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ONUS DA PROVA
NO NOVO CPC
Do Estático ao Dinâmico
THOMSON REUTERS
REVISTA DOS
TRIBUNAIS
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ÔNUS DA PROVA
NO NOVO CPC
Do Estático ao Dinâmico
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fd/tores: Aline Darcy Rói dc Souza, Andréia Regina Schneider Nunes, Cristiane Gonzalez Basile de Faria, Diego Garcia Mendonça,
Luciana Felix, Marcella Ràmela da Costa Silva e Thiago César Gonçalves de Souza
Assistentes Administrativos Editoriais: Francisca Lucélia Carvalho de Sena e Juliana Camilo Menezes
Analistas de Operações Editoriais: Aline Marches! da Silva, André Furtado de Oliveira, Bryan Macedo Ferreira, Damares Regina
Feltcio, Danieiiç Rondon Castro de Morais, Felipe Augusto da Costa Souza, Felipe Jordão Magalhães, Gabriele Lais Sant'Anna dos
Santos, Maria Eduarda Silva Rocha, Mayara Macioni Pinto, Patrícia Mclhado Navarra, Rafaella Araujo Akiyama e Thiago Rodrigo
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Analistas Editoriais: Daniela Medeiros Gonçalves Melo, Daníele de Andrade Vintecinco, Maria Cecilia Andreo e Mayara Crispim
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Rodrigo Araújo, Rodrigo Barcelos e Yasmim Andrade
Bibliografia.
ISBN: 978-85-203-7104-6
ÔNUS DA PROVA
NO NOVO CPC
Do Estático ao Dinâmico
THOMSON REUTERS
REVISTA DOS
TRIBUNAIS'
ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
D o Estático ao D inâm ico
A r t u r T h o m psen C arpes
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L uiz G uilherme M arinoni, S ergio C ruz A renhart e D aniel M itidiero
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Para Daniel Mitidiero,
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Outono de 2017
INTRODUÇÃO
dutor comum: o dever de o juiz se pronunciar em todo o caso, ainda que esteja em
situação de dúvida, com relação aos fatos da causa4.
O inequívoco vínculo que o ônus da prova possui com a resolução da de
manda e, por conseguinte, com a atividade desenvolvida pelas partes e pelo juiz
é o que motiva a sua caracterização como “espinha dorsal do processo civil”5. Se
for certo que “nenhuma decisão pode se considerar justa caso se fundamente em
fatos equivocados, ou sobre uma reconstrução errônea ou falsa das circunstâncias
que estão à base da controvérsia”6, é evidente que o problema do ônus da prova
é extremamente relevante para o processo. Seja no exercício de sua função de re
gra de julgamento, seja orientando a atuação probatória das partes - conferindo
assim estímulos qualitativos à formação do juízo de fato —, o ônus da prova põe
em movimento a atividade dos sujeitos processuais em torno da prova. O risco de
sucumbir inerente à aplicação da regra dejulgamento implica impulsos na produção
da prova, catalisa o esclarecimento dos enunciados que compõem o universo fálico
da demanda e, portanto, torna mais provável a obtenção de uma decisão justa.
O presente livro é dividido em três partes.
Na primeira parte é examinado o conceito de ônus e estabelecida a sua distin
ção com outro fenômeno similar, o dever, a fim de que bem se possa compreender
o que significa o ônus da prova. Estabelecida tal premissa, a atenção é voltada para
esclarecer a teoria das normas, aquela que funda o critério para distribuição do
ônus da prova no processo civil brasileiro. Ainda na primeira parte, é especificada
criticamente qual é a natureza das normas que disciplinam o ônus da prova, além da
polêmica a respeito da sua dupla função. Adiante, a proposta dirige-se a particulari
zar as normas que informam a disciplina do ônus da prova e estabelecer a distinção
face a outras técnicas probatórias, quais sejam, a dos modelos de constatação e
a da chamada “redução do módulo de prova”. Ao final da primeira parte, o livro
aborda criticamente as possíveis relações existentes entre as presunções e o ônus
da prova, sua absorção pelo modelo de cooperação adotado pelo novo processo
civil brasileiro e a sua relação com os poderes instrutórios do juiz.
4. M1CHEL1, Gian Antonio. L Onere delia prova- Padova: Cedam, 1942, p. 48.
5. ROSENBERG, Leo. La carga de la prueba. Trad. Emesto Krotoschin. Buenos Aires: Ejea,
1956, p. 55.
6. TARUFFO, Michele. Idee per una teoria delia decisione giusta. In: Sui confim — Scritti
sul la giustizia civile. Bologna: Il Mulino, 2002, p. 225. No mesmo sentido, OTEIZA.
Eduardo. La carga de la prueba: los critérios de valoración y los fundamentos de la deci
sion sobre quién está en mejores condiciones de probar ln: OTEIZA, Eduardo (coord).
La prueba en proceso judicial. Santa Fê: Rubinzal-Culzoni, 2009, p. 194-196.
INTRODUÇÃO 19
NOTA D O A U T O R ........................................................................................................................... 15
IN TR O D U Ç Ã O .................................................................................................................................. 17
PARTE I
O ÔNUS DA PROVA
1. O conceito de ônus e a sua distinção com o dever.................................... 25
2. A "teoria das normas" como modelo de distribuição do ônus daprova... 34
3. A dupla função do ônus da prova.........................................................................40
4. As normas sobre o ônus da prova..................................................................... 46
4.1. As regras que informam a disciplina do ônus da prova..................... 47
4.2. Os princípios que informam a disciplina do ônus da prova........... 49
5. Ônus da prova, modelos de constatação e a redução do módulo pro
batório.......................................................................................... 56
5.1. Os modelos de constatação.................................................................... 57
5.2. A distinção funcional entre ônus da prova e modelo de constata
ção..................................................................................................................... ..... 61
5.3. A técnica da "redução do módulo de prova"......................................... 65
6. As presunções e a sua relação com a distribuição do ônus da prova .... 71
7. O ônus da prova no modelo da colaboração do processo civil brasi
leiro.................................................................................................................................. 77
8. Os poderes instrutórios dó juiz e o ônus da prova................................... 87
PARTE II
O ÔNUS DINÂM ICO DA PROVA
1. O
O ônus
ônus estático
estático da
da prova
prova no
no CPC/73
CPC/73 ..../........................................................
..../............................................................... 93 93
2. O ônus dinâmico da prova e a experiência pós-Constituição de11988...
98 8 ... 98
22 | ÓNUS DA PROVA NO NOVO CPC
PARTE III
A PRAGMÁTICA E O
PROCEDIM ENTO DO ÔNUS DA PROVA
1. Dinamização ex officio?................................................................................................. 159
2. O requerimento da dinamização do ônus da prova e o ônus de funda
mentação especificada................................................................................................... 162
SUMÁRIO 2 3
1. IRTI, Natalino. Due saggí sul dovere giuridico. Napoli: Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene,
1973, p. 118-119.
2. SCOZZAFAVA, Oberdan Tommaso. Onere (nozione). Enciclopédia del diritto. Milano:
Giuffrè, 1980, v. XXX, p. 104.
3. CARNELUTTI, Francesco. Lezioni di diritto/processuale civile. Vol. II. Padova: CEDAM,
1933, p. 317.
26 ÔNUS DA PROVA N O NOVO CPC
4. O que se demonstra, por exemplo, na seguinte ementa de julgado realizado no âmbito das
Turmas Recursaís do Estado do Rio Grande do Sul: “Reparação de danos. Fornecimento
de energia elétrica. Dano elétrico. Queima de aparelhos. (...) Dever de provar o nexo de
causalidade passa a ser do autor e não da distribuidora. Prova suficiente. Manutenção
da sentença que reconheceu o dever de indenizar. (...)" (Recurso Cível 71006280093,
julgado em 29.09.2016 - o grifo não consta do original). Ou ainda no seguinte excerto,
também oriundo da Justiça Estadual Gaúcha: “Inexiste prova no sentido de que a autora
tenha autorizado os descontos relativos ao pagamento mínimo do cartão de crédito, à
medida que nenhum documento nesse sentido contendo a assinatura da autora veio
acostado aos autos, malgrado fosse da instituição financeira o dever de provar a autori
zação, nos termos do art. 333, II, do CPC" (Apelação Cível 7006907901.0, julgado em
06.10.2016 - o grifo não consta do original).
5. GAVAZZI, Giacomo. L ‘Onere: tra la liberta e Tobbligo. Torino: Giappichelli, 1970, passim.
6. MICHELI, Gian Antonio. LOnere delia Prova. Padova: CEDAM, 1942, p. 65.
7. MICHELI, Gian Antonio. LOnere delia Prova. Padova: CEDAM, 1942, p. 65.
8. SCOZZAFAVA, Oberdan Tommaso. Onere (nozione). Enciclopédia dei diritto. Milano:
Giuflrè, 1980. v. XXX, p. 100-101. No mesmo sentido, GAVAZZI, Giacomo. L ‘Onere: tra
la liberta e 1'obbligo. Torino: Giappichelli, 1970, p. 25-37; e IRTI, Natalino. Due saggi
sul dovere giuridico. Napoli: Casa Editrice Dott. Eugênio Jovene, 1973, p. 54.
O ÔNUS DA PROVA 27
9. BRUNETTI, Giovanni. Norme e regole finale nel diritto. Torino: Unione Tipografico-
-Editrice Torinese, 1913, p. 180.
10. MICHELI, Gian Antonio. LOnere delia Prova. Padova: CEDAM, 1942, p. 55.
11. BRUNETTI, Giovanni. Norme e regole finale nel diritto. Torino: Unione Tipografico-
-Editrice Torinese, 1913, p. 73; SCOZZAFAVA, Oberdan Tommaso. Onere (nozione).
Enciclopédia dei diritto. Milano: Giuffrè, 1980, v. XXX, p. 101.
12. MICHELI, Gian Antonio. LOnere delia Prova. Padova: CEDAM, 1942, p. 55-56.
13. GAVAZZI, Giacomo. L ‘Onere: tra la liberta e lobbligo, Torino: Giappichelli, 1970,
p. 37.
14. GAVAZZI, Giacomo. L ‘Onere: tra la liberta e 1’obbligo. Torino: Giappichelli, 1970,
p. 37.
15. BRUNETTI, Giovanni. Norme e regole finale nel diritto. Torino: Unione Tipografico-
-Editrice Torinese, 1913, p. 184. O grifo é do original.
2 8 | ÔNUS DA PROVA N O NOVO CPC
16. BRUNETTI, Giovanni. Norme e regole finale nel diritto. Torino: Unione Tipografico-
-Editrice Torinese, 1913, p. 71-72.
17. IRTI, Natalino. Due saggi sul dovere giuridico. Napoli: Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene,
1973, p. 57.
18. IRTI, Natalino. Due saggi sul dovere giuridico. Napoli: Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene,
1973, p. 59.
19. IRTI, Natalino. Due saggi sul dovere giuridico. Napoli: Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene,
1973, p. 78.
O ONUS DA PROVA 29
20. MICHELI, Gian Antonio. llOnere delia Prova. Padova: CEDAM, 1942, p. 56.
21. IRTI, Natalino. Due saggí sul dovere giuridico. Napoli: Casa Editrice Dou. Eugeniojovene,
1973, p. 64.
22. IRTI, Natalino. Duesaggi sul dovere giuridico. Napoli: Casa Editrice Dott. Eugeniojovene,
1973, p. 66.
23. MICHELI, Gian Antonio. JlOnere delia Prova. Padova: CEDAM, 1942, p. 58.
24. IRTI, Natalino. Due saggi sul dovere giuridico. Napoli: Casa Editrice Dott. Eugeniojovene,
1973, p. 79.
30 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
25. CARNELUTTI, Francesco, Lezioni di d ir itto p ro c e ssu a le civile. Vol. II. Padova: CEDAM,
1933, p. 315-317.
26. CARNELUTTI, Francesco Lezioni d i d ir itto p ro c e ss u a le civile. Vol. II. Padova: CEDAM,
1933, p. 317.
27. MICHELI, Gian Antonio. H O ncre d e lla P ro va . Padova: CEDAM, 1942, p. 59.
O ÔNUS DA PROVA 31
28. MICHELI, Gian Antonio. II'.Onere delia Prova. Padova: CEDAM, 1942, p. 59-60.
29. MICHELI, Gian Antonio. LOnere delia Prova. Padova: CEDAM. 1942, p. 73.
30. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil.
Rio de Janeiro: Forense, Tomo IV, 1974, p. 217. No mesmo sentido, GOLDSCFTM1DT,
James. Derccho procesal civil. Trad. Leonardo Prieto Castro. Barcelona: Labor, 1936, p.
203 e, mais amplamente, MICHELI, Gian Antonio. L Onere delia prova. Padova: Cedam ,
1966, p. 59-95, para quem era natural que a noção ônus encontrasse vasto cam po de
aplicação no processo civil, em que a iniciativa das partes tem notável im portância
3 2 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
34. Como regra, os objetos da prova são enunciados de natureza fática; excepcionalmente,
no entanto, o ônus da prova recairá sobre enunciados de direito, como ocorre na hipótese
prevista no art. 376, CPC. Vale dizer: quando a parte alegar direito municipal, estadual,
estrangeiro ou consuetudinário, o juiz poderá determinar à parte o ônus de provar o
seu respectivo teor e vigência.
34 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
cos da causa. É possível, portanto, que, ainda que descumprindo o ônus da prova,
aludido juízo de probabilidade seja obtido, na medida em que não apenas o órgão
judicial, mas também a contraparte podem produzir provas idôneas a tanto. Recai
sobre a parte onerada da prova apenas um risco de consequência desfavorável aos
seus interesses, o que é bem diferente de uma necessária consequência. O risco
apenas será implementado na hipótese de ser impossível obter o juízo de probabi
lidade prevalente a respeito do enunciado fático. Por isso é que o ônus da prova, ao
contrário do ônus de contestar e do ônus de recorrer, por exemplo, é considerado
um ônus imperfeito. Enquanto rio ônus perfeito a consequência decorrente do
descumprimento é necessária, no ônus imperfeito é consubstanciada em mero
risco, o qual pode, inclusive, não se materializar.
35. Registra Pedro Ferreira Múrias que “dentre os múltiplos modelos gerais de distribuição
do ônus da prova, vai se destacando, pela já sua longa conservação, pelo majoritário
e, nalguns ordenamentos, pela consagração legal mais ou menos explicita, a chamada
‘teoria das normas', que, separando 'normas' ou ‘fatos’ ‘constitutivos’, por um lado, e,
por outro, ‘impeditivos’, ‘excludentes’ ou 'exüntivos', e talvez ainda, modificativos’ do
‘direito’, faz pender o risco de non liquet probatório, respectivamente, ora contra uma,
ora contra outra das versões disputadas. (MÚRIAS, Pedro Ferreira. Por uma distribuição
fundamentada do ónus da prova. Lisboa: Lex, 2000, p. 17). No mesmo sentido, de que
o art. 333 do CPC/73 —e, assim, o texto do an. 373, CPC - sofreu influência da teoria
das normas, KN1JNIK, Danilo. A prova nos juízos cível, penal e tributário. Rio de Janeiro:
Forense, 2007, p. 174.
36. ROSENBERG, Leo. La carga de la pruéba. Trad. de Ernesto Krotosohin. Buenos Aires:
Ejea, 1956, p. 91.
r O ÔNUS DA PROVA
Na mesma linha, o CPC/73 registra em seu art. 333, incisos 1 e II, ainda que
p o r outras palavras, critério idêntico, a saber:
Art. 333. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo
ou extindvo do direito do autor.
39. Art. 2.697. Onere delia prova. Chi vuol far valere un diritto in giudízio (Cod. Proc. Civ.
163) deve provare i fatti che ne costituiscono il fondamento (Cod. Proc. Civ. 115). Chi
eccepisce l’inefficacia di tali fatti owero eccepisce che il diritto si è modificam o estinto
deve provare i fatti su cui 1’eccezione si fonda.
40. Art. 377. —Incumbirá la carga de Ia prueba a la parte que afirme la existência de un
hecho controvertido o de un precepto jurídico que el juez o el tribunal no tenga el deber
de conocer. Cada una de las partes deberá probar el presupuesto de hecho de la norma
o normas que invocare como fundamento de su pretension, defensa o excepción. Si la
ley extranjera invocada por alguna de las partes no hubiere sido probada, el juez podrá
investigar su existência, y aplicaria a Ia relación jurídica materia del litigio.
41. Art. 342. 1. Aquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos
do direito alegado. 2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do
direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita. 3. Em caso de dúvida,
os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.
O ÔNUS DA PROVA 37
cíficas acerca dos ônus probatórios, o que se explica pela compreensão de que a
alegação dos fatos (e, assim, a sua prova emjuízo) constitui expressão do princípio
dispositivo42. Por outras palavras: entende-se que da aplicação do principio dispo
sitivo tem por consequência lógica a distribuição do risco do não esclarecimento
das alegações de fato43.
Não surpreende, portanto, a afirmação de Leo Rosenberg, no sentido de que
“não existe nem pode haver outra solução para o problema do ônus da prova” que
o princípio por ele defendido, segundo o qual “cada parte suporta o ônus referente
à existência dos pressupostos do preceito jurídico cujo efeito pretende obter no
processo”, pelo que “somente mediante a interpretação do direito material é pos
sível acertar o alcance dos fatos que devem ser provados” .44Aliás, justamente por
tais razões é que ele rechaça com eloquência a possibilidade de regulação concreta
42. Consiste em uma obviedade que, portanto, dispensaria positivação (NIEVA FENOLL,
Jordi. Los sistemas de valoración de la prueba y la carga de la prueba: nociones que
precisan revisión. Lm ciCnciajurisdiccionaL novedad y tradición. Madrid: Marcial Pons,
2016, p. 267). Sobre a distinção entre princípio da demanda (Dispositionsmoxime ou
principio dispositivo em sentido material) e princípio dispositivo (Verfamdhmgsmoxtme
ou principio ãella trattazione), v., por todos, CAPPELLETT1, Mauro. La tcstcmonianza
delia parte ncl sistema deli oralità: contributo alia teoria delia utilizzazione probatória dei
sapere delle parti nel processo civile. Parte Prima. Milano: Giuffrè, 1962, p. 304 e ss.
43. Conforme PRÜTT1NG, Hanns. Preseatación de documentosy dirección delproceso. In:
PÉREZ RAGONE, Álvaro J.; ORTIZ PAD1LLO, Juan Carlos. Código Procesal Civil Alemdn
(ZPO). Traducción con un estúdio introduetorio al proceso dvil alemán contemporâneo.
Berlin: Konrad-Adenauer-Sliftung, 2006, p. 60. Micheli aponta fatores históricos,
especialmente decorrentes do desenvolvimento do dogma do ónus da prova no tardio
direito comum alemão, para a ausência de uma fórmula na lei acerca da distribuição do
ônus da prova. Um deles seria a sentença interlocutória de prova (Btrwri&simerlontí), na
qual vinham indicados os fatos relevantes aduzidos pelas panes e pela qual se determinava
a pane que teria o ónus de provar. Especialmente quanto a esse aspecto, o processo
comum alemão tendia a confundir a fase de valoração com a distribuição do ónus,
segundo regras pré-constituidas, de maneira que a sentença da prova, além de determinar
a relevância ou não dos argumentos lançados nas demandas propostas com base nos
elementos produzidos, decide ao mesmo tempo a questão da distribuição do ônus da
prova. Lembra Micheli que no projeto preliminar do BGB haviam sido formulados dois
parágrafos no sentido de regulamentar o ônus da prova, mas acabaram não incluídos na
redação final por serem considerados inúteis em face aos princípios retirados do conjunto
de normas positivas substanciais (MICHELI, Gian Antonio. L onere delia prova. Padova.
Cedam, 1942, p. 43-46).
44. ROSENBERG, Leo. La carga de la prueba. Trad. Ernesto Krotoschin. Buenos Aires: Ejea,
1956, p. 106-107.
38 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
48. No perfil histórico traçado por Micheli a respeito do dogma do ônus da prova, encontra-
-se, no segundo estágio, “o juiz que estabelece qual das partes tem de produzir a prova
em juízo, com base nas regras de experiência, que o indicam qual é a parte que se encontra
em melhor posição para produzir a prova”.Com efeito, no processo primitivo germânico,
“a distribuição das consequências pela falta de prova entre as partes tem, portanto, u m
relevo absolutamente processual, fundando-se no critério da maior proximidade de um a
das partes â prova (...) determinado, portanto, por regras de experiência” (MICHELI,
Gian Antonio. llOnere delia prova. Padova: Cedam, 1942, p. 5 e 25, respectivamente).
No mesmo sentido, SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no cível e no comercial
v. I. São Paulo: Max Limonad. 4. ed., 1970, p. 104-105.
49. TARUFFO, Michele. La valutazione delle prove. In: TARUFFO, Michele (org.). Trattato
di Diritto Civile e Commerciale. Milano: Giuffrè, 2012, p. 246.
50. Para críticas à distribuição tradicional do ônus da prova ver, por todos, MÚRIAS, Pedro
Ferreira. Por uma distribuição fundamentada do ónus da prova. Lisboa: Lex, 2000.
40 I ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
51. COUTURE, Eduardo. Fundamentos do direito processual civil. Trad. de Rubens Gomes
de Sousa. São Paulo: Saraiva, 1946, p. 162.
52. No mesmo sentido, percebendo a existência da dupla função: MITIDIERO, Daniel.
Colaboração no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 3. ed„ 2015, p. 133-134;
YARSHELL, Flavio Luiz. Antecipação da prova sem o requisito da urgência. São Paulo:
Malbéiros, 2009, p. 56-71; BUZA1D, Alfredo. Do ônus da prova. Revista de Direito Proces
sual Civil, v. 4, juL/dez. 1961, p. 17; TESHEINER, José Maria Rosa. Elementos para uma
teoria geral do processo. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 12; MATTOS, Sérgio Luiz Wetzel
de. Da iniciativa probatória do juiz no processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p,
48-49; AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2015, p. 497; CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e
relevância. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 317; MIRÓ, Horacio G. López.
Probar o sucumbir. Buenos Àíires: Abeledo-Perrot, 1988, p. 35; NETTO, Fernando Gama
de Miranda. Ônus da prova no direito processual público. Rio de Janeiro: Lumen Júris,
2009, p. 139-141; PAOLINELLI, Camilla Mattos. O ônus da prova no processo democrático.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014, p. 98-102; LOURENÇO, Haroldo. Teoria dinâmica
do ônus da prova. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 73-75; PELLEGRINI, José Francisco.
Do ônus da prova. Revista da Ajuris, Porto Alegre, n. 16, jul. 1979, p. 46; ALMEIDA,
Flãvio Renato Correia de. Do ônus da prova. Revista de Processo, São Paulo, n. 71, jul./
set. 1993, p. 49; MENDES JÚNIOR, Manoel de Souza. O momento para a inversão
do ônus da prova com fundamento no Código de Defesa do Consumidor. Revista de
Processo, São Paulo, n. 114, mar/abr. 1994, p. 75; YOSHIKAWA, Eduardo Henrique de
Oliveira. Considerações sobre a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova. Re
vista de Processo, n. 205, março de 2012, p. 120-121; CUNHA, Maurício Ferreira. Ônus
da prova, dinamicização e o novo CPC. In: JOBIM, Marco Félix; FERREIRA, William
Santos (Coord.). Direito Probatório. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 314-316; SILVEIRA,
Bruna Braga da. In: JOBIM, Marco Félix; FERREIRA, William Santos (Coord.). Direito
Probatório. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 116-134, p. 215-219. No direito estadunidense,
é comum a distinção entre “persuasion burden”e “production burden”, o que se assemelha
à distinção entre função objetiva e função subjetiva. Ver sobre o tema FLEMING JR.,
I
O ÔNUS DA PROVA 41
probatória das partes (função subjetiva); a dois, funciona como regra dejulgamento,
a ensejar, no caso de insuficiência de provas aptas a constatação da probabilidade
prevalente .sentença contrária aos interesses da parte que não cumpriu o seu encargo
(função objetiva), na medida em que é vedado ao juiz pronunciar-se pelo non liquet53.
Nada obstante certa polêmica quanto à existência da função subjetiva54, a sensi
bilidade do ônus da prova enquanto critério de estruturação da atividade probatória
ao longo de todo o procedimento probatório revela-se suficiente para perceber a
dupla função. Vale dizer: não apenas como critério de julgamento, m as também
como critério que indica às partes como pautar a sua atividade em tom o da prova55.
Ainda que ao final da fase probatória nenhuma relevância exista quanto ao
sujeito processual que produziu esta ou aquela prova, face ao princípio da comu
nhão da prova, a função subjetiva encontra fundamento nos estímulos qualitativos
que produz visando à formação do juízo de fato56. Não por outra razãó, aliás, refere
a Exposição de Motivos da te y de Enjuiciamiento Civil espanhola que:
James. Burdens of proof. Yale Law School Legal Scholarship Repository. 47 Va, L. Rev.
51 (1961).
53. Sobre a racionalidade da função do ônus da prova como critério de julgamento, ver
VERDE, Giovanni. LOnere d elia p ro v a nel p ro c e sso civile. Napoli: Edizioni Scientifiche
Italiane, 2013. p. 27-53. Segundo o jurista, aliás, “a função da regra de juízo não deve
ser aquela de impedir o juiz de se pronunciar pelo non liq u et, mas deve concretizar-se
naquela que podemos definir como consequência de uma escolha de civilidade, já que
proibe ao juiz de dar por existentes fatos dos quais não tenha sido obtida prova plena
e convincente” (p. 27). Em sentido semelhante, ver FLEMING JR-, James. Burdens of
proof. Yale Law School Legal Scholarship Repository. 47 Va, L. Rev. 51 (1961).
54. Não outorgam relevância à função subjetiva do ônus da prova: TARUFFO, Michele. La
valutazione delle prove In: TARUFFO, Michele (otg.). 1ra tta to d i Diritío Chile e C om m trcíalc.
