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PROVA ILÍCITA

NO PROCESSO
De aco rd o com a N o va Reform a do
C ó d ig o de Processo Penal

Ia Edição (Ano 2009)


I a Reimpressão (Ano 2011)

E D IT O R A AFILIADA
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Editor: José Emani de Carvalho Pacheco

Soares, Fábio Aguiar Munhoz.


S676 Prova ilícita no processo: de acordo com a nova reforma
do Código de Processo Penal./ Fábio Aguiar Munhoz Soares./
Ia ed. (ano 2009), Ia reimpr./ Curitiba: Juruá, 2011.
146 p.

1. Prova ilícita. 2. Processo penal. I. Título.

CDD 345(22.ed)
CDU 343.2
Fábio Aguiar Munhoz Soares
Bacharel em direito pela PUCSP e Mestre pela Fadisp. Foi Procurador
do Estado de São Paulo, sendo atualmente Juiz de Direito e Professor em cursos
de graduação, pós-graduação e cursos preparatórios para carreiras jurídicas nas
áreas de Direito Penal e Processual Penal.

PROVA ILÍCITA
NO PROCESSO
D e aco rd o com a N o va Reform a do
C ó d ig o de Processo Penal

Ia Edição (Ano 2009)


I a Reimpressão (Ano 2011)

Curitiba
Juruá Editora
2011
A Andréa, minha esposa, com amor, admira­
ção e gratidão por seu imensurável apoio ao
longo do período de elaboração deste tra­
balho.
A Fernanda, Luíza e Carolina, minhas eter­
nas princesinhas.
AGRADECIMENTOS

Tarefa das mais ingratas é a tentativa de lembrança de todos


os que participaram de alguma forma do presente trabalho e que por
isso são merecedores de meus mais sinceros agradecimentos.
Permitam-me então, lembrar em primeiro lugar de Deus e de
Antonio Carlos, Regina Teresa, Rogério e Simone, minha família, sem
a qual não teria conseguido dar meus próprios passos, o que inclui
ainda Andréa, amor da minha vida, e Fernanda, Luíza e Carolina,
pequenos anjos enviados por Deus.
Agradeço ainda, os amigos do DIPO: Marcelo Matias, Luciana
Leal, Paulo Sorci, Long, Vinícius Peluso, Cláudia Ribeiro, Alex, Ivana,
Evandro e San toro, sem me esquecer ainda de Paulo Maree llus, pelas
dicas, Joel Surnow e Robert Cochran, pela inspiração, e de Marcos
Zilli, pelo empréstimo de livros, pelos ensinamentos e pela amizade.
Não posso esquecer também de minha madrinha na vida
at adêmica, D ra. Thereza Alvim, que sempre me incentivou e é respon­
sável, sem dúvida alguma, por grande parte da produção científica do
mundo do Direito no Brasil, seja pela PUCSP, onde me graduei, seja
ainda pela Fadisp, novel instituição marcada pela excelência de seus
/mofessores e alunos, a quem também rendo minhas homenagens.
“Os valores fundamentais do ser humano
são diversos, nem todos compatíveis entre si.
A possibilidade de conflito e tragédia nunca
poderá ser eliminada por completo, nem na
vida pessoal nem na social. A necessidade de
se eleger entre os valores é, pois, urna ca­
racterística humana da qual não se pode fu ­
gir. A liberdade é um desses valores e por
isso precisa ser definida”.

Isaiah Berlin (1909-1993)


SUMARIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................15

1- HISTÓRICO DA ADMISSIBILIDADE DA PROVA ILÍCITA NO


PROCESSO NO BRASIL..................................................................................19
1.1 Constituição Política do Império do Brasil de 1824............................ 19
1.2 Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891... 21
1.3 Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934.... 22
1.4 Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937...........................23
1.5 Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946...........................23
1.6 Constituição da República Federativa do Brasil de1967..................... 24
1.7 Emenda Constitucional 1, de 1969...................................................... 25
1.8 Constituição da República Federativa do Brasil de1988.................... 26
2 - BREVE HISTÓRICO ACERCA DA ADMISSIBILIDADE DA
PROVA ILÍCITA NO PROCESSO EM OUTROS PAÍSES.........................29
2.1 Itália.................................................................................................... 29
2.2 Alemanha............................................................................................ 30
2.3 Estados Unidos da América................................................................ 32
2.4 Espanha................................................................................................34
3 ~ VERDADE E PROVA................................................................................ 37

