que logicamente demonstra “uma indisfarçável inversão do ônus
da prova e, no extremo, na nulificação da máxima que operacionaliza o direito à
presunção de não-culpabilidade: in dubio pro reu”. Em outras palavras: “Preteri­
ção, portanto, de um direito Constitucionalmente inscrito no âmbito de tutela da
liberdade do indivíduo”, qual seja, o direito à presunção da inocência133.
O mesmo raciocínio pauta o exame das ações de improbidade administrativa
e todas as demais que tenham significativo caráter penal: se a Constituição outorga
o direito fundamental à presunção de inocência - e o faz por conta de peculiari­
dades inerentes ao direito material penal - , não se justifica, por qualquer ótica, a

131. Esta e a razão pela qual Badaró afirma que, no processo penal, o ônus da prova, em
sua dimensão objetiva, é uma regra de julgamento unidirectional: “O ônus da prova
incumbe inteiramente ao Ministério Público, que deverá provar a presença de todos os
elementos necessários para o acolhimento da pretensão punitiva” (BADARÓ, Gustavo
Henrique Righi Ivahy. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: R. dos Tribunais,
2003. p. 283-286).
132. Segundo a orientação “Cabe ao Ministério Público comprovar a imputação, contra­
riando o princípio da não culpabilidade a inversão a ponto de concluir-se pelo tráfico
de entorpecentes em razão de o acusado não haver feito prova da versão segundo a qual
a substância se destinava ao uso próprio e de grupo de amigos que se cotizaram para
a aquisição (HC 107448, Relator(a): Min. Ricardo Lewandowski, Relator(a) p/ Acór­
dão: Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, julgado em 18.06.2013). Extrai-se ainda da
motivação do acórdão que “A toda evidência, inverteu-se a ordem processual quanto
à prova, atribuindo-se aos pacientes o dever de demonstrar que seriam usuários. Ora,
isso não se coaduna com o Direito Penal. Ao Estado-acusador incumbia comprovar a
configuração do tráfico e este não ocorre pela simples compra do entorpecente. Afinal,
o usuário sempre adquire a droga e, nem por isso, deixa de ser usuário”.
133. STE HC 97701, Rei. Min. Ayres Britto, Segunda Turma, julgado em 03.04.2012.
o On u s d in â m ic o d a p r o v a
153

dinamização do ônus da prova nas demandas que tenham por efeito a aplicação de
penas. Dinamizar o ônus da prova em tais hipóteses significa, como se disse, mitigar
a presunção da inocência. Vale lembrar com o Superior Tribunal de Justiça que
Esse tipo de ação [improbidade administrativa], por integrar
iniciativa de natureza sancionatória, tem o seu procedimento
referenciado pelo rol de exigências que são próprias do Processo
Penal contemporâneo, aplicável em todas as ações de Direito
Sancionador134.
O caráter penal que envolve as demandas fundadas na improbidade admi­
nistrativa —o que pode levar o réu a ser condenado à “perda da função pública” e
à “suspensão dos direitos políticos” (art. 12, Lei n° 8429/92) —impede, aliás, que
o decreto de revelia tenha por efeito a presunção de veracidade dos fatos narra­
dos pelo autor135. A solução é logicamente coerente com a aplicação do princípio
constitucional da presunção da inocência e corrobora a conclusão em torno da
inviabilidade da dinamização do ônus da prova. Segundo o Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Sul, aliás,
Em sendo indisponíveis os direitos discutidos na ação civil pública
de improbidade administrativa, ainda que o réu não conteste ou
apresente sua contestação de forma intempestiva, não se verifica­
rá o efeito da revelia, diante da vedação estabelecida no art. 320,
inciso II, do CPC, devendo a parte autora fazer a prova dos fatos
constitutivos de seu direito, nos termos do que preceitua o art.
333, inciso I, do CPC136.

134. REsp 1259350/MS, rei. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em
22.10.2013, DJe 29.08.2014.
135. Nesse sentido: LUCON, Paulo Henrique dos Santos; COSTA, Guilherme Recena. A
prova e a responsabilidade de terceiros contratantes com o Poder Público na ação de
improbidade administrativa. In: LUCON, Paulo Henrique dos Santos; COSTA, Eduar­
do José da Fonseca; COSTA, Guilherme Recena. Im p ro b id a d e administrativa: aspectos
processuais da Lei n. 8.429/92. São Paulo: Adas, 2013. p. 367-368.
136. TJRS, Agravo de Instrumento n. 70061583688, Primeira Câmara Cível, rei. Sérgio
Luiz Grassi Beck, julgado em 17.12.2014. No mesmo sentido: “Em ações destinadas a
levar a efeito as sanções previstas na Lei 8.492/1992, que atingem Uberdades políticas,
manifestamente indisponíveis, a revelia não induz à presunção instituída no art. 319
do CPC" (TJRS, Agravo de Instrumento n. 70049792948, Vigésima Segunda Câmara
Cível, rei. Mara Larsen Chechi, julgado em 08.10.2012),
154 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

Desse modo, revela-se inaplicável, por qualquer modo, a dinamização do ônus


da prova nas ações de improbidade administrativa, razão pela qual o autor, em tais
demandas, terá sempre o ônus de provar os fatos constitutivos do seu direito, na
forma preconizada pelo art. 3 7 3 ,1, CPC.

8. Convenções processuais sobre ônus da prova


O parágrafo 3odo art. 373, CPC, consagra a admissibilidade das convenções
processuais sobre a disciplina do ônus da prova. Não se trata, rigorosamente,
de uma novidade: o parágrafo único do art. 333, CPC/73, já estabelecia seme­
lhante previsão. O problema, no entanto, ganha contornos de m aior interesse
em razão do incremento do poder das partes no novo Código, especialmente
no sentido d e convencionar sobre o procedimento de modo geral137. O art. 190,
-CPC, dispõe que
Versando o processo sobre direitos queadmitamautocomposição,
é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças nò proce­
dimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar
sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais,
antes ou durante o processo.

A disposição que regula a convenção sobre ônus probatórios apenas especi­


fica o âmbito de conformação do procedimento mediante o estabelecimento de
convenção entre partes, a incidir sobre a disciplina dos ônus probatórios.
O novo CPC confirma, portanto, a outorga de poderes às partes para o efeito
de dinamizar o ônus da prova mediante acordo de vontades estabelecido entre elas
antes ou durante o processo judicial138. Isso significa que as partes podem acordar

137. A respeito da adaptação do procedimento no modelo cooperativo de processo, v.:


ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Poderes do juiz e visão cooperativa de proces­
so. R e v is ta P rocesso e C o n s titu iç ã o . Porto Alegre, n. 1, dez. 2004; e MITIDIERO, Daniel.
C o la b o r a ç ã o n o p ro c e ss o c iv il. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. Sobre o
empoderamento das partes na adaptação do procedimento, v. por todos: CABRAL, An-
tonio do Passo. C o n v e n ç õ e s p ro c e ssu a is. Salvador: JusPodivum, 2016; e ABREU, Rafael
Sirangelo de. Customização processual compartilhada: o sistema de adaptabilidade do
novo CPC. R e v is ta d e P rocesso, v. 257/2016, p. 51-76, julho. 2016. Especificamente sobre
as convenções a respeito do ônus da prova, v. :GODINHO, Robson. Negócios proces­
suais sobre o ônus da prova no novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2015.
138. GODINHO, Robson. Negócios processuais sobre b ônus da prova no novo Código
de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 239.
O ÔNUS D INÂM ICO DA PROVA 155

em distribuir o ônus da prova de modô diferente daquele preconizado pela regra


geral, inclusive no que diz respeito às hipóteses fáticas mais específicas, antes m esm o
de saber quais dos sujeitos da referida convenção figurará como autor ou réu n a
demanda a ser eventualmente proposta. Trata-se, cõm efeito, de autêntico negócio
jurídico processual, que será admitido desde que satisfeitos os requisitos para a
validade de qualquer negócio jurídico, ou seja, a existência de agentes capazes, d e
objeto licito e de forma admitida em lei (art. 104, CCB)139.
O novo CPC dispõe sobre algumas restrições acerca da aludida Convenção.
Segundo o legislador, não será admitida a distribuição diversa do ônus da prova
mediante convenção quando essa i) recair sobre direito indisponível da parte; e ii)
tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito. No que diz respeito
à implicação do direito indisponível da parte, a restrição visa impedir que o acordo
venha a mascarar a descabida disposição de direitos indisponíveis140, a exem plo
do que ocorre com a confissão (art. 392, CPC). Se esta é a finalidade da regra, é
evidente que a convenção sobre ônus da prova será válida caso venha a beneficiar o
titular do direito indisponível no âmbito da demonstração dos enunciados fáticos
que fundam a tutela do referido direito141. No que diz respeito à segunda restrição,
trata-se de mera repetição do requisito geral para a dinamização, na medida e m
que fragilizar o direito fundamental à prova significa praticam ente o mesmo q u e
tornar excessivamente difícil à parte o exercício de qualquer direitp142. Vàle dizer:
a convenção sobre ônus da prova não pode tom ar excessivamente difícil o exercí­
cio do direito fundamental à prova e, consequentemente, o exercício de qualquer
direito material cuja tutela é buscada em juízo.
Exemplo de convenção sobre ônus da prova que em princípio não se en co n ­
tra implicada qualquer das restrições é que estipula o ônus de o devedor provar
o pagamento das prestações anteriores à última, nada obstante esta se encontre

139. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. P r o v a e c o n v ic ç ã o . 3. ed .


São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 243.
140. No mesmo sentido: DIDIER Jr., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. C u r s o d e d ire ito p ro c e ss u a l c iv il. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2016, v. 2,
p. 120.
141. Como bem percebido por: MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi. Ônus d a
Prova e sua Dinamização. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 123.
142. KNIJNIK, Danilo. A p ro v a n o s j u í z o s c ív e l, tr ib u tá r io e p e n a l. Rio de Janeiro: Forense,
2007. p. 173.
156 ÔNUS DA PROVA N O NOVO CPC

paga, invertendo-se assim, portanto, a atribuição do ônus da prova decorrente da


presunção prevista no art. 322, CC143.
No âm bito do direito do consumidor, aludida dinamização convencional
n ã o pode ocorrer em prejuízo do consumidor (art. 51, VI, CDC). Assim, eventual
inserção em contrato de adesão de hipótese de modificação do ônus da prova
em prejuízo do consumidor, ou seja, que atribua ônus probatório mais grave do
q u e aquele estipulado pela regra geral (art. 373, CPC), deverá ter a sua ineficácia
decretada em ju ízo 144. O contrário obviamente não se sustenta: se a convenção
beneficia o consum idor em relação à distribuição legal sua validade e eficácia não
devem ser questionadas145.
Conforme referido, a convenção sobre ônus da prova nada mais é do que
h ip ó tese de dinam ização do ônus probatório estabelecida de com um acordo
p elas partes. Desse m odo, a exemplo do que ocorre com a decisão pela qual o
ju iz aplica a dinam ização, o acordo deve particularizar os enunciados fáticos
so b re os quais se aplica a inversão do encargo probatório, sob pena de ineficácia
da convenção146.
Outro aspecto da maior relevância, o qual também tem origem na constatação
q u e a convenção sobre os ônus probatórios nada mais é do que uma dinamização
acordada entre as partes, é que o acordo em nada inibe ou limita o exercício dos
poderes instrutórios do juiz. A convenção das partes apenas exerce influência no que
d iz respeito à aplicação da regra de julgamento do ônus da prova, isso se, e apenas se,
o contexto probatório não for suficiente para a formação de juízo de probabilidade

143. Conforme: ASSIS, Araken de. P ro c e sso C iv il B r a s ile ir o . Vol. II, Tomo 2. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2015. p. 198.
144. No mesmo sentido: MOUZALAS, Rinaldo; ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues.
Distribuição do ônus da prova por convenção processual. R e v is ta d e P rocesso, n. 240,
fev. 2015. p. 410; muito embora não ressalvando que a convenção pode dar-se em be­
nefício do consumidor. Os quais também advogam que, por conta da indisponibilidade
do direito, “a convenção será inválida quando ligada às relações jurídicas que envolvam
direito de idosos, crianças e adolescentes (aqui, há, também, o impedimento relacionado
à incapacidade do agente, dentre grupos (sobretudo vulneráveis), cujos direitos gozem
do atributo da indisponibilidade)”.
145. MACEDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi. Ônus da Prova e sua Dinamização. 2.
ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 125.
146. MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi. Ônus da Prova e sua Dinamização. 2.
ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 125.
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA 157

sobre os enunciados fáticos da causa147148.Isso porque o juiz deve observar o acordo


firmado entre as partes caso venha a aplicar a regra do ônus da prova.
Não existe, no entanto, qualquer interferência no que diz respeito à atividade
de valoração da prova, pois não se pode confundir a fase de valoração com a fase
de decisão a respeito da prova, na qual eventualmente ocorre a aplicação da regra
de julgamento^48.

147. DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. C u r so
d e d ire ito p ro c e ss u a l c iv il. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. v. 2. p. 121.
148. CARPES, Artur Thompsen. A p ra v a d o n e x o d e c a u s a lid a d e n a re sp o n s a b ilid a d e civ il.
Sào Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 167.

t
3


‘tf
P arte III
A PRAGMÁTICA E O
PROCEDIMENTO DO ÔNUS DA PROVA

1. Dinamização ex officio?

O ônus da prova constitui o coração não somente do procedimento probató­


rio, mas do procedimento em sentido amplo1. A aplicação das normas incidentes
sobre o ônus da prova constitui aspecto dos mais relevantes para que o processo
judicial, ao fim e ao cabo, alcance as suas finalidades, ou seja, mediante a prom oção
da adequada, efetiva e tempestiva tutela dos direitos2. A aplicação das regras deve
ser estruturada mediante a consideração dos princípios que também incidem nesse
particular contexto normativo. Isso ocorrerá através da utilização dos postülados
normativos aplicativos (v. supra, Parte I, item 6). Conforme já examinado, a apli­
cação das regras não pode ser realizada de modo alheio às suas próprias razões
motivadoras. Por outras palavras: nem toda a norma incidente se revela aplicável
ao caso concretamente considerado pelo juiz.
Os postulados normativos cumprem, portanto, função indispensável n a
aplicação das regras e dos princípios. Submeter o processo de aplicação das nor­
mas ao postulado da razoabilidade significa por vezes deixar de aplicar a regra
ordinária que atribui o ônus da prova, de modo a dinamizá-la em conformidade
com as particularidades do caso concreto, em atividade que exige a aplicação dos
princípios constitucionais da igualdade e da máxima efetividade probatória. Falar
em ônus dinâmico da prova significa falar, por outras palavras, na aplicação das
regras incidentes a respeito do ônus da prova em conformidade com os direitos
fundamentais à igualdade e à prova.