Milano: Giuffrè, 2012, p. 248-249; MÜR1AS, Pedro Ferreira. P o r u m a d is tr ib u iç ã o
fu n d a m e n ta d a d o ó n u s d a prova. Lisboa: Lex, 2000, p. 23; REICHELT, Luís Alberto. A prova
n o dire ito p rocessual civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 336; GARCIA, André
Almeida. A distribuição do ônus da prova e sua inversão judicial no sistema processual
vigente e no projetado. Revista de Processo, n. 208, junho de 2012, p. 94-95.
55. Para um exame do ônus da prova na perspectiva dos custos da atividade probatória
que a parte onerada precisa desempenhar - que toma por premissa, portanto, a função
subjetiva - , ver HAY, Bruce l_; SPIER, Kathryn E. Burdens of proof in civil litigation: an
economic perspective. T h e J o u r n a l o f L eg a l S tu d ie s , v. 2 6 . n . 2,June 1997, The Univeisity
of Chicago Press, p. 413-431.
56. Em sentido contrário, de que não existe a função subjetiva do ônus da prova, ver RA
MOS. Vítor de Paula. Ônus da prova no processo civil: do ônus ao dever de provar. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 81-91.
42 ÕNUS DA PROVA NO NOVO CPC
57. Para exame crítico sobre as teorias de verdade como consenso, coerência e por corres
pondência, v, TARUFFO, Michele. La prova dei faiti giuridici. Milano: Giuffrè, 1992,
p. 143-158. Na doutrina brasileira, consulte-se RAMOS, Vitor de Paula, ônus da prova
no processo civil: do ônus ao dever de provar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015,
p. 23-29.
58. ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. A garantia do contraditório. In: Do formalismo
no processo civil. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 233-234.
Por outro quadro de análise, considerado o relevo outorgado à p a rticip a ç ã o
das partes no Estado Constitucional no processo contemporâneo, revela-se q u e s
tionável qualquer acepção que ignore ou minimize a função desempenhada p elo s
ônus probatórios enquanto regra de participação das partes na formação do m aterial
probatório. Consoante registra Álvaro de Oliveira em clássico ensaio,
(...) a partir dos anos cinquenta do século XX, com a ren o v ação
dos estudos de lógica jurídica e a ênfase emprestada ao se n tid o
problemático do direito, resgata-se em certa medida a d im en são
retórica e dialética do processo. Tal fenômeno ocorreu ex atam en te
quando - já prenunciando o pós-m odernism o - mais a g u d o s e
prementes se tornaram os conflitos de valores e mais im p reciso s e
elásticos os conceitos. Recupera-se, assim, o valor essencial do d iá lo
go na formação dòjuízo, fruto da cooperação das partes com o órgão
judicial e deste com as partes, segundo as regrasformais do processo.
Essa consequência, por outro lado, reforça-se pela percepção d e
uma democracia mais participativa, com u m consequente exercício
mais ativo da cidadania, inclusive de natureza processual. O ra , a
ideia de cooperação há de implicar, sim, u m juiz ativo, co lo cad o
no centro da controvérsia, mas tam bém a recuperação do c a rá te r
isonômico do processo, com a participação mais ativa das p a rte s.
O diálogo assim estimulado substitui com vantagem a oposição e o
confronto, dando azo ao concurso de atividades dos sujeitos proces
suais, com ampla colaboração tanto na pesquisa dos fatos quanto n a
valorização da causa. Esse objetivo só pode ser alcançado p e lo
fortalecimento dos poderes das partes, p o r sua participação m a is
ativa e leal no processo deformação da decisão, dentro de um a v isã o
não autoritária do papel do ju iz e mais contemporânea q u a n to à
divisão do trabalho entre o órgão judicial e as partes.59
1
46 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
insiste parte da doutrina. A função subjetiva dos ônus probatórios é tão importan
te quanto a função objetiva68: dada a devida atenção àquela, afasta-se o perigo de
formalização da decisão judicial e, por Conseguinte, aumenta-se a probabilidade
de se alcançar a justiça material.
68. Semelhante opinião é compartilhada por Devis Echandía ao sustentar que o ônus da
prova ê uma "regra de conduta para as panes ’, aspecto tão importante como o da regra
de juízo. (DEVIS ECHANDÍA, Hemando. T eoria g e n e r a l d e la p r u e b a ju d ic ia l. Buenos
Aires; Víctor P. DeZavallía, [s.d] v. 1, p. 425).
6 9 Ley de Enjuiciamiento Civil, Art. 217. ônus da prova. 1. Quando, ao tempo de proferir
a sentença ou resolução semelhante, o tribunal considerar duvidosos os Tatos relevantes
para a decisão, rechaçará as pretensões do autor ou do reconvinte, ou as do deman-
O ÔNUS DA PROVA 47
72. TARUFFO, Michele. L onere como figura processuale. In: Rivista Trimestrale di Diritto
e Procedura Civile, vol. LXVI, 2012, p. 429.
73. RAMOS, Vitor de Paula. Ônus da prova no processo civil: do ônus ao dever de provar.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 63-65.
74. No mesmo sentido, ver DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Samo; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Curso de direito processual civil. v. 2. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2015,
p. 107-110.
O ÔNUS DA PROVA 49
entre as quais se inserem, por exemplo, o art. 5o, XXXV73*75 e LXXVII176, da CRFB, e do
novo Código de Processo Civil, como os arts. 4o e 6o, por exemplo.77789É de se observar
que a interpretação do art. 373, CPC, como regra de julgamento decorre não apenas
da existência de ônus probatórios atribuídos às partes, mas também da necessidade
de resolver a demanda de modo efetivo e em tempo razoável (art. 4o, CPC).
73. Art. 5o, XXXV, CFRB: “[...] a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão
ou ameaça a direito”.
76. Art. 5o, LXXVIII, CRFB: *[...] a todos, no âmbito judicial e administrativo, são asse
gurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua
tramitação”.
77. Art. 4°, CPC: “As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do
mérito, incluída a atividade satisfativa”.
78. SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; M1TIDIERO, Daniel. C u r s o de
D ire ito C o n s titu c io n a l. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 298.
79. ÁVILA, Humberto. Teoria dos p rin c íp io s: da definição à aplicação dos princípios jurídicos.
São Paulo: Malheiros, 9. ed., 2009, p. 97.
50 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
80. Sobre como se desdobra a eficácia dos princípios a respeito das demais normas, v. ÁVILA,
Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São
Paulo: Malheiros, 9. ed., 2009, p. 97-102.
81. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos.
São Paulo: Malheiros, 9. ed., 2009, p. 103.
82. A diferença entre interpretação e aplicação pode ser deduzida sob os seguintes perfis.
Por primeiro, enquanto a interpretação é passível de ser realizada por qualquer sujeito,
a aplicação só pode ser realizada por determinados órgãos, notadamente aqueles que
possuam natureza jurisdicional. Ademais, enquanto os objetos da interpretação são os
textos normativos, os objetos da aplicação são as normas em sentido estrito, ou seja, o
resultado da interpretação realizada sobre aludidos textos. Vale dizer: toda a aplicação
pressupõe logicamente a interpretação. O verbo “aplicar’, enfim, designa um conjunto de
operações que não se exaurem na interpretação, muito embora incluam a interpretação
propriamente dita: a interpretação dos fatos da causa, a qualificação dafattispecie concreta
de que se trata, e a decisão da controvérsia (GUASTIN1, Riccaido. Lmterpmazione dei
documenti normativi. Milano: Giuffrè, 2001-, p. 13 e60). Sobre a distinção, v. tb. 1ARELLO,
Giovanni. Linterpretazíone delia legge. Milano: Giuffrè, 1980, p. 42-49.
83. 8APTISTA DA SILVA, Ovídio Araújo. Curso de Processo Civil. v. I. Porto Alegre: Fabris,
1987, p. 9.
O ÔNUS DA PROVA 51
84. Nas palavras de Gian Antonio Micheli, "a regra do ônus da prova é uma consequência
da proibição no processo civil do non liq u e t" , na medida em que “o juiz não pode lavar
as mãos” (ALV1M, Arruda; MICHELI, Gian Antonio; JÚNIOR, Clito Fomaciari; PELU-
SO, Antônio Cezar. O ônus da prova e o direito intertemporal. R e v is ta d e P ro c e s so , São
Paulo, n. 4, outubro-dezembro, 1976, p. 229).
85. Sobre os contornos do tema, ver JOBIM, Marco Félix. O d ire ito á d u r a ç ã o r a z o á v e l d o
p ro c esso : responsabilidade civil do Estado em decorrência da intempestividade p roces
sual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.
86. Nesse sentido, SICA, Heitor Vitor Mendonça Sica. P re c lu sã o p ro c e ss u a l civil. 2. ed., São
Paulo: Atlas, 2008, p. 171.
87. No perfil histórico traçado por Micheli a respeito do dogma do ônus da prova, encontra-
-se, no segundo estágio, "o juiz que estabelece qual das partes têm de produzir a prova
em juízo, com base nas regras d e e x p e r iê n c ia , que o indicam qual é a parte que se encontra
em melhor posição para produzir a prova”. Com efeito, no processo primitivo germânico,
“a distribuição das consequências pela falta de prova entre as partes tem, portanto, u m
relevo absolutamente processual, fundando-se no critério da maior proximidade de u rna
das partes à prova (...) determinado, portanto, por regras de experiência” (MICHELI,
Gian Antonio. L O n e r e d e lia p ro v a . Padova: Cedam, 1942, p. 5 e 25, respectivamente).
52 | ÔNUS DA PROVA NO N O V O C PC
91. Sobre a indistinção entre “inversão” e “dinamização”, v. infra Parte II, Capítulo 3.
92. STJ, REsp 1141675/MG, rei. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 13.12.2011,
DJe 19.12.2011.
mmm
54 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
93. MITÍDIHRO, Daniel. Colaboração no processo rivit pressupostos sociais, lógicos e éti
cos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 3. ed., 2015, p. 135; ABREU, Rafael Sirangelo de.
igualdade e Processo: posições processuais equilibradas e unidade do direito. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2015, p. 215; GRECO, Leonardo. A reforma do direito probatório
no processo civil brasileiro - Primeira pane: anteprojeto do grupo de pesquisa “Obser
vatório das Reformas Processuais” - Faculdade de Direito da Universidade Federa! do
Estado do Rio de Janeiro. Revista de Processo, n. 240, p. 66-67.
94. Para exame pormenorizado a respeito dos elementos estruturais da igualdade, v. ÁVILA,
Humberto. Teoria da igualdade tributária. São Paulo: Malheiros, 2. ed.. 2009, p. 42-73.
95. KNIJNIK, Danilo. As (perigossíssimas) doutrinas do “ônus dinâmico da prova" e da
situação de senso comum como instrumentos para assegurar o acesso à justiça e su
perar a probatio diabólica. In: FUX, Luiz; NERY JR., Nelson; WAMBLER, Teresa Arruda
Alvim (coord.). Processo c Constituição: estudos em homenagem ao Professor José Carlos
Barbosa Moreira. São Paulo; Revista dos Tribunais, 2006, p. 942-951.
96. SAN TOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no cível e no comercial, v I. São Paulo: Max
Limonad, 4. ed., 1970, p. 99.
O ÔNUS DA PROVA 55
Outra razão motivadora das regras que informam o ônus da prova encontra-se
fundada no principio do contraditório. Isso porque o cumprimento do encargo
probatório passa, inequivocamente, pelo conhecimento que as partes p o ssu em
a tal respeito (dimensão passiva do contraditório)97 e pela influência que a s u a
atividade probatória possui para a formação do juízo (dimensão ativa do c o n tra
ditório). O princípio do contraditório, aliás, é o que impede, por exemplo, sejam
as partes surpreendidas com a dinamização do ônus da prova na sentença (v. P arte
III, Capítulo 3.1)98 e inibe o julgamento imediato do pedido com base na regra d e
julgamento do ônus da prova em determinados casos (v. Parte III, Capítulo 5).
Por hm, o ônus da prova encontra-se informado pelo princípio de que as p arte s
têm o direito à ampla possibilidade de produzir provas aptas a demonstrár a p ro b a
bilidade dos enunciados fáticos da demanda. A contrario sensu, isso signihca d iz e r
que é defeso impor às partes obstáculos injustificados à prova das suas alegações.
A admissibilidade da prova é relativamente ampla: o órgão judicial só p o d e
inadmitir a produção de prova ilícita, impertinente ou irrelevante para a form ação
do juízo de fato. Não há falar, portanto, na inadmissibilidade da prova pelo fato d e
o juiz já estar convencido99 ou por outras razões de natureza subjetiva. A regra d o
levância da prova. In: KN1JNIK, Danilo (org.). P rova ju d ic iá r ia : estudos sobre o novo
direito probatório. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 171-179.
100. FERREIRA, William Santos. P r in c íp io s fu n d a m e n ta is d a p r o v a c ív e l. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2014, p. 183-194.
101. Por isso é que, “(...) ainda que o ônus da prova seja associado ao risco de sua não
produção, não se pode negar que a pane que possui esse ônus tem o direito de produzir
todas as provas adequadas à demonstração do seu direito” (MAR1NON1, Luiz Guilherme;
ARENHART, Sérgio Cruz. P ro va . São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 173).
102. FERREIRA, William Santos. P r in c íp io s fu n d a m e n ta is d a p r o v a c ív e l. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2014, p. 185.
103. COITINHO, Jair Pereira. Verdade e colaboração no Processo Civil (ou a prova e os
deveres de conduta dos sujeitos processuais). In: AMARAL, Guilherme Rizzo; CARPENA,
Márcio Louzada. Visões c r ític a s d o p ro c e ss o c iv il b rasileiro: uma homenagem ao Prof. Dr.
José Maria Rosa Tesheiner. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 84-86.
104. FERREIRA, William Santos. P r in c íp io s fu n d a m e n ta is d a p ro v a c ív e l. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2014, p. 185.
O ÔNUS DA PROVA 57
5 .1 . O s m odelos de constatação
Embora tenha origem na tradição da commom íaw, não há razões que inibam a sua
utilização em países orientados pela civil íaw106. Pelo contrário: só há razões que
a recomendam. A fixação de critérios segundo os quais o juiz deve se basear para
estabelecer se determinado enunciado fático recebeu ou não adequada confirmação
probatória constitui uma das questões fundamentais do processo civil e merece,
assim, a máxima atenção.
Os modelos de constatação, portanto, consistem em critérios que, com base na
natureza do direito material envolvido e com base na maneira com que ele se apresen
ta em juízo, informam o grau de suficiência de prova necessário à formação do juízo
a respeito dos enunciados fdticos da causa. Vale dizer: os modelos de constatação
constituem standards, isto é, são pautas objetivas que irão vincular e estruturar a
formação do juízo de fato, tomando-se, por via de consequência, determinante para
o juízo de direito na demanda. Servem para orientar o órgão jurisdicional sobre o
grau mínimo de prova capaz de subministrar a formação do seu convencimento
quanto aos fatos107, o que reduz os riscos de erro na formação da decisão judicial108.
Costuma-se dizer que existem diferenças entre a verdade a ser buscada no
processo civil eno processo penal. Afirma-se, com efeito, que a verdade no processo
penal seria “absoluta”, enquanto aquela com a qual trabalha o processo civil seria
"relativa”. Embora equivocada, na medida em que não é possível laborar com di
ferentes “verdades" - a verdade só pode ser uma, independentemente do contexto
em que se está inserido a acepção ilustra a distinção que orienta o grau de sufici
ência da prova para o convencimento do juiz à luz da natureza do direito m aterial
envolvido na demanda109. Isso porque são as particularidades do direito material
que determinam a existência de distintos modelos de constatação a serem observados
no processo civil e no processo penal. Vale dizer: o grau de suficiência de prova p a ra
o juiz condenar ao pagamento de quantia, no processo civil, não se identifica c o m
aquele que ele deverá observar para condenar à pena privativa de liberdade no
processo penal. A fixação de tais critérios é o que está por trás, portanto, da natu ral
percepção de que oju iz depende de maiores e mais qualificados elementos probatórios
para condenar no processo penal do que no processo civil110. A tese é confirmada pelo s
chamados “processos civis especiais”, como nas ações de improbidade adm inistra
tiva, p. ex., nos quais a sensível carga penal determina a observância de um terceiro
modelo, intermediário, que se coloca entre os dois extremos.
O modelo de constatação próprio do processo civil, em cujo âm bito sã ò
tratadas questões meramente patrimoniais, é o da probabilidade preponderante, e
consiste em dar por provado o enunciado fático que se apresenta mais provável
diante do contexto probatório existente111. Isso signi fica que não será o núm ero de
testemunhas ou pela quantidade de provas, mas pela força persuasiva que o c o n
109. Rigorosamente não se pode falar, mesmo no âmbito do processo penal, no alcance
da “verdade absoluta" ou da “verdade real" pela simples razão de que esta "verdade” é
impossível de ser alcançada. Na prática sempre haverá, em maior ou menor m edida, a
interferência na obtenção da verdade. O humano é ser falível por natureza e a obtenção
de juízo de verdade em absoluta correspondência com a realidade deve existir apenas
como ideal a ser atingido. Distinção entre o direito penal e o direito civil em to rn o
da verdade existe, portanto, acerca do grau de convicção do juiz para condenar no
processo penal, que é mais elevado, a exigir, via de consequência, contexto probatório
mais robusto do que para condenar no processo civil. Não é de se cogitar propriamente
quanto à busca de uma verdade mais ou menos “absoluta" ou “real", pois, no contexto
do convencimento do órgão judicial, tudo se resolve em um juízo de maior ou m enor
probabilidade; mas de verificar qual o grau necessário de convencimento judicial q u anto
aos fatos para que se possa condenar no juízo penal e no juízo cível. Sobre o tema, v e r
FERRER BELTRÁN, Jordi. Pruebay verdade en el derecho. Madrid: Marcial Pons, 2005,
p. 55-78.
110. REsp 1.164.236-MG, Terceira Turma, rei. Min. Nancy A ndrighi, julg ad o e m
21.02.2013.
111. COHEN, Jonãthan L. The probable and the Provable. Oxford: Clarendon Press, 1977,
p. 50; CLERMONT, Kevin M. A comparative view of standards of proof. In: 50 Am. J.
Comp. L. 243 2002, p. 251-253; KNIJNIK, Danilo. A prova nos juízos cível, penal e tr i
butário. Rio dejaneiro: Forense, 2007, p. 37-38.
60 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
112. FLEMING JR., James. Burdens of proof. Yale Law School Legal Scholarship Repos
itory. 47 Va. L. Rev. 51 (1961).
113. COHEN, Jonathan L. The probable and the Provable. Oxford: Clarendon Press, 1977,
p. 50; CLERMONT, Kevin M. A comparative view of standards of proof. In: 50 Am. J.
Comp. L. 243 2002, p. 251-253; FLEMING JR., James. Burdens of proof. Yale Law School
Legal Scholarship Repository. 47 Va. L. Rev. 51 (1961); KNIJNIK, Danilo. A prova nos
juizos cível, penal e tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 39-42.
114. ROSENBERG, Irene Merker et al., apud KNIJNIK, Danilo. A prova nos juízos cível,
penal e tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 40.
115. Nesse sentido, KNIJNIK, Danilo A prova nos juízos cível, penal e tributário. Rio de
Janeiro: Forense, 2007, p. 37-38.
o Onus d a prova 61
116. CLERMONT, Kevin M. A comparative view or standards of proof. In: 50 Am.]. Comp.
L. 243 2002, p. 251-253; FLEMING JR., James. Burdens of proof. Yale Law School Legal
Scholarship Repository. 47 Va. L. Rev. 51 (1961) ; KNIJNIK, Danilo. A prova nos juízos
cível, penal e tributário. Rio de Janeiro; Forense, 2007, p. 39.
117. Trabalho o tema com maior amplitude em CARPES, Artur. O direito fundamental ao
processo justo: notas sobre o modelo de constatação nas ações de improbidade admi
nistrativa. lm LUCON, Paulo Henrique dos Santos; COSTA, Eduardo José da Fonseca;
e COSTA, Guilherme Recena. Improbidade administrativa: aspectos processuais da Lei n°
8.429/92. São Paulo: Atlas, 2013, p. 44-60. Em sentido contrário, de que não é possível
apartar um modelo de constatação intermediário para ser aplicado nos processos que
versam sobre as ações de improbidade administrativa - aos quais deveria ser aplicado o
standard típico dos processos penais, PINTO, Marcos Vinícius. Reflexões sobre improbi
dade administrativa, ônus da prova, modelos de constatação e nota sobre o NCPC, In:
BEDAQUE, José Roberto dos Santos Bedaque; CINTRA, Lia Carolina Batista; e EID, Elie
Pierre (Coord.). Garantismo processual: garantias constitucionais aplicadas ao processo.
Brasília: Gazeta Jurídica, 2016, p. 361-393.
118. FLEMING JR., James. Burdens of proof. Yale Law School Legal Scholarship Reposi
tory. 47 Va. L. Rev. 51 (1961).
62 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
119. Jã alertava Micheli quanto ao perigo de não se dar ‘o devido relevo à distinção entre
a fase de valoração das provas e a de decisão sobre o fato incerto, isto é, a aplicação da
regra de juizo” (MICHELI, Gian Antonio L Onere d elia p ro v a . Padova: Cedam 1942
p. 288).
120. A confirmação dos enunciados fáticos a partir das provas produzidas depende do
raciocínio inferencial que é realizado em juízo. É a partir de tal confirmação que é possível
aferir o preenchimento ou não do sta n d a r d probatório eleito. A estrutura inferencial do
raciocínio probatório pode ser observada a partir de dois discintos níveis. No primeiro
nível, fundamentai e mais simples, o raciocínio do juiz envolve o exame das chamadas
"provas diretas", isto é, daquelas provas cujo grau de proximidade para com o j a c t u m
p r o b a n d u m é maior e, assim, exige menos inferências. O primeiro nivel da estrutura
inferencial do raciocínio probatório envolve, portanto, menor grau de complexidade.
Nos casos em que ocorre um juizo sobre um deLentiinado enunciado do tipo “o fato
F sé verificou desse ou daquele modo", estabelecendo que tal enunciado ê verdadeiro,
o ônus da prova 63
tal juízo constitui a conclusão de uma inferência que o juiz realiza a respeito de u m a
prova; porém, trata-se de uma inferência que não é complexa. Por exemplo: o juiz afir
ma que o enunciado é verdadeiro porque uma testemunha afirmou que o enunciado é
verdadeiro. A estrutura da inferência neste nível fundamental é, portanto, a seguinte: a)
uma prova confiável diz que o enunciado é verdadeiro; b) as provas confiáveis fornecem
informações verdadeiras; c) portanto, o enunciado em questão é verdadeiro com b ase
nas provas em questão. O segundo nível da estrutura inferencial do raciocínio probatório
ocorre nas hipóteses em que o percurso a ser percorrido pelo intérprete entre a prova e
o fato a ser provado é muito maior. Em tais casos, torna-se indispensável laborar m ais
intensamente com a prova por indução, ou seja, prova consistente em processo lógico
por meio do qual, a partir de um fato conhecido, toma-se possível formar conclusões
a respeito da veracidade ou falsidade de um fato desconhecido (TARUFFO, Michele.
La valutazione delle prove. In: TARUFFO, Michele (org.). Trattato di Diritto Civile e
Commerciale. Milano: Giuffrè, 2012, p. 207-269). A fim de legitimar tal processo ló g i
co que se estabelece visando à confirmação da hipótese fática por meio das provas, a
doutrina sugere a adoção do conceito epistemológico geral de warrant, que constituem
modelos gerais de argumentação que se prestam a aferir as conexões instauradas en tre
uma afirmação hipotética e as provas que confirmem a sua respectiva veracidade (TOUL-
MIN, Stephen Edelston. The uses of argument. Cambridge: Cambridge University, 1958;
e HAACK, Susan. Defending Science - within reason. Between scientism and cynism.
New York: Amherst, 2007). Tal modelo de justificação e confirmação da hipótese fática
submetida à prova é informado por duas dimensões distintas. A primeira dimensão d iz
respeito à amplitude e à qualidade das provas produzidas, A segunda dimçnsão refere-se
ao fundamento cognoscitivo por meio do qual a inferência probatória pode ser fundada.
Na primeira dimensão, alusiva às noções de supportiveness (conexidade recíproca en tre
as provas) e comprehensiveness (abrangência das provas), a hipótese fática será mais o u
menos confirmada com base no grau de confirmação que as provas outorgam àquela h ip ó
tese. Nesse caso, será importante aferir a) a relação entre a quantidade e a qualidade d as
provas efetivamente produzidas e todas as provas possíveis de serem produzidas sugere
maior ou menor grau de confirmação; b) toda a prova que se acrescenta às demais já
produzidas em torno da mesma hipótese de falo aumenta o grau de confirmação dessa
mesma hipótese de fato; c) a existência de provas convergentes no mesmo sentido d e
determinada hipótese de fato aumenta o grau de confirmação dessa mesma hipótese d e
fato; d) a confirmação da hipótese de fato não depende apenas das proyas que a esta se
referem diretamente, mas também de outros enunciados fáticos (secundários ou indici-
ários) que eventualmente lhe deem suporte (TARUFFO, Michele. La valutazione delle
prove. In: TARUFFO, Michele (org.). Trattato di Diritto Civile e Commerciale. Milano:
Giuffrè, 2012, p. 223-224; HAACK, Susan. Correlation and Causation: The “Bradford
Hill Criteria" in Epidemiological, Legal, and Epistemological Perspective. In: Evidence
Matters: Science, Proof and Truth in the Law. New York: Cambridge, 2014, p. 258-259,
FERRER BELTRÁN, Jordi. La valoración racional de la prueba. Madrid: Marcial P ons,
2007). Na segunda dimensão toma-se em consideração o backing do warrant, isto é, o
/undamento cogniscitivo através do qual a inferência se pode ter por fundada . de m odo a
emprestar grau de contabilidade - e, assim, de segurança —ás conclusões alcançadas.
6 4 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
tendo o ônus de provar os fatos constitutivos de seu direito, bem como o réu os
fatos impeditivos, modificativos e extintivos do direito do autor (art. 373, CPC).