3.1 Breves Anotações Sobre o Conceito de Verdade............................... 37


3-2 Conceituação de Verdade (Marilena Chauí)...................................... 39
3.3 Verdade Substancial e Verdade Fonnal............................................. 40
3-4 Verdade Formal ou Mentira Formal no Processo - Uma Visão
Crítica.................................................................................................. 42
3-5 Busca da Verdade pela Prova............................................................. 44
14 Fábio Aguiar Munhoz Soares

4 -P R O V A ........................................................................................................ 47
4.1 Breves Anotações Sobre o Conceito de Prova....................................47
4.2 Classificações Sobre Prova................................................................. 49
4.3 Prova Ilícita no Processo e Suas Consequências.................................51
4.4 Correntes Doutrinárias Acerca da Admissibilidade da Prova Ilícita.....53
4.5 Princípio da Proporcionalidade e sua Aplicabilidade na Admissão
da Prova Ilícita no Processo................................................................ 60
4.6 Nossa Posição...................................................................................... 63
5 - INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL E COLISÃO ENTRE
PRINCÍPIOS...................................................................................................... 73

6 - PROVAS ILÍCITAS POR DERIVAÇÃO.................................................77

7 - PROVAS ILÍCITAS EM ESPÉCIE E O ENTENDIMENTO


JURISPRUDENCIAL....................................................................................... 83
7.1 Prova em Áudio (Interceptação, Escuta e Gravação Telefônicas)....83
7.2 Interceptação Ambiental...................................................................... 89
7.3 Busca e Apreensão.............................................................................. 93
7.4 Tortura................................................................................................108
8 - PROVA ILÍCITA E O CÓDIGO DE PROCESSO PENAL: ART. 157... 115

9 - PROVA ILÍCITA E O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL.......121

CONCLUSÃO..................................................................................................127

REFERÊNCIAS............................................................................................. 131

ANEXO............................................................................................................. 137

ÍNDICE ALFABÉTICO..................................................................................141
INTRODUÇÃO

Em tempos de sociedade globalizada e de violência acentua­


da tanto no país quanto no mundo, importante tema que se põe em
debate é o da correspondência entre os veredictos do Poder judiciário
e a realidade fática no que toca à ocorrência, ou não, dos fatos tal
como narrados nas lides forenses, ou seja, de corresponder a solução
dada pelo Poder Judiciário às lides a ele submetidas ao que realmente
ocorreu na fattispecie, eis ser mesmo de interesse da sociedade a apu-
raçeão dos fatos tal como ocorridos, o que, em última análise, corres­
ponde ao controle pela sociedade das decisões judiciais, possibilitan­
do-se assim a concretização do ideal de acesso a uma ordem jurídica
justa.
Com efeito, nas lides submetidas ao Poder Judiciário espera-
se que, após o devido processo legal, haja o máximo de aproximação
entre a verdade que pode ser conhecida do homem e aquela corres­
pondente aos fatos realmente ocorridos, não sendo demais dizer valer-
se o Poder judiciário em seu mister da prova, que é o instrumento por
meio do qual se forma a convicção do juiz a respeito da ocorrência ou
inocorrência dos fatos controvertidos no processo. Com ela, v.g., apu­
ra-se a autoria, ou não, de determinado fato considerado como crime
Pela lei penal e, verificada a autoria, subtrai-se do acusado o seu maior
bem: a liberdade. Em outras esferas, como, por exemplo, a do Estatuto
‘lo Idoso, possibilita-se, colhida a prova e apurados os fatos, assegurar
11 proteção integral ao idoso, que é prevista pelo legislador constituinte
‘‘‘»mo tutela constitucional diferenciada (CF, art. 230).
A sensação de injustiça que podem decisões judiciais acar-
retar quando o veredicto proclamado não corresponde ao que de fato
‘’correu na espécie fática, ainda que haja, in casu, provas cabais do
b'to ocorrido, não podem ficar à mercê de análise mais aprofundada,
16 Fábio Aguiar Munhoz Soares