1. Ou, de modo mais eloquente, “a arte do processo não é essencialmente outra coisa que
a arte de administrar as provas” (BENTHAM, Jeremias. T ra ta d o d e la s p r u e b a s j u d íc ia le s .
Trad. da edição francesa Manuel Ossorio Florit. Buenos Aires: EJEA, 1971, v. I, p. 10).
2 . LEONARDO, Rodrigo Xavier. Im p o siç ã o e in v e r s ã o d o ô n u s d a p r o v a . Rio de Janeiro:
Renovar, 2004, p. 114-117.
160 ÔNUS DA PROVA N O NOVO CPC

Ao lado da razoável duração do processo - direito fundamental que informa


o ô n u s da prova na sua acepção de regra de julgamento (art. 5o, LXXVIII, CRFB) -
o acesso, em igualdade de condições, a todas as provas capazes de dem onstrar
o s fatos alegados em juízo constitui autêntico direito fundamental das partes. A
aplicação das regras sobre ônus probatório - seja na sua acepção de critério de
ju lg am en to ou de critério para a estruturação da atividade probatória das partes -
n o rm alm en te não implica qualquer fragilização de tais direitos fundamentais
(igualdade e à prova), o que determ ina o respeito ao critério ordinário que se
adscreve aos incisos do art. 373, CPC. Em ocasiões excepcionais, no entanto, a
preservação de tais direitos fundamentais processuais não ocorre. Em tais casos -
raro s, vale sublinhar —, a razoabilidade irá atuar visando a conformar aplicação
d a s regras, ou seja, de modo que a aplicação das regras ordinárias que atribuem
o ô n u s da prova às partes não comprometa a tutela da igualdade e da máxima
efetividade probatória.
Se a incorreta aplicação das regras sobre ônus da prova pode acarretar a
violação de direitos fundam entais processuais - sendo essa a justificativa que
legitim a a inserção em nosso CPC do ônus dinâmico da prova - , é evidente que o
órgão judicial não fica amarrado à provocação das partes para decidir a respeito
d a dinamização. O juiz não depende de requerimento da parte interessada para
ap licar a dinamização do ônus da prova na hipótese em que a técnica se revela
devida. Se o órgão judicial possui o dever de prestar a tutela jurisdicional em
conform idade com o direito fundamental ao processo justo3, o cumprimento de
ta l dever não pode ficar na dependência da provocação das partes. Constatada a
fragilização do direito fundamental à igualdade e do direito fundamental à prova,
n a d a justifica a adoção, pelo órgão judicial, de postura omissa. Exige-se do juiz,
p elo contrário, postura proativa, que sirva para efetivamente eliminar a ameaça
o u efetiva fragilização de tais direitos fundamentais processuais4. Não por outra
razão , o legislador dispõe que “É assegurada às partes paridade de tratamento
e m relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa,
a o s ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz
ze la r pelo efetivo contraditório” (art. 7o, CPC); que “As partes têm o direito de

3. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MIT1DIERO, Daniel. C u r s o d e


P ro c e s so C iv il. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, v. 1, p. 88.
4. Sobre o tema, ver MARINONI, Luiz Guilherme. Do controle da insuficiência de tutela
normativa aos direitos fundamentais processuais. R e v is ta d e P rocesso, n. 226, p. 13-29,
dez. 2013.
A PRAGMÁTICA E O PROCEDIMENTO DO ÔNUS DA PROVA
161

empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que
não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda
o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz” (art. 369, CPC),
sendo dever do juiz “assegurar às partes igualdade de tratamento” e, se for o caso,
“alterar a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades
do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito” (art. 139, VI,
CPC). A atuação do órgão judicial implica, portanto, inclusive dever de determinar
ex ojficio a dinamização do ônus da prova5.
O ônus dinâmico da prova independe, portanto, de requerimento formulado
pela parte: constatada a presença dos requisitos, o órgão judicial tem o dever de
promover a dinamização, deslocando o ônus da prova de uma parte à outra através
de decisão analiticamente fundamentada.
O dever do órgão judicial em aplicar a dinamização, inclusive de ofício, decorre
não apenas do seu dever de prestação inerente à sua condição de representante do
Estado na tutela dos direitos fundamentais. Aludido dever encontrá fundamento
no modelo de colaboração adotado pelo novo processo civil brasileiro. Se o juiz
tem o dever de colaborar com as partes “para que se obtenha, em tempo razoável,
decisão de mérito justa e efetiva” (art. 6o, CPC), é evidente que, na hipótese de
constatar qualquer obstáculo ilegítimo ao cumprimento do ônus probatório da
parte, deve atuar no sentido de atenuá-lo ou eliminá-lo. Trata-se de autêntico dever
de auxílio do juiz na superação de eventuais dificuldades que prejudiquem o exer­
cício de direitos ou faculdades ou o cumprimento de ônus ou deveres processuais
das partes6. No modelo processual da colaboração o juiz tem o dever, portanto, de
promover o ônus dinâmico da prova, mesmo de ofício, de modo a auxiliar as partes
no cumprimento dos seus ônus probatórios.

5. Em sentido semelhante, de que pela “razão relacionada à natureza pública das normas de
proteção ao consumidor (...) a medida da inversão do ônus da prova pode ser realizada
e x o ffic io , isto é, independe da iniciativa da parte interessada”, ver SILVA, Bruno Freire
e. A inversão judicial do ônus da prova no CDC, Revista de P ro c e sso , n. 146, p. 340, abr
2007. Em sentido contrário, de que “Se produzir a prova necessária a um julgamento
favorável ê ônus da parte, pleitear a alteração desse ônus, à toda evidência, também
não pode deixar de ser um ônus", ver YOSH1KAWA, Eduardo Henrique de Oliveira
Considerações sobre a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova. Revista de
P ro cesso , n. 205, p. 150, mar. 2012.
6. MITIDIERO, Daniel. C o la b o ra ç ã o n o p ro c e sso c iv il. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribu­
nais, 2015, p. 69-70.
162 j ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

2. O requerimento da dinamização do ônus da prova e o ônus de


fundamentação especificada

Nada obstante seja certo que o juiz deva dinamizar o ônus da prova de ofício
quando perceba que a distribuição ordinária esteja a fragilizar os direitos fundamen­
tais à igualdade e à prova, é inegável a relevância que a atividade das partes possui
visando ao cumprimento de semelhante dever. Falar em colaboração no processo
civil significa falar na racional distribuição de trabalho entre o juiz e as partes
visando à promoção da tutela jurisdicional em termos de adequação, segurança e
efetividade. Significa, por outras palavras, compreender que o processo constitui
uma comunidade de trabalho, na qual prevalece o equilíbrio na divisão de trabalho
entre o juiz e as partes7. Enquanto são impostos deveres ao juiz, as partes são esti­
muladas a colaborar especialmente mediante a imposição de ônus, a fim de que se
obtenha aju sta prestação da tutela jurisdicional. Vale lembrar que a necessidade
de se estabelecer o concurso das atividades dos sujeitos processuais, “com ampla
colaboração tanto na pesquisa dos fatos quanto na valorização jurídica da causa” e
“vivificada p o r permanente diálogo, com a comunicação das ideias subministradas
por cada um deles”, justifica-se ainda mais “pela complexidade da vida atual”8.
O direito fundamental ao contraditório, como sabido, possui duas dimensões
bem definidas: além de consistir em direito de informação de tudo o que se passa
no processo - dimensão passiva ou “fraca” do contraditório - , constitui direito de
influenciar o órgão judicial na formação do juízo. Essa ú ltim a -a dimensão “ativa”
ou “forte” do contraditório - constitui a acepção mais relevante desse direito fun­
damental, pois implica efetiva participação das partes na construção e, portanto, no

7. Em lição de vanguarda, Álvaro de Oliveira assim escreveu mais de uma década antes
da edição do novo CPC: “a idéia de cooperação além de implicar, sim, um juiz ativo,
colocado no centro da controvérsia, importará senão o restabelecimento do caráter
isonômico do processo pelo menos a busca de um ponto de equilíbrio. Esse objetivo
impõe-se alcançado pelo fortalecimento dos poderes das partes, por sua participação
mais ativa e leal no processo de formação da decisão, em consonância com uma visão
não autoritária do papel do juiz e mais contemporânea quanto à divisão do trabalho
entre o órgão judicial e as partes. Aceitas essas premissas axiológicas, cumpre afastar
a incapacidade para o diálogo estimulada pela atual conformação do processo judicial
brasileiro, assentado em outros valores” (ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto.
Poderes do juiz e visão cooperativa de processo. R e v ista d a A ju r is , n. 90. Porto Alegre:
Ajuris, 2003).
8. ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Poderes do juiz e visão cooperativa de processo.
R e v ista d a A ju r is , n. 90. Porto Alegre: Ajuris, 2003.
A PRAGMÁTICA E O PROCEDIM ENTO DO ÔNUS DA PROVA
163

conteúdo do provimento que, ao fim e ao cabo, irá atingir o seu patrimônio jurídico
É através da dimensão ativa do contraditório que a democracia, valor tão caro ao
Estado Constitucional, espraia-se no processo. As partes têm, mediante o exercício
do contraditório, a garantia de que a decisão judicial que toca o seu patrim ônio
jurídico é forjada com base na sua própria atividade, ou seja, nos seus arrazoados,
manifestações, requerimentos, impugnações etc. Por isso é que a decisão judicial
é produto da colaboração.
Afora a existência de alguns deveres, a colaboração das partes no processo é
exercida principalmente mediante o cumprimento de diversos ônus que lhes são
impostos pela lei processual. Esse é o sentido inequívoco do art. 6o, CPC: as partes
também têm de colaborar com o órgão judicial, e assim o farão através do cum pri­
mento de deveres e principalmente através do desempenho de ônus processuais.
O ônus dinâmico da prova constitui exemplo dos mais marcantes no que diz
respeito à distribuição equilibrada da colaboração entre partes e juiz no processo
civil brasileiro. Embora não se exija o expresso requerim ento para que o juiz de­
termine a dinamização do ônus da prova, é certo que o seu aviamento, m ediante
específica fundamentação, tem o condão não apenas de provocar o órgão judicial a
decidir, mas também de influenciá-lo a respeito da sua respectiva decisão, constitui
aspecto relevante no qúe se refere à resolução da quèstão. Assim, aparte que requer
a aplicação da dinamização tem o ônus de fundamentar o seu requerimento de modo
concreto. Isso significa que a parte, em seu requerimento, deve i) apontar qual o
enunciado fático depende da dinamização do ônus da prova para ser provado e
ii) demonstrar as razões pelas quais, naquela hipótese específica, à luz das suas
particularidades, a atribuição ordinária do ônus da prova revela violação á igual­
dade e ao direito à máxima efetividade probatória, o que equivale a racionalmente
demonstrar que, a contrario sensu, à parte adversa não é impossível, ou excessiva­
mente difícil, produzir a contraprova relativa a determinado enunciado fático .P o r
exemplo: enquanto é impossível ou excessivamente difícil ao autor provar a culpa
do profissional, a este não se apresentam os mesmos óbices para demonstrar que
adotou a melhor técnica e que agiu diligentemente, ou seja, mediante a atenção
com todas as cautelas exigíveis.
Mas não apenas isso: o ônus de alegação, fundamentação e requerimento do
ônus dinâmico da prova, para ser bem desempenhado, também deve ser completo.
Em outras palavras, o requerimento também é determinado pelo debate a respei­
to da presença de ambos os requisitos - direito fundamental à igualdade e direito
164 ÔNUS DA PROVA N O NOVO CPC

fu n dam ental à m áxima eficiência probatória - no caso concreto, o que impõe


dem onstrar a inexistência de probatio diabólica reversa.
O ambiente de autêntica colaboração entre juiz e partes - a “comunidade de
trab alh o ” de que fala a doutrina9- visualiza-se no processo desse modo. Não basta
apen as exigir do juiz o cumprimento do dever de fundamentação analítica (art.
4 8 9 , § I o, CPC). Se o ju iz tem o dever de fundamentação analítica, as partes têm o
ônus de argumentação específica. Vale dizer: as partes também têm o ônus de cola­
b o ra r com o juiz, mediante a promoção de requerimento estruturado, completo e
concreto. A colaboração no processo civil é uma via de mão dupla e a aplicação do
ô n u s dinâmico da prova constitui um dos exemplos mais marcantes disso.

3. A decisão judicial sobre o ônus da prova

A aplicação da dinamização do Ônus da prova sempre depende de decisão


ju d icial. Não há falar em dinamização sem decisão anterior que expressamente
a determ ine. Constitui evidente equívoco supor, mesmo nos casos fundados no
d ireito do consum idor ou nas demais situações em que a técnica é prevista por
lei, que a dinamização do ônus da prova possa ser presumida ou mesmo consistir
e m efeito lógico de determ inada situação de direito material. Não sendo o caso de
convenção prévia a respeito dos ônus probatórios, hipótese prevista no parágrafo
3o do art. 373, CPC, no qual o acordo sobre distribuição do ônus da prova pode
ilu strar sorte de dinamização, a existência de decisão judicial é pressuposto para
a aplicação da técnica. Ter o ônus da prova por dinamizado, mesmo sem que haja
decisão anterior nesse sentido, constitui não apenas evidente contrariedade à
reg ra legal, mas sobretudo grave violação ao direito fundamental à segurança e ao
contraditório.
O parágrafo 1° do art. 373, CPC, é claro ao dispor que “poderá o juiz atribuir o
ô n u s da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada” .Não
se pode adscrever ao texto normativo sentido mais evidente: trata-se de regra de
co n d u ta dirigida ao órgão judicial, que lhe impõe a resolução da questão de eventual
dinam ização por meio de expresso pronunciamento. Não se pode esquecer que as
p artes, seja qual for o objeto do processo, iniciam sua participação ainda pela fase
postulatória com os seus ônus probatórios atribuídos segundo o critério ordiná-

9. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo


C ó d ig o d e P ro c e s so C i v i l c o m e n ta d o . São Paulo: Revista dos Tribunais. 2. ed., 2016,
p. 153.
A PRAGMÁTICA E O PROCEDIMENTO DO ÔNUS DA PROVA
165

rio definido pelos incisos do art. 373, CPC. Qualquer alteração desse paradigma,
por óbvio, deve ser informada às partes, sob pena de violação não apenas à regra
que exige a decisão do juiz, mas àquela que determina a impossibilidade de o juiz
decidir com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes
oportunidade de se manifestar (art. 10, CPC). Não pode o órgão judicial resolver
a demanda com aplicação da regra de julgamento dinamizada sem que as partes
tenham tomado prévio conhecimento a respeito.
O problema é de alto relevo, mormente pela constatação de que alguns tribu­
nais seguem decidindo de modo diverso. Importa sublinhar: a circunstância de o
caso estar submetido ao direito do consumidor, ou ao direito ambiental, rtos quais
a possibilidade de dinamização (ou “inversão”, como prefere o texto legal) é ope
legis, isto é, decorre de previsão legal, tom aria desnecessária a decisãqa respeito da
questão. Trata-se de orientação, no entanto, das mais equivocadas: nem o Código de
Defesa do Consumidor (art. 6o, VIII) nem a Lei 6.938/81, que dispõe sobre a tutela
do meio ambiente, determinam que o ônus da prova seja atribuído de modo diverso
daquilo que disciplina o art. 373, incisos I e II, CPC. Consoante se explicou acima
(Parte II, item 5), nas demandas que envolvem a responsabilidade civil objetiva o
que muda é apenas o suporte fãtico para a incidência da norma de direito material,
a implicar na dispensa do ônus de alegar o enunciado fático relativo à culpa do réu.
Nada muda, portanto, a respeito da distribuição dos ônus probatórios: ao autor
caberá a prova do “fato constitutivo do seu direito” (art. 3 7 3 ,1, CPC). Mesmo o
Código de Defesa do Consumidor, ao dispor no inciso VII, do art. 6o, que
São direitos básicos do consumidor ( ...) a facilitação da defesa de
seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu
favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil
a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras
ordinárias de experiências,
define como indispensável a existência de decisão judicial para a dinamização.
Observe-se bem: a dinamização somente poderá ser aplicada na particular hipótese
diante da relevância da fundamentação e a constatação quanto à hipqssuficiência
do consumidor. Isso significa que não é em todos os casos que a dinamização será
aplicada, mas apenas àqueles nos quais são notadas tais particularidades. Frise-se
bem o ponto: mesmo no âmbito das demandas judiciais de consumo, a dinami­
zação será aplicada se, e somente se, o juiz constatar a presença de tais requisitos.
Do contrário, não há falar em qualquer alteração do critério ordinário previsto no
art. 37 3 ,1 e II, CPC.
166 ONUS DA PROVA NO NOVO CPC

Presumir como implementada qualquer alteração do esquema de distribuição


ordinário do ônus da prova equivale a romper com a previsibilidade que as partes
têm do procedimento e a violar a sua legítima confiança de que as regras sobre o
ônus da prova serão aplicadas pelo juiz em conformidade com o que se encontra
determinado pela lei. Aplicar a dinamização sem decisão pretérita constitui, por
outros termos, grave violação ao direito fundamental à segurança (art. 5o, caput,
CRFB).
Por outra perspectiva de análise, a dinamização depende de decisão prévia
porque, do contrário, evidencia-se eloquente violação ao direito fundamental ao
contraditório (art. 5o, LV, CRFB; art. 10, CPC)10.
Consideradas as relevantes funções que o ônus da prova exerce no processo,
seja no sentido de estruturar a atividade probatória das partes, seja no sentido de
outorgar critério ao juiz para a resolução da demanda, qualquer alteração que diga
respeito à sua respectiva distribuição constitui questão cuja solução deve ser in­
formada às partes. Se o ônus da prova não está distribuído em conformidade com
o critério ordinário previsto no Código de Processo Civil, as partes precisam tomar
imediato conhecimento disso, a fim de que possam reestruturar sua atividade proba­
tória e conhecer os novos riscos que recaem sobre a suaposição jurídica no processo.
É indispensável, por conseguinte, que, acaso entenda por aplicar a dinamização,
o juiz se pronuncie através de decisão, de modo a dar às partes o conhecimento a
respeito de importante questão ligada aos rumos da resolução da demanda.
O respeito ao contraditório, no ponto, observa-se mediante a atenção ao
sentido dos arts. 10 e 373, § Io, CPC. Tais regras determinam a conduta do juiz
no que diz respeito ao tema. Assim, se “O juiz não pode decidir, em grau algum de
jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às par­
tes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva
decidir de ofício” (art. 10), é obvio que, se decidir aplicar a regra de julgamento do
ônus da prova na sentença com base em eventual dinamização, deve, muito antes
disso, informaras partes a esse respeito, dando-lhes a oportunidade de manifesta­
ção e readequação de seus esforços de prova. O parágrafo I o do art. 373 confirma
o predito, pois, além de outorgar ao juiz o poder de dinamizar o ônus da prova,
exige decisão fundamentada a respeito.