O que se modifica em face do modelo de constatação fixado é o grau de sufi
ciência da prova necessário para a formação do juízo quanto aos enunciados fáticos,
o que pode determ inar ou não a aplicação da regra (dejulgamento) do ônus daprova.
É a gravidade do ônus, portanto, que se altera.
Na perspectiva do ônus da prova, é possível perceber que quanto mais rarefeito
o modelo de constatação empregado, menos esforços probatórios serão exigidos
d a parte onerada. O inverso também é verdadeiro: quanto mais alto o standard,
m aiores esforços de prova serão exigidos da parte onerada. A fixação do modelo
d e constatação pode interferir na atividade processual que visa ao cumprimento
d o ônus da prova por conta do grau de suficiência de prova que se exige para a
formação do juízo de fato (dimensão subjetiva), o que irá determinar a aplicação
o u não da regra de julgam ento (dimensão objetiva).
De qualquer m odo, a variação do modelo dè constatação não se relaciona a
qualquer modificação no regime de distribuição dos ônus probatórios. Isso porque
o ônus da prova do enunciado fático atribuído à parte - a prova do dano decorrente
d o furto de bagagem na responsabilidade civil por defeito na prestação do serviço
d e transporte aéreo, p o r exemplo - não varia, ainda que tenha ocorrido a redução
d o módulo de prova (v. infra, Item 6.3). A única diferença é que à parte onerada,
p ara cumprir aludido ônus, poderá ser suficiente produzir um contexto probató
rio caracterizado por provãs indiciãrias, o que significa, por outra perspectiva de
análise, que o juízo de fato poderá ser formado com base no módulo de cognição
sum ária no sentido vertical.
Se o ônus da prova é dinamizado (v. infra, Parte II), ou seja, é atribuído a
outra parte, por outro lado, isso não implica na redução do módulo de prova: o
critério de suficiência de prova será exigido das partes na perspectiva do ônus da
prova atribuído a cada uma delas, seja esse atribuído pela lei, seja atribuído por
decisão judicial.
121. TARUFFO, Michele. La s e m p lic e v e r ità : il giudice e la costruzione dei fatti. Bari:
Laterza, 2009, p. 222. Há tradução para o português: TARUFFO, Michele. U m a sim p le s
verd a d e: o juiz e a construção dos fatos. Trad. yitor de Paula Ramos. São Paulo: Marcial
Pons, 2012.
66 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
122. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Prova e convicção. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 3. ed., 2015, p. 248.
123. Sobre a cognição na perspectiva de seus dois distintos planos, horizontal e vertical
(extensão, amplitude) e vertical (profundidade), v. a obra clássica de WATANABE,
Kazuo. Da cognição no processo civil. São Paulo: Perfil, 3. ed., 2005, p. 127-143.
124. Em sentido contrário ao defendido no texto, ou seja, aduzindo que o fenômeno en
volve redução do standard probatório, WALTER, Gerhard. Libre apreciaciún de la pnicba.
Trad. Tomás Banzhaf. Bogotá: Temis, 1985, p. 171-185; 229-260; KNIJNIK, Danilo. A
prova nos juízos cível, tributário e penal. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 46-48; MARI-
NONI, Luiz Guilherme. Antecipação de tutela. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009,
p. 169; ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto; MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo
Civil. v. 2. São Paulo: Atlas, 2012, p. 81. Embora reconheça “a verossimilhança como
modelo de constatação dos fatos da causa” (p. 119) eem “redução do módulo de prova"
(p. 122), Flach afirma que “[al verossimilhança (...) deve ser considerada em relação
ao modelo de constatação referencial para a concessão da tutela final (...)” (FLACH,
Daisson. A verossimilhança no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p.
123). Na verdade, ê o módulo da cognição sumária que deve ser considerado em relação
ao modelo de constatação referencial para a concessão da tutela final. A posição aqui
adotada neste escrito contraria e, assim, invalida a que adotei em trabalhos anteriores, nos
quais não tinha bem nítida a natureza do fenómeno (CARPES, Artur Ónus dinâmico da
prova. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2010, p. 100-103; CARPES, Artur Thompsen.
Direito fundamental ao processo justo: notas sobre os modelos de constatação nas de
cisões liminares. In: ARMELIN, Donaldo (org.). Tutela cautelar e tutelas de urgàicia. São
Paulo: Saraiva, 2010, p. 176-189; e CARPES, Artur Thompsen. O direito fundamental
ao processo justo: notas sobre o modelo de constatação nos processos envolvendo as
ações de improbidade administrativa. In: LUCON, Paulo Henrique dos Santos; COSTA,
Eduardo José da Fonseca; e COSTA, Guilherme. Improbidade administrativa: aspectos
processuais da Lei n° 8.429/92. São Paulo: Atlas, 2013, p. 44-60.
125. Sobre os conceitos de prova objetiva/subjetivameme difícil, v. SILVA, Paula Costa e;
REIS, Nuno Trigo dos. A prova difícil: da probatio levior à inversão do ônus da prova.
Revista de Processo, n. 222, agosto de 2013, p. 154-155.
O ÔNUS DA PROVA 67
128. TJRS, Apelação Cível 70001464676, Sexta Câmara Cível, rei. para o acórdão Carlos
Alberto Alvaro de Oliveira, julgado em 21.11.2001.
129. TJRS, Apelação Cível 70036601334, Sexta Câmara Cível, rei. Ney Wiedemann Neto,
julgado em 19.08.2010.
130. TJRS, Recurso Cível 71005806062, Segunda Turma Recursal Cível, rei. Roberto
Behrensdorf Gomes da Silva, julgado em 27.01.2016.
131. STJ, REsp 918.257/SP, rei. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 03 05.2007
DJ 23.11.2007, p. 465.
O ONUS DA PROVA 69
Diante de tal contexto, extrai-se da ratio decidenâi que “não se trata de atribuir
equivocadamente o ônus da prova a uma das partes, mas sim de interpretar as normas
processuais em consonância com os princípios de direito material aplicáveis àespécie”.
A solução, naquele caso, foi estabelecida no sentido de prestigiar o princípio da
proteção ao consumidor". Ainda segundo a motivação do precedente, caso fosse
negada a suficiência da prova relativa ao consumo reiterado do produto,
(...) restará, apenas, a opção de acolher em seu lugar uma presunção
de que a consumidora teria proposto a ação para se aproveitar da
quele receituário e de uma situação pública de defeito no produto,
fazendo-se passar por vítima do evento sem sê-lo.
Observa-se que o Superior Tribunal de Justiça trabalha com a hipótese de
redução do módulo de prova em razão da mútua dificuldade na produção da pro
va, para contentar-se com prova mais rarefeita quanto ao fato da consumidora ter
administrado justamente carteia do lote defeituoso. Além do mais, a ratio decidendi
é clara ao justificar que a hipótese não envolve aplicação da dinamização do ónus
da prova, mas aplicação da técnica que permita a máxima efetividade probatória
em consonância com as peculiaridades do direito do consumidor.
Em semelhante sentido, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul possui
julgados nos quais afirma que:
O extravio definitivo de bagagem enseja reparação p o r (...) dano
material, correspondente ao valor estimado do conteúdo da ba
gagem extraviada, submetendo-se a estimativa do consumidor
demandante ajuízo de razoabilidade, no caso concreto, com base
np princípio da facilitação da defesa do consumidor em Juízo (art.
6o, VIII, CDC).
A orientação aponta para o “Descabimento de exigência de prova do valor
de cada um dos objetos contidos na bagagem extraviada, por tratar-se de prova
diabólica".132
A articulação entre o modelo da preponderância da probabilidade e o módulo
de cognição sumária dependerá, obviamente, de decisão a respeito da excessiva
dificuldade ou mesmo da impossibilidade probatória. Tal juízo deverá ser infor
mado por prévio contraditório (art. 10, CPC) e a possibilidade de eventual impug
nação à noção de probatio diabólica empregada. Se o juiz, no momento de proferir
a sentença, percebe que o caso envolve a probatio diabólica para ambas as partes
132. TJRS, Apelação Cível 70069027738, D é c i m a Segunda Câmara Cível, rei. Umberto
Guaspari Sudbrack, julgado em 28.04.2016.
70 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
de uma parte para a outra (ver infra, Parte II, Capítulo 2.4.2). Será potencialm ente
aplicável, nesse caso, a redução do módulo de prova.
A redução do módulo de prova constitui técnica processual que, assim como
a da dinamização do ônus da prova, serve para outorgar a máxima efetividade ao
direito fundamental à prova e, por conseguinte, à tutela dos direitos135136.
135. Assim, “a cognição sumária constitui uma técnica processual relevantíssima para
a concepção de processo que tenha plena e total aderência à realidade sócio-jurídica a
que se destina, cumprindo sua primordial vocação que é a de servir de instrumento à
efetiva realização dos direitos” (WATANABE, Kazuo. D a c o g n iç ã o n o p ro c e ss o c iv il. 3.
ed. São Paulo: Perfil, 2005, p. 168).
136. SANTOS, Moacyr Amaral. P r o v a ju d i c i á r i a n o c ív e l e n o c o m e r c ia l. 3. ed. São Paulo:
Max Limonad, 1968, v. 5, p. 409.
137. MANZONI, Ignazio. Potere de acertamento e tutela dei contribuente nelle imposte
dirette e nell iva. Milano: Giuffrè, 1993, p. 188, KNIJNIK, Danilo. A prova nos juízos
cível, p e n a l e tr ib u tá r io . Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 49.
138. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz .,.P ro v a e c o n v ic ç ã o . 3. ed.,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 155.
139. Sobre as máximas de experiência, ver STEIN, Friedrich. E l c o n o c im ie n to p r iv a d o
d e l j u e z . Trad. Andrés de la Oliva Santos. Madrid: Centro de Estúdios Ramón Aceres,
1990; TARUFFO, Michele. Senso comune, esperienza e scienza nel ragionamento dei
giudice. In: Sui C o n fin i: scritti sulla giustizia civile. Bolonha: II Mulino, 2002; ROSITO,
72 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
142. As presunções legais, por sua vez, ainda podem ser divididas em absolutas (iuris et
de iure), que não admitem prova em contrário, e relativas (iuris tantum), que, por sua
vez, admitem prova em contrário. Ainda se alude à espécie das presunções mistas, as
quais admitem prova em contrário apenas por meio de meios tipificados pela própria
lei. Sobre o tema, v. SANTOS,Moacyr Amaral. Provajudiciáriano cível eno comercial 3.
ed. São Paulo: Max Limonad, 1968, v. 5, p. 414; e RIBEIRO, Darci Guimarães, Da tutela
jurisdicional às formas de tutela. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 201.0, p. 66-69.
143. M1CHEL1, Gian Antonio. L Onere delia prova. Padova: Gedam, 1966, p. 169. No
mesmo sentido, DEVIS ECHANDÍA, Hemando. Teoria general de la prueba judicial.
Buenos Aires: Víctor P De Zavallía, [s.d.], v. 2, p. 701-702; ROSITO, Francisco. Direito
probatório: as máximas de experiência em juízo. Porto Alegre: Livraria do Advoga o,
2007, p. 95; e LEONARDO, Rodrigo Xavier. Imposição e inversão do ônus da prova. Rio
de Janeiro: Renovar, 2004, p. 246-247.
■
74 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
144. Conforme Taruffo, “as presunções legais são utilizadas para dirigir as estratégias
probatórias das partes perante os tribunais; a decisão final dependerá do princípio
usual do ônus da prova, a não ser que disposições particulares desloquem este ónus
especifico” (TARUFFO, Míchele. A p ro v a . Trad. João Gabriel Couto. São Paulo: Marcial
Pons, 2014, p. 150). No mesmo sentido, Marinoni e Arenhart afirmam que a presunção
legal “assume a função de alterai o critério Ido direito material] pata a distribuição
do ônus da prova", ou seja, “não se trata propriamente de inversão do ónus da prova”
(MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. P rova c c o n v ic ç ã o . 3. ed„ São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 165).
r
exige-se o desenvolvimento de raciocínio lógico no bojo do próprio processo,
mediante a consideração de indícios, isto é, fatos que se situam na atmosfera d a
causa e se relacionam à alegação a ser provada. Por tal razão é que, no âmbito d a s
presunções simples ou judiciais, é possível perceber autêntico deslocamento d o s
ônus probatórios: formada a presunção, transfere-se o ônus de provar as alegações
que venham a desconstruí-la.
Caso de presunção judicial bastante comum é a da culpa do m otorista q u e
colide na traseira. Trata-se de presunção não prevista em lei, mas construída a
partir do caso concreto, mediante a análise das circunstâncias que envolveram o
acidente. É inegável que, no momento em que ingressa em juízo, o autor da d e
manda indenizatória tem o ônus de provar a culpa do demandado. Provado o fa to
certo indiciário - colisão na traseira - , será possível formar a presunção judicial d e
culpa do demandado com base na máxima de experiência de que o motorista q u e
colide na traseira normalmçnte age com negligência, imperícia ou im prudência e,
portanto, é culpado. Note-se bem: a presunção judicial transfere o ônus da p ro v a
do autor ao réu apenas quanto à alegação de que o réu agiu com culpa. Em o u tra s
palavras: construída a presunção, caberá ao réu provar que, ao contrário do q u e
restou judicialmente presumido, ele não agiu com culpa (p. ex.: que a colisão t e
nha decorrido de uma freada brusca e injustificada do autor ou tenha origém n a
hipótese em qué esse deu marcha-ré).
A presunção judicial, portanto, é construída no decorrer do processo, c o m
base em elementos concretos da demanda, ainda que decorra de uma máxima d e
experiência estabelecida há bastante tempo. Com a alegação e a prova de q u e a
colisão ocorreu na traseira do veículo do autor é formada a presunção e ocorre, p o r
conseguinte, a transferência dos Ônus probatórios especificamente quanto a u m
dos elementos da responsabilidade civil, qual seja, a culpa. Muito embora o a u to r
permaneça com o ônus de provar o nexo de causalidade e a existência do d an o ,
passa o réu a ter o ônus de provar que a sua conduta não foi culposa145.
Os casos envolvendo a indenização por dano moral por cadastro indevido
nos órgãos de proteção de crédito também constituem exemplos corriqueiros d e
presunção judicial nos foros brasileiros. O cadastro indevido, ou seja, decorrente
145. “Culpado, em linha de princípio, é o motorista que colide por trás, invertendo-se,
em razão disso, o ‘o n u s p ro b a n d i’, cabendo a ele a prova de desoneração de sua cu lp a
(REsp 198.196/RJ, rei. Sálvio De Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgado e m
18.02.1999, DJ 12.04.1999, p. 164).
■
76 | ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
146. TJRS. Apelação Cível 70019669498, Nona Câmara Cível, rei. Marilene Bonzanini,
julgado em 27.06.2007.
O ÔNUS DA PROVA 77
Houve época em que o processo era visto como “coisa das partes” . Isso porque
os pressupostos ideológicos do Iluminismo francês reduziam o processo a um locus
para a resolução dos interesses dos particulares. O Estado tinha pouco ou nenhum
interesse nos litígios que as pessoas levavam ao Poder Judiciário. Naquele tempo,
quanto menos o Estado tivesse ingerência na resolução dos conflitos existentes
entre as pessoas, melhor: o antigo regime absolutista tinha deixado marcas pro
fundas, de modo que qualquer risco de interferência estatal nas relações entre os
cidadãos era visto como algo nefasto. O exercício do poder jurisdicional sofreu, por
óbvio, com tais vicissitudes. A condução do processo, bem como sua resolução,
era devida exclusivamente ao interesse dos litigantes. Aludido contexto fez com
que o processo judicial mais se assemelhasse a umjogo; às partes caberia a função
de autênticos players.
A guinada dessa perspectiva liberal se iniciou com a codificação austríaca de
1895, que passou a vigorar a partir de 1898, e teve como protagonista Franz Klein.
Trata-se de um a “autêntica revolução copémica”,148 isto é, um marco ideológico
para o processo civil. Na seminal proposta de Klein, o processo civil deve ser
compreendido não mais pela perspectiva dos direitos individuais ou meramente
subjetivos, mas como im portante ferramenta de realização dos direitos sociais e
dos direitos objetivos. Mais do que isso: segundo o projeto, a tutela dos direitos,
ainda que dos direitos disponíveis ou meramente patrimoniais, possui relevância
não apenas para os particulares, mas também para a coletividade. Com semelhante
alteração de paradigma, as finalidades do processo civil não poderiam mais ser
informadas exclusivamente pelos interesses dos litigantes. A guinada de perspec
tiva é evidente: dá conta que existe um interesse público na realização da justiça do
caso concreto, cuja relevância transcende os interesses particulares envolvidos na
demanda judicial149. 0 juiz, em semelhante contexto, desempenha função de suma
importância: deixa de ser mero árbitro do litígio, com passividade na condução da
controvérsia, para assumir papel muito mais atuante, inclusive no que se refere à
aproximação da verdade. No modelo processual de Klein o juiz dispõe de amplos
poderes probatórios, inclusive de modo oficioso.
153. Sobre o tema, confira-se MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Comen
tários ao Código de Processo Civil. v. I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 83-89.
154. As normas fundamentais do processo civil (Livro I, Título Único, Capítulo I, do CPC)
consistem em “concretizações infraconstitucionais de determinados direitos fundamen
tais processuais que compõem o direito fundamental ao processo justo” (MARINONI,
Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Comentários ao Código de Processo Civil. v. I. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 83).
155. Confira-se a respeito do modelo da colaboração no processo civil brasileiro, por
todos, MITIDIERO, Daniel. Colaboração do processo civil: pressupostos sociais, lógicos
e éticos. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, passim. Na literatura estrangeira,
ver GRASSO, Eduardo. La collaborazione nel processo civile. Rivista di Diritto Processuale,
v. 21, Padova: Cedam, 1966, p. 580-609.
O ÔNUS DA PROVA 81
dever este que é “independente da repartição do ônus da prova (cf. arts. 342
a 345 C. Civ.)”159.
156. SOUSA, Miguel Teixeira de. Aspectos do novo processo civil português. Revista
Forense, Rio de Janeiro, v. 338, 1997, p. 151.
157. SOUSA, Miguel Teixeira de. Aspectos do novo processo civil português. Revista
Forense, Rio de Janeiro, v. 338,1997, p. 151.
158. Sobre o tema da colaboração no processo civil português, com análise dos referidos
deveres e amplo exame da bibliografia local, v. DIDIER JR., Fredie. Fundamentos do
Princípio da Cooperação no Direito Processual Civil Português. Coimbra: Coimbra Editora,
2010, passim.
159. SOUSA, Miguel Teixeira de. Aspectos do novo processo civil português. Revista
Forense, Rio de Janeiro, v. 338, j 997, p. 150. Acerca do dever de veracidade e sua re
82 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
lação com o instituto da discovery da common law, ver PITT, Gioconda Fianco. Dever
de veracidade no processo civil brasileiro e sua relação com o instituto da discovery do
processo norte-americano da common law. In: KNIJNIK, Danilo (Org.). Provajudiciária:
estudos sobre o novo direito probatório. Porto Alegre: Livraria do Advogado 2007
p. 115-127.
160. M1TÍD1ERO, Daniel. Colaboração no processo civil: pressupostos sociais, lógicos e
éticos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 3. ed., 2015, p. 98-99. Sobre o lema da colabora
ção, ver também LANES, Julio César Goulart. Fato e direito no processo civil cooperativo.
São Paulo: Revista dos Tribunais 2014, p. 121-129.
161. MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil: pressupostos sociais, lógicos e
éticos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 3. ed., 2015, p. 98-99.
162. Conforme Mitidiero, “A isonomia está em cjue, embora dirija processual e mate
rialmente o processo, agindo ativamente, o juiz o faz em permanente diálogo com as
partes, colhendo as suas impressões a respeito dos eventuais rumos a serem tomados no
processo, possibilitando que essas dele participem, influenciando-o a respeito de suas
O ÔNUS DA PROVA 83
166. MITIDIERO, Daniel. C o la b o r a ç ã o n o p ro c e sso c iv il. São Paulo: Revista dos Tribunais,
3. ed., 2015, p. 69-70.
T
No que diz respeito à colaboração das partes em torno da prova, a percepção
quanto à existência de autênticos deveres para com órgão judicial revela-se mais
tímida. Nada obstante o avanço do CPC na matéria, inclusive com a previsão
quanto à aplicação de multa para coagir a parte aó cumprimento do dever de exi
bir documento (art. 400, parágrafo único), o processo civil brasileiro pauta o seu
modelo da colaboração na prova na figura do ônus. O risco de sucúmbência em
face da ausência de esclarecimento é que constitui a mola mestra da colaboração
na atmosfera do nosso direito probatório.
Não existem no Brasil normas similares àquelas que gravitam em tomo da
discovery estadunidense, isto é, normas que evidenciem um autêntico dever de
colaboração das partes, tal qual ocorre com o duty ojdisclosure167. A colaboração
na produção da prova pelas partes no processo é pautada pela submissão a ônus e
não a devems. Embora seja possível destacar do modelo cooperativo de processo a
existência de deveres de colaboração do juiz para com as partes no curso da ativi
dade probatória168, é difícil destacar autênticos deveres de colaboração das partes
para corri o juiz em moldes semelhantes169.
Observe-se, por exemplo, a disposição contida no art. 400, e respectivo pará-
grafo único, do CPC. A solução proposta para eventual desobediência à determina
ção judicial de exibição de documento ou coisa permite constatar a imposição de
um ônus e não de um dever. Percebe-se que consequência pelo descumprimento
da ordem de exibição não implica qualquer ilícito. Pelo contrário: é tolerada pelo
próprio sistema, que admite como consequência para o inadimplemento a formação
da presunção relativa de veracidade dos Tatos que por meio da fonte de prova não
exibida se pretendia demonstrar. Dispõe o art. 400, a propósito, que “Ao decidir o
pedido, ojuiz admitirá como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou da
coisa, a parte pretendia provar se (...) o requerido não efetuar a exibição nem fizer ne
nhuma declaração no prazo do art. 398”ou “a recusafor havida por ilegítima”. Algo
semelhante sucede com a disposição prevista no art. 232, do CCB, com a diferença
de que a fonte de prova não constitui o documento ou a coisa, mas a própria parte.
Dito em outras palavras: a imposição à parte ao cumprimento da ordem judicial de
exibição do documento ou de sujeição ao exame pericial tem por fundamento um
ônus probatório originado da presunção legal construída a partir da sua conduta.
O parágrafo único do art. 400, do novo CPC, ao outorgar ao juiz o poder de
adotar medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para que o
documento seja exibido” merece ser interpretado, portanto, com cautela. A princi
pal delas, por certo, é a de que a outorga de tais poderes ao juiz não tem o condão
de alterar a natureza do fenômeno que sujeita a parte: se o documento ou a coisa
não for apresentado e não houver legítima justificativa, a solução passará inequi
vocamente pela presunção de veracidade dos enunciados fáticos que, por meio
do documento ou da coisa, a parte pretendia provar. Não passa, por conseguinte,
pela imposição de um dever de provar. A regra do caput é que dita a natureza do
fenômeno que determ ina a sujeição da parte, de modo que a previsão quanto à
possibilidade de aplicação de técnica coercitiva não tem o condão de obscurecer a
consequência advinda do descumprimento da regra: presunção devefacidade, com
a dinamização do ônus da prova, o que por certo não constitui efeito de qualquer
ilícito. A evidente primazia aum imperativo de interesse da própria parte, aliado à
inexistência do ilícito e da sanção que, segundo a doutrina, caracterizam a figura
do dever, é o que justifica a orientação de que as partes não são obrigadas a um de
terminado comportamento em face da prova no processo civil brasileiro.
A aplicação de qualquer medida coercitiva pelo juiz tem cabimento apenas
na hipótese prevista no inciso I do art. 399, ou seja, quando o requerido possui o
“dever legal” de exibir o documento. Nesse caso, existe autêntico dever de exibição
e esse se encontra fundado no direito material. O que se tem no processo não é
propriamente o exercício de um dever probatório, mas de um dever de exibição, o
qual, ao fim e ao cabo, resultará em colaboração para a formação do juízo de fato.
Fora dessa hipótese, a aplicação da técnica coercitiva dependerá da constatação
quanto à absoluta inviabilidade de presumir o fato cujo esclarecimento se busca
através do documento. Se não existem sequer provas indiciarias que possam levar
à conclusão, a aplicação da multa pode se revelar a última ratio.
_ — :— — - V
o On u s d a prova
Embora seja inegável que a adequada formação do juízo de fato - vale dizer,
juízo de fato pautado na verdade como máxima correspondência possível da re a li
dade - seja pressuposto da decisão justa, o processo civil encontra-se determ inado
por outras diretrizes igualmente legítimas, que justificam certo contingenciam ento
no procedimento para obtenção da verdade.
Seja como for, é inegável que a previsão do ônus dinâmico da prova co n stitu i
uma das expressões do modelo cooperativo adotado pelo novo CPC, na m ed id a
em que permite ao juiz e às partes racionalizarem a sua colaboração na form ação
do contexto probatório. A dinamização do ônus da prova, cuja aplicação sem p re
depende de decisão judicial, representa, a um só tempo, portanto, expressão d o
dever de auxílio do juiz e estímulo à atividade de colaboração da parte que se:e n
contra mais próxima das fontes de prova.
170. Sobre as correlações existentes entre o exercício dos poderes probatórios pelo juiz e o
contraditório, v. BEDAQUE, José Roberto Santos. Poderes instrutórios do juiz■São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1994, passim, e MATTOS, Sérgio Luiz Wetzel de. Da iniciativa
probatória do juiz no processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2001, passim.
171. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Os poderes do juiz na direção e na instrução d o
processo. Temas de direito processual. Quarta Série. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 48.
172. P1CÓ I JUNOY, Joan. E lju e zy laprueba. Barcelona: Bosch, 2007. Há tradução p a ra
o português: PICÓ 1JUNOY, Joan. Oju iz e aprova: estudo da errônea recepção do b r o
cardo íudex iudicare debet secundum allegata etprobata, non secundum conscíentiam e s u a
*
repercussão atual. Trad. Darci Guimarães Ribeiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2015, p. 103-105.