mormente pelo fato de não se ignorar em tais casos, quando não existe
a aludida correspondência, ad exemplum, absolvições criminais serem
baseadas em julgamentos nos quais há convicção total e inequívoca
pelo magistrado de ser aquele sujeito posto no banco dos réus o ver­
dadeiro responsável pelo crime ocorrido, mas que não pode ser conde­
nado por haver, in casu, prova ilícita, que, pela Constituição Brasileira,
não é admitida no processo (art. 5o, inc. LVI), ainda que exprima a
verdade dos fatos.
Doutrina e jurisprudência, entretanto, a par da expressa ve­
dação constitucional quanto à inadmissibilidade da prova ilícita no
processo, são concordes quanto ao fato de se admitir a prova ilícita na
esfera criminal, mas dês que em favor do réu, numa interpretação be­
nevolente e em prol do princípio da dignidade da pessoa humana, não
admitindo, assim, é certo dizer, a prova ilícita em situação oposta, ou
seja, quando militar esta em prol da sociedade, ainda que em certos
casos a única forma possível de se verificar e constatar a culpabilidade
do réu seja por meio da utilização de prova obtida por meio ilícito.
Pouco se diz ainda da possibilidade de utilização de tal espé­
cie de prova em lides envolvendo outros ramos do direito, envolven­
do, v.g., direitos da criança e do adolescente, o que não se pode igno­
rar, dado ter adotado a Constituição Federal, em seu art. 227, o princí­
pio da proteção integral, assegurando à criança e ao adolescente, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educa­
ção, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito,
à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los
a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, vio­
lência, crueldade e opressão.
O mesmo se diga, ad exemplum, em relação ao meio ambien­
te, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade, pelo art. 225, da Cons­
tituição Federal, o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes
e füturas gerações.
Diante de tal panorama, a dúvida que surge não poderia ser
outra senão aquela, atinente à possibilidade de utilização nos proces­
sos de provas ilícitas em situações previstas pelo legislador consti­
tuinte como merecedoras de tutela diferenciada, em se considerando
para tanto o fato de ter a Constituição Federal vedado a admissibilida­
de da prova ilícita de forma peremptória nos processos, mas de forma
Prova Ilícita no Processo 17

genérica, impondo, em contrapartida, ao Poder Público a salvaguarda


de algumas espécies de direito e de forma diferenciada, como acima
visto, o que evidencia, quer nos parecer, a possibilidade de utilização
de provas ilícitas em situações excepcionais, sob pena de tomar letra
morta o texto constitucional, caso não se dê a devida proteção aos
bens jurídicos escolhidos pelo legislador constituinte como merecedo­
res de proteção especial.
Abusos e injustiças não podem ser perpetuados em prol de
um exagerado positivismo, afastando-se assim, provas tendentes a
aproximar o julgador da verdade substancial, o que pode ser perfeita­
mente conseguido com a harmonização de princípios constitucionais,
o que se verá no decorrer do presente estudo.
O bom senso do magistrado é o que se espera na solução da
problemática e somente a análise do bem jurídico posto em debate é
que revelará em que situações poderá a prova ilícita ser admitida,
afastando-se assim, desde logo posições absolutistas adotadas pela
doutrina e jurisprudência pátrias quanto à inadmissibilidade da prova
ilícita no processo ou mesmo de seu ingresso no processo sem que
seja feita qualquer restrição.
/
1

HISTÓRICO DA ADMISSIBILIDADE DA
PROVA ILÍCITA NO PROCESSO NO
BRASIL

Ao longo de sua história, teve o Brasil sete Constituições;


uma, no período monárquico e seis no período republicano, denotan-
do-se da história política do país ter havido a cada mudança política e
social uma nova Constituição para fins de inauguração de um novo
modelo sociopolítico escolhido pelos seus representantes.
Nesse sentido, é de extrema importância o estudo das Cons­
tituições brasileiras para entender como o referido tema foi visto ou
lembrado pelo legislador de cada época.