10. CARPES, Artur Thompsen. Apontamentos sobre a inversão do ônus da prova e a garantia
do contraditório. P ro v a ju d ic iá r ia : estudos sobre o novo direito probatório. Porto Alegre:
livraria do Advogado, 2007, p. 27-49.
A PRAGMÁTICA E O PROCEDIM ENTO DO ÔNUS DA PROVA
167

3 .1 . O m om ento adequado da decisão q u e determ ina a din am ização dos


ônus probatórios

Qual a fase processual mais adequada para ocorrer a decisão a respeito da dina­
mização do ônus da prova? Na fase postulatória, quando do recebimento da petição
inicial? Na fase de saneamento, isto é, após a definição e estabilização dos contornos
da demanda? Na fase decisória, ou seja, quando do julgam ento da demanda? Ou
não há falar, rigorosamente, em momento adequado para sindicar a questão?
Logo que a dinamização do ônus da prova passou a ser aplicada no direito
brasileiro, o que coincidiu com o advento do Código de Defesa do Consumidor, a
doutrina afirmava que a questão deveria ser resolvida na fase decisória do processo.
Era majoritária a opinião de que o “momento de aplicação da regra de inversão
do ônus da prova (...) é o do julgamento da causa”, pois “as regras de distribuição
do ônus da prova são regras de juízo e orientam o juiz, quando há um non líquet
em matéria de fato, a respeito da solução a ser dada à causa”11. Segundo aludida
posição, “a regra de inversão do ônus da prova é regra de julgamento, servindo para
orientar o juiz nâ hipótese de um non liquet em matéria de fato”, não cabendo “ao
magistrado antecipar o juízo sóbre a inversão do ônus da prova para momentos
procedimentais anteriores, quando a cognição ainda é sumária e superficial, pois
com isto estará pré-julgando os fatos alegados”12. Aludida vertente sustentava que
“o momento adequado para a inversão judicial do ônus da prova é aquele em que
o juiz decide a causa”, pois “antes, sequer ele sabe se a prova será suficiente ou se
será necessário valer-se das regras ordinárias sobre esse ônus, que para ele só são
relevantes em caso de insuficiência probatória”13.

11. WATANABE, Kazuo. In: GRINOVER, Ada Pellegrini e t a l C ó d ig o d e D e fe s a d o C o n s u m id o r


c o m e n ta d o p e lo s a u to re s d o a n te p r o je to . Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.
12. GRINOVER, Ada Pellegrini. Parecer ministrado a pedido da empresa Souza Cruz S.A. e
juntado aos autos da Ação Civil Pública movida pela Associação de Saúde do Fumante —
Adesí- processo n° 1.503/95, da 19* Vara Cível de São Paulo (SP), ao responder questio­
namento sobre o sentido e alcance da regra de inversão do ônus da prova. (CARVALHO
NETO, Frederico da Costa. Ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor. São
Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 175.)
13. Essa é a opinião de Cândido IÍ3ngel Dinamarco. muito embora Teconheça que “isso
não significa que, antes do momento de julgar, a disciplina do ônus da prova seja des­
tituída de relevância no processo", sendo “dever do juiz, na audiência preliminar (art.
331 [/73]), informar as partes do ônus que cada uma tem e adverti-las da conseqüência
de eventual omissão - porque uma das tarefas a realizar nessa oportunidade é a organi­
zação da prova mediante a fixação de seu objeto e determinação dos meios probatórios
168 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

Naquele m om ento, o Superior Tribunal de Justiça fez coro à posição da


d o u trin a e, em diversos julgados, encampou referida orientação. A ratio de-
cidendi afirmava que “não há vicio em acolher-se a inversão do ônus da prova
p o r ocasião da decisão, quando já produzida a prova”14. Consoante tal critério
decisório, “Inexiste surpresa na inversão do ônus da prova apenas no julgamento
d a ação consum erista”, pois “Essa possibilidade está presente desde o ajuiza-
m en to da ação e nenhum a das partes pode alegar desconhecimento quanto à
s u a existência”15.
Outra parcela da doutrina, no entanto, sustentava que a decisão que determina
a dinamização deveria ocorrer na fase de saneamento do processo, ou seja, entre
as subfases postulatória e instrutória da fase de conhecimento do processo. Nesse
sentido, advogava-se que “a oportunidade propícia para a inversão do ônus da prova
ê em momento anterior à fase instrutória”, porque assim “a atividade instrutória já
inicia com as cargas probatórias transparentemente distribuídas entre as partes”16.
D e acordo com os defensores da tese:
o momento adequado para a decretação da inversão do ônus da
prova dá-se por ocasião do saneamento do processo (...) ficando
dessa forma cientes as partes da postura processual que passarão
a adotar, não podendo alegar terem sido surpreendidas (...)17.

a desencadear” (DINAMARCO, Cândido Rangel. In s titu iç õ e s d e d ire ito p r o c e ss u a l civil.


São Paulo: Malheiros, 2001, v. 3, p. 81-83).
14. REsp 203.225/MG, rei. Sálvio De Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, j. 02.04.2002, D J
05.08.2002, p. 344.
15. REsp 1125621/MG, rei. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 19.08.2010, D Je 07.02.2011.
Fazendo coro a tal orientação, ver BARBOSA, Rafael Vinheiro Monteiro. O ônus da prova
no direito processual civil: a visão do STJ. R e v is ta d e P rocesso, n. 233, p. 350-359, jul.
2014.
16. GIDI, Antonio. Aspectos da inversão do ônus da prova no Código de Defesa do Con­
sumidor. G ê n e s is : Revista de Direito Processual Civil, n. 3, p. 587, set.-dez. 1996.
17. MORAES, Voltaire de Lima. Anotações sobre o ônus da prova no Código de Processo Civil
e no Código de Defesa do Consumidor. R e v ista d e D ireito d o C o n s u m id o r, São Paulo, n. 31,
p. 69, jul.-set. 1999. No mesmo sentido, MENDESJÚNIOR, Manoel de Souza. O momento
para a inversão do ônus da prova com fundamento no Código de Defesa do Consumidor.
R e v is ta de P rocesso, São Paulo, n. 114, p. 89, mar.-abr. 2004; e BARBOSA MOREIRA, Carlos
Roberto. Notas sobre a inversão do ônus da prova em beneficio do consumidor. R e v ista d e
P rocesso, São Paulo, n. 86, p. 294-309, abr.-jun. 1997, esp. p. 306-307.
A PRAGMÁTICA E O PROCEDIMENTO DO ÔNUS DA PROVA
169

Exemplos dessa orientação foram encontrados em acórdãos do Tribunal


de Justiça do Rio Grande do Sul18, do Tribunal dejustiça do Rio de Janeiro19e do
próprio Superior Tribunal dejustiça20.
Não faltaram vozes, ainda, a sustentar que a decisão sobre a dinamização
devesse ocorrer liminarmente, ou seja, logo após o recebimento da petição inicial.
Afinal, se o requerimento é formulado na petição inicial, o seu exame liminar pelo
juiz proporcionaria ao réu a estruturação de sua atividade probatória já em sede
de defesa. O exercício da defesa, desse modo, seria pautado desde jã pelo novo
alinhamento dos esforços de prova, o que prestigiaria a segurança mediante a sua
previsibilidade e evitaria o tumulto processual.
Uma quarta e última concepção, talvez a mais radical de todas, orientava-se
no sentido de que “não há momento para o juiz fixar o ônus da prova ou a sua
inversão”. A tese partia da premissa de que o Ônus da prova não constitui regra de
procedimento21, de modo que se revelaria “desnecessário aviso prévio ao fornece­
dor de produtos e serviços de que poderá ou haverá ‘inversão do ônus da prova”
e, portanto, não haveria falar “em momento de tal aviso ou mesmo da ocorrência
de eventual ferida aó princípio constitucional da ampla defesa”22.

18 “ [ P ]revalece ò entendimento, tanto nesta Corte como nos Pretórios excelsos, que o
momento adequando para estabelecer a inversão do ónus da prova é o dó saneador,
pois é o instante processual imedíatamente anterior ao da produção das provas (TJRS,
Apelação Cível 70014109565,18a Câmara Cível, rei. Pedro Celso DalPrá, j; 20.11.2006).
19. “Ademais, o juízo, utilizando-se de seu poder-dever, observou o correto momento: para
proceder á inversão, ou seja, na decisão saneadora, em momento anterior ã fase de ins­
trução de provas (...)”. (TJRJ. Agravo de Instrumento 25.653/05, Sétima Câmara Cível,
rei. Desa. Helda Lima Meireles).
20. “Em casos que tais, na forma do que dispõe o § 3° do artigo 542 do Código de Processo
Civil, deve o recurso ficar retido àté o final da causa. Malgrado o caráter restritivo da
norma supra, em circunstâncias excepcionais, a jurisprudência desta Corte tem admi­
tido o processamento e julgamento do recurso especial. É o caso sob exame, em que
se discute a possibilidade de inversão do ônus da prova, sob pena de se tom ar inócua
a ulterior apreciação da questão pelo Superior Tribunal dejustiça”. Recurso Especial
540.235/SP, Terceira Turma, rei. Min. Castro Filho. Ao entender se tom ar “inócua a
ulterior apreciação da questão ', para o caso de o recurso ficar retido nos autos, quando
seria apreciado apenas quando da sua oportuna reiteração, somente ao final da demanda,
o precedente aponta claramente em que fase deve haver a inversão do onus probandi.
2 1 . NERYJÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil e legislação
processual civil em vigor. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, [s.d.j, p. 696.
22. MONNERAT, Carlos Fonseca. Momento da ciência aos sujeitos da relação processual
de que a inversão do ónus da prova pode ocorrer. Revista de Processo, São Panlo. n. 113,
p. 84, jan.-fev. 2004.
170 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

O momento mais adequado para sindicar a questão da dinamização do ônus


da prova, no entanto, é extremamente relevante. Não se revela tolerável, diante
do direito fundamental ao processo justo, que a alteração da disciplina ordinária
dos ônus probatórios - o coração do procedimento probatório - ocorra a qualquer
momento no processo. Isso porque a imposição de ônus, mormente o de caráter
probatório, implica significativa modificação quanto ao exercício da posição jurídica
exercida pela parte no processo. A atribuição de ônus da prova implica, quanto
ao menos, imposição de maior risco à sucumbência. Dessa forma, o momento
em que a dinamização irá ocorrer possui significado não desprezível, porque isso
possui significativos reflexos no exercício do direito fundamental ao contraditó­
rio. Mas não é só. A questão é relevante no que diz respeito ao exercício do direito
fundamental à prova, pois condiciona o modo como a prova será produzida. Além
disso, possui evidentes implicações com o direito fundamental à igualdade, o qual
determina que tenham as partes as mesmas oportunidades para o cumprimento
de seus ônus. O momento da dinamização é relevante, ademais, a fim de outorgar
previsibilidade à prestação da tutela jurisdicional, razão pela qual se vincula ao
exercício do direito fundamental à segurança. Finalmente, a oportunidade para
aplicar a dinamização ainda contribui para a tutela do direito fundamental à tutela
jurisdicional adequada e efetiva.
Ainda que haja requerimento liminar para a dinamização do ônus da prova
quando do recebimento da petição inicial, não há falar na sua aplicação antes
do exercício do contraditório. A regra do contraditório prévio (art. 9o, CPC)
veda a dinamização do ônus probatório antes que seja oportunizado à parte ré
se manifestar a rèspeito. Além disso, importa notar que, antes da defesa, sequer
é possível definir os limites objetivos da demanda e, por conseguinte, fixar os
limites do thema probandum. Por certo existe a possibilidade de o réu, em sua
contestação, deixar de controverter a respeito de determ inados enunciados
fáticos ou mesmo reconhecer juridicam ente a respeito de aspecto do direito
material deduzido em juízo. Tais circunstâncias podem reduzir em m uito os
limites do objeto da prova. Seria contraproducente, portanto, decidir a respeito
de eventual aplicação da dinamização anteriormente ao exercício da defesa pelo
réu, seja porque isso viola a regra do contraditório prévio (art. 9°, CPC), seja
porque não se encontra ainda delimitado, naquela oportunidade, o objeto da
prova a ser produzida em juízo.
T A PRAGMÁTICA E O PROCEDIM ENTO DO ONUS DA PROVA

É evidente, por outro lado, que o exame da questão da dinamização do ônus d a


prova não pode ocorrer tão somente por ocasião daprolação da sentença. Havendo
requerimento, o juiz não pode deixar para examiná-lo apenas na fase decisória. A
função subjetiva exercida pelo ônus da prova impõe ao órgão judicial tempestiva
resposta a respeito da questão, sob pena de inviabilizar a adequação da estruturação
da atividade probatória das partes. Note-se que, independentemente da resolução
que seja dada à questão - pelo deferimento ou não do requerimento de dinam i­
zação - a definição tem por efeito determinar a conduta das partes em relação à
produção da prova. A ausência de oportuna definição da questão na hipótese em
que há requerimento expresso da parte frustra o direito fundamental à prestação
tempestiva da tutela jurisdicional. Não se coaduna com o modelo processual d a
colaboração (art. 6°, CPC) queojuiz se omita diante de requerimento form ulado,
deixando as partes em estado de expectativa e sém solução a respeito de questão
tão relevante para a definição da demanda.
Caso o juiz surpreenda as partes com a determinação da dinamização do ô n u s
da prova apenas na sentença, isto é, sem outorgar o direito de prévia m anifestação
a respeito da questão, estará violando o direito fundamental ao contraditório (art.
5°, LV, CRFB). Isso porque “O juiz não pode decidir,, ém grau algum de jurisdição,
com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes o p o rtu ­
nidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir d e
ofício” (art. 10, CPC). Significa dizer: as decisões-surpresa são vedadas no direito
brasileiro, assim como no direito alemão23, porque as partes têm ó direito de i n ­
fluenciar a resolução de qualquer questão submetida ao órgão jurisdicional, o q u e
inclui a questão sobre a dinamização do ônus da prova. A surpresa viola, adem ais,
a legítima confiança que o jurisdicionado deposita no juiz, pois contraria à previ­
sibilidade a respeito do procedimento, o que fragiliza, por conseguinte, o direito
fundamental à segurança no processo.

23. Nesse sentido, a ZPO alemã, em seu § 139, com nova redação vigente desde 2002,
veda qualquer decisão fundada em dado jurídico do qual uma das partes não tenha se
percebido, isto é, sem que tenha havido pretérita advertência e oportunidade delas se
expressarem a tal respeito. Sobre o assunto, ver RAGONE, Álvaro J. Pérez; PADILLO,
Juan Carlos Ortiz. C ó d ig o P ro cesa l C iv il A le m á n (Z P O ) : Traducción con un estúdio in -
troductorio al proceso civil alemán contemporâneo. Berlin: Konrad-Adenauer-Stiftung,
2006, p. 67-78.

T
172 ÔNUS DA PROVA N O NOVO CPC

Revela-se inadmissível, como bem registra Álvaro de Oliveira, “sejam os liti­


gantes surpreendidos por decisão que se apoie, em ponto fundamental, numa visão
ju ríd ica de que não se tinham percebido”. Tanto o juiz quanto o tribunal devem
p a u ta r a sua atividade mediante o fornecimento às partes do:
conhecim ento prévio de em qual direção o direito subjetivo corre
perigo, permitindo-se o aproveitamento na sentença apenas os fa­
tos sobre os quais as panes tenham tomado posição, possibilitando-
-lhes m elhor defender seu direito e influenciar a decisão judicial.

A advertência aplica-se obviamente à hipótese de dinamização do ônus da


prova. Com efeito:
a liberdade concedida ao julgador na eleição da norma a aplicar,
independentem ente de sua invocação pela parte interessada, con­
substanciada no brocardo iu r a n o v i t c u r ia , não dispensa a prévia
ouvida das partes sobre os novos rumos a serem imprimidos no
litígio, em homenagem ao princípio do contraditório.

O problema, como se percebe:


não diz respeito apenas ao interesse das partes, mas conecta intima­
mente com o próprio interesse público, na medida em que q u a lq u e r
s u r p r e s a , q u a lq u e r a c o n te c im e n to in e s p e r a d o , s ó f a z d i m i n u i r a f é d o

c id a d ã o n a a d m in is tr a ç ã o d a j u s t i ç a 24.