173. LANES, Julio Cesar Goulart. Fato e direito no processo civil cooperativo. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2014, p. 164.
174. Na lição de Barbosa Moreira, “com o atuar de modo mais intenso não estará o ór
gão judicial, necessariamente, relegando os litigantes a posição passiva. Não se trata, é
evidentíssimo, de competição ou disputa, em que cada participante se tenha de preo
cupar em passar à frente do outro e em evitar que o outro lhe passe à frente. Ninguém
preconiza o absurdo de cerceãr-se a iniciativa das partes, para deixar-se tudo, ou quase
tudo, por conta do juiz. Como jã tivemos ocasião de dizer alhures, o lema do processo
‘social’ não da contraposição entre juiz e partes, e menos ainda o da opressão destas por
aquele: apenas pode ser o da colaboração entre um e outras” (BARBOSA MOREIRA, José
Carlos. Os poderes do juiz na direção e na instrução do processo. In: Temas de direito
processual. Quarta Série. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 50).
175. RICCI, Gian Franco. Questioni controverse in tema de onere delia prova. Rivista di
diritto processuale, v. LXIX (II Serie), 2014, p. 330.
O ÔNUS DA PROVA 89
176. De acordo com a doutrina, “não é recomendável (...) proibir a apreciação dos fatos
secundários pelo juiz, do quais poderá, direta ou indíretamente, extrair a existência ou
modo de ser do fato principal, seja porque constem dos autos, por serem notórios, ou
por pertencerem à experiência comum” (ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do
formalismo no processo civil: proposta de um formalismo-yalórativo. São Paulo: Saraiva,
3. ed„ 2009, p. 184).
177. PICÓ IJUNÕY, Joan. El derecho a la prueba en el proceso civil. Barcelona: Bosch,
1996, p. 267-270.
178. PICÓ IJUNOY, Joan. El derecho a la prueba en el proceso civil. Barcelona: Bosch,
1996, p. 270-271.
90 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
179. SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no cível e no comercial. 3. ed. São Paulo:
Max Limonad, v. 1,1968, p. 163.
180. STE1N, Friedrich. El conocimiento privado deljuez . Trad. Andrés de la Oliva Santos.
Madrid: Centro de Estúdios Ramón Aceres, 1990, p. 71.
181 BEDAQUE, Luís Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. 4. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2009, p. 118-126.
182. Em perspectiva semelhante, ver RE1CHELT, Luis Alberto. A exegese das regras sobre
ônus da prova no direito processual civil e o controle da argumentação judicial. Revista
de Processo, n. 197, junho de 2011, p. 129-131.
183. Para um exame crítico sobre o problema dos deveres probatórios no processo civil
brasileiro, ver RAMOS, Vitor de Paula. Ônus da prova no processo civil: do ônus ao
dever de provar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, passim.
o Onus da prova 91
3. Muito embora a regulação do Código de Processo Civil de 1939, prevista no art. 209,
pudesse sugerir interferência da teoria das normas já no direito anterior, tal assertiva
não se revela alheia a questionamentos. Consoante refere o próprio autor dp antepro
jeto daquela lei, “o ônus de provar os fatos alegados em juízo não incumbe, de m aneira
exclusiva, nem ao autor, nem ao réu; reparte-se, ao contrário, entre útn è outro, seg u n
do certas regras previstas em lei, ou consagradas na jurisprudência e pela do u trin a”
(MARTINS, Pedro Batista. C o m e n tá r io s a o C ó d ig o de P ro c e s so Civil. Rio de Janeiro:
Forense, 1960, t 1. v. III. p. 239). Como se vê, a influência do praxismo era bastante
presente em nosso sistema processual, nada obstante o discurso positivista contido n a
Exposição de Motivos do CPC de 1939. Aliás, também reconhecia o processualista q u e,
“dada a complexidade do problema da repartição do ônus da prova, é rèalmente difícil
encontrar-se uma fórmula geral e abstrata capaz de proporcionar solução satisfatória
a todas as dificuldades que se deparam na prática forense” (MARTINS, Pedro Batista.
Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1960. t. 1. v. III.
p. 245), com o que se observava a preocupação do legislador do CPC/39 em perm itir
a construção de solução mais adequada ao caso concreto. Nunca é demais lembrar, n o
entanto, que o legislador de 1939 assume o acolhimento da doutrina de Chiovenda acerca
da repartição dos ônus probatórios (MARTINS, Pedro Batista. Comentários ao Código
de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1960. t. 1. v. III. p: 243), a qual pugnava pela
necessidade de promover à igualdade formal das panes no processo (CHIOVENDA,
Giuseppe. Instituições de direito p ro c e ss u a l civil. Trad. J. Guimarães Menegale. São Paulo:
Saraiva, 1969, p. 379, v. 2).
4. Segurança jurídica aqui compreendida como de um suposto significado bastante e u n í
voco que é intrínseco ao texto. Sobre o assunto, v. ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica:
9 6 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
9. Com Zagrebelsky, à generalidade está vinculada à abstração das leis, que se pode definir
como “generalidade no tempo" e que “consiste cm prescrições destinadas a valer inde
finidamente e, portanto, formuladas mediante supostos de fato abstratos". A abstração,
por servir à estabilidade do ordenamento jurídico e à sua certeza e previsibilidade, “era
inimiga das leis retroativas, necessariamente ‘concretas”', como também é inimiga das
leis limitadas pelo tempo e da possibilidade de modificação frequente destas. (ZAGRE
BELSKY, Gustavo. E l d e r e c h o d ú c til. 3. ed. Madrid: Trotta, 1999, p. 29-30).
10. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIÈRO, Daniel. C u r so de
P rocesso C iv il. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. v. 1. p. 53.
11. No mesmo sentido: PORTO, Guilherme Athayde. Notas às disposições gerais sobre
prova no NCPC. In: JOBIM, Marco Félix; FERREIRA, William Santos (Coord.). Direito
P ro b a tó rio . Salvador: JusPodivm, 2016. p. 116-134. Tal forma dc distribuição do õnus
da prova revela maior preocupação com a decisão judicial do que propriamente em
prestar tutela aos direitos (CAMB1. Eduardo. Teoria das cargas probatórias dinâmicas
(distribuição dinâmica do õnus da prova) - Exegese do art. 373, §§ 1° e 2° do NCPC.
Revista de P rocesso, n. 246, ago. 2015. p. 88 ).
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA 9 9
12. TARUFFO, Michele. Idee per una teoria delia decisione giusta. Sui confini — Scritti
sulla giustizia civile. Bologna: II Mulino, 2002. p. 225. Nb mesmo sentido: PINTAÚDH,
Gabriel. Acerca da verifobia processual. In: MITIDIERO, Daniel; AMARAL, G uilherm e
Rizzo. Processo Civil: estudos em homenagem ao Professor Doutor Carlos Alberto Álvaro
de Oliveira. São Paulo: Atlas, 2012. p. 188-198.
13. ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Doformalismo no processo civil. 3. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2009. p. 134. Sobre o princípio da adequação ver: LACERDA,
Galeno. O Código como sistema legal de adequação do processo. Revista do Instituto
dos Advogados do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, número especial comemorativo a o
cinquentenário, p. 161-170,1976. Acerca do principio da adequação formal no âm bito
da reforma do Código de Processo Civil de Portugal ver: BRITO, Pedro Madeira. O n o v o
princípio da adequação formál. Aspectos do novo processo civil. Lisboa: Lex, 1997. p. 3 1 -
-69; para quem “afigura-se que o princípio da adequação formal constitui um elem ento
essencial para o êxito da reforma do processo civil na medida em que pode revelar com o
instrumento para atingir o objetivo de um efetivo acesso à justiça”, escopo que im p õ e
“o proferimento preferencial de uma decisão de mérito sobre uma decisão de forma, o
que o princípio da adequação formal viabiliza pela remoção dos obstáculos inerentes a
uma tramitação processual rígida”.
1 GO ônus da prova n o novo cpc
14. Conforme o acertado alvitre de Ovídio A. Baptista da Silva, “o Direito, tanto na Universi
dade quanto há prátiõá, contihuásendo uma ciência demonstrativa, não uma ciência da
compreensão, construída dialêticamente. A retórica, enquanto ciência da argumentação
forense, ainda não teve seu reingresso autorizado na Universidade brasileira. O ensino
do Direito, em nosso país, tema normalizar os fa t o s dando-lhes o sentido de uma norma,
mesmo que o processo tenha como objeto a lide, que é um pedaço da história humana.
Nossa metodologia universitária cuida dessa parcela da história como se estivesse a tratar
de um problema geométrico, como preconizara Savigny. O estudante não tem acesso
aos ‘fatos’, apenas às regras” (SILVA, Ovídio Baptista da. P ro c e sso e id e o lo g ia . 2. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2006. p. 36-37).
15. Tal importante peculiaridade, que singulariza a experiência jurídica brasileira, explica-se
pelo fato de que, “até o Código de Processo Civil vigente [CPC/73], o nosso direito
processual civil não havia sofrido nenhum acidente histórico capaz de propiciar hm
distanciamento mais profundo entre a tradição lusitana quinhentista e o direito então
praticado”, o que proporcionou ao processo civil brasileiro livrar-se da “’radical reno
vação dos princípios de direito processual’ propiciada pelo C o d e d e P ro c é d u re C iv ile
napoleônico de 1806.que apanhou o direito continental com toda a sua força”. Em
outros termos: foi possível “adiar a invasão francesa para 1973”, o que ofertou “maior
espaço para o desenvolvimento natural de nossa tradição cultural”. Como bem refere
Daniel Miüdiero, “mesmo após a nossa independência continuaram a ter vigência no
Brasil as Ordenações Filipinas, sendo que o processo civil brasileiro só fora alcançado
por legislação nacional quando o Decreto n. 763, de 1890, mandou que se aplicasse ao
foro cível o Regulamento n. 737, de 1850 (que, nada obstante tenha procurado simpli
ficar algumas formas, manteve basicamente a estrutura do processo, particularizando-se
apenas por aportar uma nova técnica legislativa à ordem jurídica nacional). Antes, a
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA | 1 01
Consolidação Ribas, aprovada por Resolução Imperial de 1876, havia apenas recolhido
o direilo luso-brasileiro então aplicável à praxe forense, tomando-o racilmeme iden
tificável. Neste panorama, o papel da doutrina fora enorme: cumpria-lhe subsidiar a
aplicação do direito luso-brasileiro, então lacunoso e imperfeito, sobre indicar soluções
mais rentes à ordem do dia. quiçá alçando mão do direito comparado e da autoridade
de doutrinadores estrangeiros (aqui, a manifestação de nosso ‘bartolistno (...) deveras
impregnado em nossa tradição jurídica). O Código de Processo Civil de 1939, a que
se chegou depois de certo período em que tivemos inúmeros Códigos estaduais na
matéria (pluralismo que só poderia ter fracassado, tendo em conta o nossó acentuado
centralismo jurídico), mesclava alguns elementos modernos com institutos tipicamente
pertencentes ao direito intermédio. Informado pela técnica da oralidade, o legislador
de 1939 imprimiu ao processo um nítido sabor publicisüco, outorgando ao juiz o en
cargo de dirigi-lo com o fito de alcançar ao povo justiça pronta e eficaz. Note-se: o juiz
então galgou o posto de diretor do processo. A anunciada síntese entre romanismo e
germanismo, base do processo civil moderno, segundo conhecida lição de Giuseppe
Chiovenda, estava então a manifestar-se, ainda que de maneira tímida, limitada basica
mente à primeira parte daquele diploma (única, consoante Alfredo Buzaid, elaborada
â luz dos 'princípios modernos da ciência do processo’, na qual Buzaid, a nosso ver
equivocadamente, identificava inclusive a existência de um verdadeiro processo de
conhecimento’), com o que ainda se poderia vislumbrar no processo civil de então
nítidos traços do processo comum luso-brasileiro. Com efeito, desde nossas profundas
raízes experimentávamos o praxismo como modelo processual. Esse quadro só veio a
alterar-se com o Código de Processo Civil de 1973, diploma normativo que inaugurou,
entre nós, inequivocamente, o proccssualismo, impondo um método científico ao pro
cesso civil à força de construções alimentadas pela lógica teórico-positiva, evadindo-o
da realidade”. (M1T1DIERO, DanieL Elementos p a r a u m a te o r ia geral do p ro c e ss o . Porto
Alegre: Livraria do Advogado. 7005. p, 36-38).
16. Em sentido contrario, sustenta Paulo Ostamack do Amaral que "não era compatível
com o ordenamento [então] vigente [o CPC/73, inclusive pós CRFB] a alteração dos
ónus probatórios das situações diversas das previstas (autorizadas) em lei". Ainda
amarrado ao paradigma da legalidade estrita, referido autor entende que liaria 'grave
defeito processual (...) no caso de o juiz distribuir os ônus probatórios de forma diversa
da prevista pelo legislador” (AMARAL, Paulo Ostamack. Provas: a tip ic id a d c , lib erd a d e e.
m s tr u m e n ta lid a d e . São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p 54-55).
102 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
17. No sentido da cogência da regra prevista no art. 6 o, VIII, do CDC, ver: BORTOWSKI,
Marco Aurélio Moreira. A carga probatória segundo a doutrina e o Código de Defesa d o
Consumidor. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, n. 7, jul./set. 1993, p. 115.
Advoga a técnica da dinamização como “regra de procedimento”: KRIGER FILHO, D o
mingos Afonso. Inversão do ônus da prova: regra de julgamento ou de procedimento?
Revista de Processo, n. 138. ago. 2006. p. 287-288. Sobre a “inversão” do ônus da prova
como hipótese de flexibilização procedimental, ver: GAJARDONI, Fernando da Fonseca.
Flexibilização procedimental: um novo enfoque para o estudo do procedimento em matéria
processual. São Paulo: Atlas, 2008. p. 162-167.
18. É de se concordar com a crítica de Antônio Gidi, quanto à utilização, pelo legislador, d a
partícula “ou” para unir o requisito da hipossuficiência ao da verossimilhança: “Afigura-
-se-nos que verossímil a alegação sempre tem de ser. A hipossuficiência do consumidor
per se não respaldaria uma atitude tão drástica como a inversão do ônus da prova se o
fato afirmado é destituído de um mínimo de racionalidade (...). Temos, portanto, que,
para que a inversão do ônus da prova seja autorizada, tanto a afirmação precisa ser v e
rossímil, quanto o consumidor precisa ser hipossuficiente". (GIDI, Antonio. Aspectos
da inversão do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor. Genesis Revista de
Direito Processual Civil. n. 3, set./dez. 1996. p. 584). Hm sentido semelhante; CAMB1,
Eduardo. Inversão do ônus a prova e tutela dos direitos transindividuais: alcance exegé
tico do art. 6o. VIII. do CDC. Revista de Processo, n. 127, set. 2005. p. 104. Em sentido
contrario: D1DIERJR., Fredie, BRAGA, Paula Samo; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de.
Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. v. 2. p. 130.
104 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
19. A doutrina, bem como a jurisprudência brasileira, de modo geral, costuma referir-se à
técnica da dinamização como decorrente da teoria das “cargas probatórias dinâmicas”.
Todavia, não há razão para deixar de traduzir a expressão estrangeira em sua totalidade.
Em outras palavras, se a expressão “carga” em espanhol possui o sentido de “ônus”,
nada justifica deixar de denominá-la corretamente no português, vale dizer, como teoria
dos “ônus probatórios dinâmicos".
20. Sobre a expansão do fenômeno da doutrina argentina, consulte-se: CARBONE, Carlos
Alberto. Cargas probatórias dinâmicas: una mirada al derecho comparado y novedosa
ampliación de su campo de acción. In: PEYRANO, Jorge W. LÉPORI WHITE, Inés
(Org.). Cargas probatórias dinâmicas. Santa Fe: Rübinzal Culzoni, 2004. p. 212-222.
21. Nada obstante a introdução da dinamização do ônus da prova no Brasil tenha sido
influenciada pela doutrina argentina, essa está longe de ter o pioneirismo teórico a
respeito do fenômeno. Percebe-se, muito antes da proposta dos argentinos, o tema já
era tangenciado na Itália sob a denominação de “presunzioni giurisprudenziali” e na
Alemanha sob o nome de “Anscheinsbeweis”. Conforme TARUFFO, Michele. F onere
como figura processuale. Rivista Trimestrale di Dirittoe Procedura Civile, v. LXVI, 2012.
p. 431. Bentham, aliás, já sugeria a proposta dinâmica, ao sustentar que “um regime
de justiça franca e simples, em um procedimento natural (...) o ônus da prova deve
ser imposto, em cada caso concreto, àquela das partes que a pode aportar com menos
inconvenientes” (BENTHAM, Jeremias. Tratado de las pruebasjudiciales. Trad. da edição
francesa Manuel Ossorio Florit. Buenos Aires: EJEA, 1971. v. II. p. 150).
22. Embora se diga que a manifestação mais remota da doutrina data do século XIX, através
de Bentham, ou que esta sempre foi conhecida na Alemanha, na medida em que foi alvo
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA 105
era sem razão: a proposta era buscar critérios para admitir a dinamização do ônus
da prova não apenas para os casos envolvendo o direito do consumidor, mas para
todos os demais. Em outros termos: a partir da doutrina das “cargas probatórias
dinâmicas” questiona-se mais incisivamente a possibilidade de o juiz modificar o
critério de distribuição ordinário, aplicando a regra legal de modo a adequá-la às
particularidades de determinados casos. Para a doutrina, a manutenção dà regra
geral, em certas hipóteses, sublinhava a desigualdade entre as partes no que diz
respeito aos esforços de prova, além de leva-las à “inutilidade da ação judiciária”,
por “violação oculta à garantia de acesso à justiça”*23.
Segundo a descrição cunhada nas Quintas Jornadas Bonaerenses dé Direito
Civil, Comercial, Processual e Informático, celebradas em Junín, Argentina, em
outubro de 1992,
(...) a chamada doutrina dos ônus probatórios dinâmicos pode c
deve ser utilizada nos processos em determinadas situações nas
quais não funcionam adequada e valiosamente as previsões legais
que, como regra, repartem os esforços probatórios. A mesma
importa um deslocamento do ô n u s p r o b a r id i, segundo forem as
circunstâncias do caso, em cujo mérito aquele pode recair, v e r b i
g r a tia , na cabeça de quem está em melhores condições técnicas,
profissionais ou fáticas para produzi-las, independentem ente da
condição de autor ou demandado ou tratar-se de fatos constituti
vos, impeditivos, modificativos ou extintivos .24
de críticas de Rosenberg, como faz Maximiliáno Garcia Grande, não se pode negar que o
mais contundente desenvolvimento dogmático iniciou-se pelas mãos do processualista
rosarino Jorge W. Peyrano, na Argentina, a partir do início da década de 80 do século
passado. Aliás, Peyrano, quando era juiz no Juizado da Quinta nominaçâo da cidade
de Rosário, lavrou sentença, ainda no ano de 1978, na qual aplicou a dinamização dos
ônus probatórios em caso de erro médico (GARCÍA GRANDE, Maximiliane. Lus cargas
p r o b a tó r ia s dinâmicas.' inaplicabilidad. Rosario: Juris, 2005. p. 45-48).
23. KN1JNIK, Danilo. A p r o v a nos juízos c ív e l, p e n a l e trib u tá rio . Rio de Janeiro: Forense,
2007 p. 173. No mesmo sentido, RODRIGUES, Roberto de Aragão. A dinamização do
ônus da prova. R e v is ta d e P rocesso, n. 240, fev. 2015. p. 46-47.
24. PEYRANO, Jorge W. Nuevos lineamentos de las cargas probatórias dinâmicas. In:
PEYRANO, Jorge W.; LÉPORIWH1TE. Inés (Org.). C a rg a s p r o b a tó r ia s d in â m ic a s . Santa
Fe: Rubinzal Culzoni, 2004. p. 19-20.
106 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
25. PEYRANO, Jorge W. Nuevos lineamentos de las cargas probatórias dinâmicas. In:
PEi RANO, Jorge W ; LfcPORI WHITE, Inés (Org.). Cargas probatórios dinâmicos. Santa
Fe: Rubinzal Culzoni, 2004. p. 20.
26. BARBERIO, Sérgio José. Cargas probatórias dinâmicas. In: PEYRANO, Jorge W; LEPORI
WHITE, Inés (Org.). Cargas probatórias dinâmicas. Santa Fe: Rubinzal Culzoni, 2004.
P 103. juan Alberto Rambaldo afirma que “a doutrina dos ônus probatórios dinâmicos
produz um verdadeiro salto qualitativò tanto desde o ângulo da teoria quanto desde a
sua operanvidade na prática concreta11 (RAMBALDO, Juan Alberto. Cargas probatórias
dinâmicas: un giro epistemológico In: PEYRANO, Jorge W ; LEPORI WHITE, Inés
(Org.). Cargas probatórias dinâmicas. Buenos Aires: Rubinzal Culzoni, 2004. p. 29).
27. Na doutrina nacional, os primeiros trabalhos a respeito do tema foram os ensaios de
DALL AGNOL JÚNIOR, António Janyr. Distribuição dinâmica dos ônus probatórios
Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 788. p 92-107, jul. 2001; KNIJNIK, Danilo. As
(perigoslssimas) doutrinas do “ônus dinâmico da prova" e da “situação de senso comum"
como instrumentos para assegurar o acesso à justiça e a probatio diabólica. Processo c
constituição: estudos cm homenagem ao ProjessorJoséCarlos Barbosa Moreira. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2006. p. 942-951, e o nosso: CARPES, Artur Thompsen. A
distribuição dinâmica do ônus da prova no formalismo-valorativo. Ajuris, Porto Alegre,
n. 104. p. 9-18, dez. 2006. Posteriormente foi editado o nosso: CARPES, Artur. Ónus
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA 107
cia do ônus da prova de determinado enunciado fático para a parte que original
mente não estava onerada. Conforme referido no primeiro acórdão de um trib u n al
brasileiro a respeito do tema, “É logicamente insustentável, que aquele dotado d e
melhores condições de demonstrar os fatos, deixe de fazê-lo, agarrando-se e m
formais distribuições dos ônus de demonstração”, pois “O processo m oderno n ã o
mais compactua com táticas ou espertezas procedimentais e busca, cada vez m a is,
a verdade”*28.
Desde então, o ônus dinâmico da prova foi recepcionado com muito entusias
mo pelos tribunais, o que motivou a doutrina e o legislador a se dedicareni sobre
o problema. A relevância não apenas teórica, mas também prática motivou o se u
acolhimento expresso no texto do novo CPC. O ônus dinâmico da prova encontra -
-se hoje expressamente incorporado ao direito positivo brasileiro.
Por serem conhecidos os sérios riscos que giram em torno da adoção genérica
de um fenômeno que é excepcional29, revela-se indispensável promover o exam e
do art. 373, e seus respectivos parágrafos, do CPC, cuja interpretação outorga c ri
térios para operar, da forma mais segura possível, a adequada aplicação das regras
disciplinadora do ônus da prova.
30. PEYRANO, Jorge W ; LÉPORI WHITE, Inés (Org.) Cargas probatórias dinâmicas. Buenos
Aires: Rubinzal Culzoni, 2004.
31. Sobre o assunto, v.: GIANNINI, Leandro. Principio de colaboración y carga dinâmica
de la prueba (una distinción necesaria). In: BERIZONCE, Roberto O. (Coord ). Los
princípios procesales. La Plata: Librería Editora Platense, 2011. p 145-160.
32. Conforme KNIJNIK, Danilo. A prova nos juízos cívelpenal e tributário. Rio de Janeiro:
Forense, 2007. p. 3-6. Nos Estados Unidos a sensação era a mesma até meados de
1970, quando começaram a ser publicados estudos que impulsionaram o estudo da
prova judiciária a outro patamar, conforme TWINING, William. Rethinking Evidence:
Exploratory Essays. Evanston: Northwestern University Press, 1994. p. 341-342.
33. AVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos.
9. Ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 142.
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA 109
34. Sobre a definição da categoria das re g ra s e da sua distinção dos p r in c íp io s , v.: AVILA,
Humberto. T eo ria d o s p r in c íp io s : da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 16.
Ed. São Paulo: Malheiros, 2015, passim.
35. ÁVILA, Humberto. T eo ria dos p rin c íp io s: da definição à aplicação dos princípios jurídicos.
16. Ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 197.
110 ÓNUS DA PROVA NO NOVO CPC
36. ÁVILA, Humberto. T eo ria d o s p rin c íp io s: da definição à aplicação dos princípios jurídicos.
16. Ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 163 e ss. Os grifos não constam do original.
37. ÁVILA, Humberto. T e o ria d o s p rin c íp io s: da definição à aplicação dos princípios jurídicos.
16. Ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 176.
38. ÁVILA, Humberto. T e o ria d o s p rin c íp io s: da definição à aplicação dos princípios jurídicos.
16. Ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 177.
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA | 1 J J
39. ÁVILA, Humberto. T eo ria d o s p rin c íp io s : da definição à apbcação dos princípios jurídicos.
16. Ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 196.
40. STJ, REsp 1286704/SP, Rei. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado e m
22.10.2013, DJe 28.10.2013. Os grifos não constam do original.
41. REsp 619.148/MG, Rei. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado e m
20.05.2010, DJe 01.06.2010.
112 ÕNUS DA PROVA NO NOVO CPC
42. ÁVÍLA, Humberto. Teo ria d o s p rin c íp io s: da definição à aplicação dos princípios jurídicos.
16. Ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 196.
43. ÁVILA, Humberto. T eo ria d o s p rin c íp io s: da definição à aplicação dos princípios jurídicos.
16. Ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 197.
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA 113
44 .Em sentido contrário, de que a dinamização não contribui para o aumento da comple-
tude do material probatório, ver: RAMOS, Vítor de Paula. Ônus da prova no processo
civil: do ónus ao dever de provar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p, 85-91.
45. CARPES, Artur. Ônus dinâmico da prova. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.
p. 8 6 . No mesmo sentido: ABREU, Rafael S ir a n g e lo de. Ig u a ld a d e e P rocesso: posições
processuais equilibradas e unidade do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2015.
p. 215.