11 CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DO IMPÉRIO DO BRASIL DE 1824

Em 25.03.1824, deu-se a outorga da Constituição Política do


Império do Brasil pelo imperador D. Pedro I. A referida Constituição
estabelecia um governo monárquico, hereditário, constitucional, repre­
sentativo e afirmava que o império era a associação política a todos os
cidadãos brasileiros. Também estabelecia que cidadãos brasileiros
eram os que, nascidos no Brasil, fossem “ingênuos” (filhos de escra­
vos nascidos livres) ou libertos, além daqueles que, apesar de nascidos
cm Portugal ou em suas possessões, residissem no Brasil (...) “na épo-
ca em que se proclamou a independência”, e que tivessem aderido a
c ia .
20 Fábio Aguiar Munhoz Soares

A Constituição não tratava explicitamente das provas, mas


tomava o cuidado de proteger um dos maiores bens do cidadão: a li­
berdade. Assim, proibia-se a entrada da polícia nas casas durante a
noite, permitindo tal ato apenas nos casos de emergência, como incên­
dio, sendo necessário, durante o dia, ordem judicial1. A prisão deveria
ser feita apenas com acusação formal, salvo nos casos de flagrante e
penas, como torturas, não eram admitidas, inviolável ainda o sigilo
epistolar2.
Mesmo sendo uma Constituição outorgada e, por assim di­
zer, absolutista, extrai-se de seu teor certa preocupação em formular
normas que evitassem provas que denegrissem ou desrespeitassem os
direitos naturais dos seres humanos, como a dignidade, honra e inti­
midade, não sendo demais dizer, a referida Constituição nada asseve­
rar sobre a inadmissibilidade de provas ilícitas, tratando apenas da
garantia do sigilo das correspondências e a proibição da entrada da
polícia nas casas sem devida autorização, salvo em casos especiais.

1 Art. 179, VII - Todo o Cidadão tem em sua casa um asylo inviolável. De noite não se poderá
entrar nella, senão por seu consentimento, ou para o defender de incêndio, ou inundação; e de
dia só será franqueada a sua entrada nos casos, e peia maneira, que a Lei determinar.
2 Art. 179, VIII - Ninguém poderá ser preso sem culpa formada, excepto nos casos declarados
na Lei; e nestes dentro de vinte e quatro horas contadas da entrada na prisão, sendo em Ci­
dades, Villas, ou outras Povoações próximas aos togares da residência do Juiz; e nos togares
remotos dentro de um prazo razoavel, que a Lei marcará, attenta a extensão do terrítorío, o
Juiz por uma Nota, por elle assignada, fará constar ao Réo o motivo da prisão, os nomes do
seu accusador, e os das testemunhas, havendo-as.
I X - Ainda com culpa formada, ninguém será conduzido á prisão, ou nella conservado estando
já preso, se prestar fiança idônea, nos casos, que a Lei a admitte: e em geral nos crimes, que
não tiverem maior pena, do que a de seis mezes de prisão, ou desterro para fóra da Comarca,
poderá o Réo livrar-se solto.
X - À excepção de flagrante delicto, a prisão não pôde ser executada, senão por ordem
cripta da Autoridade legitima. Se esta fôr arbitraria, o Juiz, que a deu, e quem a tiver requerido
serão punidos com as penas, que a Lei determinar. O que fica disposto acerca da prisão antes
de culpa formada, não comprehende as Ordenanças Militares, estabelecidas como necessári­
as á disciplina, e recrutamento do Exercito; nem os casos, que não são puramente criminaes,
e em que a Lei determina todavia a prisão de alguma pessoa, por desobedecer aos mandados
da justiça, ou não cumprir alguma obrigação dentro do determinado prazo.
X I X - Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais
penas cruéis.
XXVil - O Segredo das Cartas é inviolável. A Administração do Correio fica rigorosamente
responsável por qualquer infracção deste Artigo.
Prova Ilícita no Processo 21

1.2 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS


DO BRASIL DE 1891

Após a proclamação da República em 15.11.1889, os repre­


sentantes do povo brasileiro reuniram-se em Congresso Constituinte e,
inspirados na tradição republicana dos Estados Unidos, promulgaram
a Constituição Republicana, de 24.02.1891.
Com ela, instituiu-se a forma federativa de Estado e a forma
republicana de governo3.
Foi adotada a teoria de separação dos poderes de Montesquieu,
repartindo-o em três funções: Poder Legislativo, Executivo e Judiciá­
rio, independentes e harmônicos4.
Previu-se expressamente o habeas corpus5 e, da mesma for­
ma que a Constituição anterior, esta também não previu a admissibili­
dade, ou não, de determinado tipos de provas a serem produzidas pelas
partes para fins de apuração e identificação da autoria de determinado
delito, ressaltando-se, seguindo ainda os moldes da Carta Magna de
1824, a proibição da entrada da polícia nos lares do cidadão sem a
devida autorização, salvo nos casos de emergência e a prisão sem a
pronúncia do indiciado, com exceção dos casos de flagrante delito6.
Em seu art. 72, § 18, determinava a referida Constituição ser
inviolável o sigilo da correspondência, presumindo-se, pois, a preser­
vação da intimidade do cidadão7.