Ainda que o juiz tenha intimado as partes para previamente se manifestar


so b re a hipótese de eventual dinamização, sua aplicação na sentença fragiliza o

24. ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. A garantia do contraditório. D o fo r m a lis m o n o


p ro c e ss o c iv il. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 237. Em outro ensaio, o jurista registra
a introdução de tais conceitos, já amplamente difundidos na doutrina e jurisprudência,
desde a reforma processual de 1977 da então Alemanha Federal. No § 278, II, da Orde­
nança Processual Civil (ZPO) consta a disposição segundo a qual “o juiz só pode apoiar
sua decisão em um aspecto jurídico considerado insignificante pela parte, ou que lhe
tenha passado despercebido, se tiver a oportunidade de se manifestar a respeito, salvo
quando se tratar de uma questão meramente acessória” (ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos
Alberto. Poderes do juiz e visão cooperativa de processo. Revista P rocesso e C o n s titu iç ã o ,
Porto Alegre, n. 1, p. 103, nota 45, dez. 2004). Em sentido contrário, Emane Fidélis dos
Santos sustenta que a distribuição dos ônus probatórios deve respeitar a normalidade
e, nesse sentido, sendo “regra comum a todos”, sua eventual inversão na sentença não
acarretaria surpresa (SANTOS, Emani Fidélis dos. O ônus da prova no Código de De­
fesa do Consumidor. R e v is ta d e D ire ito d o C o n su m id o r. São Paulo, n. 47, p. 277, jul.-set.
2003).
A PRAGMÁTICA E O PROCEDIMENTO DO ÔNUS DA PROVA
173

direito fundamental ao processo justo. Dinamizar o ônus da prova na sentença


significa atribuir ônus probatório impossível de ser cumprido e, portanto, implica
violar o direito fundamental à prova. Com efeito, na perspectiva da racionalização
da atividade judiciária, o término da fase instrutória determina a finalização da
atividade probatória. Não havendo mais a possibilidade de produzir provas - a não
ser que seja reaberta a instrução processual, o que seria logicamente incompatível
a prolação da sentença - não há mais como a parte onerada cum prir com o seu
ônus probatório. Com efeito, no caso de o juiz dinamizar o ônus da prova apenas
na sentença, isso consistirá em manifesto óbice ao direito fundamental à prova.
Com efeito, se o processo já se encontra na fase decisória e o ju iz percebe
que a dinamização é indispensável, não deve proferir a sua sentença. Deve, por
primeiro, intim ar as partes para que se manifestem sobre eventual dinamização.
Após oportunizado o contraditório, caso esteja convencido de que a dinamização
é realmente aplicável no caso concreto, deve reabrir a fase instrutória do processo,
outorgando assim à parte onerada a oportunidade para cumprir o seu ônus.
A decisão que modifica o ônus da prova deve ser proferida, portanto, em
momento anterior à instrução probatória. Jamais o ônus probatório pode ser ob­
jeto de dinamização, seja essa legal ou judicial, apenas no momento da sentença.
Qualquer alteração na estruturação da atividade probatória das partes deve dar-
-se, por óbvio, antes da fase de produção das provas, com o que se estará, sempre,
evitando a ocorrência de vícios insanáveis ao processo, seja por violação do direito
fundamental ao contraditório, seja por violação ao direito fundamental à prova,
seja por violação ao direito fundamental à segurança ou, ainda, por violação aos
deveres de colaboração que pautam a atividade do juiz em relação às partes.
Nas demandas envolvendo relações de consumo, tal realidade fica ainda mais
clara: embora alei preveja expressamente o dever de dinamização dos ônus proba­
tórios, isso somente irá ocorrer à luz do caso concreto, caso o juiz constate que o
consumidor é “hipossuficiente” e suas alegações estiverem dotadas de “verossimi­
lhança”. Assim, não é toda demanda baseada em relação de consumo que remete,
de plano, à modificação da moldura ordinária descrita pelo caput e respectivos
incisos do art. 373, CPC. Não havendo qualquer decisão a esse respeito, o fornece­
dor estruturará sua atividade probatória em consonânciacom o que determinada
a regra geral. Por que se comportar de maneira diferente, se a mera constatação
de que há relação de consumo não importa, deper si, a inversão do onus probandi?
Pensar diferente seria consagrar a insegurançajurídica e desmerecer a importância
fundamental da participação das partes na instrução probatória.
174 ÕNUS DA PROVA N O NOVO CPC

O Superior Tribunal de Justiça foi paulatinamente alterando a sua orientação


a respeito do tema. Em julgado de 2006, já afirmava que “dúvida não há quanto
ao cabimento da inversão do ônus da prova ainda na fase instruto ria - momento,
aliás, logicamente mais adequado do que na sentença, na medida em que não impõe
qualquer surpresa às partes litigantes”25. 0 julgado que representou o tumingpoint
da orientação ocorreu, no entanto, apenas cinco anosdepois: no REsp 802.832/MG,
julgado em 13.04.2011 pela Segunda Seção e cuja relatoria coube ao Ministro Paulo
de Tarso Sanseverino. No precedente firmou-se a ratío decidendi de que “A distri­
buição do ônus da prova, além de constituir regra de julgamento dirigida ao juiz
(aspecto objetivo), apresenta-se também como norma de conduta para as partes,
pautando, conforme o ônus atribuído a cada uma delas, o seu comportamento
processual (aspecto subjetivo)”. Assim, “Se o modo como distribuído o ônus da
prova influi no comportamento processual das partes (aspecto subj etivo), não pode
a inversão ‘opejudieis’ ocorrer quando do julgamento da causa pelo juiz (sentença)
ou pelo tribunal (acórdão)”. A conclusão, portanto, é de que:
A inversão “o p e j u d i e i s ” do ônus probatório deve ocorrer prefe­
rencialmente na fase de saneamento do processo ou, pelo menos,
assegurando-se à parte a quem não incumbia inicialmente o en­
cargo, a reabertura de oportunidade para apresentação de provas.

Desde então, os demais órgãos fracionários do Superior Tribunal de Justiça


vêm respeitando referido precedente.
Afirmar que a dinamização deve ocorrer na sentença porque constitui “regra de
julgamento” revela equívoco de raciocínio lógico do intérprete. A aplicação da regra
(de julgamento) do ônus da prova não se confunde com a eventual dinamização
do ônus da prova. Dinamizado ou não o ônus da prova, o juiz aplicará a regra de
julgamento acaso não esteja convencido sobre os enunciadosTáticos alegados pela
parte onerada. Não é, portanto, porque o ônus da prova exerce função de regra de
julgamento que a sua eventual dinamização deve ocorrer na sentença.
A dinamização, quando determinada previamente ao início da fase instrutória,
proporciona colheita mais vigorosa das provas. Isso porque as partes, conhecendo
suas respectivas necessidades probatórias, reunirão todas as suas forças a fim de

25. STJ, REsp 662.608/SP, rei. Hélio Quaglia Barbosa, Quarta Turma, j. 12.12.2006, D J
05.02.2007, p. 242. Sobre a questão, ver, ainda, interessante debate havido em sede
de esclarecimentos no julgamento do REsp 442.854/SP, rei. Nancy Andrighi, Terceira
Turma, j. 11.11.2002, DJ 07.04.2003, p. 283.
A PRAGMÁTICA E O PROCEDIM ENTO D O ÔNUS DA PROVA
175

evitar o risco da sucumbência decorrente de eventual não esclarecimento dos fatos


Prestigia-se, assim, o direito fundamental contraditório e o direito fundamental à
prova. Mas não apenas isso: promove-se a maior cooperação das partes na b usca
dos elementos necessários para evitar a utilização da “regra de julgam ento” (a rt
6o, CPC). Se a justiça da decisão depende da reconstrução adequada dos fatos estão
à base da controvérsia2627,a aplicação da dinamização deve ocorrer antes da in stru ­
ção, de modo a tornar o mais eficaz possível a colaboração das partes no aporte d o
material probatório.
Por outras palavras, a pretérita delimitação dos respectivos encargos convoca
as partes, portanto, a depositarem todas as suas forças em prol de evitar a incidência
da “regra de juízo”, ou seja, a faceta nefasta do ônus da prova. Se o processo cum pre
sua finalidade quando faz justiça e esta se encontra intim am ente ligada à obtenção
da verdade, somente se alcançará a verdadeira justiça evitando-se a formalização
do juízo de fato, o que será sempre a última ratio17. Tudo leva a crer, portanto, q u e
o estímulo à produção probatória, mediante a eficaz e tempestiva repartição d o
ônus da prova, pode colaborar com resultado mais ajustado aos fins de justiça.
O problema envolvendo o m om ento da alteração dos esforços de p ro v a
revela-se, aliás, um dos pontos frágeis da doutrina argentina em torno do ô n u s
dinâmico da prova28. Os críticos jamais deixaram de atentar para a circunstância
de que o juiz, ao dinamizar os ônus probatórios em sede de sentença, “variou, à
sua vontade, as regras do jogo às quais se ajustaram os contendores durante to d o
o processo”, fazendo-o, no entanto, “após o jogo term inar”, o que responderia a
“ilegitimidade manifesta, por mais que possa ser justa a solução dada ao caso”29. A
crítica está rigorosamente correta: não há como sustentar, como faziam algum as
vozes na doutrina argentina, que:

26. TARUFFO, Michele. Idee per una teoria delia decisione giusta. In: Sut c o n fin i - S c r i t t i
s u lla g iu s tiz ia c iv ile . Bologna: II Mulino, 2002, 225.
27. RAMOS, Vitor de Paula. Comentários ao art. 373. TUCCI, José Rogério Cruz e e t d l .
(Coord.). C ó d ig o d e P ro cesso C iv il a n o ta d o . Rio de Janeiro: LMJ Mundó Jurídico, 2016,
p. 537.
28. O que é reconhecido por Peyrano, ao aferir que “esta linha de impugnação é a mais s é ­
ria". (PEYRANO, Jorge W La docirina de las cargas probatórias dinâmicas y la m áquina
de impedir en materia jurídica. In: PEYRANO, Jorge W ; LÉPORI WHITE, Inés (Org.).
C a rg a s p r o b a tó r ia s d in â m ic a s . Santa Fe: Rubinzal Culzoni, 2004, p. 88.
29. ALVARADO VELLOSO, Adolfo. Presentación. Jn: GARCÍA GRANDE, Maximiliano. L a s
c a rg a s p r o b a tó r ia s d in â m ic a s : inaplicabilidad. Rosario: Juris, 2005, p. 21.
176 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

ninguém pode surpreender-se caso se sanciona sua má-fé, malícia,


abuso ou falta de lealdade ou probidade, tampouco pelo fato de
que o tribunal assuma responsavelmente sua função e se preocupe
p o r m anter a igualdade das partes, e muito menos pelo fato de que
se resolva com justiça o caso30.

O argumento não serve para justificar que o momento mais adequado para
dinam ização seja a sentença por vários motivos. Por primeiro, a dinamização nada
te m a ver com punição. Por segundo, semelhante conclusão contraria justamente
u m dos fundam entos m ais relevantes que a própria doutrina argentina utiliza
p a ra sustentar a legitimidade da carga dinâmica de la prueba: a colaboração entre
o s sujeitos do processo (juiz-partes, partes-juiz) mediante uma visión solidarista
de la carga de la prueba31.
No que se refere à realidade brasileira, pela interpretação do CPC/73 já era
possível perceber que o momento mais adequado para decisão que altera a disciplina
d o s ônus probatórios situava-se na fase de saneamento do processo. A previsão
q u an to à audiência preliminar, prevista no art. 331 daquele código, indicava, no
parágrafo 2o, que “se, por qualquer motivo, não for obtida a conciliação, o juiz fixará
o s pontos controvertidos, decidirá as questões processuais pendentes e determinará
as provas a serem produzidas (...) ”32. Se realmente “estão presentes nessa audiência
(...) as três finalidades manifestamente atribuídas à audiência preliminar no Gódigo
d e Processo Civil Tipo Para a América Latina: conciliar, decidir sobre matéria pro­
cessual, delimitar o que discutir e como provar”33, e se nessa opiortunidade deve-se
“delim itar a instrução a ser feita”34, revelava-se evidénte a determinação para que
naq u ela oportunidade ocorresse, se fosse o caso, a decisão relativa à modificação

3 0 . LÉPORIWHITE, Inés. Cargas probatórias dinâmicas. In: PEYRANO, Jorge W ; LÉPORI


WHITE, Inés (Org.). Cargas probatórias dinâmicas. Santa Fe: Rubinzal Culzoni, 2004,
p.73.
31. MORELLO, Augusto Mario. La prueba; tendências modernas. 2. ed. La Plata: Abeledo-
-Perrot, 2001, p. 83-91.
3 2 . No mesmo sentido, MENDES JÚNIOR, Manoel de Souza. O momento para a inversão
do ônus da prova com fundamento no Código de Defesa do Consumidor. Revista de
Processo, São Paulo, n. 114, mar./abr., 2004, p. 89.
33. DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo:
Malheiros, 1995, p. 119. A ênfase é nossa.
3 4 . DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo:
Malheiros, 1995, p. 114.
A PRAGMÁTICA E O PROCEDIMENTO DO ÔNUS DA PROVA
177

do onus probandi.35A melhor doutrina espanhola, aliás, faz coro a tal orientação36
No que diz respeito ao caso argentino, o próprio Peyrano advoga a instituição de
audiência destinada a semelhante hm, oportunidade na qual:
seria conveniente tomar o cuidado de alertar às partes acerca de
que as circunstâncias do caso fazem que tal ou qual litigante deverá
suportar um esforço probatório especial, distinto e superior ao que
surge do reparto normal e corrente do onus probandi37.

A questão ganha contornos definitivos com o advento do novo CPC. O pa­


rágrafo único do art, 373, na parte hnal de sua redação, dispõe què, na hipótese
de dinamização, o juiz “deverá dar à parte a oportunidade de se dêsincuínbir
do ônus que lhe foi atribuído”. O momento adequado é, portanto, aquele que
melhor outorgue à parte que recebe o ônus a possibilidade de seu respectivo cum­
prim ento, o qual coincide com a fase de saneamento e organização dó processo
(art. 357, CPC). O legislador, aliás, não poderia ter sido mais específico quanto
ao ponto, ao determ inar que, dentre as providências inerentes à organização do
processo, deve o juiz “definir a distribuição do ônus da prova, observado o àrt.
373” (art. 357,111).

35. Sobre a audiência preliminar prevista no art. 331 do CPC brasileiro, consulte-se
DALEAGNOL JÚNIOR, Antônio Janyr. Audiência de conciliação. In: I NOVAÇÕES do
Código de Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996, p. 79-99 e LANES,
Júlio César Goulart. Audiências: conciliação, saneamento, prova e julgamento. Rio de
Janeiro: Forense, 2009. Sobre a audiência preliminar no novo processo civil português,
ver SILVA, Paula Costa e. Saneamento e condensação no novo processo civil: a fasè da
audiência preliminar. In: Aspectos do novo processo civil. Lisboa: Lex, 1997, p. 213-269.
Em consonância com o entendimento dè que a inversão do ônus da prova deve ser dada
na audiência de instrução, confiram-se os nossos Apontamentos sobre a inversão do ônus
da prova e a garantia do contraditório (KNIJNIK, Danilo (Org.). Provajudiciária: estudos
sobre o novo direito probatório. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 27-49 e
ALVES, Maristela da Silva. Ônus da prova como regra de julgamento. In: ALVARO DE
OLIVEIRA, Carlos Alberto (Org.). Prova cível. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 77-89,
esp. p. 85).
36. FERNÁNDEZ, Tania Chico. La carga de la prueba y la iniciativa probaloria de oficio en
la Ley de Enjuicíamiento Civil. In: LLUCH, Xavier Abel; P1CÓ i JUNOY, Joan (Dir.).
Objetoy carga de la Prueba Civil. Barcelona: Bosch, p. 150.
37. PEYRANO, Jorge W. Nuevos lineamentos de las cargas probatórias dinâmicas. In:
PEYRANO, Jörge W.; LÉPORI WHITE, Inés (prg.). Cargas probatórias dinâmicas. Santa
Fe: Rubinzal Culzoni, 2004, p. 24.
178 ÓNUS DA PROVA NO NOVO CPC

Em um processo de estrutura cooperativa (art. 6o, CPC), o ideal é que as ati­


vidades de saneamento e de organização da prova sejam realizadas em audiência,
porque o ato propicia um amplo contato e debate oral entre todos aqueles que
participam do contraditório38. Ao contrário do que uma interpretação literal do
art. 357, § 3o, CPC, pode supor, a audiência é recomendável em qualquer deman­
da, independentemente da sua complexidade. Referida audiência tem por função
pré-excluir eventuais vícios dos atos processuais anteriores e organizar a atividade
processual iminente, na qual se inclui a de natureza probatória39.
Nada obstante, caso a necessidade de dinamização seja vislumbrada pelo
órgão judicial apenas posteriormente ao encerramento da instrução, nada obsta
que a aplique, desde que possibilite à parte que recebeu o ônus a oportunidade de
produzir a prova destinada a cumpri-lo. Mesmo quando o processo já se encontra
em segundo grau de jurisdição, caso se observe a necessidade de se dinamizar os
ônus probatórios, nada obsta que o tribunal assim determine, desde que permita às
partes, a partir da reestruturação da atividade probatória, cumprir com seus ônus
e, assim, participar adequada e efetívamente da construção da decisão judicial40.
O im portante é que as partes não sejam surpreendidas por manobras impre­
vistas, que alterem as regras do jogo e impeçam, na bilateralidade do equilíbrio,
exercer o direito de amplo e irrestrito acesso à ordem jurídica justa41.