114 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
Conforme já referido supra (item 2.2), a incidência das regras ordinárias sobre
o ônus da prova não implica necessariamente na sua aplicação. As peculiaridades
do caso concreto podem determinar sua inaplicabilidade. Mesmo no sistema nor
46. MITID1ERO, Daniel. C o la b o r a ç ã o n o p ro c e sso civil. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribu
nais, 2015. p. 137.
47. Sobre o assunto, ver ainda: CARPES, Artur Thotnpsen. Carga de la prueba dinâmica y
el postulado de la razonabilidad. In: CAVANI, Renzo; RAMOS, Vitor de Paula (Coord.).
P ru e b a y p ro c e so ju d ic ia l. Uma: Instituto Pacífico, 2015. p. 349-362; e CARPES, Artur
Thotnpsen. Notas sobre a interpretação do texto e aplicação sobre ônus (dinâmico) da
prova no Novo Código de Processo Civil. In: JOB1M, Marco Félix; FERREIRA, William
Santos. D ir e ito P ro b a tó rio . 1 . ed. Salvador: jusPodivm, 2016. p. 197-209.
48. Nesse sentido, ou seja, de que “Não era compatível com o ordenamento vigente [o do
CPC/731a alteração dos Ônus probatórios em situações diversas das previstas (autoriza
das) em lei", AMARAL, Paulo Ostamack. Provas: a tipicidade, liberdade e in s tr u m e n ta lid a d e .
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 54.
49. A célebre expressão é de PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. T ra ta d o d a a çã o
re scisó ria d a s sentenças e d e o u tr a s d ecisõ es. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 266.
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA 115
50. Nesse sentido referimos em CARPES, Artur; Ônus dinâmico da prova. Porto Alegre.
Livraria do Advogado, 2010, passim.
116 O NUS DA PROVA NO NOVO CPC
n o texto da lei, o termo dinamização parece mais adequado para denominar o fenô
m eno p or m elhor expressar tal sorte de excepcional fluidez do regime do ônus da
prova à luz das peculiaridades concretas do caso (v. infra, Parte II, Capítulo 3). Não
existe, com efeito, qualquer distinção ontológica entre o fenômeno denominado
“inversão” e aquele denominado “dinamização”.
No CPC, a dinamização do ônus da prova encontra-se prevista nos parágrafos
I o e 2° do art. 373. Trata-se de notável inovação legislativa. Extrai-se do texto que,
(...) Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da
causa, relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade
de cum prir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade
de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir
o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão
fundamentada,
54. SILVA, Paula Costa e; REIS, Nuno Trigo dos. A prova difícil: da p r o b a tio le v io r à inversão
do ônus da prova. R e v is ta d e P rocesso, n. 222, ago. 2013. p. 154.
55. SILVA, Paula Costa; REIS, Nuno Trigo dos. A,prova difícil: da p r o b a tio le v io r à inversão
do ônus da prova. Revista d e P rocesso, n. 222, ago. 2013. p. 157.
120 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
56. Sobre os conceitos de prova o b je tiv a /s u b je tiv a m e h te difícil e a sua utilização como cri
tério distintivo para a aplicação da técnica da dinamização e da redução do módulo de
prova, v.: SILVA, Paula Costa; REIS, Nuno Trigo dos. A prova difícil: da p r o b a tio le v io r
à inversão do ônus da prova. R e v is ta d e P rocesso, n. 222, ago. 2013. p. 154-155.
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA 121
buscada - prova do dano sofrido pelo autor - a comparação entre as partes revela a
igualdade entre ambas. Dessa forma, não se encontra presente, na hipótese, qualquer
fragilização ao direito fundamental à igualdade. Não há falar, por conseguinte, na
dinamização do ônus da prova. Embora seja certo que o ônus é dinâmico, neste caso
deve ser aplicada a regra geral de distribuição (art. 373,1, CPC): a dinamização,
acaso determinada, significaria hipótese de probatio diabólica reversa e, portanto,
implicaria não promoção, mas na violação do princípio da igualdade (art. 5o, caput,
CRFB; art. 7o, CPC). O § 2°, do art. 373, CPC, aliás, sublinha semelhante solução
para o problema. Ao dispor que a dinamização “não pode gerar situação em que a
desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil”,
o que significa, justamente, a vedação da probatio diabólica reversa5758.
O fenômeno da probatio diabólica reversa decorre da aplicação indevidá da
técnica da dinamização. Em outras palavras: quando a transferência do ônus da
prova acarreta semelhánte dificuldade probatória para a parte contrária. Como se
disse, a aplicação da dinamização pressupõe que as partes estejam em desigualdade
na produção da prova: quando se dinamiza o ônus “é preciso supor que aquele que
vai assumi-lo terá a possibilidade de cumpri-lo", pena de a dinamização “significar
a imposição de uma perda, e não apenas a transferência de um ônus M.
Conforme referido, eventual existência de desigualdade nos esforços de
prova também não é suficiente, de modo isolado, para determinar a, dinamização
do ônus probatório. Ainda que ao desonerado seja mais fácil o esclarecimento de
determinado enunciado fático, se o onerado não possui excessiva dificuldade ou
impossibilidade de prová-lo não há falar na dinamização do ônus da prova. Se
eventual diferença existente entre as partes não é relevante no que diz respeito ao
57. A melhor solução para a hipótese passa pela aplicaçao da técnica da “redução do módulo
de prova", o que implica outorgar maior valor à prova indiciaria produzida. Significa, por
outras palavras, aplicar o módulo da cognição sumária aos casos de ampla dificuldade
probatória, a exemplo do que se justifica fazer nos juízos liminares, os quais também
são caracterizados normalmenie pela restrição no contexto da prova: A técnica da re
dução do módulo de proví não se confunde com a técnica da dinamização: a aplicação
da primeira tem por requisito a prova o b je tiv a m e n te difícil; já a segunda depende da
constatação da prova s u b je tiv a m e n te difícil, ou seja, que a dificuldade probatória existe
apenas para uma das partes (v. supra, Parte l. Capítulo 7.3). Sobre o tema, v.: SILVA,
Paula Gosta; REIS, Nuno Trigo dos. A prova difícil: da p r o b a tio le v io r ã inversão do ônus
da prova. Revista d e P rocesso, n. 222, ago. 2013. p. 149-171.
58. MARINON1, Luiz Guilherme. Formação da convicção e inversão do ônus da prova se
gundo as peculiaridades do caso concreto. Revista Magister d e Direito C iv il e P rocessual
Civil. Porto Alegre, n. 8, set./out. 2005. p. 21
122 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
59. CARPES, Artur. Ônus dinâmico da prova. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.
p. 113; FERREIRA, William Santos. Das provas. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et a i
(Coord.). Breves c o m e n tá r io s a o N o v o C ó d ig o d e P rocesso C iv il. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2015. p. 1.021.
60. “A violação do direito à prova pode implicar (...) a inutilidade da ação judiciária, carac
terizando, assim, v io la ç ã o o c u lta à g a r a n tia d e a c e sso ú til à j u s t i ç a ”. (KNIJNIK, Danilo.
A p ro v a n o s j u í z o s cív e l, tr ib u tá r io e p e n a l. Riò de Janeiro: Forense, 2007. p. 173). No
mesmo sentido: BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Garantia da amplitude de produção
probatória. G a r a n tia s c o n s titu c io n a is d o p ro c esso c iv il São Paulo, Revista dos Tribunais,
1999. p. 153. No sentido de que o problema do ônus da prova revela-se vinculado com
o direito fundamental de acesso à justiça, v.: ALVIM, Tereza Arruda. Reflexões sobre o
Ônus da prova. R e v is ta d e P ro cesso , n. 76, out.-dez. 1994. p. 141-145.
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA 123
66. Contra, conforme já asseveramos, navega a doutrina de Rosenberg, para quem “em
nenhum caso a dificuldade e inclusive a impossibilidade de subministrar a prova deve
levar a uma modificação do nosso princípio a respeito do ônus da prova. Pois, um fato
negativo apenas deve ser provado quando a lei vincula à ele um efeito jurídico" (RO
SENBERG, Leo, h a c a rg a d e la p ru e b a . Trad. Ernesto Krotoschin. Buenos Aires: Ejea,
1956. p. 296-297).
67. Art. 116. II giudice deve valutare le prove secondo íl suo prudente apprezzamento, salvo
che la legge disponga altrimenti.
II giudice puo’ desumere argomenri di prova dalle risposte che le parti gli danno a norma
dellarticolo seguente, dal loro rifiuto ingiustificato a consentire le ispezioni che egli ha
ordinate e, in generale, dal contegno delle parti stesse nel processo.
126 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
respostas das partes em sede de interrogatório não formal68 e a sua não justificada
negação em consentir com inspeções em geral69.
Na dou trina italiana são delineadas algumas tendências interpretativas quanto
à diferença entre prova e argumento de prova. Afirma-se, por exemplo, que os argu
mentos de prova não são suficientes para, isoladamente, determinar a convicção
sobre a veracidade ou falsidade de determinado enunciado de fato. O juiz pode, no
entanto, servir-se de exame quanto ao comportamento das partes para valorar as
provas70. A inclinação, como se observa, ocorre no sentido de outorgar aos argu
mentos de prova caráter subsidiário, cuja função é auxiliar tão somente na etapa
de valoração da prova. A doutrina é crítica quanto à hipótese de reconhecer valor
probatório autossuficiente ao comportamento processual das partes.71
Em Portugal, o art. 344° do Código Civil determina a inversão do ônus da
' prova “quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova
ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente
aplicar à desobediência ou às falsas declarações”. Embora o direito português de
termine que a transferência do encargo probatório ocorra como sorte de sanção ao
dever de cooperação no plano do direito material72, deixa transparecer ceito valor
68 . Art. 117. Il giudice, in qualunque stato e grado del processo, ha facolta’ di ordinäre la
comparizione personale delle parti in contraddittorio tra loro per interrogarle liberamente
sui fatti della causa. Le parti possono farsi assistere dai difensori.
69. Art. 118. II giudice puo’ ordinäre alle parti e ai terzi di consentire sulla loro persona o
suile cose in loro possesso le ispezioni che appaiano indispensabili per conoseere i fatti
della causa, purche’ cio’ possa compiersi senza grave danno per la parte o per il terzo,
e senza costringerli a violare uno dei segreti previsti negli articoli 351 e 352 del codice
di procedura penale. Se la parte rifiuta di eseguire taie ordine senza giusto motivo, il
giudice puo’ da questo rifiuto desumere argomenti di prova a norma delParticolo 116,
secondo comma. Se rifiuta il terzo, il giudice lo condánna a una pena pecuniaria non
superiore a lire ottomila.
70. VERDE, Giovanni. Prova: b) teoria generale e diritto processuale civile. E n c ic lo p é d ia del
D ir itto . Milano: Giuffrè, 1987. v. XXXVII. p. 602.
71. VERDE, Giovanni. Prova: b) teoria generale e diritto processuale civile. E n c ic lo p é d ia d el
D iritto . Milano: Giuffrè, 1987. v. XXXVII. p. 602.
72. O Tribunal da Relação de Coimbra, por exemplo, na Apelação 1952/2001, julgada em
04.12.2001 e relatada por Araújo Ferreira, atestou categoricamente que “A inversão
do ônus da prova, por violação do dever de cooperação à descoberta da verdade a que
estão vinculadas as partes, há de aferir-se da economia conjunta dos arts. 344°, n. 2 do
C.Civil e 519° n. 2 do C.P.C., por tal forma que se demonstre uma determinada ação
ou omissão, culposa intencional, conexionante, numa relação de causa-efeito, com a
criação de condições da impossibilidade da contra-parte em fazer a respectiva prova;
r
O ÔNUS DINÂMICO
probatório a ser outorgado ao comportamento da parte. Isso porque norm alm ente a
parte que destrói intencionalmente a prova o faz porque esta não pode prejudicá-la.
Com base em tal máxima de experiência, o legislador português fixou uma sorte d e
presunção em tom o do enunciado fático que seria obj eto de esclarecimento através
da prova obstaculizada, o que gera a aplicação da dinamização do ônus da prova.
No Brasil a questão ganhou interessantes contornos nos últimos anos, n o
especial em face das ações de investigação de paternidade, principalm ente e m
decorrência dos desenvolvimentos tecnológicos em tom o do exame de DNA, q u e
constitui relevante subsidio probatório. O exame de DNA é capaz de proporcionar
demonstração tão aproximada da verdade como raros meios de prova seriam capazes,
razão pela qual, especialmente nas demandas em que tal perícia se revela o principal
meio de prova, doutrina e jurisprudência vêm admitindo inclusive a relativização
da coisa julgada73. A alta fidedignidade dos resultados da prova colhida do exam e
de DNA pode gerar reflexos no comportamento das partes, principalmente daquela
que deve oferecer o material genético necessário para a realização do exame. Sem
embargo das considerações de natureza material, relativas ao direito fundam ental
à dignidade da pessoa humana, da preservação da intimidade, da intangibilidade
do corpo, uma vez admitida e deferida a prova, a negativa da parte em se subm eter
ao exame é comportamento que, evidentemente, inviabiliza a produção da prova.
A redação do art. 232, CCB, dispõe que “A recusa à perícia médica ordenada
pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia pelo exame”. Ao cabo de tal p r e
visão legislativa, o verbete sumular 301, do Superior Tribunal de Justiça, editado
em 22 de novembro de 2004, estabelece que “Em ação investigatória, a recu sa
do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção júris tantum d e
74. STJ, REsp 557.365/RO, rei. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 07.04.2005,
DJ 03.10.2005. p. 242.
75. STJ, AgRg no Ag 498.398/MG, rei. Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma,
julgado em 16.09.2003, DJ 10.11.2003. p. 188. Grifamos.
76. REsp 55.958/RS, rei. Bueno De Souza, Quarta Turma, julgado em 06.04.1999, DJ
14.06.1999. p. 192. Grifamos.
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA 129
isso frustrar a prova, a par de não se revelar suficiente para determinar a procedência
do pedido, supera a força probatória de mero argumento de prova. Embora deixe de
considerar a conduta do investigado prova cabal da paternidade, entendendo que
esta faz prescindir outras provas, o Superior Tribunal dejustiça estabelece autêntica
presunçãojudicial77em torno da veracidade do enunciado de fato, o que determina,
por conseguinte, a dinamização do ônus da prova. Em outras palavras: no caso
de negativa de submissão ao exame pericial, abre-se a porta para a formulação de
presunção judicial que, por sua vez, acarreta a transferência do ônus probatório à
parte investigada78.
O raciocínio do intérprete, conforme dito, possui por fundamento a seguin
te máxima de experiência: normalmente aquele que se nega a produzir a prova
assim o faz porque tem consciência de que o seu resultado será contrário aos seus
interesses79. Semelhante máxima de experiência por certo pautou a redação do art.
232, CCB. A interpretação do Superior Tribunal dejustiça acerca do dispositivo
implica considerar a recusa mais do que um mero argumento de prova. A negativa
em se submeter ao exame deflagra o processo de formação de presunção relativa
de veracidade do enunciado fático que se buscava esclarecer com o exame e não
raro é decisivo em sua conclusão. Não bastará, todavia, a negativa do investigado
como único indício apto à formação da presunção: no caso da investigação de
parentalidade, outros indícios também deverão ser objeto de prova, tais como o
77. Nesse mesmo sentido, de que o dispositivo permite a construção de presunção judicial,
GÓES, Gisele Santos Fernandes. O art. 232 do CC e a Súmula 301 do STj - Presunção
Legal ou Judicial ou Ficção Legal? Iru DIDIERJÚNIOR, Fredie; MAZZE1, Rodrigo (Org.).
Reflexos do novo Código Civil no direito processual. Salvador: JusPodivm, 2007. p. 314.
A processUalista inclusive advoga a revogação da Súmula n. 301 do STJ, na medida em
que esta, equivocadamente, eleva a negativa ao exame ã condição de presunção legal
de paternidade.
78. Essa, aliás, já era a tese advogada por Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart
muito antes do advento do Novo Código Civil Brasileiro CMARINONl, Luiz Guilherme;
ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2000. v. 5. L 1. p. 207). No mesmo sentido: OTEIZA, Eduardo. La carga
de la prueba: los critérios de valoración y los fundamentos de la decisiõn sobre quién
está en mejores condiciones de probar. In: OTEIZA, Eduardo (coord.). La prueba en
proceso judicial. Santa Fé; Rubinzal-Culzoni, 2009. p. 193-207.
79. Eis a máxima de experiência presente em precedente do STj, “a recusa do investigado
em submeter-se ao exame de DNA constitui prova desfavorável ao réu. pela presunção
que induz de que o resultado, se realizado fosse o leste, seria positivo em relação aos
Tatos narrados na inicial, já que temido pelo alegado pai” {REsp 409.285/PR, rei. Aldir
Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 07.05.2002, DJ 26.08.2002. p. 241).
•J
80. “Todavia, tal presunção não é absoluta, de modo que incorreto o despacho monocrático
ao exceder seu alcance, afirmando que a negativa levaria o juízo de logo a presumir como
verdadeiros os fatos, já que não há cega vinculação ao resultado do exame de DNA ou
à sua recusa, que devem ser apreciados em conjunto com o contexto probatório global
dos autos” (REsp 409.285/PR, rei. Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em
07.05.2002, Dj 26.08.2002. p. 241).
81. Em sentido contrario: CAMBI, Eduardo. Teoria das cargas probatórias dinâmicas
(distribuição dinâmica do ônus da prova) - Exegese do art. 373, §§ 1° e 2° do NCPC.
R e v is ta d e P rocesso, n. 246, ago. 2015. p. 89; para quem “só se poderia falar em inversão
caso o ônus fosse estabelecido prévia e abstratadamente”. Também observam diferença:
LOURENÇO, Haroldo. T e o ria d in â m ic a d o ônus d a p r o v a . Rio dejaneiro: Forense, 2015.
p. 98-99; e ARDITO, Gianvito. O ônus da prova no novo Código de Processo Civil. In:
JOBIM, Marco Félix; FERREIRA, William Santos (Coord.). D ire ito P ro b a tó rio . Salvador:
JusPodivm, 2016.
O ONUS DINÂMICO DA PROVA | 13T
uma parte à outra, nada ressalvando quanto aos enunciados de fato cujo encargo
de prova é, de fato, transferido82. O thema probandum pode ser composto de in ú
meros enunciados fáticos, mas não são todos que encerram hipótese de excessiva
dificuldade ou mesmo impossibilidade probatória. Nem todos, do mesmo m odo,
remetem à desigualdade nos esforços probatórios. O que se quer dizer, por o u tras
palavras, é que a modificação na distribuição do ônus da prova depende da consta
tação quanto aos critérios para a dinamização - desigualdade nos esforços de prova
e fragilização do direito à máxima efetividade probatória - no que diz respeito a
cada um dos enunciados fáticos cuja prova depende de obtenção.
Isso significa que haverá alegações fáticas sobre as quais não paira qualquer
violação à igualdade ou fragilização do direito à prova. Dessa forma, no que d iz
respeito à prova de tais enunciados não será possível modificar a distribuição d o
ônus probatório.
O termo “inversão” supõe a transferência integral do ônus da prova de u m a
parte à outra; a menos que haja a particularização, na decisão judicial, dq en u n
ciado de fato cujo ônus foi objeto de “inversão” 83. Trata-se, no entanto, de prática
bastante incom um em nossa prática jurídica. É raro, com efeito, que os ju ízes,
quando “invertem” o ônus da prova, especifiquem quais os enunciados fáticos q u e
restam atingidos pela modificação determinada.
A proposta em tom o do termo dinamização é mais adequada, porque se opõe ã
distribuição estática e não toma presumível o modo pelo qual restará estabelecida
a distribuição do ônus da prova. A expressão ônus dinâmico da prova informa a
compreensão de que a distribuição seráfluída, tendo em conta o postulado da razo-
abilidade. Por outras palavras: a distribuição do ônus da prova é dinâmica, p o rq u e
depende do caso concreto e é assim determinada pelo critério geral estabelecido
no caput e pelos critérios fixados nos parágrafos I o e 2° do art. 373, CPC. Falar e m
dinamização significa falar em flexibilização do esquema estático para perm itir a
transferência do ônus da prova relativamente apenas a algum ou alguns enuncia
82. Para uma crítica similar, mas não idêntica, ao termo inversão,.consulte-se: ARENHART,
Sérgio Cruz. Ônus da prova e sua modificação no processo civil brasileiro. R e v i s t a j u r í -
d ica , n. 34, mai, 2006. p. 32.
83. No mesmo sentido, BARBERIO, Sérgio José. Cargas probatórias dinâmicas: íQué deve
probar el que no puede probar? In: PEYRANO, Jorge; WHITE, Inés Lépori (Org.). C a r g a s
p r o b a tó r ia s d in â m ic a s . Buenos Aires: Rubinzal Culzoni, 2004. p. 102,
132 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
84. Em sentido contrário, de que “as técnicas [inversão e dinamização] não pode ser
confundidas]”, mas partindo da premissa de que “A atribuição do ônus dinâmico da
prova, se admitida, deve ser compreendida como uma regra geral aplicável em todas as
hipóteses”, v.: MACHADO, Marcelo Pacheco. Ônus estático, ônus dinâmico e inversão
do ônus da prova: análise crítica do Projeto do novo Código de Processo Civil. R e v is ta
d e P ro c e sso , n. 208, jun. 2012. p. 304-305.
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA 133
de que as regras adscritas aos arts. 1285 e 148687do Código de Defesa do Consumidor
constituem hipótese de inversão (rectius: dinamização) do ônus da prova.
Tal constatação, no entanto, caracteriza compreensão equivocada do pro
blema.
A responsabilidade civil, de modo geral, tem como pressupostos a existência
do dano, a culpa do agente e o nexo de causalidade entre a conduta do agente e o
evento danoso. Dessa noção avultam duas espécies de responsabilidade: a subjetiva
e a objetiva. Nessa última modalidade —a responsabilidade civil objetiva - torna-
-se desnecessária a alegação e a correspondente prova, pelo autor, do enunciado
da culpa. Por outras palavras: no caso da responsabilidade civil objetiva, a culpa
fica alheia ao contexto do objeto litigioso e, portanto, sequer constitui objeto de
alegação e prova no processo. A culpa apenas ingressará no objeto litigioso caso o
fornecedor alegue “culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro”, na esteira do
que dispõem os parágrafos 3o do art. 1267e o inciso II do parágrafo 3o do art. 1488.
Nesse caso, a alegação de culpa exclusiva do consumidor pelo fornecedor consis
tirá em fato impeditivo ou modihcativo do direito à indenização, ou seja, estará
inserida no contexto da defesa indireta de mérito.
Seja como for, nos casos que envolve a responsabilidade civil objetiva o autor
não tem o ônus de alegar e, por consequência lógica; de provar a culpa do réu; ao
réu, no entanto, faculta-se o exercício de defesa indireta de mérito mediante a ale
gação de culpa exclusiva do autor. Diante desse quadro, que toma desnecessário
ao autor alegar e demonstrar a existência da culpa, costuma-se confundir a figura
da responsabilidade civil objetiva com a inversão dos ônus probatórios, como se
o ônus da prova da culpa ficasse “invertido”.
89. No mesmo sentido, Voltaire de Lima Moraes, quando afirma que “a questão referente à
responsabilidade civil objetiva ou subjetiva diz respeito a tema disciplinado em sede de
direito substancial, enquanto a inversão do ônus da prova diz com tema afeto ao direito
processual”. Anotações sobre o ônus da prova no Código de Processo Civil e no Código
de Defesa do Consumidor. R e v is ta d e D ire ito d o C o n s u m id o r , n. 31, jul.-set. 1999. p. 68 .
90. Contra, entendendo que “revela-se redundante e desnecessário inverter-se o ônus da
prova no sistema da responsabilidade objetiva”, KFOURI NETO, Miguel. C u lp a m é d ic a
e ô n u s d a p ro v a . São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 150.
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA 135
exclui o ônus de dem onstrar o nexo causal entre este e o dano, ou seja, de que o
dano decorreu do defeito do produto ou do serviço.
ma Câmara Cível, Apelação Cível 70067703488, rei. Jorge Alberto Schreiner Pestana,
julgado em 31.03.2016).
94. STJ, AgRg no AREsp 183.202/SP, rei. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma,
julgado em 10.11.2015, DJe 13.11.2015
95. STJ, REsp 769.753/SC, rei. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 08.09.2009,
DJe 10.06.2011.
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA 137
mandas? Desde que seja constatada a concreta presença dos requisitos (art. 373,
§§ I o e 2o, CPC), a resposta só pode ser positiva96.