3 A rt 1o. A Nação brasileira adota como forma de Governo, sob o regime representativo, a
República Federativa, proclamada a 15.11.1889, e constitui-se, por união perpétua e indissolú­
vel das suas antigas Províncias, em Estados Unidos do Brasil.
4 Art. 15. São órgãos da soberania nacional o Poder Legislativo, o Executivo e o Judiciário,
harmônicos e independentes entre si.
5 Art. 72, § 22 Dar-se-á o habeas corpus, sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em imi­
nente perigo de sofrer violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder.
Art. 72, § 1 1 A casa é o asilo inviolável do indivíduo; ninguém pode aí penetrar de noite, sem
consentimento do morador, senão para acudir as vítimas de crimes ou desastres, nem de dia,
senão nos casos e pela forma prescritos na lei.
§ 1 3 A exceção do flagrante delito, a prisão não poderá executar-se senão depois de pronún­
cia do indiciado, salvo os casos determinados em lei, e mediante ordem escrita da autoridade
competente.
Art. 72, § 1 8 É inviolável o sigilo da correspondência.
22 Fábio Aguiar Munhoz Soares

1.3 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS


DO BRASIL DE 1934

Com a tomada do poder realizada por Getúlio Vargas, foi


promulgada pela Assembléia Constituinte durante o seu primeiro go­
verno em 16.07.1934 a Constituição da República dos Estados Unidos
do Brasil, reproduzindo a essência do modelo liberal anterior.
Suas mudanças foram marcadas pela constitucionalização
dos direitos sociais, estabelecendo-se um título específico para a or­
dem econômica e social (Título IV), criando-se ainda o mandado de
segurança e a ação popular no capítulo dos direitos e garantias indivi­
duais8, estabelecendo também dois mecanismos de reforma constitu­
cional: a revisão e a emenda.
Mais uma vez não se pronuncia o texto constitucional sobre
os tipos de provas a serem produzidas, classificando-as como lícitas
ou ilícitas. Apenas repete o texto da Constituição de 1891, ao declarar
ser inviolável o sigilo das correspondências, entrada nos lares sem
prévia autorização, excetuando os casos de emergência e a proibição
de prisão sem ordem escrita da autoridade competente, salvo nos casos
de flagrante delito9.

8 Art. 113. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabi­


lidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à proprie­
dade, nos termos seguintes:
§ 33 Dar-se-á mandado de segurança para defesa do direito, certo e incontestável, ameaçado
ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade. 0 proces­
so será o mesmo do habeas corpus, devendo ser sempre ouvida a pessoa de direito público
interessada. O mandado não prejudica as ações petitórias competentes.
§ 38 Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a declaração de nulidade ou anulação
dos atos lesivos do patrimônio da União, dos Estados ou dos Municípios.
9 Art. 133, § 8° É inviolável o sigilo da correspondência.
§ 16 A casa é o asilo inviolável do indivíduo. Nela ninguém poderá penetrar, de noite, sem
consentimento do morador, senão para acudir a vitimas de crimes ou desastres, nem de dia,
senão nos casos e pela forma prescritos na lei.
§ 21 Ninguém será preso senão em flagrante delito, ou por ordem escrita da autoridade com
petente, nos casos expressos em lei. A prisão ou detenção de qualquer pessoa será imeai
tamente comunicada ao Juiz competente, que a relaxará, se não for legal, e promoverá, se
pre que de direito, a responsabilidade da autoridade coatora.
Prova Ilícita no Processo 23

1.4 CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL DE


1937

Em 10.11.1937, com um golpe liderado pelo Presidente Getúlio


Vargas, justificado pela idéia da continuidade dele no poder, iniciou-
se o Estado Novo, que duraria até 1945.
Neste período conturbado foi outorgada a Constituição de
1937, denominada de Constituição Polaca, eis ter sido inspirada pela
Carta Polonesa de 1935 e que tinha como principal característica a
redução dos direitos individuais, desconstitucionalizando, portanto, o
mandado de segurança e a ação popular, preservando, entretanto, o
habeas corpus.
Não faz menção à produção de provas nos processos judi­
ciais, declarando quais são lícitas ou não, repetindo-se, é bom dizer, o
sigilo das correspondências e a inviolabilidade dos domicílios10.