3 .2 . A fundam entação da decisã o sobre a questão da dinam ização do ônus


da prova

Nada obstante o conteúdo normativo do direito fundamental à fundamenta­


ção das decisões judiciais esteja fundado na Constituição (art. 93, IX, da CRFB),

38. MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribu­
nais, 2015, p. 130-131.
39. Nesse sentido, confira-se SILVA, Paula Costa e. Saneamento e condensação no novo
processo civil: a fase da audiência preliminar. In: Aspectos do novo processo civil. Lisboa:
Lex, 1997, p. 213-269.
40. No mesmo sentido, AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 501. No que se refere ao momento da dinami­
zação no procedimento dos Juizados Especiais Cíveis, confira-se o ensaio de RODYCZ,
Wilson Carlos. A inversão do ônus da prova no Juizado Especial Cível. Revista da Ajuris,
Porto Alegre, n. 67, p. 195-200, jul. 1996; e MACEDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi.
ônus da prova e sua dinamização. 2. ed. Salvador: JusPodivm. 2016, p. 216-217.
41. MORELLO, Augusto Mario. Laprueba: tendências modernas. 2. ed. La Plata: Abeledo-
-Perrot, 2001, p. 101.
T
A PRAGMÁTICA E O PROCEDIMENTO DO ÔNUS DA PROVA | 1 7 9

o texto do parágrafo I o do art. 489 do CPC tem a evidente finalidade de densificar


o seu sentido no processo civil brasileiro. O órgão judicial possui certa liberdade
para decidir, isto é, para escolher entre dois ou mais caminhos possíveis; o direito
no entanto, impõe-lhe o dever de justificar a escolha realizada; e tal justificativa —a
fundamentação - deve ser vinculada ao ordenamento jurídico, o que obviam ente
lhe limita a possibilidade de escolha42. É indispensável que a fundamentação d e
qualquer decisão judicial esteja fundada no ordenamento jurídico. Do contrário,
as decisões judiciais consistiriam expressões de pura arbitrariedade.
A existência do dever de fundamentação constitui, portanto, uma das expres­
sões da democracia no âmbito do processo judicial. Isso porque é a fundam entação
que permite aos destinatários da prestação da tutela jurisdicional - as partes - aferir
a existência do diálogo entre o órgão judicial e as suas respectivas manifestações,
além de exercer eventualmente o seu controle. Trata-se, assim, de elemento d a
decisão judicial pelo qual se verifica o respeito ao contraditório, isto é, se o órgão
judicial efetivamente considerou os argumentos deduzidos pelas partes para d e ­
cidir. Vale lembrar que o direito fundamental ao contraditório, por consistir e m
direito de influência43, conduz “à previsão de um dever de debate entre o juiz e a s
partes a respeito do material colhido ao longo do processo”, o que, por conseguinte,
fundamenta a proibição de decisões-surpresa (art. 10, CPC)44.

42. Como refere Michele Taruffo na introdução da edição brasileira do seu clássico sobre a
motivação da decisão judicial, trata-se de notar a inequívoca distinção entre o procedi­
mento de raciocínio pelo qual o juiz formula a sua decisão, que se articula no tem po,
“implica síntese de fatores, procede por abduções e por trial and error, percorre cam inhos
que depois são abandonados, inclui a influência de fatores psicológicos e ideológicos,
implica juízos de valor” (context qf discovery), e o procedimento do raciocínio ju stifi­
cativo, no qual o juiz expõe as suas “boas razões”, isto é, tem “estrutura argumentativa
e não heurística; tem função justificativa; é um discurso - e, portanto, uma entidade
linguística - e não um iter psicológico; funda-se em argumentos tendencialmente iri-
tersubjetivos; é logicamente estruturada; pode incluir inferências dedutivas e indutivas,
mas não abdutivas” (TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. Trad. D aniel
Mitidiero, Rafael Abreu e Vitor de Paula Ramos. São Paulo: Marcial Pons, 2015, p. 16-
-17). Sobre o tema, ver também MOTTA, Otávio Verdi.Justificaçãd da decisãojudicial: a
elaboração da motivação e a formação de precedente. SãojPúulo: Revista dos Tribunais,
2015, p. 138-142.
43. ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do formalismo no processo civil: proposta d e
um formalismo-valoratívo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 131-133.
44. MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo eivil: pressupostos sociais, lógicos e éticos.
3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 144-146.
180 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

Nosso direito impõe que qualquer decisão judicial deve contar com funda­
mentação analítica. Isso significa que a sua fundamentação deve ser completa e
concreta. Dito por outras palavras, a fundamentação deve levar em consideração
todos os fundamentos apontados pelas partes que sejam relevantes para o desfecho
da questão examinada em juízo (dever de completude) e deve considerar o caso
concreto na perspectiva de suas particularidades (dever de especificidade)45.
A decisão pela qual o juiz resolve a questão da dinamização do ônus da prova
subm ete-se, por óbvio, às mesmas exigências quanto à sua respectiva fundamen­
tação.
Isso quer dizer que o juiz, ao aplicar ou denegar a dinamização, deverá de­
m o n strar na decisão que considerou todos os fundamentos aduzidos pelas partes
q u e sejam capazes de infirmar a solução outorgada à questão. Do contrário, há
m onólogo no lugar do diálogo, com evidente violação da natureza democrática
do processo46. Vale sublinhar: o juiz deve justificar porque está desestimando de­
term inado fundamento contrário, desde que este seja capaz de, em tese, infirmar
a conclusão por adotada (art. 489, § I o, IV, CPC).
Por outro lado, o juiz, ao decidir sobre a questão, não poderá simplesmente
lim itar-se à indicação dos §§ 1° e 2°, art. 373, CPC, nem à reprodução ou à paráfrase
do referido texto normativo. A fundamentação, como referido, deve ser concreta.
F alar em concretude da motivação da decisão que sindica a questão da dinamização
do ô n u s da prova significa especificar quais os enunciados fáticos que se submetem
ao possível deslocamento dinâmico47. No caso de decisão que aplica a dinamização,
é indispensável que o juiz particularize os enunciados fáticos cujo ônus probatório

45. Sobre o assunto, ver MÁRINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Comentários ao
Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, v. I, p. 168-208; TUCCI, José
Rogério Cruz e. A motivação da sentença no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1987. Sobre a
completude da fundamentação e a sua relação com o direito fundamental ao contraditório,
v. também WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. A influência do contraditório na convicção
do juiz: fundamentação de sentença e de acórdão. Revista de Processo, n. 168, fevereiro de
2009, p. 53-65. Sobre a completude pelas perspectivas do material fático e jurídico, ver
LUCCA, Rodrigo Ramina de. O dever de motivação das decisõesjudiciais: Estado de Direito,
segurança jurídica e teoria dos precedentes. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 219-231.
46. MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos.
3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 147.
47. Assim, FERREIRA, William Santos. Das provas. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim
et al. (Coord.). Breves comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2015, p. 1.008 e SICA, Heitor Vitor Mendonça. Questões velhas e novas
sobre a inversão do ônus da prova. Revista de Processo, n. 146, abr.-2007, p. 53.
A PRAGMÁTICA E O PROCEDIMENTO DO ÔNUS DA PROVA 181

é deslocado de uma parte à outra. Na decisão que dinamiza o ônus da prova na


ação de responsabilidade civil profissional, p. ex., a fundamentação terá por função
apontar quais das alegações fáticas que fundam a demanda promovida pelo autor
têm o seu ônus transferido ao réu (dano, culpa ou nexo de causalidade). Se, por
hipótese, o ônus probatório da alegação de culpa foi dinamizado, issò deve ficar
suficientemente claro na fundamentação da decisão, inclusive com a indicação de
que caberá ao réu provar o enunciado fático contrário, ou seja, de que terá o ônus
de demonstrar que agiu diligentemente.
Mais do que isso: na fundamentação da sua decisão o órgão judicial deve expli­
citar a existência ou inexistência da relação de pertinência entre os critérios legais
e o caso concreto. Não bastará, portanto, que o julgador justifique simplesmente
que se encontram (ou não se encontram) “presentes os requisitos do art. 373, § I o,
CPC”, ou porque “peculiaridades concretas” determinam sua decisão. Não será
suficiente, com efeito, que o juiz aluda à presença (ou à ausência) de “excessiva
dificuldade” ou de “maior facilidade” de uma das partes, pois tais expressões são
vagas e conduzem a conceitos jurídicos indeterminados, de modo que a sua utili­
zação depende da justificativa quanto à sua aplicação no caso concreto.
É indispensável que o órgão judicial justifique, com base nas peculiaridades
concretas da causa, por qual razão e em que medida é possível concluir que existe
(ou não existe) excessiva dificuldade na produção da prova por uma das partes. Do
mesmo modo, a constatação quanto à maior facilidade também deve ser fundamen­
tada em semelhantes termos, ou seja, deve ser justifiçada à luz das peculiaridades
do caso concreto. Essa é a leitura a ser realizada do art. 489, § I o, II, CPC, regra que
se aplica à fundamentação da decisão qué sindica a dinamização do ônus da prova.

3 .3 . A fundam entação da decisão que aplica a regra d e ju lgam ento do


ônus da prova

A decisão quanto à prova insere-se na última fase do procedimento probató­


rio, momento imediatamente posterior à fase de valoração da prova. Terminada
a etapa pela qual o juiz outorga valor às provas produzidas e certifica-se quanto
à suficiência ou não do contexto probatório para efeitos de preencher o standard
afeito ao caso, cabe a ele decidir. O juízo de fato constitui o produto de escolhas
do órgão judicial a respeito dos fatos da causa e essa decisão deve ser analitica­
mente justificada. Vale dizer: o órgão judicial deve fundamentar o juízo de fato de
modo completo e concreto, mediante a exposição dos motivos que o levaram à sua
conclusão. Trata-se de exigência que corresponde à efetivação tutela do direito
182 ÕNUS DA PROVA NO NOVO CPC

fundamental ao processo justo: não apenas o direito fundamental à motivação das


decisões judiciais, mas os direitos fundamentais ao contraditório, à igualdade e
à prova são realizados por meio da adequada motivação do juízo de fato. Embora
o dever de fundamentação incida sobre toda e qualquer decisão que o juiz tome
na fase probatória do processo (p. ex., relativamente ao juízo de admissibilidade
da prova, à dinamização do ônus da prova, à produção de determinada prova),
importa examinar a mais importante delas: a do juízo de fato enquanto resultado
final da atividade probatória.
Decidir é escolher. No caso da prova, significa escolher sobre o significado
do fato e entre ter o enunciado fático por verdadeiro ou por não verdadeiro. Ter o
enunciado fático por verdadeiro significa tê-lo por provável. Mais especificamen­
te, significa submeter o enunciado ao standard da probabilidade preponderante,
o'que implica constatá-lo, a partir da prova produzida, ser mais provável do que a
sua hipótese contrária. A adoção do standard e sua justificativa para a aplicação no
caso concreto são elementos que, com efeito, não podem faltar à fundamentação
do juízo quanto aos enunciados fãticos da causa.
Nos casos em que não é possível ao juiz atestar a probabilidade preponderante
em relação a determinado enunciado fático, deve aplicar a regra do ônus da prova na
sua dimensão de critério de julgamento, rechaçando a pretensão daquele que não
conseguiu provar a alegação na qual autor ou réu baseava a sua ação ou sua defesa.
No caso do autor, isso ocorrerá quando não conseguir provar o enunciado fático
constitutivo de seu direito (art. 373,1, CPC). No caso do réu, isso ocorrerá apenas
nas hipóteses em que se examine a sua defesa indireta de mérito, ou seja, quando
este fundamenta sua defesa em enunciados fáticos que impeçam, modifiquem ou
extingam o direito do autor (art. 373, II, CPC). A função objetiva da regra do ônus
da prova, Como já referido, outorga ao juiz um critério de julgamento diante da
impossibilidade de a demanda ser resolvida mediante o non liquet.
Embora exerça a função de regra de decisão, o juízo fundado na regra do ônus
da prova não dispensa ojuiz do dever de fundamentação (art. 93,IX, CRFB;arts. 11
e489, § Io, CPC). Com efeito, sejana hipótese de existência, seja na de inexistência
de convencimento quanto à preponderância da probabilidade do enunciado fático,
a decisão deve ser fundamentada com base nas provas produzidas. Sublinhe-se: a
adoção de conhecidos clichês, como o de que a prova produzida “não foi suficiente
para a formação do convencimento judicial”, por exemplo, é incapaz de justificar
a decisão. O dever de fundamentação impõe ao juiz em todo caso anunciar na mo­
tivação da decisão, ainda que sumariamente, ter percorrido a estrutura inferencial
A PRAGMÁTICA E O PROCEDIMENTO DO ÕNUS DA PROVA
183

do raciocínio probatório em seus dois níveis. Em outras palavras: o órgão ju d icial


deve fundamentar o juízo no que diz respeito à qualidade e à quantidade das provas
produzidas e ao grau de confiança atribuído à máxima de experiência empregada48.
Tais elementos, com efeito, devem não apenas ser registrados, mas tam bém ju s ti­
ficados na decisão. O processo lógico que leva à construção das conclusões deve
ser dessa forma apresentado, ainda que sinteticamente49.
O dever de motivação das decisões judiciais encontra-se presente, p ortan to ,
não apenas no caso do preenchimento do standard probatório aplicável ao caso, m as
também quando as provas são insuficientes para tanto. Daí decorre a necessidade
de o juiz, por óbvio, explicitar o raciocínio valorativo realizado não apenas no q u e
se refere às provas que apoiam a escolha realizada (p. ex., a alegação de que o a u to r
sofreu o dano é verdadeira), mas também no que se refere às provas que apontam em
sentido contrário (p. ex., a alegação de que o autor sofreu o dano não é verdadeira).
Se as provas contrárias não vêm tomadas em consideração porque são contrárias
a um a determinada hipótese, a decisão quanto ao enunciado fático determ inado
não é adequadamente justificada, uma vez que restam não examinadas as razões
pelas quais tal decisão poderia ser diversa. É indispensável, portanto, que haja o
confronto entre provas favoráveis e provas contrárias50.
É im portante notar que a decisão quanto às provas e, por conseguinte, a
formalização do juízo de fato, seja reflexo do cotejo entre o exercício do ônus d e
alegação, o exercício do ônus da prova e afattispecie substancial presente.no tex to
norm ativo do direito material. Vale lembrar: o juízo de fato não possui natureza
exclusivamente/ática. Significa dizer: tem por referência, sobretudo, a potencial
aplicação da norma de direito material ao caso. Assim, se a norma de direito m a ­
terial prevê, para a sua aplicação concreta, a presença do nexo de causalidade,
revela-se necessário, para que isso efetivamente ocorra, que i) seja alegado o
nexo de causalidade (ônus de alegação); e que ii) seja provado o nexõ de causa­
lidade (ônus da prova)51. A alegação de enunciado fático distinto não perm ite a

48. CARPES, Artur Thompsen. A prova do nexo de causalidade na responsabilidade civil. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 167-169.
49. Em sentido semelhante, TARUFFO, Michele. La motivazione della sentenza civile. Padova:
Cedam, 1975, p. 448.
50. TARUFFO, Michele. La motivazione delia sentenza. In: Gênesis: Revista de D ireito
Processual Civil, n. 31. Curitiba: Gênesis, p. 680-681.
51. CARPES, Artur Thompsen. A prova do nexo de causalidade na responsabilidade civil.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 168. Sobre as relações entre fato e direito
184 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

form ação do juízo de fato quanto ao nexo de causalidade específico, logicamente


im pedindo o reconhecimento da obrigação de indenizar. Por outro lado, a prova
de enunciado fálico distinto do nexo de causalidade específico, ainda que tenha
sid o cumprido o ônus de alegação, não permite a formação do juízo de fato quan­
to a o nexo de causalidade especifico, porque nesse caso restará descumprido o
ô n u s da prova. A decisão quanto à prova depende, portanto, do referencial fático
p resen te na norma de direito material cuja aplicação é pretendida. Presente a sin­
to n ia entre o ônus da alegação, o ônus da prova - o que supõe a preponderância
da probabilidade lógica - e a fattispecie abstrata da norma, o nexo de causalidade,
ou a sua interrupção, ou qualquer fenômeno ligado â causalidade que seja objeto
de apreciação, será reconhecido. Do contrário, a decisão submete-se à regra de
julgam ento (art. 373, CPC).
Tais aspectos constituem os requisitos mínimos para que se tenha cumprido o
d ev e r fundamental de motivação, mediante a exigência de complelezza do discurso
justificativo5152e, dessa forma, não podem ser desconsiderados na decisão quanto
ao ju ízo de fato, sob pena de grave vício da decisão judicial.