No que concerne especificamente à distribuição do ônus da prova, aos proces
sos coletivos fundados na tutela do meio ambiente aplica-se a regra de distribuição
ordinária adscrita do art. 373, incisos I e II, CPC97. As conhecidas dificuldades que
giram em tom o da demonstração da causalidade, mormente nas demandas que
envolvem a tutela do meio ambiente, tornam tais demandas, no entanto, campo
fértil para a aplicação da dinamização do ônus prova98. Os eventos “causa” e “efeito”
são constituídos por dois ou mais fatos, de modo que tanto a causa pode ser com
posta de um ou mais eventos quanto o efeito pode ser composto de uma ou mais
consequências dessa causa. A relação que se estabelece entre estes dois fenômenos—
denominada nexo causal, nexo de causalidade ou nexo etiológico —pôde consistir
96. Há doutrina que defenda que "os princípios prudenciais da prevenção e precaução"
determinam “liminarmente uma atuação judiciai preventiva, que inviabiliza a aplicação
da regulação clássica da distribuição dos ônus probatórios” (DIAS, Jeân Carlos. As
cadeias prometéicas: ainda o ônus da prova nas ações ambientais. R e v ista ,d e , P rocesso,
n. 153, nov. 2007. p. 133-144). De acordo com tal perspectiva, tais princípios “deter
minam a exclusão da causalidade”, ou seja, mesmo que a parte iião tenha se liberado
de seus “ônus processuais, o juízo deve decidir de modo a evitar que o dano ambiental
ocorra", de modo que “Pouco importa (...) a performance probatória da parte que
requer do juízo a proteção do meio ambiente", pois “a existência e aplicabilidade dos
princípios prudenciais vão determinar sempre uma decisão protetiva". Tais princípios,
todavia, embora tenham aplicabilidade nas demandas fundadas na tutela inibitória ou
compensatória do meio ambiente, não exercem influência no procedimento probatório,
no que se inclui a distribuição do ônus da prova. A proposta talvez encontrasse melhor
esteio argumentativo na hipótese de interpretação constitucional da responsabilidade
civil, mediante a realização de um diálogo dê fontes, o que podería, em tese, oferecer
solução em termos de “flexibilização’' do nexo de causalidade. Note-se bem o ponto:
flexibilizar o nexo de causalidade, isto é, no que diz respeito à função que o fenômeno
desempenha na fattispecie abstrata da norma de direito material. Tratar-se-ia, nesse caso,
de problema que se insere no plano ligado ã aplicação das regras, princípios e postulados
normativos. Melhor ainda seria, todavia, se o tema fosse tratado como um problema
de lege ferenda, ou seja, de formulação de novas bases legislativas para o problema do
nexo de causalidade na responsabilidade civil, tendo em conta não apenas a notória
dificuldade de sua demonstração em muitos casos, mas a necessidade de dar adequada
compensação ao meio ambiente.
97. RUCH, Erica, Distribuição do ônus da prova nas ações coletivas ambientais. Revista de
P rocesso, n. 168, fev. 2009. p. 367. Sobre o tema, ver também: GRECO, Leonardo. As
provas no direito ambiental. Revista d e P rocesso, n. 128, out. 2005.
98. Sobre o tema, ver: CARPES, Artur Thompsen. A p r o v a d o n e x o d e c a u s a lid a d e n a respon
s a b ilid a d e civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
138 ÓNUS DA PROVA NO NOVO CPC
99. TARUFFO, Michele. La prova dei nesso causale. Rivísta critica del diritto privato. Napoli:
Jovene, 2006. n. 1. Ano XXIV. p. 113.
100. ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações esuas consequências. Rio de janeiro:
Editora Jurídica e Universitária, 1965. p. 326; SERPA LOPES, Miguel María de. Curso
de direito civil. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2. ed, 1962. v. V p. 231; CRUZ, Gisela
Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Renovar,
2005. p. 12. OLIVEIRA, Ana Ferestrelo de. Causalidade e imputação na responsabilidade
civil ambiental. Coimbra: Almedina, 2007. p. 14.
101. Conforme, por todos, Ana Perestelo de Oliveira, "A demonstração da causalidade,
dentro ou fora da responsabilidade ambiental, apresenta, pois, dificuldades acrescidas".
(OLIVEIRA, Ana Perestelo de. Causalidade e imputação na responsabilidade civil ambiental.
Coimbra: Almedina, 2007. p. 84).
102. CRUZ. Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. Rio
de Janeiro: Renovar, 2005. p. 262.
103. BENJAMIN, Antônio Herman V. Responsabilidade civil pelo dano ambiental. Revista
de Direito Ambiental, São Paulo, n. 9, 1998. p. 44.
104. CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. Rio
de Janeiro: Renovar, 2005. p. 28.
105. CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. Rio
de Janeiro: Renovar, 2005. p. 29.
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA 139
não é possível definir, dentre os diversos participantes em certo grupo, qual d eles
efetivamente causou o dano: embora seja sabido que o agente que causou o d a n o
faz parte do grupo, mas não se faz possível identificá-lo106.
Quanto ao dano ambiental, esse “caracteriza-se por seu caráter difuso” e p e la
sua “autonomia em relação aos danos impostos aos diversos elementos que integram
o meio ambiente (ar, água, solo, vegetação)”, gerando efeitos “complexos” e q u e
“variam de intensidade e imediatez”107. Por tais razões, o dano ao meio am biente
pode apresentar-se como enunciado excessivamente difícil de ser provado em ju íz o .
Vale imaginar a constatação quanto ao grau de sua intensidade do dano ao m eio
ambiente, aspecto decisivo no que diz respeito à mensuração da compensação a
ser determinada pelo órgão judicial.
Em síntese, as demandas ambientais,
tendo em vista respeitarem bem público de titularidade d ifu sa,
cujo direito ao meio am biente ecologicamente equilibrado é d e
natureza indisponível, com incidência de responsabilidade c iv il
integral objetiva, implicam um a atuação jurisdicional de ex trem a
complexidade108.
106. CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. R io
de Janeiro: Renovar, 2005. p. 31.
107. MARCHESAN, Ana Maria Moreira; STEIGLEDER, Annelise. Fundamentos jurídicos
para a inversão do ônus da prova nas ações civis públicas por danos ambientais. Revista
da Ajuris, n. 90. Porto Alegre: Ajuris, jun. 2003. p. 14.
108. STJ, AgRg no REsp 1412664/SP, rei. Raul A raújo, Q uarta Turma, julg ad o e m
11.02.2014, DJe 11.03.2014.
109. CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. R io
de Janeiro: Renovar, 2005. p. 262. Ho mesmo sentido, Ana Maria Moreira M archesan
e Annelise Steigleder, inclusive estabelecendo interessante conexão entre os princípios
140 ÓNUS DA PROVA NO NOVO CPC
dano não se pode explicar, segundo a experiência comum, senão por uma falta médica”.
Na Espanha também os tribunais se baseiam nas máximas de experiência comum para
trabalhar a presunção de culpa do profissional: segundo o Tribunal Supremo, a culpa
pode ser demonstrada através de prova p r im a fa c ie quando o dano não se pode explicar
segundo a experiência comum e não sc aportem provas contrárias oportunas. Nos paises
do Common Law, a jurisprudência trabalha princi palmente a técnica da res ipsa loquitur
(“as coisas falam por si mesmas”), hipóteses para as quais a qualificação de imprudência
ê tão simples que não requer maior exame, como, por exemplo, o esquecimento de um
bisturi dentro do abdômen do paciente. (VAZQUEZ, Roberto A. La prueba de la culpa
y la relación causal en la responsabilídad civil medica. Revista Jurídica d e la F a cu lta d de
D e rech o y C iê n c ia s Soriaies dei R o sá rio d e la P o n tifíc ia U n iv e r s id a d Católica A r g e n tin a -
Procedimiento Probatorio, [s.d,]. p. 300-304).
113. Nesse sentido, “Consoante a jurisprudência consolidada no âmbito do Superior
Tribunal de Justiça, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos serviços médi
cos, inclusive o prazo prescricional previsto no artigo 27 da Lei 8.078/1990" (AgRg no
AREsp 785.171/SP, rei. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 19.11.2015, DJe
24.11.2015).
114. Assim, “É possível a inversão do ônus da prova (arL 6 °, VIII, do CDC), ainda que se
trate de responsabilidade subjetiva de médico, cabendo ao profissional a demonstração de
que procedeu com atenção às orientações técnicas devidas” (AgRg no AREsp 25.838/PR,
rei. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 20.11.2012. DJe 26.11.2012).
115. “As Turmas de Direito Público que integTam esta Corte já se manifestaram no sen
tido de inexiste qualquer tipo de remuneração direta no serviço de saúde prestado por
hospital público, posto que seu custeio ocorre por meio de receitas tributárias, de modo
que não há falar em relação consumerista ou apücaçáo das regras do Código de Defesa
do Consumidor à hipótese” (STJ, AgRg no REsp 1471694/MG, rei. Mauro Campbell
Marques, Segunda Turma, julgado em 25.11.2014, DJe 02.12.2014).
116 Mesmo nos casos submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade
do profissional liberal é de natureza subjetiva, segundo previsão conrida no § 4° do art.
14,o que pressupõe a necessidade de provar a culpa. Todavia, os tribunais brasileiros,
de um modo geral, têm estabelecido diferenças entre os serviços médicos que consti
tuem “obrigações de meio” e aqueles que consdtuem “obrigações de resultado”, a fim
de estipular que nestes últimos a responsabilidade é de natureza objetiva, prescindindo,
portanto, da demonstração da culpa. Assim, há muito já fixou o STJ a r a tio d ecid en d i no
sentido de que, “contratada a realização da cirurgia estética embelezadora. o cirurgião
assume obrigação de resultado (Responsabilidade contratual ou objetiva), devendo
indenizar pelo não cumprimento da mesma, decorrente de eventual deformidade ou
142 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
117. TJRS, Apelação Cível 597083534, Primeira Câmara Cível, rei. Armínio José A b reu
Lima da Rosa, julgado em 03.12.1997.
118. O duty of disclosure, previsto na Rule 26 das Federal Rules of Civil Procedure, constitui
uma das normas fundamentais que regulam o processo civil estadunidense, impondo às
partes o dever preliminar de comunicar às outras todas as informações relativas às provas
que possui. Sobre o tema, ver: FOLLE, Francis Perondi. A prova sem urgência no direito
norte-americano: um exame do instituto da Discovery. Revista de Processo, n. 204, fev.
2012. p. 131-152. Para um exame comparativo entre o direito probatório estadunidense e
o brasileiro, ver: PAULAJUNIOR, Aloysio Libano de. A Experiência Probatória no Direito
Americano e no Brasileiro. Dissertação (Mestrado em Direito Processual) - Faculdade d e
Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008. Para um exam e
sobre algumas características particulares do procedimento probatório estadunidense,
ver IMWINKELRIED, Edward J. Evidentiary foundations. New Provence: LexisNexis,
2012. Para uma crítica ao modelo probatório estadunidense, ver: TWINING, W illiam.
Rethinking evidence: exploratory essays. Evanston: Northwestern University Press, 1994;
e VERNEK, Remme. Fact-finding in civil litigation. Antwerp: Intersentia, 2010. p. 279-
-300.
144 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
d o s ônus119. Assim, toma-se mais idôneo no que diz respeito à formação do juízo
d e fato onerar o médico da prova de que atuou com prudência, perícia e diligência,
d o que deixar ao autor da demanda tal encargo. Em determinados casos, é mais
fácil ao médico demonstrar que agiu diligentemente, que tomou todas as cautelas
adequadas à solução do caso concreto, do que manter a distribuição determinada
p elo critério padrão.
A dinamização, vale sublinhar, não fica restrita ao ônus da prova do enun
ciado da culpa. O enunciado do nexo de causalidade e até mesmo do dano podem
tam bém ser objeto da transferência do ônus da prova, desde que fique constatada
e devidamente fundamentada a aplicação dos princípios da igualdade e da máxi
m a efetividade probatória no caso, mediante a utilização do postulado normativo
aplicativo da razoabilidade (v. supra, item 2.2)120.
Nó que diz respeito às demais hipóteses de responsabilidade civil profissio
n a l, como sucede com a do advogado e a do engenheiro, por exemplo, também
é p o r óbvio admissível a dinamização do ônus da prova. Presentes os requisitos
(art. 373, §§ I o e 2°, CPC), a dinamização do ônus da prova tem cabimento em
qualquer demanda.
119. Sobre a relação dos ônus probatórios com o modelo da colaboração adotado pelo
processo civil brasileiro, v.: MITIDIERO, Daniel. C o la b o r a ç ã o n o p r o c e s s o c iv il. São
Paulo: Revista dos Tribunais. 3. ed., 2015. p. 132-143; MITIDIERO, Daniel. Processo
justo, colaboração e ônus da prova. R e v is ta d o TST, Brasília, n. 1, jan.-mar. 2012. v. 78.
p. 67-77.
120. Sobre o ônus da prova nas ações indenizatórias do empregado em face do empregador,
no sentido de que se outorga ao autor, como regra, o ônus de provar o dano, o nexo
de causalidade e a culpa, ver: AMORIM, José Roberto Neves. Indenização acidentaria
fundada no direito comum: a prova e o ônus de produzi-la. R e v is ta d e P rocesso, n. 136,
jun. 2006. p. 104-110.
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA 145
constitui exemplo disso - art. 356, CCP/15), seja essa de direito processual, como
aquela que diz respeito à concessão da gratuidade judiciária.
A gratuidade j udiciária constitui expressão do direito fundamental de amplo e
irrestrito acesso àjurisdição. Se “alei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário
lesão ou ameaça a direito” (art. 5o, XXXY CRFB), não é a exigibilidade do pagámen-
to das despesas processuais que irá impedir ou mesmo prejudicar o exercício do
direito de acesso àjurisdição. Caso a parte não disponha de recursos para efetuar
o pagamento das despesas processuais, incluídas aí taxas e custas judiciais, selos
postais, despesas com publicação na imprensa oficial, despesas com a realização
de exame de código genético - DNA e de outros exames considerados essenciais,
Honorários do advogado e do perito e a remuneração do intérprete ou do tradu
tor, preparo recursal, além dos emolumentos devidos a notários ou registradores
em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial
necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial
no qual o benefício tenha sido concedido, terá direito à gratuidade judiciária. A
previsão está contida no art. 98, e respectivos parágrafos, do CPC, que também
dispõe que o benefício pode alcançar “algum ou (...) todos os atos processuais, ou
consistir na redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver
de adiantar no curso do procedimento” (§ 5o), e autoriza o juiz a conceder “par
celamento de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso
do procedimento” (§ 6o).
Ainda segundo o novo CPC, lei que veio a expressamente revogar em parle
aquilo que dispunha a Lei 1.060/50 a respeito do tema - o art. 1.072,111, CPC,
dispõe que “os arts. 2o, 3o, 4o, 6o, 7°, 11,12 e 17 da Lei 1.060, de 5 de fevereiro de
1950” foram revogados - , o requerimento de concessão da gratuidade judiciária
podé ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de
terceiro no processo ou em recurso (art. 98, CPC). Caso seja deferido o requeri
mento, a parte contrária poderá oferecer impugnação na contestação, na réplica,
nas contrarrazões de recurso ou, nos caSos dê pedido superveniente ou formulado
por terceiro, por meio de petição simples, a ser apresentada no prazo de 15 dias,
nos autos do próprio processo, sem suspensão de seu curso (art, 100, CPC).
No que diz respeito à prova das alegações fáticas formuladas pelo requerente
da gratuidade judiciária duas disposições merecem ser sublinhadas. A primeira diz
respeito à presunção legal júris tantum de veracidade da alegação dé insuficiência
de recursos quando deduzida por pessoa nattjral (art. 99, § 3o, CPC). O legislador
resolveu m anter a presunção historicamente estabelecida pela Lei 1.060/50 em seu
146 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
art. 4o, § I o, cujo texto dispunha “Presume-se pobre, até prova em contrário, quem
afirmar essa condição nos termos desta lei, sob pena de pagamento até o décuplo
das custas judiciais”. A segunda permite adscrever pelo menos duas regras, uma
vinculada ao ônus da prova e outra a um dever de colaboração ao juiz. O texto do
art. 99, § 2o, dispõe a propósito que
O ju iz som ente poderá indeferir o pedido se houver nos autos
elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a
concessão de gratuidade, devendo, antes de indeferir o pedido,
determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos
pressupostos.
121. STJ, EREsp 1044784/MG, rei. Luiz Fux, Cqrte Especial, julgado em 29.06.2010, D Je
09.05.2011.
148 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
122. TJRS, Apelação Cível 70027505239, rei. Genaro José Baroni Borges, Vigésima Pri
meira Câmara Cível, TJRS, julgado em 18.02.2009.
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA 149
124. Para Humberto Theodoro Júnior, “Hã de se convir que, de fato, seria impossível ao
credor provar que as dívidas do réu são maiores do que seu ativo. Só o próprio devedor
tem condições de demonstrar, de forma consciente e precisa, seu estado patrimonial”
(THEODORO JÚNIOR, Humberto. C o m e n tá r io s a o n o v o C ó d ig o C iv il. 2. ed. Rio de
janeiro: Forense, [s.d.]. v. 3. t. 1. p. 339).
125. Art. 611°. Incumbe ao credor a prõva do montante das dívidas, e ao devedor ou
a terceiro interessado na manutenção do acto a prova de que o obrigado possui bens
penhoráveis de igual ou maior valor.
126. “Na fraude da execução não é do credor o ônus da prova do fato negativo da insol
vência em face da alienação de bens após o ajuizamento da demanda”, pois “O encargo
da prova de solvabilidade é do demandado” (STJ, REsp 13.988/ES, rei. Cláudio Santos,
Terceira Turma, julgado em 04.05.1993, DJ 28.06.1993, p. 12.886).
127. STJ, REsp 418.032/SP, rei. Humberto Gomes de Barros, Terceira Turma, julgado em
25.04.2006, DJ 29.05.2006, p. 227.
128. Sobre a inovadora orientação da 3a Turma do Superior Tribunal de Justiça a respeito
do ônus da prova na fraude à execução, mas na perspectiva da prova de enunciado que
conduz a boa-fé do terceiro adquirente, ver: MOREIRA, Fernando Mil Homens. Rápida
exposição sobre a nova orientação da 3a Turma do STJ a respeito do ônus da prova da
(ín)ocorrência de fraude à execução. R e v is ta d e P rocesso, n. 161, jul. 2008. p. 239-242.
T
O ÔNUS DINÃMICC
entre as partes, a aplicação da técnica exige sempre prévio debate entre os sujeitos
do processo e decisão judicial fundamentada, a qual deve ocorrer em m om ento
oportuno, ou seja, que permita ao onerado cumprir com o seu ônus probatório
129. Isso não impede, obviamente, a aplicação da dinaniização em processos que in stru
mentalizam demandas não propriamente cíveis. O que importa é que a demanda n ã o
tenha caráter penal. Toma-se possível a dinamização, portanto, no processo tributário
e no processo do trabalho como, aliás, prevê o Enunciado 302 do Fórum Perm anente
de Processualistas Civis, ao dispor que “Aplica-se o art. 373, §§ I o e 2o, ao processo d o
trabalho, autorizando a distribuição dinâmica do ônus da prova diante de peculiaridades
da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade da parte de cum prir
o seu encargo probatório, ou, ainda, à maior facilidade de obtenção da prova do fato
contrário. O juiz poderá, assim, atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde q u e
de forma fundamentada, preferencialmente antes da instrução e necessariamente an tes
da sentença, permitindo à parte se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído”.
130. A presunção da inocência, que no direito brasileiro encontra-se fundada no art. 5o,
LVII, da CRFB, constitui expressão da influência de outros diplomas. O art. 11 da D e
claração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, dispõe, a propósito, que “1. Toda
a pessoa acusada de um ato delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade
fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias
necessárias de defesa lhe sejam asseguradas”. A Convençãõ Europeia dos Direitos d o
Homem, de 1950, dispõe em seu art. 6o, § 2°, que “Toda a pessoa no curso de uma infração
se presume inocente até que a sua culpabilidade tenha sido legalmente conhecida”. N o
Pacto de San José da Costa Rica, de 1969, consta semelhante previsão no art. 8 °, § 2o:
“Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto
não se comprove legalmente sua culpa”.
J
152 | ÔNUS DA PROVA N O NOVO CPC
131. Esta e a razão pela qual Badaró afirma que, no processo penal, o ônus da prova, em
sua dimensão objetiva, é uma regra de julgamento unidirectional: “O ônus da prova
incumbe inteiramente ao Ministério Público, que deverá provar a presença de todos os
elementos necessários para o acolhimento da pretensão punitiva” (BADARÓ, Gustavo
Henrique Righi Ivahy. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: R. dos Tribunais,
2003. p. 283-286).
132. Segundo a orientação “Cabe ao Ministério Público comprovar a imputação, contra
riando o princípio da não culpabilidade a inversão a ponto de concluir-se pelo tráfico
de entorpecentes em razão de o acusado não haver feito prova da versão segundo a qual
a substância se destinava ao uso próprio e de grupo de amigos que se cotizaram para
a aquisição (HC 107448, Relator(a): Min. Ricardo Lewandowski, Relator(a) p/ Acór
dão: Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, julgado em 18.06.2013). Extrai-se ainda da
motivação do acórdão que “A toda evidência, inverteu-se a ordem processual quanto
à prova, atribuindo-se aos pacientes o dever de demonstrar que seriam usuários. Ora,
isso não se coaduna com o Direito Penal. Ao Estado-acusador incumbia comprovar a
configuração do tráfico e este não ocorre pela simples compra do entorpecente. Afinal,
o usuário sempre adquire a droga e, nem por isso, deixa de ser usuário”.
133. STE HC 97701, Rei. Min. Ayres Britto, Segunda Turma, julgado em 03.04.2012.
o On u s d in â m ic o d a p r o v a
153
dinamização do ônus da prova nas demandas que tenham por efeito a aplicação de
penas. Dinamizar o ônus da prova em tais hipóteses significa, como se disse, mitigar
a presunção da inocência. Vale lembrar com o Superior Tribunal de Justiça que
Esse tipo de ação [improbidade administrativa], por integrar
iniciativa de natureza sancionatória, tem o seu procedimento
referenciado pelo rol de exigências que são próprias do Processo
Penal contemporâneo, aplicável em todas as ações de Direito
Sancionador134.
O caráter penal que envolve as demandas fundadas na improbidade admi
nistrativa —o que pode levar o réu a ser condenado à “perda da função pública” e
à “suspensão dos direitos políticos” (art. 12, Lei n° 8429/92) —impede, aliás, que
o decreto de revelia tenha por efeito a presunção de veracidade dos fatos narra
dos pelo autor135. A solução é logicamente coerente com a aplicação do princípio
constitucional da presunção da inocência e corrobora a conclusão em torno da
inviabilidade da dinamização do ônus da prova. Segundo o Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Sul, aliás,
Em sendo indisponíveis os direitos discutidos na ação civil pública
de improbidade administrativa, ainda que o réu não conteste ou
apresente sua contestação de forma intempestiva, não se verifica
rá o efeito da revelia, diante da vedação estabelecida no art. 320,
inciso II, do CPC, devendo a parte autora fazer a prova dos fatos
constitutivos de seu direito, nos termos do que preceitua o art.
333, inciso I, do CPC136.
134. REsp 1259350/MS, rei. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em
22.10.2013, DJe 29.08.2014.
135. Nesse sentido: LUCON, Paulo Henrique dos Santos; COSTA, Guilherme Recena. A
prova e a responsabilidade de terceiros contratantes com o Poder Público na ação de
improbidade administrativa. In: LUCON, Paulo Henrique dos Santos; COSTA, Eduar
do José da Fonseca; COSTA, Guilherme Recena. Im p ro b id a d e administrativa: aspectos
processuais da Lei n. 8.429/92. São Paulo: Adas, 2013. p. 367-368.
136. TJRS, Agravo de Instrumento n. 70061583688, Primeira Câmara Cível, rei. Sérgio
Luiz Grassi Beck, julgado em 17.12.2014. No mesmo sentido: “Em ações destinadas a
levar a efeito as sanções previstas na Lei 8.492/1992, que atingem Uberdades políticas,
manifestamente indisponíveis, a revelia não induz à presunção instituída no art. 319
do CPC" (TJRS, Agravo de Instrumento n. 70049792948, Vigésima Segunda Câmara
Cível, rei. Mara Larsen Chechi, julgado em 08.10.2012),
154 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
143. Conforme: ASSIS, Araken de. P ro c e sso C iv il B r a s ile ir o . Vol. II, Tomo 2. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2015. p. 198.
144. No mesmo sentido: MOUZALAS, Rinaldo; ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues.
Distribuição do ônus da prova por convenção processual. R e v is ta d e P rocesso, n. 240,
fev. 2015. p. 410; muito embora não ressalvando que a convenção pode dar-se em be
nefício do consumidor. Os quais também advogam que, por conta da indisponibilidade
do direito, “a convenção será inválida quando ligada às relações jurídicas que envolvam
direito de idosos, crianças e adolescentes (aqui, há, também, o impedimento relacionado
à incapacidade do agente, dentre grupos (sobretudo vulneráveis), cujos direitos gozem
do atributo da indisponibilidade)”.
145. MACEDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi. Ônus da Prova e sua Dinamização. 2.
ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 125.
146. MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi. Ônus da Prova e sua Dinamização. 2.
ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 125.
O ÔNUS DINÂMICO DA PROVA 157
147. DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. C u r so
d e d ire ito p ro c e ss u a l c iv il. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. v. 2. p. 121.
148. CARPES, Artur Thompsen. A p ra v a d o n e x o d e c a u s a lid a d e n a re sp o n s a b ilid a d e civ il.
Sào Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 167.
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P arte III
A PRAGMÁTICA E O
PROCEDIMENTO DO ÔNUS DA PROVA
1. Dinamização ex officio?
1. Ou, de modo mais eloquente, “a arte do processo não é essencialmente outra coisa que
a arte de administrar as provas” (BENTHAM, Jeremias. T ra ta d o d e la s p r u e b a s j u d íc ia le s .
Trad. da edição francesa Manuel Ossorio Florit. Buenos Aires: EJEA, 1971, v. I, p. 10).
2 . LEONARDO, Rodrigo Xavier. Im p o siç ã o e in v e r s ã o d o ô n u s d a p r o v a . Rio de Janeiro:
Renovar, 2004, p. 114-117.
160 ÔNUS DA PROVA N O NOVO CPC
empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que
não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda
o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz” (art. 369, CPC),
sendo dever do juiz “assegurar às partes igualdade de tratamento” e, se for o caso,
“alterar a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades
do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito” (art. 139, VI,
CPC). A atuação do órgão judicial implica, portanto, inclusive dever de determinar
ex ojficio a dinamização do ônus da prova5.
O ônus dinâmico da prova independe, portanto, de requerimento formulado
pela parte: constatada a presença dos requisitos, o órgão judicial tem o dever de
promover a dinamização, deslocando o ônus da prova de uma parte à outra através
de decisão analiticamente fundamentada.