4. O recurso cabível da decisão sóbrè a dinamização dos ônus proba­


tórios
O novo CPC impôs significativas alterações no sistema recursal, especial­
m en te no que diz respeito ao cabimento dos recursos. Dentre as mais relevantes
modificações estão a extinção do agravo retido, a alteração das hipóteses de cabi­
m en to do recurso de agravo de instrumento e a previsão quanto à possibilidade
d e o recurso de apelação (bem como suas respectivas contrarrazões recursais)
serv ir de veículo para a impugnação de decisões interlocutórias não agraváveis.
T ais modificações são sensíveis ao problema do ônus dinâmico da prova, porque
d izem respeito à impugnação de decisão que aplica ou indefere requerimento de
aplicação da técnica dinamização.
No sistema do novo Código de Processo Civil, toda e qualquer decisão ju ­
d icial segue sendo impugnável através de recurso. A extinção do agravo retido
n ã o fragilizou o direito à impugnação, uma vez que as hipóteses de cabimento da
referida espécie recursal acabaram sendo diluídas em outras hipóteses previstas
iio novo texto legislativo. Seja como for, o primeiro passo a ser dado pela parte na

no contexto da decisão sobre a prova, ver também LANES, Julio Cesar Goulart. Fato e
direito no processo civil cooperativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 185-211.
52. TARUFFO, Michele. La motivazione delia sentenza civile. Padova: Cedam, 1975, p. 451.
A PRAGMÁTICA E O PROCEDIMENTO DO ÔNUS DA PROVA
185

oportunidade em que surge o interesse em interpor o recurso é verificar qual é a


natureza da decisão a ser impugnada.
Na perspectiva das decisões proferidas pelo juiz de primeiro grau, o pronun­
ciamento só pode ser uma sentença ou uma decisão interlocutória. Para tanto o
CPC, nos parágrafos do art. 203, outorga critérios bastante claros para distinguir
aludidas espécies. Vale dizer: a “sentença é o pronunciamento por meio do qual o
juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento
comum, bem como extingue a execução” (§ I o) e a “Decisão interlocutória é todo
pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enqüadre no § ls ’ '(§ 2o).
Facilmente se observa que a definição do pronunciamento judicial como “sentença”
depende da constatação quanto à sua aptidão para finalizar a fase de conhecimento
ou extinguir a fase executiva do processo. A definição de decisão interlocutória
dá-se por exclusão: todos os demais pronunciamentos de natureza decisória do
juiz, que não se enquadrarem no conceito de sentenças, são decisões interlocutórias.
Como já examinado supra (item 3.1 supra), o CPC determina que ó inomento
adequado para a decisão a respeito da dinamização do ônus da prova é a decisão
de saneamento do processo. Trata-se de interpretação que melhor se coaduna ao
texto do § I o, art. 373, pois outorga à parte a “oportunidade de se desincumbir do
ônus que lhe foi atribuído”. Assim, proferida a decisão na fase de saneamento do
processo, seja pela aplicação ou não da dinamização, essa será uma deçisãq.inter-
locutória, visto que não colocará fim à fase de conhecimento do processo. Bastará
verificar se a matéria sindicada pelo juiz encontra-se dentre aquelas impugnáveis
via agravo de instrumento. O inciso XI, do art. 1.015, outorga a solução ao proble­
ma, ao dispor que “Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias
que versarem sobre: (...) redistribuição do ônus da prova nos termos, do art. 373,
§ I o”. Hm suma: o novo CPC elimina qualquer dúvida que poderia existir quanto
ao cabimento do agravo de instrumento para impugnaras decisões interlocutórias
que versavam sobre a dinamização do ônus da prova.
Nada obstante, caso, ainda assim, a dinamização seja aplicada p o r equívoco
na sentença, será cabível por óbvio o recurso de apelação (art. 1.009, CPC).
A ausência de impugnação da decisão que aplica, ou deixa de aplicar a dina­
mização do ônus da prova, implica preclusão, ou seja, a questão ficâ superada, não
podendo mais ser reexaminada posteriormente no processo53. Idêntica solução

53. No mesmo sentido, SILVA NETO, Francisco de Barros. Dinamizaçao do ônus da prova
no novo Código de Processo Civil. Revista de P ro cesso, n. 239, jan. 2015, p. 417.
186 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

aplica-se à hipótese de impugnação da questão em sede de razões ou contrarrazões


recursais de apelação. Isso porque o § I o, do art. 1.009, CPC, dispõe que a impug­
nação somente poderá ser veiculada desse modo nas hipóteses em que a decisão
interlocutória versar sobre matérias que não comportam agravo de instrum ento54.
Desse modo, se a impugnação é veiculada nas razões ou nas contrarrazões de ape­
lação, não deve ser conhecida pelo órgão recursal tendo em conta o seu evidente
descabimento.

5. Inadmissibilidade da prova, julgamento imediato do pedido e


aplicação da regra de julgamento do ônus da prova
Não se pode permitir às partes a produção de toda a prova que desejem, uma
vez que isso resultaria em atraso e complicações no andamento do processo; se­
melhante restrição apanha o juiz, que também não tem o poder de determinar a
produção de toda a prova que deseje porque isso transformaria o processo em uma
“intolerável forma de inquisição”55.
Falar em admissibilidade da prova significa falar sobre o exame e o juízo (deci­
são) sobre a aptidão da prova para ser produzida no processo. A prova inadmissível
não pode, como regra, ser produzida e, por consequência lógica, ser valorada
pelo juiz. A admissibilidade da prova depende da observação de determinados
critérios objetivos, quais sejam, i) a licitude da prova; ii) a pertinência da prova, e
a iii) relevância da prova, cuja aplicação deve ser justificada na decisão (art. 489,
§ I o, CPC)56.

54. Art. 1.009. Da sentença cabe apelação (...) § I o As questões resolvidas na fase de co­
nhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são
cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente
interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões.
55. TARUFFO, Michele. A prova. Trad. João Gabriel Couto. São Paulo: Marcial Pons, 2014,
p. 35.
56. O juiz jamais deve inadmitir a prova por conta de jã estar convencido (TARUFFO, Mi­
chele. Studí sulla rilevanza delia prova. Padova: Cedam, 1970, p. 77; TROCKER, Nicòlo.
Processo civile e costitusóone. Milano: Giuffrè, 1974, p. 522; MITIDIERO, Daniel. Colabo­
ração no processo civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 140-141; CAMBI,
Eduardo. A prova civil. Sào Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 443; DALUALBA,
Felipe Camilo. A ampla defesa como proteção dos poderes das partes: proibição dç
inadmissão da prova por já estar convencido o juiz. In: KNIJNIK, Danilo (Org.). Prova
judiciária: estudos sobre o novo direito probatório. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2007, p. 93-105; DEMAR1, Lisandra. Jtrizo de relevância da prova. In: KNIJNIK, Danilo
(Org.). Pmva judidária: estudos sobre o novo direito probatório. Porto Alegre: Livraria do
A PRAGMÁTICA E O PROCEDIMENTO DO ÔNUS DA PROVA | 1 87

A Constituição, em seu art. 5o, LVI, dispõe que “são inadmissíveis, no proces­
so, as provas obtidas por meios ilícitos”. O art. 369, CPC, dispõe, de sua vez que-
As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, betn
como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste
Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido
ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.
A interpretação de tais dispositivos permite fixar o primeiro critério da adm is­
sibilidade da prova: para ser admissível, a prova deve ser lícita. A contrario sensu,
isso quer dizer que, seja na perspectiva material, seja na perspectiva processual57,
as provas contrárias ao direito, isto é, as provas ilícitas, não devem ser admitidas no

Advogado, 2007, p. 171-179). Vale dizer: o juízo inerente ao “livre” convencimento n ão


se confunde com o juízo de admissibilidade das provas (KNIJNIK, Danilo A prova nos
juízos cível, penal e tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 71). Trata-se, com efeito,
de equívoco bastante comum nos tribunais brasileiros. Tão comum quanto o fundamento
que normalmente acompanha decisões semelhantes, o de que o juiz é o “destinatário d a
prova" e, sendo a sua convicção “livre1", teria ele plena liberdade para admitir ou inadmitir
a prova segundo a sua consciência. A inadmissibilidade da prova pelo fato de ò juiz j á
estar convencido a respeito do mérito da causa viola o direito fundamental à prova (art.
5o, XXXV e LVI, da CFRB), que pressupõe outorgar à parte o direito a provar todas a s
alegações fãticas perdnemes e relevantes, inibindo prejuízos à defesa quando o processo
alcançar o grau recursal, onde outro juiz podè ter convicção distinta (MATTOS, Sérgio
Wetzel de. Devido processo legal e proteção dos direitos. Porto Alegre: Livraria do Advoga­
do, 2009, p. 215). Ao contrário do que sugere o clichê jurisprudencral, o destinatário d a
prova não é o juiz, mas o processo, no qual esta passará pelo crivo de todos os sujeitos
processuais mediante o ativo exercício do contraditório. A possibilidade de a questão d e
fato ser examinada pelos órgãos recursais toma evidente que a prova não se dirige a u m
juiz especificamente. H inegável, de outro lado, que a prova também se dirige às partes,
que a respeito dela poderão se manifestar, colaborando intensamente para a suá valòração.
Importa jamais esquecer, nesse sentido, a dimensão ativa do contraditório,, da qual s e
retira a constatação de que a formação do juízo de fato depende da efetiva participação
das partes. Importa lembrar que “[o) conteúdo mínimo do contraditório não se esgota n a
ciência bilateral dos atos do processo e na possibilidade de contraditá-los, mas faz também
depender a própria formação dos provimentos jurisdicionais da efetiva participação d as
partes” (ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. A garantia do contraditório. In: D o
formalismo no processo civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 283). Sobre o assunto,
ver ainda RAMOS, Vitor de Paula. Direito fundamental à prova. Revista de Processo, v.
224, p. 41, 2013; e LANES, Julio Cesar Goulart; POZATTI, Fabricio Costa. O juiz com o
o único destinatário da prova (?). In: JOB1M, Marco Félix; FERREIRA, William Santos
(Coord.). Direito probatório. Salvador; JusPodivm, 2016, p. 91-106.
57. FERREIRA, William Santos. Princípios fundamentais da prova cível. São Paulo; Revista
dos Tribunais, 2015, 2014, p. 96.
188 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

processojudicial. Assim, a prova que se revela ilícita por violar o direito material - a
violação do direito à intimidade constitui bom exemplo observado na experiência
do foro58- e aquela que se revela ilícita por violar alguma regra do procedimento - a
realização de audiência sem intimação de uma das partes, por exemplo - são, em
princípio, inadmissíveis no processo. A doutrina advoga, no entanto, a realização
de u m a segunda ponderação, a ser realizada entre “o direito afirmado em juízo
pelo autor e o direito violado pela prova ilícita” 59. Isso significa que “o princípio
da proibição das provas obtidas por meios ilícitos deve ser ponderado com ou­
tros princípios constitucionais que possam estar sendo negados pela aplicação
incondicional do prim eiro”60. Seja como for, é importante notar que a licitude da
prova constitui o primeiro critério objetivo ligado à admissibilidade da prova, cuja
aplicação jamais pode ser negligenciada em juízo61.
' Do texto do parágrafo único, do art. 370, CPC, é possível extrair os demais
critérios objetivos para a admissibilidade da prova. Segundo a lei, o juiz deverá^
“determ inar as provas necessárias ao julgamento do mérito” e, por conseguinte,
deveíá indeferir, “em decisão fundamentada”, as “diligências inúteis ou meramente
protelatórias”. Pode-se concluir, portanto, que apenas as provas “necessárias ao
julgamento do mérito” é que deverão ser admitidas emjuízo\ as provas “inúteis ou

58. “Ilícita é a devassa de dados, bem como das conversas de whatsapp, obtidas diretamente
pela polícia em celular apreendido no flagrante, sem prévia autorização judicial” (STJ,
RHÇ 51.531/RO, rei. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, j. 19.04.2016, DJe 09.05.2016.)
59. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo
Código de Processo Civil comentado. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016,
p. 465.
60. FERREIRA, William Santos. Princípios fundamentais da prova cível. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2015, 2014, p. 98.
61. Assim, “Afigura-se decorrência lógica do respeito aos direitos à intimidade e à priva­
cidade (art. 5o, X, da CF) a proibição de que a administração fazendária afaste, por
autoridade própria, o sigilo bancário do contribuinte, especialmente se considerada
sua posição de parte na relação jurídico-tributária, com interesse direto no resultado da
fiscalização. Apenas o Judiciário, desinteressado que é na solução material da causa e,
por assim dizer, órgão imparcial, está apto a efetuar a ponderação imprescindível entre
o dever de sigilo - decorrente da privacidade e da intimidade asseguradas ao indivíduo,
em geral, e ao contribuinte, em especial - e o também dever de preservação da ordem
jurídica mediante a investigação de condutas a ela atentatórias”. Por tal razão, é de se
“reconhecer a ilicitude da prova advinda da quebra do sigilo bancário sem autorização
judicial, determinando-se que seja proferida nova sentença, afastada a referida prova
ilícita e as eventualmente dela decorrentes” (STJ, REsp 1361174/RS, rei. Marco Aurélio
Bellizze, Quinta Turma, j. 03.06.2014, DJe 10.06.2014).
A PRAGMATICA E O PROCEDIMENTO DO ÔNUS DA PROVA | 189

meramente protelatórias” deverão ser inadmitidas. A razão para a adoção de tais


critérios de admissibilidade encontra-se na Constituição: caso sejam admitidas
e, portanto, produzidas provas não “necessárias ao julgamento do mérito”, isto é
provas “inúteis”, estar-se-á diante de violação ao direito fundamental à duração
razoável do processo (art. 5o, LXXVIII, CRFB; arts. 4° e 6o, CPC) e, por conseguinte,
violação ao direito fundamental à tutela jurisdicional adequada e efetiva (art. 5o,
XXXV; arts. 4o e 6o, CPC). Significa, por outros termos, compactuar com evidente
contrariedade ao dever de racionalização da atividade jurisdicional.
As provas “necessárias ao julgamento do m érito” serão, em síntese, aquelas
que sejam i) pertinentes e ii) relevantes. Uma vez constatada a licítude da prova, o
juízo de admissibilidade depende, portanto, de outra posterior verificação: i) se a
prova visa a demonstrar alegação de fato afinada cóm a sintaxe fática da norma de
direito material cuja aplicação é pretendida (exame da pertinência); e seii) aprova
pode, efetivamente, suprir o julgador com informações úteis para o estabelecimento
da verdade dos fatos em litígio62e, portanto, contribuir para a prestação da tutela
jurisdicional, ou seja, para o julgamento de procedência ou improcedência do pedido
(exame da relevância). Fora de tais limites objetivos, a admissibilidade se “constitui
diligência inútil ou meramente protelatória, tendo de ser indeferida pelo juiz”63.
Nada obstante o art. 374, CPC, disponha que “Não dependem de pròvâ os
fatos (...) afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária” (inciso II)
e aqueles “admitidos no processo como incontroversos” (inciso III), a existência
de controvérsia, rigorosamente, não consiste critério seguro para a admissibilidade
da prova. Isso porque a confissão (art. 389), a revelia (art. 344) ou o não cúhipri-
mento do ônus de impugnação especificada, pelo réu, em sua contestação, dos
fatos alegados pelo autor em sua petição inicial (art. 341), nem sempre vinculará
o juízo de admissibilidade da prova. O novo Código de Processo Civil advoga tal
orientação, ao prever regras que restringem a eficácia da confissão (arts. 391 e 392,
p. ex.), além de dispor que a presunção decorrente da revelia (arts. 344 e 345) e da

62. TARUFFO, Michele. A prova. Trad. João Gabriel Couto. São Paulo: Marcial Pons, 2014,
p. 36. Segundo o jurista, “o direito de apresentar todas as provas relevantes ao alcance
é ura aspecto essencial do direito ao devido processo e deve ser reconhecido como
pertencente às garantias Fundamentais das partes (p. 54).
63. ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto; MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil. São
Paulo: Atlas, 2012, v. 2, p. 61-62. No mesmo sentido, YARSHELL, Flávio Luiz. Curso de
processo civil. São Paulo: Marcial Pons, 2014, v. I. p. 108; e REICHELT, Luis Alberto. A
prova no direito processual civil. Porto Alegre; Livraria do Advogado, 2009, p. 333-334.
190 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

ausência de impugnação particularizada dos fatos narrados pelo autor e pelo réu
em sua contestação (art. 341) é meramente relativa. A ausência de controvérsia
sobre os fatos da causa, embora possa contribuir no juízo de admissibilidade da
prova, nem sempre terá papel decisivo nesse particular64.
Se a prova postulada pela parte não é lícita ou pertinente ou relevante, essa
deve ser inadmitida pelo juiz. Assim, é certo que o juiz poderá aplicar a regra de
julgamento do ônus da prova mesmo na hipótese de ter legitimamente inadmitido
a prova, pela circunstância de que pelo menos um dos critérios não foi atendido no
caso concreto. Por outras palavras, nada impede que o juiz inadmita a prova e, na
oportunidade de julgar, constate que não existem elementos que levem à formação
do juízo substancial a respeito dos fatos da causa, hipótese na qual deverá julgar
desfavoravelmente à parte que não cumpriu com o seu ônus probatório.
Situação distinta sucede na hipótese em que existe prova admissível a ser
produzida e, ainda assim, o juiz decide promover o julgam ento imediato d®
pedido (art. 335, CPC)65, caso em que aplica a regra do ônus da prova. Seio juiz
constata que existe prova admissível a ser produzida, ou seja, prova capaz de ser
produzida mediante o exercício de seus poderes instrutórios (v. Parte I, Capítulo
10), não pode deixar de produzi-la, ainda que não exista requerimento das partes
a tal respeito. O julgam ento imediato do pedido submete-se à constatação de
que não existe a necessidade de produção de outras provas (art. 3 3 5 ,1, CPC).
Desse modo, se existe prova lícita, pertinente e relevante para ser produzida, e
esta se encontra no âmbito dos seus poderes instrutórios, é vedado ao juiz julgar
imediatamente o pedido. Ou melhor: não pode o juiz julgar antes de produzir
a prova “necessária”, ou seja, a prova que se apresenta como relevante para a
obtenção da verdade66.