O dever do órgão judicial em aplicar a dinamização, inclusive de ofício, decorre
não apenas do seu dever de prestação inerente à sua condição de representante do
Estado na tutela dos direitos fundamentais. Aludido dever encontrá fundamento
no modelo de colaboração adotado pelo novo processo civil brasileiro. Se o juiz
tem o dever de colaborar com as partes “para que se obtenha, em tempo razoável,
decisão de mérito justa e efetiva” (art. 6o, CPC), é evidente que, na hipótese de
constatar qualquer obstáculo ilegítimo ao cumprimento do ônus probatório da
parte, deve atuar no sentido de atenuá-lo ou eliminá-lo. Trata-se de autêntico dever
de auxílio do juiz na superação de eventuais dificuldades que prejudiquem o exer
cício de direitos ou faculdades ou o cumprimento de ônus ou deveres processuais
das partes6. No modelo processual da colaboração o juiz tem o dever, portanto, de
promover o ônus dinâmico da prova, mesmo de ofício, de modo a auxiliar as partes
no cumprimento dos seus ônus probatórios.
5. Em sentido semelhante, de que pela “razão relacionada à natureza pública das normas de
proteção ao consumidor (...) a medida da inversão do ônus da prova pode ser realizada
e x o ffic io , isto é, independe da iniciativa da parte interessada”, ver SILVA, Bruno Freire
e. A inversão judicial do ônus da prova no CDC, Revista de P ro c e sso , n. 146, p. 340, abr
2007. Em sentido contrário, de que “Se produzir a prova necessária a um julgamento
favorável ê ônus da parte, pleitear a alteração desse ônus, à toda evidência, também
não pode deixar de ser um ônus", ver YOSH1KAWA, Eduardo Henrique de Oliveira
Considerações sobre a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova. Revista de
P ro cesso , n. 205, p. 150, mar. 2012.
6. MITIDIERO, Daniel. C o la b o ra ç ã o n o p ro c e sso c iv il. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribu
nais, 2015, p. 69-70.
162 j ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
Nada obstante seja certo que o juiz deva dinamizar o ônus da prova de ofício
quando perceba que a distribuição ordinária esteja a fragilizar os direitos fundamen
tais à igualdade e à prova, é inegável a relevância que a atividade das partes possui
visando ao cumprimento de semelhante dever. Falar em colaboração no processo
civil significa falar na racional distribuição de trabalho entre o juiz e as partes
visando à promoção da tutela jurisdicional em termos de adequação, segurança e
efetividade. Significa, por outras palavras, compreender que o processo constitui
uma comunidade de trabalho, na qual prevalece o equilíbrio na divisão de trabalho
entre o juiz e as partes7. Enquanto são impostos deveres ao juiz, as partes são esti
muladas a colaborar especialmente mediante a imposição de ônus, a fim de que se
obtenha aju sta prestação da tutela jurisdicional. Vale lembrar que a necessidade
de se estabelecer o concurso das atividades dos sujeitos processuais, “com ampla
colaboração tanto na pesquisa dos fatos quanto na valorização jurídica da causa” e
“vivificada p o r permanente diálogo, com a comunicação das ideias subministradas
por cada um deles”, justifica-se ainda mais “pela complexidade da vida atual”8.
O direito fundamental ao contraditório, como sabido, possui duas dimensões
bem definidas: além de consistir em direito de informação de tudo o que se passa
no processo - dimensão passiva ou “fraca” do contraditório - , constitui direito de
influenciar o órgão judicial na formação do juízo. Essa ú ltim a -a dimensão “ativa”
ou “forte” do contraditório - constitui a acepção mais relevante desse direito fun
damental, pois implica efetiva participação das partes na construção e, portanto, no
7. Em lição de vanguarda, Álvaro de Oliveira assim escreveu mais de uma década antes
da edição do novo CPC: “a idéia de cooperação além de implicar, sim, um juiz ativo,
colocado no centro da controvérsia, importará senão o restabelecimento do caráter
isonômico do processo pelo menos a busca de um ponto de equilíbrio. Esse objetivo
impõe-se alcançado pelo fortalecimento dos poderes das partes, por sua participação
mais ativa e leal no processo de formação da decisão, em consonância com uma visão
não autoritária do papel do juiz e mais contemporânea quanto à divisão do trabalho
entre o órgão judicial e as partes. Aceitas essas premissas axiológicas, cumpre afastar
a incapacidade para o diálogo estimulada pela atual conformação do processo judicial
brasileiro, assentado em outros valores” (ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto.
Poderes do juiz e visão cooperativa de processo. R e v ista d a A ju r is , n. 90. Porto Alegre:
Ajuris, 2003).
8. ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Poderes do juiz e visão cooperativa de processo.
R e v ista d a A ju r is , n. 90. Porto Alegre: Ajuris, 2003.
A PRAGMÁTICA E O PROCEDIM ENTO DO ÔNUS DA PROVA
163
conteúdo do provimento que, ao fim e ao cabo, irá atingir o seu patrimônio jurídico
É através da dimensão ativa do contraditório que a democracia, valor tão caro ao
Estado Constitucional, espraia-se no processo. As partes têm, mediante o exercício
do contraditório, a garantia de que a decisão judicial que toca o seu patrim ônio
jurídico é forjada com base na sua própria atividade, ou seja, nos seus arrazoados,
manifestações, requerimentos, impugnações etc. Por isso é que a decisão judicial
é produto da colaboração.
Afora a existência de alguns deveres, a colaboração das partes no processo é
exercida principalmente mediante o cumprimento de diversos ônus que lhes são
impostos pela lei processual. Esse é o sentido inequívoco do art. 6o, CPC: as partes
também têm de colaborar com o órgão judicial, e assim o farão através do cum pri
mento de deveres e principalmente através do desempenho de ônus processuais.
O ônus dinâmico da prova constitui exemplo dos mais marcantes no que diz
respeito à distribuição equilibrada da colaboração entre partes e juiz no processo
civil brasileiro. Embora não se exija o expresso requerim ento para que o juiz de
termine a dinamização do ônus da prova, é certo que o seu aviamento, m ediante
específica fundamentação, tem o condão não apenas de provocar o órgão judicial a
decidir, mas também de influenciá-lo a respeito da sua respectiva decisão, constitui
aspecto relevante no qúe se refere à resolução da quèstão. Assim, aparte que requer
a aplicação da dinamização tem o ônus de fundamentar o seu requerimento de modo
concreto. Isso significa que a parte, em seu requerimento, deve i) apontar qual o
enunciado fático depende da dinamização do ônus da prova para ser provado e
ii) demonstrar as razões pelas quais, naquela hipótese específica, à luz das suas
particularidades, a atribuição ordinária do ônus da prova revela violação á igual
dade e ao direito à máxima efetividade probatória, o que equivale a racionalmente
demonstrar que, a contrario sensu, à parte adversa não é impossível, ou excessiva
mente difícil, produzir a contraprova relativa a determinado enunciado fático .P o r
exemplo: enquanto é impossível ou excessivamente difícil ao autor provar a culpa
do profissional, a este não se apresentam os mesmos óbices para demonstrar que
adotou a melhor técnica e que agiu diligentemente, ou seja, mediante a atenção
com todas as cautelas exigíveis.
Mas não apenas isso: o ônus de alegação, fundamentação e requerimento do
ônus dinâmico da prova, para ser bem desempenhado, também deve ser completo.
Em outras palavras, o requerimento também é determinado pelo debate a respei
to da presença de ambos os requisitos - direito fundamental à igualdade e direito
164 ÔNUS DA PROVA N O NOVO CPC
rio definido pelos incisos do art. 373, CPC. Qualquer alteração desse paradigma,
por óbvio, deve ser informada às partes, sob pena de violação não apenas à regra
que exige a decisão do juiz, mas àquela que determina a impossibilidade de o juiz
decidir com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes
oportunidade de se manifestar (art. 10, CPC). Não pode o órgão judicial resolver
a demanda com aplicação da regra de julgamento dinamizada sem que as partes
tenham tomado prévio conhecimento a respeito.
O problema é de alto relevo, mormente pela constatação de que alguns tribu
nais seguem decidindo de modo diverso. Importa sublinhar: a circunstância de o
caso estar submetido ao direito do consumidor, ou ao direito ambiental, rtos quais
a possibilidade de dinamização (ou “inversão”, como prefere o texto legal) é ope
legis, isto é, decorre de previsão legal, tom aria desnecessária a decisãqa respeito da
questão. Trata-se de orientação, no entanto, das mais equivocadas: nem o Código de
Defesa do Consumidor (art. 6o, VIII) nem a Lei 6.938/81, que dispõe sobre a tutela
do meio ambiente, determinam que o ônus da prova seja atribuído de modo diverso
daquilo que disciplina o art. 373, incisos I e II, CPC. Consoante se explicou acima
(Parte II, item 5), nas demandas que envolvem a responsabilidade civil objetiva o
que muda é apenas o suporte fãtico para a incidência da norma de direito material,
a implicar na dispensa do ônus de alegar o enunciado fático relativo à culpa do réu.
Nada muda, portanto, a respeito da distribuição dos ônus probatórios: ao autor
caberá a prova do “fato constitutivo do seu direito” (art. 3 7 3 ,1, CPC). Mesmo o
Código de Defesa do Consumidor, ao dispor no inciso VII, do art. 6o, que
São direitos básicos do consumidor ( ...) a facilitação da defesa de
seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu
favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil
a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras
ordinárias de experiências,
define como indispensável a existência de decisão judicial para a dinamização.
Observe-se bem: a dinamização somente poderá ser aplicada na particular hipótese
diante da relevância da fundamentação e a constatação quanto à hipqssuficiência
do consumidor. Isso significa que não é em todos os casos que a dinamização será
aplicada, mas apenas àqueles nos quais são notadas tais particularidades. Frise-se
bem o ponto: mesmo no âmbito das demandas judiciais de consumo, a dinami
zação será aplicada se, e somente se, o juiz constatar a presença de tais requisitos.
Do contrário, não há falar em qualquer alteração do critério ordinário previsto no
art. 37 3 ,1 e II, CPC.
166 ONUS DA PROVA NO NOVO CPC
10. CARPES, Artur Thompsen. Apontamentos sobre a inversão do ônus da prova e a garantia
do contraditório. P ro v a ju d ic iá r ia : estudos sobre o novo direito probatório. Porto Alegre:
livraria do Advogado, 2007, p. 27-49.
A PRAGMÁTICA E O PROCEDIM ENTO DO ÔNUS DA PROVA
167
Qual a fase processual mais adequada para ocorrer a decisão a respeito da dina
mização do ônus da prova? Na fase postulatória, quando do recebimento da petição
inicial? Na fase de saneamento, isto é, após a definição e estabilização dos contornos
da demanda? Na fase decisória, ou seja, quando do julgam ento da demanda? Ou
não há falar, rigorosamente, em momento adequado para sindicar a questão?
Logo que a dinamização do ônus da prova passou a ser aplicada no direito
brasileiro, o que coincidiu com o advento do Código de Defesa do Consumidor, a
doutrina afirmava que a questão deveria ser resolvida na fase decisória do processo.
Era majoritária a opinião de que o “momento de aplicação da regra de inversão
do ônus da prova (...) é o do julgamento da causa”, pois “as regras de distribuição
do ônus da prova são regras de juízo e orientam o juiz, quando há um non líquet
em matéria de fato, a respeito da solução a ser dada à causa”11. Segundo aludida
posição, “a regra de inversão do ônus da prova é regra de julgamento, servindo para
orientar o juiz nâ hipótese de um non liquet em matéria de fato”, não cabendo “ao
magistrado antecipar o juízo sóbre a inversão do ônus da prova para momentos
procedimentais anteriores, quando a cognição ainda é sumária e superficial, pois
com isto estará pré-julgando os fatos alegados”12. Aludida vertente sustentava que
“o momento adequado para a inversão judicial do ônus da prova é aquele em que
o juiz decide a causa”, pois “antes, sequer ele sabe se a prova será suficiente ou se
será necessário valer-se das regras ordinárias sobre esse ônus, que para ele só são
relevantes em caso de insuficiência probatória”13.
18 “ [ P ]revalece ò entendimento, tanto nesta Corte como nos Pretórios excelsos, que o
momento adequando para estabelecer a inversão do ónus da prova é o dó saneador,
pois é o instante processual imedíatamente anterior ao da produção das provas (TJRS,
Apelação Cível 70014109565,18a Câmara Cível, rei. Pedro Celso DalPrá, j; 20.11.2006).
19. “Ademais, o juízo, utilizando-se de seu poder-dever, observou o correto momento: para
proceder á inversão, ou seja, na decisão saneadora, em momento anterior ã fase de ins
trução de provas (...)”. (TJRJ. Agravo de Instrumento 25.653/05, Sétima Câmara Cível,
rei. Desa. Helda Lima Meireles).
20. “Em casos que tais, na forma do que dispõe o § 3° do artigo 542 do Código de Processo
Civil, deve o recurso ficar retido àté o final da causa. Malgrado o caráter restritivo da
norma supra, em circunstâncias excepcionais, a jurisprudência desta Corte tem admi
tido o processamento e julgamento do recurso especial. É o caso sob exame, em que
se discute a possibilidade de inversão do ônus da prova, sob pena de se tom ar inócua
a ulterior apreciação da questão pelo Superior Tribunal dejustiça”. Recurso Especial
540.235/SP, Terceira Turma, rei. Min. Castro Filho. Ao entender se tom ar “inócua a
ulterior apreciação da questão ', para o caso de o recurso ficar retido nos autos, quando
seria apreciado apenas quando da sua oportuna reiteração, somente ao final da demanda,
o precedente aponta claramente em que fase deve haver a inversão do onus probandi.
2 1 . NERYJÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil e legislação
processual civil em vigor. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, [s.d.j, p. 696.
22. MONNERAT, Carlos Fonseca. Momento da ciência aos sujeitos da relação processual
de que a inversão do ónus da prova pode ocorrer. Revista de Processo, São Panlo. n. 113,
p. 84, jan.-fev. 2004.
170 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
23. Nesse sentido, a ZPO alemã, em seu § 139, com nova redação vigente desde 2002,
veda qualquer decisão fundada em dado jurídico do qual uma das partes não tenha se
percebido, isto é, sem que tenha havido pretérita advertência e oportunidade delas se
expressarem a tal respeito. Sobre o assunto, ver RAGONE, Álvaro J. Pérez; PADILLO,
Juan Carlos Ortiz. C ó d ig o P ro cesa l C iv il A le m á n (Z P O ) : Traducción con un estúdio in -
troductorio al proceso civil alemán contemporâneo. Berlin: Konrad-Adenauer-Stiftung,
2006, p. 67-78.
T
172 ÔNUS DA PROVA N O NOVO CPC
c id a d ã o n a a d m in is tr a ç ã o d a j u s t i ç a 24.
25. STJ, REsp 662.608/SP, rei. Hélio Quaglia Barbosa, Quarta Turma, j. 12.12.2006, D J
05.02.2007, p. 242. Sobre a questão, ver, ainda, interessante debate havido em sede
de esclarecimentos no julgamento do REsp 442.854/SP, rei. Nancy Andrighi, Terceira
Turma, j. 11.11.2002, DJ 07.04.2003, p. 283.
A PRAGMÁTICA E O PROCEDIM ENTO D O ÔNUS DA PROVA
175
26. TARUFFO, Michele. Idee per una teoria delia decisione giusta. In: Sut c o n fin i - S c r i t t i
s u lla g iu s tiz ia c iv ile . Bologna: II Mulino, 2002, 225.
27. RAMOS, Vitor de Paula. Comentários ao art. 373. TUCCI, José Rogério Cruz e e t d l .
(Coord.). C ó d ig o d e P ro cesso C iv il a n o ta d o . Rio de Janeiro: LMJ Mundó Jurídico, 2016,
p. 537.
28. O que é reconhecido por Peyrano, ao aferir que “esta linha de impugnação é a mais s é
ria". (PEYRANO, Jorge W La docirina de las cargas probatórias dinâmicas y la m áquina
de impedir en materia jurídica. In: PEYRANO, Jorge W ; LÉPORI WHITE, Inés (Org.).
C a rg a s p r o b a tó r ia s d in â m ic a s . Santa Fe: Rubinzal Culzoni, 2004, p. 88.
29. ALVARADO VELLOSO, Adolfo. Presentación. Jn: GARCÍA GRANDE, Maximiliano. L a s
c a rg a s p r o b a tó r ia s d in â m ic a s : inaplicabilidad. Rosario: Juris, 2005, p. 21.
176 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
O argumento não serve para justificar que o momento mais adequado para
dinam ização seja a sentença por vários motivos. Por primeiro, a dinamização nada
te m a ver com punição. Por segundo, semelhante conclusão contraria justamente
u m dos fundam entos m ais relevantes que a própria doutrina argentina utiliza
p a ra sustentar a legitimidade da carga dinâmica de la prueba: a colaboração entre
o s sujeitos do processo (juiz-partes, partes-juiz) mediante uma visión solidarista
de la carga de la prueba31.
No que se refere à realidade brasileira, pela interpretação do CPC/73 já era
possível perceber que o momento mais adequado para decisão que altera a disciplina
d o s ônus probatórios situava-se na fase de saneamento do processo. A previsão
q u an to à audiência preliminar, prevista no art. 331 daquele código, indicava, no
parágrafo 2o, que “se, por qualquer motivo, não for obtida a conciliação, o juiz fixará
o s pontos controvertidos, decidirá as questões processuais pendentes e determinará
as provas a serem produzidas (...) ”32. Se realmente “estão presentes nessa audiência
(...) as três finalidades manifestamente atribuídas à audiência preliminar no Gódigo
d e Processo Civil Tipo Para a América Latina: conciliar, decidir sobre matéria pro
cessual, delimitar o que discutir e como provar”33, e se nessa opiortunidade deve-se
“delim itar a instrução a ser feita”34, revelava-se evidénte a determinação para que
naq u ela oportunidade ocorresse, se fosse o caso, a decisão relativa à modificação
do onus probandi.35A melhor doutrina espanhola, aliás, faz coro a tal orientação36
No que diz respeito ao caso argentino, o próprio Peyrano advoga a instituição de
audiência destinada a semelhante hm, oportunidade na qual:
seria conveniente tomar o cuidado de alertar às partes acerca de
que as circunstâncias do caso fazem que tal ou qual litigante deverá
suportar um esforço probatório especial, distinto e superior ao que
surge do reparto normal e corrente do onus probandi37.
35. Sobre a audiência preliminar prevista no art. 331 do CPC brasileiro, consulte-se
DALEAGNOL JÚNIOR, Antônio Janyr. Audiência de conciliação. In: I NOVAÇÕES do
Código de Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996, p. 79-99 e LANES,
Júlio César Goulart. Audiências: conciliação, saneamento, prova e julgamento. Rio de
Janeiro: Forense, 2009. Sobre a audiência preliminar no novo processo civil português,
ver SILVA, Paula Costa e. Saneamento e condensação no novo processo civil: a fasè da
audiência preliminar. In: Aspectos do novo processo civil. Lisboa: Lex, 1997, p. 213-269.
Em consonância com o entendimento dè que a inversão do ônus da prova deve ser dada
na audiência de instrução, confiram-se os nossos Apontamentos sobre a inversão do ônus
da prova e a garantia do contraditório (KNIJNIK, Danilo (Org.). Provajudiciária: estudos
sobre o novo direito probatório. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 27-49 e
ALVES, Maristela da Silva. Ônus da prova como regra de julgamento. In: ALVARO DE
OLIVEIRA, Carlos Alberto (Org.). Prova cível. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 77-89,
esp. p. 85).
36. FERNÁNDEZ, Tania Chico. La carga de la prueba y la iniciativa probaloria de oficio en
la Ley de Enjuicíamiento Civil. In: LLUCH, Xavier Abel; P1CÓ i JUNOY, Joan (Dir.).
Objetoy carga de la Prueba Civil. Barcelona: Bosch, p. 150.
37. PEYRANO, Jorge W. Nuevos lineamentos de las cargas probatórias dinâmicas. In:
PEYRANO, Jörge W.; LÉPORI WHITE, Inés (prg.). Cargas probatórias dinâmicas. Santa
Fe: Rubinzal Culzoni, 2004, p. 24.
178 ÓNUS DA PROVA NO NOVO CPC
38. MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribu
nais, 2015, p. 130-131.
39. Nesse sentido, confira-se SILVA, Paula Costa e. Saneamento e condensação no novo
processo civil: a fase da audiência preliminar. In: Aspectos do novo processo civil. Lisboa:
Lex, 1997, p. 213-269.
40. No mesmo sentido, AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 501. No que se refere ao momento da dinami
zação no procedimento dos Juizados Especiais Cíveis, confira-se o ensaio de RODYCZ,
Wilson Carlos. A inversão do ônus da prova no Juizado Especial Cível. Revista da Ajuris,
Porto Alegre, n. 67, p. 195-200, jul. 1996; e MACEDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi.
ônus da prova e sua dinamização. 2. ed. Salvador: JusPodivm. 2016, p. 216-217.
41. MORELLO, Augusto Mario. Laprueba: tendências modernas. 2. ed. La Plata: Abeledo-
-Perrot, 2001, p. 101.
T
A PRAGMÁTICA E O PROCEDIMENTO DO ÔNUS DA PROVA | 1 7 9
42. Como refere Michele Taruffo na introdução da edição brasileira do seu clássico sobre a
motivação da decisão judicial, trata-se de notar a inequívoca distinção entre o procedi
mento de raciocínio pelo qual o juiz formula a sua decisão, que se articula no tem po,
“implica síntese de fatores, procede por abduções e por trial and error, percorre cam inhos
que depois são abandonados, inclui a influência de fatores psicológicos e ideológicos,
implica juízos de valor” (context qf discovery), e o procedimento do raciocínio ju stifi
cativo, no qual o juiz expõe as suas “boas razões”, isto é, tem “estrutura argumentativa
e não heurística; tem função justificativa; é um discurso - e, portanto, uma entidade
linguística - e não um iter psicológico; funda-se em argumentos tendencialmente iri-
tersubjetivos; é logicamente estruturada; pode incluir inferências dedutivas e indutivas,
mas não abdutivas” (TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. Trad. D aniel
Mitidiero, Rafael Abreu e Vitor de Paula Ramos. São Paulo: Marcial Pons, 2015, p. 16-
-17). Sobre o tema, ver também MOTTA, Otávio Verdi.Justificaçãd da decisãojudicial: a
elaboração da motivação e a formação de precedente. SãojPúulo: Revista dos Tribunais,
2015, p. 138-142.
43. ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do formalismo no processo civil: proposta d e
um formalismo-valoratívo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 131-133.
44. MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo eivil: pressupostos sociais, lógicos e éticos.
3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 144-146.
180 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
Nosso direito impõe que qualquer decisão judicial deve contar com funda
mentação analítica. Isso significa que a sua fundamentação deve ser completa e
concreta. Dito por outras palavras, a fundamentação deve levar em consideração
todos os fundamentos apontados pelas partes que sejam relevantes para o desfecho
da questão examinada em juízo (dever de completude) e deve considerar o caso
concreto na perspectiva de suas particularidades (dever de especificidade)45.
A decisão pela qual o juiz resolve a questão da dinamização do ônus da prova
subm ete-se, por óbvio, às mesmas exigências quanto à sua respectiva fundamen
tação.
Isso quer dizer que o juiz, ao aplicar ou denegar a dinamização, deverá de
m o n strar na decisão que considerou todos os fundamentos aduzidos pelas partes
q u e sejam capazes de infirmar a solução outorgada à questão. Do contrário, há
m onólogo no lugar do diálogo, com evidente violação da natureza democrática
do processo46. Vale sublinhar: o juiz deve justificar porque está desestimando de
term inado fundamento contrário, desde que este seja capaz de, em tese, infirmar
a conclusão por adotada (art. 489, § I o, IV, CPC).
Por outro lado, o juiz, ao decidir sobre a questão, não poderá simplesmente
lim itar-se à indicação dos §§ 1° e 2°, art. 373, CPC, nem à reprodução ou à paráfrase
do referido texto normativo. A fundamentação, como referido, deve ser concreta.
F alar em concretude da motivação da decisão que sindica a questão da dinamização
do ô n u s da prova significa especificar quais os enunciados fáticos que se submetem
ao possível deslocamento dinâmico47. No caso de decisão que aplica a dinamização,
é indispensável que o juiz particularize os enunciados fáticos cujo ônus probatório
45. Sobre o assunto, ver MÁRINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Comentários ao
Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, v. I, p. 168-208; TUCCI, José
Rogério Cruz e. A motivação da sentença no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1987. Sobre a
completude da fundamentação e a sua relação com o direito fundamental ao contraditório,
v. também WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. A influência do contraditório na convicção
do juiz: fundamentação de sentença e de acórdão. Revista de Processo, n. 168, fevereiro de
2009, p. 53-65. Sobre a completude pelas perspectivas do material fático e jurídico, ver
LUCCA, Rodrigo Ramina de. O dever de motivação das decisõesjudiciais: Estado de Direito,
segurança jurídica e teoria dos precedentes. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 219-231.
46. MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos.
3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 147.
47. Assim, FERREIRA, William Santos. Das provas. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim
et al. (Coord.). Breves comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2015, p. 1.008 e SICA, Heitor Vitor Mendonça. Questões velhas e novas
sobre a inversão do ônus da prova. Revista de Processo, n. 146, abr.-2007, p. 53.
A PRAGMÁTICA E O PROCEDIMENTO DO ÔNUS DA PROVA 181
48. CARPES, Artur Thompsen. A prova do nexo de causalidade na responsabilidade civil. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 167-169.
49. Em sentido semelhante, TARUFFO, Michele. La motivazione della sentenza civile. Padova:
Cedam, 1975, p. 448.
50. TARUFFO, Michele. La motivazione delia sentenza. In: Gênesis: Revista de D ireito
Processual Civil, n. 31. Curitiba: Gênesis, p. 680-681.
51. CARPES, Artur Thompsen. A prova do nexo de causalidade na responsabilidade civil.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 168. Sobre as relações entre fato e direito
184 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
no contexto da decisão sobre a prova, ver também LANES, Julio Cesar Goulart. Fato e
direito no processo civil cooperativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 185-211.