64. CARPES, Artur Thompsen. A p r o v a d o n e x o d e c a u s a lid a d e n a re sp o n s a b ilid a d e c iv il. São


Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 105-106.
65. O legislador manteve o equívoco do termo “julgamento antecipado” no texto do novo
CPC. Isso porque, na hipótese, o julgamento não ocorre de modo “antecipado”, mas
na oportunidade que deveria ocorrer.
66. Consoante adverte a doutrina, “não pode o juiz julgar de maneira imediata o pedido
alçando mão da regra do ônus da prova na sua acepção de regra de julgamento (art. 373,
CPC)”. Isso porque “Se o pressuposto para a incidência do art. 335, CPC, é estar o feito
bem instruído, evidentemente não pode o juiz julgá-lo de maneira imediata quando
há insuficiência probatória” (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz;
MIT1DIERO, Daniel. N o v o C ó d ig o d e P ro cesso C iv il c o m e n ta d o . 2. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2016, p. 452).
A PRAGMATICA E O PROCEDIM ENTO DO ÔNUS DA PROVA
191

É evidente que, a contrario sensu, ou seja, no caso de não existir prova adm is­
sível, o juiz pode julgar imediatamente o pedido. É este, aliás, o sentido da ratio
decidendi adotada pelo Superior Tribunal de Justiça de que, “ao julgar antecipada­
mente a lide, não poderá a sentença fundamentar-se na ausência de comprovação
da pretensão”67. Não há qualquer justificativa que autorize ao juiz, diante de ine­
xistência de provas admissíveis, que venha a aguardar para proferir a sentença d e
aplicação da regra de julgamento do ônus da prova.

6. A questão do ônus da prova e o acesso ao Superior Tribunal de Justiça

Nada obstante tenha por função aquilatar o juízo de fato, o ônus da prova
constitui questão de direito. Assim, uma vez fixadas as premissas fáticas p elas
instâncias ordinárias, nada impede que a interpretação e a aplicação das regras
do ônus da prova venham a ser tema sindicado pelo Superior Tribunal de Justiça,
desde que obviamente respeitada a função que a Constituição lhe atribui. Jam ais
se pode perder de vista que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal d e
Justiça exercem função distinta daquela que é atribuída aos tribunais regionais e
estaduais, e obviamente dos juízes de primeiro grau. Pensâr diferente significa n ão
apenas violar a Constituição, mas também inviabilizar a administração da Jüstiça
Civil. Isso sem falar na imposição de graves prejuízos à economia processual e à
tempestividade na prestação da tutela jurisdicional68.
Como bem percebe a doutrina:
os órgãos jurisdicionais ordinários [juízes de prim eiro grau e
tribunais de segundo grau] devem cuidar da produção de deci­
sões justas, sendo responsabilidade dos órgãos jurisdicionais d e
extraordinários [Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal d e

67. REsp 1202238/SC, rei. Massami Uyeda, Terceira Turma, j. 14.08.2012.


68. MITIDIERO, Daniel. C o r te s S u p e r io re s e C o r te s S u p r e m a s : do controle à interpretação,
da jurisprudência ao precedente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 30. Sobre
o tema, ver também MARINONI, Luiz Guilherme. O S T J e n q u a n to C o r te d e P r e c e d e n te s :
recompreensão do sistema processual da Corte Suprema. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014; ZANETIJR., Hermes. O v a lo r v in c u la n te d o s p r e c e d e n te s : teoria dos
precedentes normativos formalmente vinculantes. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2016; e
TARUFFO, Michele; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel (Coord.). L a
m is ió n d e los tr ib u n a le s su p re m o s. Madrid: Marcial Pons, 2016.
192 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

Justiça] a promoção da unidade do Direito mediante a formação


de precedentes69.
Com efeito, enquanto aqueles têm por função precípua promover a justiça
do caso concreto, estes têm a de dar a última palavra sobre o sentido que deve ser
outorgado aos textos normativos - Constituição e legislação federal, respectiva­
m en te —, além da aplicação da norma daí decorrente. Em outras palavras: ao passo
q ue as Cortes dejustiça (Tribunais Regionais Federais e Tribunais Estaduais) exer­
cem u m controle retrospectivo sobre as causas decididas em primeira instância,
as C ortes de Precedentes têm por missão dizer qual o sentido do texto normativo,
ou seja, dar a última palavra sobre a sua interpretação, visando a outorgar unidade
ao no sso Direito70.
Isso não quer dizer que os juízes de primeiro grau e os tribunais de segundo t
g rau não interpretem os textos normativos. É óbvio que o fazem. O Direito é o pro­
d u to da interpretação que fazemos - especialmente todos os órgãos jurisdicionais,
p o r seu ofício, são jungidos a fazê-lo - da Constituição, da legislação e dos demais
tex to s norm ativos71. Ocorre que apenas os tribunais de vértice têm por função
d eterm in ar qual o sentido que deve prevalecer sobre os demais eventualmente
possíveis. Vale lembrar que um a das características dos textos é que esses são equí­
vocos, o que dá margem a que os intérpretes lhes outorguem distintos sentidos.
Aliás, p or isso é tão comum que, diante da ausência de precedente - pelo qual será
fixado o sentido do texto - , existam divergências, vale dizer, diferenças sobre qual
é a norm a que é produzida a partir da interpretação do texto72.
Constitui equívoco, portanto, barrar toda e qualquer tentativa de submeter a
questão do ônus da prova ao crivo do Superior Tribunal dejustiça. A interpretação

69. MITIDIERO, Daniel. C o r te s S u p e r io r e s e C o r te s S u p re m a s: do controle à interpretação,


da jurisprudência ao precedente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 31.
70. MITIDIERO, Daniel. P re c e d e n te s: da persuasão à vinculação. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016, p. 87.
71. A interpretação constitui outorga de significado a determinado texto. Por isso é que, a
partir da interpretação a respeito de determinado texto normativo, é possível extrair mais
de uma norma. A norma, assim, constitui não o objeto, mas o resultado da atividade
interpretativa. Afirmar que se interpretam “normas” é, portanto, um equívoco, pois
cria a falsa impressão de que os significados dos textos normativos sejam inteiramente
pré-constituídos à interpretação. Sobre o tema, v. GUASTINI, Riccardo. L m te r p r e ta z io n e
d e i d o c u m e n tí n o r m a tiv í. Milano: Giuffrè, 2004, passim.
72. MITIDIERO, Daniel. P re c e d e n te s: da persuasão à vinculação. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016, p. 90-91.
A PRAGMÁTICA E O PROCEDIMENTO DO ÔNUS DA PROVA
193

realizada pelos tribunais de segundo grau a respeito do art. 373, CPC, bem como a
aplicação das normas decorrentes, pode ser sindicada na instância extraordinária
desde que a questão tenha sido devidamente prequestionada e que sejam respeitadas
as premissas fáticas que conduziram o tribunal à sua resolução na origem: Isso signi­
fica que, se nas instâncias ordinárias restou constatada a presença dos requisitos para
aplicar a dinamização, a questão, como regra, não poderá ser submetida aó crivo do
Superior Tribunal dejustiça, pois o exame quanto à hipossuficiência da parte onerada
e à sua dificuldade em produzir a prova normalmente decorre da fixação de premissas
fáticas73, o que toma impossível a sua alteração na instância extraordinária74.
No que diz respeito à suficiência da prova para efeitos de aplicação da regra
de julgamento do ônus da prova, o Superior Tribunal dejustiça estabeleceu a ratio
decidendi de que “A análise das razões apresentadas pela parte recorrente quanto
à suficiência das provas da existência do nexo de casualidade (culpa concorrente)
demandaria o reexame de fatos e provas, o que é vedado em recurso especial, ante o
disposto na Súmiila n. 7/STJ ”75, ou seja, de que “A avaliação da suficiência dos elemen­
tos probatórios que justificaram o julgamento antecipado da lide e o indeferimento
de prova pericial, demanda o reexame fático-probatório”76. Segundo a orientação:
Não há que se falar em revaloraçãqtíe provas por esta Corte quando
o convencimento dos órgãos de instâncias inferiores fõi formado

73. Sobre a teoria tricotômica, que implica na consideração de que algumas questões não são
apenas de fato ou de direito, mas consistem em “questões mistas”, cujo sentido envolve
“elevada carga de indeterminação ou polissemia, como ocorre, p. ex., nos conceitos ju ­
rídicos indeterminados, cláusulas gerais, sta n d a r d s, padrões de conduta ou normas que
estatuam critérios de avaliação de prova”, as quais podem ser passíveis de reexame em
sede de recurso especial, ver KNIJNIK, Danilo. O re cu rso e s p e c ia l e a re v isã o d a q u estã o
d e f a t o p e lo S u p e r io r T rib u n a l de J u s tiç a . Rio de Janeiro: Forense, 2005, passim. Para uma
crítica à teoria tricotômica, ver COSTA, Guilherme Recena. S u p e r io r T rib u n a l d e ju s tiç a
e re c u rso esp ecia l: análise da função e reconstrução dogmática. Dissertação de mestrado.
Faculdade de Direito da USP, 2011, p. 183-187.
74. Nesse sentido, “o reexame em recurso especial da hipossuficiência da autora e da exis­
tência de verossimilhança enseja a aplicação da Súmula 7 deste Tribunal” (STJ, Aglnt
no AREsp 934.059/MG, rei. Marco Aurélio Bellizze, Terceira.Turma, j. 18.10.2016, D Je
28.10.2016).
75. STJ, AgRg no AREsp 205.404/CE, rei. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, j.
05.03.2013, D Je 13.03.2013.
76. STJ, AgRg no Ag 1382813/SP, rei. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, j.
16.02.2012, D Je 29.02.2012.
194 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

com base em detida análise das provas carreadas aos autos, obe­
decendo às regras jurídicas na apreciação do material cognitivo77.

Significa dizer, por outras palavras, que a constatação, pelo Tribunal de origem,
quanto à (in)suficiência do contexto probatório dos autos em face ao modelo de cons­
tatação aplicável ao caso - o que, por conseguinte, determina a escolha por aplicar ou
não a regra de julgamento do ônus da prova - é insuscetível de exame pelo Superior
Tribunal de Justiça, porque isso demandaria o denominado “reexame de provas”.
O problema, no entanto, não é dos mais singelos. De acordo com outros julga­
dos do próprio Superior Tribunal dejustiça, existiria diferença entre o denominado
“reexame” da prova, vedado na instância extraordinária, e a sua “revaloração”, cujo
exame é, pelo contrário, admitido. Segundo a Corte, “A revaloração da prova ou de
dados explicitamente admitidos e delineados no decisório recorrido não implica
no vedado reexame do material de conhecimento”78, ou seja, “A revaloração dos
critérios jurídicos concernentes à utilização è à formação da convicção do julgador
não encontra óbice na Súmula 7/STJ”, pois “a análise do enquadramento jurídico
dos fâtos expressamente mencionados no acórdão recorrido não constitui reexame
do contexto fá tico-probatório, e sim valoração jurídica dos fatos já delineados pelas
instâncias ordinárias”79. Por outras palavras, “A revaloração da prova constitui em
atribuir o devido valor jurídico a fato incontroverso, sobejamente reconhecido nas
instâncias ordinárias, prática admitida em sede de recurso especial, razão pela qual
não incide o óbice previsto no Enunciado n.° 7/STJ”80, isto é:
A errônea valoração da prova que dá ensejo à excepcional interven­
ção do Superior Tribunal dejustiça na questão decorre de falha na
aplicação de norma ou princípio no campo probatório e não das
conclusões alcançadas pelas instâncias ordinárias com base nos
elementos informativos do processo81.

77. STJ, AgRg no AREsp 61.792/RO, rei. Sidnei Beneti, Terceira Turma, j. 27.03.2012, D Je
11.04.2012.
78. STJ, REsp 683.702/RS, rei. Felix Fischer, Quinta Turma, j. 01.03.2005, D J 02.05.2005,
p. 400.
79. STJ, AgRg no REsp 1617550/SC, rei. Reynaldo Soares Da Fonseca, Quinta Turma, j.
20.09.2016, D Je 26.09.2016.
80. STJ, REsp 1369571/PE, rei. Ricardo Villas Bóas Cueva, rei. p/ Acórdão Paulo de Tarso
Sanseverino, Terceira Turma, j. 22.09.2016, D Je 28.10.2016.
81. STJ, AgRg no AREsp 624.440/RS, rei. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j.
20.10.2015, D Je 27.10.2015.
A PRAGMÁTICA E O PROCEDIM ENTO DO ÔNUS DA PROVA
195

Ocorre que falar em aplicação da regra de julgam ento do ônus da prova se m


dúvida significa falar em aplicação de “norma ou princípio no campo probatório”
A própria violação do modelo de constatação aplicável ao caso - na hipótese d o
processo civil, o modelo da preponderância de probabilidade (v. Parte II, C ap i­
tulo 4, supra) - significa contrariar norma inerente ao procedimento probatório,
vinculada aos critérios que fundam a sua “persuasão racional” (art. 371, CPC)82.
Trata-se, com efeito, da questão envolvendo a aferição dos “critérios ju ríd ic o s
concernentes à utilização e à formação da convicção do julgador”. Tal percepção
levaria à conclusão de que a questão que abrange a aplicação, ou nãp, da regra d e
julgamento do ônus da prova, a qual envolve as etapas de valoração (preenchim ento
do modelo de constatação) e decisão quanto à prova (definição do juízo de f a to ),
seria avaliável em sede de recurso especial.
Aludida conclusão merece ser explicitada. A ratio decidenái estabelecida n o s
precedentes do Superior Tribunal de Justiça impede, como regra, a fragilização
do que restou fixado, a título de premissas fáticas, pelas instâncias ordinárias. A
denominada “revaloração da prova” é permitida para o efeito de, considerado o
enunciado fático tido por verdadeiro junto ao Tribunal de origem, verificar a s u a
coincidência com o suporte fático do texto normativo e, por conseguinte, aplicar
ou não a norm a daí decorrente. Trata-se de uma questão de subsunção. Àssim, caso
tenha sido reconhecida a hipótese de fato que corroboraria, em tese, a aplicação d a
norma legal e essa não foi aplicada, seria admissível o recurso especial.
Há casos, no entanto, nos quais é difícil a identificação da natureza p re p o n ­
derante da questão debatida, isto é, torna-se difícil identificá-la como “questão d e
fato” ou “questão de direito”83. Existem questões cuja natureza se eolocã em u m a

82. Sobre o tema, ver RAMOS, Vítor de Paula. O procedimento probatório no Novo CPC.
Em busca de interpretação do sistema à luz de um modelo objetivo de corroboração d as
hipóteses fáticas. In: JOBIM, Marco Félix; FERREIRA, William Santos (Coord;). D i r e i t o
p ro b a tó r io . Salvador: JusPodivm, 2016, p. 116-134.
83. Como bem observa Guilherme Recena Costa, “Existem, evidentemente, casos em que a
(im)possibilidade de revisão da questão —como sendo, respectivamente, ‘de fato’ ou ‘d e
direito’- não se discute, por serem hipóteses extremas e convencionalmente aceitas com o
tal. Assim, v.g., ninguém razoavelmente negará que a constatação dê que ‘um autom óvel
trafegava a 100 km por hora’ ou de que ‘chovia no momento do acidente’ é uma q u e s­
tão Tática’(rectiits, que não interessa ao reexame por um Tribunal Superior); por o u tro
lado, é seguramente ‘jurídica’ ( re c tiu s , passível de revisão por um Tribunal Superior) a
afirmação de que, em princípio, ‘qualquer condutor está obrigado a obedecer aos lim ites
máximos de velocidade sinalizados para a via’. Nessas hipóteses, há verdadeiro consenso
doutrinário e jurisprudencial, e o problema, nessa medida, sequer chega a colocar-se.
196 ÔNUS DA PROVA N O NOVO C PC

zona cinzenta, ou seja, um a zona gris entre o fato e o direito. São essas as questões
q u e dificultam a solução que tradicionalmente é outorgada ao problema.
Toda a questão debatida no processo envolve, rigorosamente, tanto fato quanto
direito. Para o bem da verdade, só é possível falar em termos de maior ou menor
preponderância84. Nas hipóteses em que se revela difícil estabelecer tal sorte prepon­
derância da natureza f ática ou de direito —a questão da “hipossuficiência” consiste
em um bom exemplo - , a distinção binária (questão de fato/questão de direito)
n ão serve como critério seguro para definir sobre a admissibilidade do exame pelo
Superior Tribunal de Justiça ou pelo Supremo Tribunal Federal85.