52. TARUFFO, Michele. La motivazione delia sentenza civile. Padova: Cedam, 1975, p. 451.
A PRAGMÁTICA E O PROCEDIMENTO DO ÔNUS DA PROVA
185
53. No mesmo sentido, SILVA NETO, Francisco de Barros. Dinamizaçao do ônus da prova
no novo Código de Processo Civil. Revista de P ro cesso, n. 239, jan. 2015, p. 417.
186 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
54. Art. 1.009. Da sentença cabe apelação (...) § I o As questões resolvidas na fase de co
nhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são
cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente
interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões.
55. TARUFFO, Michele. A prova. Trad. João Gabriel Couto. São Paulo: Marcial Pons, 2014,
p. 35.
56. O juiz jamais deve inadmitir a prova por conta de jã estar convencido (TARUFFO, Mi
chele. Studí sulla rilevanza delia prova. Padova: Cedam, 1970, p. 77; TROCKER, Nicòlo.
Processo civile e costitusóone. Milano: Giuffrè, 1974, p. 522; MITIDIERO, Daniel. Colabo
ração no processo civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 140-141; CAMBI,
Eduardo. A prova civil. Sào Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 443; DALUALBA,
Felipe Camilo. A ampla defesa como proteção dos poderes das partes: proibição dç
inadmissão da prova por já estar convencido o juiz. In: KNIJNIK, Danilo (Org.). Prova
judiciária: estudos sobre o novo direito probatório. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2007, p. 93-105; DEMAR1, Lisandra. Jtrizo de relevância da prova. In: KNIJNIK, Danilo
(Org.). Pmva judidária: estudos sobre o novo direito probatório. Porto Alegre: Livraria do
A PRAGMÁTICA E O PROCEDIMENTO DO ÔNUS DA PROVA | 1 87
A Constituição, em seu art. 5o, LVI, dispõe que “são inadmissíveis, no proces
so, as provas obtidas por meios ilícitos”. O art. 369, CPC, dispõe, de sua vez que-
As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, betn
como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste
Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido
ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.
A interpretação de tais dispositivos permite fixar o primeiro critério da adm is
sibilidade da prova: para ser admissível, a prova deve ser lícita. A contrario sensu,
isso quer dizer que, seja na perspectiva material, seja na perspectiva processual57,
as provas contrárias ao direito, isto é, as provas ilícitas, não devem ser admitidas no
processojudicial. Assim, a prova que se revela ilícita por violar o direito material - a
violação do direito à intimidade constitui bom exemplo observado na experiência
do foro58- e aquela que se revela ilícita por violar alguma regra do procedimento - a
realização de audiência sem intimação de uma das partes, por exemplo - são, em
princípio, inadmissíveis no processo. A doutrina advoga, no entanto, a realização
de u m a segunda ponderação, a ser realizada entre “o direito afirmado em juízo
pelo autor e o direito violado pela prova ilícita” 59. Isso significa que “o princípio
da proibição das provas obtidas por meios ilícitos deve ser ponderado com ou
tros princípios constitucionais que possam estar sendo negados pela aplicação
incondicional do prim eiro”60. Seja como for, é importante notar que a licitude da
prova constitui o primeiro critério objetivo ligado à admissibilidade da prova, cuja
aplicação jamais pode ser negligenciada em juízo61.
' Do texto do parágrafo único, do art. 370, CPC, é possível extrair os demais
critérios objetivos para a admissibilidade da prova. Segundo a lei, o juiz deverá^
“determ inar as provas necessárias ao julgamento do mérito” e, por conseguinte,
deveíá indeferir, “em decisão fundamentada”, as “diligências inúteis ou meramente
protelatórias”. Pode-se concluir, portanto, que apenas as provas “necessárias ao
julgamento do mérito” é que deverão ser admitidas emjuízo\ as provas “inúteis ou
58. “Ilícita é a devassa de dados, bem como das conversas de whatsapp, obtidas diretamente
pela polícia em celular apreendido no flagrante, sem prévia autorização judicial” (STJ,
RHÇ 51.531/RO, rei. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, j. 19.04.2016, DJe 09.05.2016.)
59. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo
Código de Processo Civil comentado. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016,
p. 465.
60. FERREIRA, William Santos. Princípios fundamentais da prova cível. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2015, 2014, p. 98.
61. Assim, “Afigura-se decorrência lógica do respeito aos direitos à intimidade e à priva
cidade (art. 5o, X, da CF) a proibição de que a administração fazendária afaste, por
autoridade própria, o sigilo bancário do contribuinte, especialmente se considerada
sua posição de parte na relação jurídico-tributária, com interesse direto no resultado da
fiscalização. Apenas o Judiciário, desinteressado que é na solução material da causa e,
por assim dizer, órgão imparcial, está apto a efetuar a ponderação imprescindível entre
o dever de sigilo - decorrente da privacidade e da intimidade asseguradas ao indivíduo,
em geral, e ao contribuinte, em especial - e o também dever de preservação da ordem
jurídica mediante a investigação de condutas a ela atentatórias”. Por tal razão, é de se
“reconhecer a ilicitude da prova advinda da quebra do sigilo bancário sem autorização
judicial, determinando-se que seja proferida nova sentença, afastada a referida prova
ilícita e as eventualmente dela decorrentes” (STJ, REsp 1361174/RS, rei. Marco Aurélio
Bellizze, Quinta Turma, j. 03.06.2014, DJe 10.06.2014).
A PRAGMATICA E O PROCEDIMENTO DO ÔNUS DA PROVA | 189
62. TARUFFO, Michele. A prova. Trad. João Gabriel Couto. São Paulo: Marcial Pons, 2014,
p. 36. Segundo o jurista, “o direito de apresentar todas as provas relevantes ao alcance
é ura aspecto essencial do direito ao devido processo e deve ser reconhecido como
pertencente às garantias Fundamentais das partes (p. 54).
63. ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto; MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil. São
Paulo: Atlas, 2012, v. 2, p. 61-62. No mesmo sentido, YARSHELL, Flávio Luiz. Curso de
processo civil. São Paulo: Marcial Pons, 2014, v. I. p. 108; e REICHELT, Luis Alberto. A
prova no direito processual civil. Porto Alegre; Livraria do Advogado, 2009, p. 333-334.
190 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
ausência de impugnação particularizada dos fatos narrados pelo autor e pelo réu
em sua contestação (art. 341) é meramente relativa. A ausência de controvérsia
sobre os fatos da causa, embora possa contribuir no juízo de admissibilidade da
prova, nem sempre terá papel decisivo nesse particular64.
Se a prova postulada pela parte não é lícita ou pertinente ou relevante, essa
deve ser inadmitida pelo juiz. Assim, é certo que o juiz poderá aplicar a regra de
julgamento do ônus da prova mesmo na hipótese de ter legitimamente inadmitido
a prova, pela circunstância de que pelo menos um dos critérios não foi atendido no
caso concreto. Por outras palavras, nada impede que o juiz inadmita a prova e, na
oportunidade de julgar, constate que não existem elementos que levem à formação
do juízo substancial a respeito dos fatos da causa, hipótese na qual deverá julgar
desfavoravelmente à parte que não cumpriu com o seu ônus probatório.
Situação distinta sucede na hipótese em que existe prova admissível a ser
produzida e, ainda assim, o juiz decide promover o julgam ento imediato d®
pedido (art. 335, CPC)65, caso em que aplica a regra do ônus da prova. Seio juiz
constata que existe prova admissível a ser produzida, ou seja, prova capaz de ser
produzida mediante o exercício de seus poderes instrutórios (v. Parte I, Capítulo
10), não pode deixar de produzi-la, ainda que não exista requerimento das partes
a tal respeito. O julgam ento imediato do pedido submete-se à constatação de
que não existe a necessidade de produção de outras provas (art. 3 3 5 ,1, CPC).
Desse modo, se existe prova lícita, pertinente e relevante para ser produzida, e
esta se encontra no âmbito dos seus poderes instrutórios, é vedado ao juiz julgar
imediatamente o pedido. Ou melhor: não pode o juiz julgar antes de produzir
a prova “necessária”, ou seja, a prova que se apresenta como relevante para a
obtenção da verdade66.
É evidente que, a contrario sensu, ou seja, no caso de não existir prova adm is
sível, o juiz pode julgar imediatamente o pedido. É este, aliás, o sentido da ratio
decidendi adotada pelo Superior Tribunal de Justiça de que, “ao julgar antecipada
mente a lide, não poderá a sentença fundamentar-se na ausência de comprovação
da pretensão”67. Não há qualquer justificativa que autorize ao juiz, diante de ine
xistência de provas admissíveis, que venha a aguardar para proferir a sentença d e
aplicação da regra de julgamento do ônus da prova.
Nada obstante tenha por função aquilatar o juízo de fato, o ônus da prova
constitui questão de direito. Assim, uma vez fixadas as premissas fáticas p elas
instâncias ordinárias, nada impede que a interpretação e a aplicação das regras
do ônus da prova venham a ser tema sindicado pelo Superior Tribunal de Justiça,
desde que obviamente respeitada a função que a Constituição lhe atribui. Jam ais
se pode perder de vista que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal d e
Justiça exercem função distinta daquela que é atribuída aos tribunais regionais e
estaduais, e obviamente dos juízes de primeiro grau. Pensâr diferente significa n ão
apenas violar a Constituição, mas também inviabilizar a administração da Jüstiça
Civil. Isso sem falar na imposição de graves prejuízos à economia processual e à
tempestividade na prestação da tutela jurisdicional68.
Como bem percebe a doutrina:
os órgãos jurisdicionais ordinários [juízes de prim eiro grau e
tribunais de segundo grau] devem cuidar da produção de deci
sões justas, sendo responsabilidade dos órgãos jurisdicionais d e
extraordinários [Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal d e
realizada pelos tribunais de segundo grau a respeito do art. 373, CPC, bem como a
aplicação das normas decorrentes, pode ser sindicada na instância extraordinária
desde que a questão tenha sido devidamente prequestionada e que sejam respeitadas
as premissas fáticas que conduziram o tribunal à sua resolução na origem: Isso signi
fica que, se nas instâncias ordinárias restou constatada a presença dos requisitos para
aplicar a dinamização, a questão, como regra, não poderá ser submetida aó crivo do
Superior Tribunal dejustiça, pois o exame quanto à hipossuficiência da parte onerada
e à sua dificuldade em produzir a prova normalmente decorre da fixação de premissas
fáticas73, o que toma impossível a sua alteração na instância extraordinária74.
No que diz respeito à suficiência da prova para efeitos de aplicação da regra
de julgamento do ônus da prova, o Superior Tribunal dejustiça estabeleceu a ratio
decidendi de que “A análise das razões apresentadas pela parte recorrente quanto
à suficiência das provas da existência do nexo de casualidade (culpa concorrente)
demandaria o reexame de fatos e provas, o que é vedado em recurso especial, ante o
disposto na Súmiila n. 7/STJ ”75, ou seja, de que “A avaliação da suficiência dos elemen
tos probatórios que justificaram o julgamento antecipado da lide e o indeferimento
de prova pericial, demanda o reexame fático-probatório”76. Segundo a orientação:
Não há que se falar em revaloraçãqtíe provas por esta Corte quando
o convencimento dos órgãos de instâncias inferiores fõi formado
73. Sobre a teoria tricotômica, que implica na consideração de que algumas questões não são
apenas de fato ou de direito, mas consistem em “questões mistas”, cujo sentido envolve
“elevada carga de indeterminação ou polissemia, como ocorre, p. ex., nos conceitos ju
rídicos indeterminados, cláusulas gerais, sta n d a r d s, padrões de conduta ou normas que
estatuam critérios de avaliação de prova”, as quais podem ser passíveis de reexame em
sede de recurso especial, ver KNIJNIK, Danilo. O re cu rso e s p e c ia l e a re v isã o d a q u estã o
d e f a t o p e lo S u p e r io r T rib u n a l de J u s tiç a . Rio de Janeiro: Forense, 2005, passim. Para uma
crítica à teoria tricotômica, ver COSTA, Guilherme Recena. S u p e r io r T rib u n a l d e ju s tiç a
e re c u rso esp ecia l: análise da função e reconstrução dogmática. Dissertação de mestrado.
Faculdade de Direito da USP, 2011, p. 183-187.
74. Nesse sentido, “o reexame em recurso especial da hipossuficiência da autora e da exis
tência de verossimilhança enseja a aplicação da Súmula 7 deste Tribunal” (STJ, Aglnt
no AREsp 934.059/MG, rei. Marco Aurélio Bellizze, Terceira.Turma, j. 18.10.2016, D Je
28.10.2016).
75. STJ, AgRg no AREsp 205.404/CE, rei. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, j.
05.03.2013, D Je 13.03.2013.
76. STJ, AgRg no Ag 1382813/SP, rei. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, j.
16.02.2012, D Je 29.02.2012.
194 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
com base em detida análise das provas carreadas aos autos, obe
decendo às regras jurídicas na apreciação do material cognitivo77.
Significa dizer, por outras palavras, que a constatação, pelo Tribunal de origem,
quanto à (in)suficiência do contexto probatório dos autos em face ao modelo de cons
tatação aplicável ao caso - o que, por conseguinte, determina a escolha por aplicar ou
não a regra de julgamento do ônus da prova - é insuscetível de exame pelo Superior
Tribunal de Justiça, porque isso demandaria o denominado “reexame de provas”.
O problema, no entanto, não é dos mais singelos. De acordo com outros julga
dos do próprio Superior Tribunal dejustiça, existiria diferença entre o denominado
“reexame” da prova, vedado na instância extraordinária, e a sua “revaloração”, cujo
exame é, pelo contrário, admitido. Segundo a Corte, “A revaloração da prova ou de
dados explicitamente admitidos e delineados no decisório recorrido não implica
no vedado reexame do material de conhecimento”78, ou seja, “A revaloração dos
critérios jurídicos concernentes à utilização è à formação da convicção do julgador
não encontra óbice na Súmula 7/STJ”, pois “a análise do enquadramento jurídico
dos fâtos expressamente mencionados no acórdão recorrido não constitui reexame
do contexto fá tico-probatório, e sim valoração jurídica dos fatos já delineados pelas
instâncias ordinárias”79. Por outras palavras, “A revaloração da prova constitui em
atribuir o devido valor jurídico a fato incontroverso, sobejamente reconhecido nas
instâncias ordinárias, prática admitida em sede de recurso especial, razão pela qual
não incide o óbice previsto no Enunciado n.° 7/STJ”80, isto é:
A errônea valoração da prova que dá ensejo à excepcional interven
ção do Superior Tribunal dejustiça na questão decorre de falha na
aplicação de norma ou princípio no campo probatório e não das
conclusões alcançadas pelas instâncias ordinárias com base nos
elementos informativos do processo81.
77. STJ, AgRg no AREsp 61.792/RO, rei. Sidnei Beneti, Terceira Turma, j. 27.03.2012, D Je
11.04.2012.
78. STJ, REsp 683.702/RS, rei. Felix Fischer, Quinta Turma, j. 01.03.2005, D J 02.05.2005,
p. 400.
79. STJ, AgRg no REsp 1617550/SC, rei. Reynaldo Soares Da Fonseca, Quinta Turma, j.
20.09.2016, D Je 26.09.2016.
80. STJ, REsp 1369571/PE, rei. Ricardo Villas Bóas Cueva, rei. p/ Acórdão Paulo de Tarso
Sanseverino, Terceira Turma, j. 22.09.2016, D Je 28.10.2016.
81. STJ, AgRg no AREsp 624.440/RS, rei. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j.
20.10.2015, D Je 27.10.2015.
A PRAGMÁTICA E O PROCEDIM ENTO DO ÔNUS DA PROVA
195
82. Sobre o tema, ver RAMOS, Vítor de Paula. O procedimento probatório no Novo CPC.
Em busca de interpretação do sistema à luz de um modelo objetivo de corroboração d as
hipóteses fáticas. In: JOBIM, Marco Félix; FERREIRA, William Santos (Coord;). D i r e i t o
p ro b a tó r io . Salvador: JusPodivm, 2016, p. 116-134.
83. Como bem observa Guilherme Recena Costa, “Existem, evidentemente, casos em que a
(im)possibilidade de revisão da questão —como sendo, respectivamente, ‘de fato’ ou ‘d e
direito’- não se discute, por serem hipóteses extremas e convencionalmente aceitas com o
tal. Assim, v.g., ninguém razoavelmente negará que a constatação dê que ‘um autom óvel
trafegava a 100 km por hora’ ou de que ‘chovia no momento do acidente’ é uma q u e s
tão Tática’(rectiits, que não interessa ao reexame por um Tribunal Superior); por o u tro
lado, é seguramente ‘jurídica’ ( re c tiu s , passível de revisão por um Tribunal Superior) a
afirmação de que, em princípio, ‘qualquer condutor está obrigado a obedecer aos lim ites
máximos de velocidade sinalizados para a via’. Nessas hipóteses, há verdadeiro consenso
doutrinário e jurisprudencial, e o problema, nessa medida, sequer chega a colocar-se.
196 ÔNUS DA PROVA N O NOVO C PC
zona cinzenta, ou seja, um a zona gris entre o fato e o direito. São essas as questões
q u e dificultam a solução que tradicionalmente é outorgada ao problema.
Toda a questão debatida no processo envolve, rigorosamente, tanto fato quanto
direito. Para o bem da verdade, só é possível falar em termos de maior ou menor
preponderância84. Nas hipóteses em que se revela difícil estabelecer tal sorte prepon
derância da natureza f ática ou de direito —a questão da “hipossuficiência” consiste
em um bom exemplo - , a distinção binária (questão de fato/questão de direito)
n ão serve como critério seguro para definir sobre a admissibilidade do exame pelo
Superior Tribunal de Justiça ou pelo Supremo Tribunal Federal85.
Mas o dilema logo reaparece se indagarmos acerca da natureza de uma questão nos mol
des da seguinte: o automóvel guardava a ‘d is tâ n c ia d e s e g u ra n ç a ’ em relação aos demais
veículos, considerando ‘a v e lo c id a d e e a s co n d iç õ e s d o local, d a circu la çã o , d o v e ic u lo e as
c o n d iç õ e s c lim á tic a s ’ (cf. preconiza o art. 29, II, Código de Trânsito Brasileiro)? Nesse - e
em inúmeros outros casos - a distinção convencional toma-se confusa e, mais do que
isso, im p r e s tá v e l, de modo que a solução para o problema da admissibilidade do recurso
especial deve ser buscada com base em outros critérios” (COSTA, Guilherme Recena.
S u p e r io r T rib u n a l d e J u s tiç a e re c u rso esp ecia l: análise da função e reconstrução dogmática.
Dissertação de mestrado. Faculdade de Direito da USP, 2011, p. 176).
84. O juízo quanto às alegações de fato não constitui ato cognitivo intelectual compreensivo
do elemento puramente fáüco. Não se traduz em pura atividade de conhecimento. Toda
fixação processual dos fatos, sem exceção, recebe, através da conversão da probabilidade
cognitiva ou científica na certeza exigida pela vida prática, a participação de um juízo de
valor. Na oportunidade do juízo, norma e caso concreto se encontram em um processo
dialético de recíproca e progressiva determinação (FASTORE, Baldassare. G iu d iz io ,
p ro v a , r a g io n p r a tic a : un approccio ermeneutico. Milano: Giuffrè, 1996, p. 14). O grau
de probabilidade do enunciado fático alcançado mediante determinada atividade pro
batória constitui reflexão que necessariamente pressupõe questões de direito, em razão
de ser indispensável considerar o contexto normativo no qual o juízo de fato é efetuado.
Exemplo disso se encontra na consideração das máximas de expèriência comum, fenô
meno que ostenta certo caráter normativo, mas inequivocamente lida com fatos. Por
isso é praticamente impossível estabelecer precisa distinção entre o ato de “reflexão”,
geralmente associado ao juízo de direito, e o ato de “percepção”, geralmente associado
ao juízo de fato (KNIJNIK, Danilo. O re c u rs o esp e c ia l e a re v isã o d a q u e s tã o d e f a t o p e lo
S u p e r io r T rib u n a l d e J u s tiç a . Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 163). Não há falar, com
efeito, em “juízo de fato” compreendendo o “fato” no “juízo” como se estivesse em
estado puro, pois o direito constitui pressuposto para a determinação dos fatos. Sobre
o assunto, LANES, Julio Cesar Goulart. F a to e d ire ito n ó p ro c e sso c iv il c o o p e r a tiv o . São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, passim.
85. MITIDIERO, Daniel. C o rte s S u p e rio re s e C o rte s Suprem as: do controle à interpretação, da
jurisprudência ao precedente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 90-91; COSTA,
Guilherme Recena. S u p e r io r T rib u n a l d e J u s tiç a e recurso especial: análise da função e recons
trução dogmática. Dissertação de mestrado. Faculdade de Direito da USP 2011, p. 176.
A PRAGMÁTICA E O PROCEDIMENTO DO ÔNUS DA PROVA | 197
86. COSTA, Guilherme Recena. Superior T rib u n a l d e Justiça e re c u rso especial: análise da
função e reconstrução dogmática. Dissertação de mestrado. Faculdade de Direito da
USR 2011, p. 178-182.
87. Sobre o tema da repercussão geral, MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel.
R e p e rc u s sã o g e r a l n o re c u rs o e x tr a o rd in á r io . São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
88. Assim, “Em se tratando de exceção à regra da impenhorabilidade - a qual, segundo
o contorno conferido pela construção pretoriana, se submete à necessidade de haver
benefício à entidade familiar e tendo em conta que o natural é a reversão da renda
da empresa familiar em favor da família, a presunção deve militar exatamente nesse
sentido e não o contrário. A exceção ã impenhorabilidade e que favorece o credor está
amparada por norma expressa, de tal modo que impor a este o ônus de provar a ausên
cia de benefício à família contraria a própria organicidade hermenêutica, inferindo-se
flagrante também a excessiva dificuldade de produção probatória. (..:) Sendo razoável
presumir que a oneração do bem em favor de empresa familiar beneficiou diretamente
a entidade familiar, impõe-se reconhecer, em prestígio e atenção à boa-fé (vedação de
venire contra f a c t u m p r o p r iu m ), a autonomia privada e ao regramentodegal positivado
no tocante à proteção ao bem de família, que eventual prova da inocorrência do bene
fício direto é ônus de quem prestou a garantia real hipotecária” (REsp 1413717/PR, rei.
Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 21.11.2013, D Je 29.11.2013).
89. Nesse sentido, “Culpado, em linha de princípio, é o motorista que colide por trás, in-
vertendo-se, em razão disso, o ‘onus probandi’, cábendo a ele a provà de desoneração
de sua culpa (STJ, REsp 198.196/RJ, rei. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma,
j. 18.02.1999, D J 12.04.1999, p. 164).
/
198 ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
nos autos comprovação da estada do autor no supermercado na hora dos fatos, bem com o
o registro da ocorrência não só do furto como da recuperação do veículo, onde constou
expressamente o desmanche parcial deste, não há falar em ausência de provas do ocorri
do. Teoria da redução do módulo de prova que se aplica” (Recurso Cível 710Q4474235,
Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, rei. Pedro Luiz Pozza, j. 28.01.2014).
92. No mesmo sentido, MACEDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi. Ônus da prova e su a
dinamização. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 217-218.
20G Ô N U S DA PROVA N O NOVO C PC
(art. 3o, § 5o, Lei 10.259/01; art. 2o, § 2o, Lei 12.153/09), o que não inclui, portanto,
aquelas que resolvem a questão da dinamização do ônus da prova.
A única novidade do novo CPC no que diz respeito ao ônus da prova fica
restrita à previsão da dinamização. Os critérios de distribuição ordinária seguem
exatam ente os mesmos. Assim, os problemas relativos ao direito intertemporal
p oderiam em tese surgir apenas no que diz respeito à aplicação da técnica da dina
m ização, visto que essa é pela prim eira vez consagrada na legislação93. Para o bem
da verdade, no entanto, trata-se de um falso problema.
Em bora seja uma novidade legislativa, a dinamização jamais dependeu da
existência de lei para que tivesse aplicação no processo civil brasileiro. Conforme
jã referido acima (Parte II, Capítulo 2.1), o fundamento teórico para a dinamização
encontra-se na imediata aplicabilidade dos direitos fundamentais mediante a uti
lização do postulado normativo aplicativo da razoabilidade. Por isso é que mesmo
n o s Casos alheios ao direito do consumidor, aos quais se aplica a regra adscrita do
art. 6o, VIII, CDC, a dinamização poderia ser aplicada.
A previsão contida nos parágrafos I o e 2o do novo Código de Processo Civil
veio a positivar a dinamização do ônus da prova, o que é louvável não apenas para
to rn a r claros os critérios que orientam a sua aplicação, mas especialmente pa
ra aqueles poucos que ainda praticam o direito processual civil com o vezo inspirado
na legalidade estrita. Considerada a opção teórica aqui adotada - a qual sustenta
q u e os direitos fundamentais não podem ser fragilizados em razão da omissão
do legislador - há pouca relevância fálar em problemas de direito intertemporal
n esse particular. Sublinhe-se: o CPC não criou a técnica da dinamização, apenas
prom oveu a sua positivação no\texto normativo.
Assim, se a aplicação da dinamização do ônus da prova é tema vinculado
a o s direitos fundam entais e encontra seu fundamento teórico na Constituição,
n ã o é o surgim ento do art. 373 e seus respectivos parágrafos, do CPC, que de
term in ará ou não a sua aplicação nos casos concretos. Nem mesmo o advento
do novo CPC será capaz de flexibilizar a preclusão atinente à existência de re
93. Sobre relação entre ônus da prova e direito intettemporal, ver ALVIM, Arruda; MICHELI,
Gian Antonio; JÜNIOR, Clito Fornaciari; PELUSO, Antônio Cezar. O ônus da prova e
o direito intertemporal. R e v is ta d e P ro cesso , São Paulo, n. 4, p. 227-230, out.-dez. 1976,
no qual os autores examinam o problema na perspectiva do então recente CPC/73.
A PRAGMÁTICA E O PROCEDIMENTO DO ÔNUS DA PROVA | 201
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222 ÔNUS DA PROVA N O NOVO CPC
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