Mas o dilema logo reaparece se indagarmos acerca da natureza de uma questão nos mol­
des da seguinte: o automóvel guardava a ‘d is tâ n c ia d e s e g u ra n ç a ’ em relação aos demais
veículos, considerando ‘a v e lo c id a d e e a s co n d iç õ e s d o local, d a circu la çã o , d o v e ic u lo e as
c o n d iç õ e s c lim á tic a s ’ (cf. preconiza o art. 29, II, Código de Trânsito Brasileiro)? Nesse - e
em inúmeros outros casos - a distinção convencional toma-se confusa e, mais do que
isso, im p r e s tá v e l, de modo que a solução para o problema da admissibilidade do recurso
especial deve ser buscada com base em outros critérios” (COSTA, Guilherme Recena.
S u p e r io r T rib u n a l d e J u s tiç a e re c u rso esp ecia l: análise da função e reconstrução dogmática.
Dissertação de mestrado. Faculdade de Direito da USP, 2011, p. 176).
84. O juízo quanto às alegações de fato não constitui ato cognitivo intelectual compreensivo
do elemento puramente fáüco. Não se traduz em pura atividade de conhecimento. Toda
fixação processual dos fatos, sem exceção, recebe, através da conversão da probabilidade
cognitiva ou científica na certeza exigida pela vida prática, a participação de um juízo de
valor. Na oportunidade do juízo, norma e caso concreto se encontram em um processo
dialético de recíproca e progressiva determinação (FASTORE, Baldassare. G iu d iz io ,
p ro v a , r a g io n p r a tic a : un approccio ermeneutico. Milano: Giuffrè, 1996, p. 14). O grau
de probabilidade do enunciado fático alcançado mediante determinada atividade pro­
batória constitui reflexão que necessariamente pressupõe questões de direito, em razão
de ser indispensável considerar o contexto normativo no qual o juízo de fato é efetuado.
Exemplo disso se encontra na consideração das máximas de expèriência comum, fenô­
meno que ostenta certo caráter normativo, mas inequivocamente lida com fatos. Por
isso é praticamente impossível estabelecer precisa distinção entre o ato de “reflexão”,
geralmente associado ao juízo de direito, e o ato de “percepção”, geralmente associado
ao juízo de fato (KNIJNIK, Danilo. O re c u rs o esp e c ia l e a re v isã o d a q u e s tã o d e f a t o p e lo
S u p e r io r T rib u n a l d e J u s tiç a . Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 163). Não há falar, com
efeito, em “juízo de fato” compreendendo o “fato” no “juízo” como se estivesse em
estado puro, pois o direito constitui pressuposto para a determinação dos fatos. Sobre
o assunto, LANES, Julio Cesar Goulart. F a to e d ire ito n ó p ro c e sso c iv il c o o p e r a tiv o . São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, passim.
85. MITIDIERO, Daniel. C o rte s S u p e rio re s e C o rte s Suprem as: do controle à interpretação, da
jurisprudência ao precedente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 90-91; COSTA,
Guilherme Recena. S u p e r io r T rib u n a l d e J u s tiç a e recurso especial: análise da função e recons­
trução dogmática. Dissertação de mestrado. Faculdade de Direito da USP 2011, p. 176.
A PRAGMÁTICA E O PROCEDIMENTO DO ÔNUS DA PROVA | 197

Asolução passa pelo critério tdeológico oufuncional, ou seja, pela consideração


da função constitucional que é atribuída pela Constituição às Cortes de vértice86. Em
outras palavras: naquelas hipóteses em que é difícil estabelecer a preponderância
da natureza da questão debatida, deve-se perquirir se a sua solução irá contribuir
para a promoção da unidade do direito, ou seja, se a questão é dotada de relevância
e transcendência. Note-se que tais critérios, ligados à constatação da repercussão
geral para admissibilidade do recurso extraordinário, são estipulados em razão da
função exercida pelo Supremo Tribunal Federal87(em matéria constitucional), pelo
que também servem para a aferição da admissibilidade do recurso especial no que diz
respeito a questões legais federais, entre as quais aquelas ligadas ao ônus da prova.
Nada obsta, portanto, que o Superior Tribunal de Justiça formule precedente
não apenas em hipóteses ligadas ao momento adequado para a dinamização do ônus
da prova, mas também, p. ex., quanto à hipótese fundada em prohatio diabólica,
ou seja, que enseje extrema dificuldade probatória88, ou em presunções89, como
já divisou em algumas oportunidades. São hipóteses em que se revela importante
a fixação de critério decisório a ser aplicado de modo geral, nos casos futuros, a

86. COSTA, Guilherme Recena. Superior T rib u n a l d e Justiça e re c u rso especial: análise da
função e reconstrução dogmática. Dissertação de mestrado. Faculdade de Direito da
USR 2011, p. 178-182.
87. Sobre o tema da repercussão geral, MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel.
R e p e rc u s sã o g e r a l n o re c u rs o e x tr a o rd in á r io . São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
88. Assim, “Em se tratando de exceção à regra da impenhorabilidade - a qual, segundo
o contorno conferido pela construção pretoriana, se submete à necessidade de haver
benefício à entidade familiar e tendo em conta que o natural é a reversão da renda
da empresa familiar em favor da família, a presunção deve militar exatamente nesse
sentido e não o contrário. A exceção ã impenhorabilidade e que favorece o credor está
amparada por norma expressa, de tal modo que impor a este o ônus de provar a ausên­
cia de benefício à família contraria a própria organicidade hermenêutica, inferindo-se
flagrante também a excessiva dificuldade de produção probatória. (..:) Sendo razoável
presumir que a oneração do bem em favor de empresa familiar beneficiou diretamente
a entidade familiar, impõe-se reconhecer, em prestígio e atenção à boa-fé (vedação de
venire contra f a c t u m p r o p r iu m ), a autonomia privada e ao regramentodegal positivado
no tocante à proteção ao bem de família, que eventual prova da inocorrência do bene­
fício direto é ônus de quem prestou a garantia real hipotecária” (REsp 1413717/PR, rei.
Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 21.11.2013, D Je 29.11.2013).
89. Nesse sentido, “Culpado, em linha de princípio, é o motorista que colide por trás, in-
vertendo-se, em razão disso, o ‘onus probandi’, cábendo a ele a provà de desoneração
de sua culpa (STJ, REsp 198.196/RJ, rei. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma,
j. 18.02.1999, D J 12.04.1999, p. 164).
/
198 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

respeito da questão debatida no recurso especial ou extraordinário. Em outras pala­


vras: a admissibilidade de tais recursos em tema de ônus da prova deve ser pautada
pela função atribuída às Cortes Supremas90. Assim, se a resolução da questão servir
para a promoção da unidade do direito, em princípio o seu exame pelo Supremo
Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal dejustiça deve ser admitido.

7. O ônus da prova e a sua dinamização no âmbito dos juizados


Especiais

No procedimento especial dosjuizados Especiais Cíveis (Lei 9.099/95) e no


dosjuizadosEspeciais Federais (Lei 10.259/2001 eLei 12.153) não existe disposição
que se refira especificamente sobre a distribuição do ônus da prova. A ausência de
previsão não impede evidentemente que as normas do ônus da prova sejam aplica­
das no âmbito de tais procedimentos, visto que o Código de Processo Civil possui
aplicação subsidiária no particular. Com o advento do novo CPC o procedimento
dosjuizados Especiais passa a bbservar, portanto, a disciplina prevista no art. 373
e seus respectivos desdobramentos, inclusive no que diz respeito à dinamização e
a eventuais convenções sobre o ônus da prova.
Desse modo, o critério ordinário de distribuição previsto no art. 373, incisos
I e II, CPC, aplica-se aosjuizados Especiais. Significa que, nada obstante o proce­
dimento estar regido pelos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade,
economia processual e celeridade (art. 2o, Lei 9.099/95), não há falar em qualquer
diferença em relação ao procedimento comum no que diz respeito ao tema. Aplica-
-se o modelo de constatação próprio dos processos civis - o da preponderância da
probabilidade, ou seja, do “mais provável do que não” (v. acima, Parte II, Capítulo
4) —, o que determina a aplicação da regra de julgamento do ônus da prova toda
vez que a alegação do fato constitutivo do direito do autor não se verificar mais
provável que a negativa do réu. Aplica-se também ao âmbito dos JECs ou JEFs a
técnica da redução do módulo de prova nas raras situações em que a dificuldade
probatória atinge ambas as partes (v. acima, Parte I, Capítulo 5.3)91.

90. Nesse sentido, MITIDIERO, Daniel. P reced en tes: d a p e r su a s ã o à v in c u la ç ã o . São Paulo:


Revista dos Tribunais, 2016. Para um delineamento das características dos modelos
de Cortes dejustiça e de Cortes Supremas, ver MITIDIERO, Daniel. C o r te s S u p e r io re s
e C o rte s S u p r e m a s : do controle à interpretação, da jurisprudência ao precedente. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, passim.
91. As Turmas Recursais do Estado do Rio Grande do Sul têm aplicado a técnica da redução
do módulo de prova com certa frequência. A propósito, tem decidido que “Existindo
A PRAGMÁTICA E O PROCEDIM ENTO DO ÔNUS DA PROVA 199

Quanto à dinamização do ônus da prova, vale exatamente o mesmo: na hipótese


de restar constatada a excessiva dificuldade na produção da prova de determ ina­
do enunciado fático pela parte onerada e a melhor condição da contraparte em
esclarecê-lo, caberá ao juiz dinamizar o ônus da prova, mediante decisão interlocu-
tória fundamentada nos critérios já referidos (Parte II, Capítulo 2.4). Assim com o
sucede no procedimento comum, o juiz deverá fundamentar analiticamente a su a
decisão, o que lhe impõe especificar qual é o enunciado fático cuj o ônus probatório
está atribuindo à contraparte.
Proferida a decisão, é indispensável que seja outorgada à parte que recebeu o
encargo a possibilidade de cumpri-lo, ou seja, de produzir a prova cujo ónus lh e
foi atribuído. É absolutamente vedado, inclusive no âmbito do procedimento d o s
Juizados Especiais, que a dinamização do ônus da prova ocorra na sentença porque
isso implica violação do direito fundamental ao contraditório e da regra que se áds-
creve ao § Io, do art. 373, CPC. O momento mais adequado é que aludida decisão,
acaso seja devida, ocorra imediatamente a contestação ou, sendo o caso, após a
manifestação do autor a respeito da resposta apresentada pelo réu. Caso apliçada a
dinamização, o juiz deverá intimar as partes na própria audiência de instrução (art.
33, Lei 9.099/95), hipótese em que as partes-sobretudo aquela que recebeu o novo
encargo probatório —poderão requerer a realização de nova audiência para oitiva
de novas testemunhas e juntada de novos documentos. O juiz deverá, com efeito,
designar nova audiência caso isso seja necessário para outorgar a possibilidade d e
a parte cumprir com o seu ônus probatório92.
Como não existe previsão de recurso destinado à impugnação das interlocu-
tórias no procedimento dosjuizados Especiais, a decisão que determina ou denega
a dinamização do ônus da prova deve ser veiculada nas razões do recurso que serve
à impugnação da sentença, ou seja, nas razões de recurso inominado (art. 41, L ei
9.099/95). O mesmo serve para os Juizados Especiais na Justiça Federal, cujo p ro ­
cedimento até prevê a impugnação para as decisões que sindicam a tutela provisória

nos autos comprovação da estada do autor no supermercado na hora dos fatos, bem com o
o registro da ocorrência não só do furto como da recuperação do veículo, onde constou
expressamente o desmanche parcial deste, não há falar em ausência de provas do ocorri­
do. Teoria da redução do módulo de prova que se aplica” (Recurso Cível 710Q4474235,
Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, rei. Pedro Luiz Pozza, j. 28.01.2014).
92. No mesmo sentido, MACEDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi. Ônus da prova e su a
dinamização. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 217-218.
20G Ô N U S DA PROVA N O NOVO C PC

(art. 3o, § 5o, Lei 10.259/01; art. 2o, § 2o, Lei 12.153/09), o que não inclui, portanto,
aquelas que resolvem a questão da dinamização do ônus da prova.

8. Direito intertemporal e dinamização do ônus da prova

A única novidade do novo CPC no que diz respeito ao ônus da prova fica
restrita à previsão da dinamização. Os critérios de distribuição ordinária seguem
exatam ente os mesmos. Assim, os problemas relativos ao direito intertemporal
p oderiam em tese surgir apenas no que diz respeito à aplicação da técnica da dina­
m ização, visto que essa é pela prim eira vez consagrada na legislação93. Para o bem
da verdade, no entanto, trata-se de um falso problema.
Em bora seja uma novidade legislativa, a dinamização jamais dependeu da
existência de lei para que tivesse aplicação no processo civil brasileiro. Conforme
jã referido acima (Parte II, Capítulo 2.1), o fundamento teórico para a dinamização
encontra-se na imediata aplicabilidade dos direitos fundamentais mediante a uti­
lização do postulado normativo aplicativo da razoabilidade. Por isso é que mesmo
n o s Casos alheios ao direito do consumidor, aos quais se aplica a regra adscrita do
art. 6o, VIII, CDC, a dinamização poderia ser aplicada.
A previsão contida nos parágrafos I o e 2o do novo Código de Processo Civil
veio a positivar a dinamização do ônus da prova, o que é louvável não apenas para
to rn a r claros os critérios que orientam a sua aplicação, mas especialmente pa­
ra aqueles poucos que ainda praticam o direito processual civil com o vezo inspirado
na legalidade estrita. Considerada a opção teórica aqui adotada - a qual sustenta
q u e os direitos fundamentais não podem ser fragilizados em razão da omissão
do legislador - há pouca relevância fálar em problemas de direito intertemporal
n esse particular. Sublinhe-se: o CPC não criou a técnica da dinamização, apenas
prom oveu a sua positivação no\texto normativo.
Assim, se a aplicação da dinamização do ônus da prova é tema vinculado
a o s direitos fundam entais e encontra seu fundamento teórico na Constituição,
n ã o é o surgim ento do art. 373 e seus respectivos parágrafos, do CPC, que de­
term in ará ou não a sua aplicação nos casos concretos. Nem mesmo o advento
do novo CPC será capaz de flexibilizar a preclusão atinente à existência de re­

93. Sobre relação entre ônus da prova e direito intettemporal, ver ALVIM, Arruda; MICHELI,
Gian Antonio; JÜNIOR, Clito Fornaciari; PELUSO, Antônio Cezar. O ônus da prova e
o direito intertemporal. R e v is ta d e P ro cesso , São Paulo, n. 4, p. 227-230, out.-dez. 1976,
no qual os autores examinam o problema na perspectiva do então recente CPC/73.
A PRAGMÁTICA E O PROCEDIMENTO DO ÔNUS DA PROVA | 201

solução da questão da dinamização no seio dos processos em curso. Vale dizer:


se a questão da dinamização do ônus da prova já foi decidida sob a égide do
CPC/73, é evidente que a questão restará preclusa, nada obstante o advento da
vigência do novo Código.
I i

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I 1


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