1.5 CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL DE


1946

A entrada do Brasil na guerra ao lado dos aliados teve efeitos


irreversíveis para o Estado Novo, uma vez que, ao lutar contra o regi­
me ditatorial nazi-fascista, colocou-se em conflito o próprio ideal de
conservação de uma ditadura no país.
Com o fim do Estado Novo, em 1945, decorrente da queda
ile Vargas, inicia-se um período de redemocratização, que culminou
'ia promulgação da Constituição de 1946, reduzidas as atribuições do
1’oder Executivo, que, na Constituição precedente o tomaram um ver­
dadeiro ditador, com a interferência nos outros poderes, estabelecen-
1° 'sc novo equilíbrio entre os poderes. Devolvem-se a independência
l|os três poderes, a autonomia dos Estados e a dos Municípios e a elei­
ção direta para presidente da República, com mandato de cinco anos.
Restabelecem-se os direitos individuais, extinguindo-se a
Censura e a pena de morte, constitucionalizando-se novamente o man-*

*üh' l 22- A Consf,íty,Ção assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito à
s o ' de' à se9urarÇa individual e à propriedade, nos termos seguintes:
s 6 A inviolabilidade do domicilio e de correspondência, salvas as exceções expressas em lei.
24 Fábio Aguiar Munhoz Soares

dado de segurança para proteger direito líquido e certo não amparado


por habeas corpus, e a ação popular1*.
A propriedade foi condicionada à sua função social, possibi­
litando a desapropriação por interesse social111213.
Não se faz menção expressa à produção de provas nos pro­
cessos judiciais, repetindo-se o de sempre: o sigilo das correspondên­
cias e a inviolabilidade dos domicílios12.

1.6 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL


DE 1967

Segundo José Celso de Mello Filho, a Constituição republi­


cana de 1967 foi formalmente discutida, votada, aprovada e promul­
gada pelo Congresso Nacional, que, convocado pelo Marechal Castelo
Branco, no exercício da Presidência da República, reuniu-se extraor­
dinariamente para este fim.
Contudo, o Congresso Nacional que deliberou sobre o referi­
do projeto, de autoria do Ministro da Justiça Carlos Medeiros Silva e
de Francisco Campos, não mais se apresentava como órgão revestido
de legitimidade política em razão das ofensas e arbitrariedade perpe­
tradas pelo regime revolucionário militar. Ainda, é necessário estabe­
lecer que o Congresso Nacional não reconheceu a faculdade de subs-

11 Art. 141. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à proprie­
dade, nos termos seguintes:
§ 24 Para proteger direito liquido e certo não amparado por habeas corpus , conceder-se-á
mandado de segurança, seja qual for a autoridade responsável pela ilegalidade ou abuso de
poder.
§ 38 Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulida­
de de atos lesivos do patrimônio da União, dos Estados, dos Municípios, das entidades autár­
quicas e das sociedades de economia mista.
12 § 16 Ê garantido o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou
utilidade pública, ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro. Em
caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, as autoridades competentes po­
derão usar da propriedade particular, se assim o exigir o bem público, ficando, todavia, asse­
gurado o direito a indenização ulterior.
13 § 6 ° É inviolável o sigilo da correspondência.
§ 1 5 A casa é o asilo inviolável do indivíduo. Ninguém, poderá nela penetrar à noite, sem con­
sentimento do morador, a não ser para acudir a vitimas de crime ou desastre, nem durante o
dia, fora dos casos e pela forma que a lei estabelecer.
Prova Ilícita no Processo 25

tituir o projeto constitucional encaminhado pelo Executivo por outro,


de autoria dos próprios parlamentares.
Deste modo, verdadeiramente, a promulgação deste texto
constitucional pelo Congresso Nacional escondeu um verdadeiro ato
de outorga constitucional, tendo havido ainda, a concentração de po­
deres na União e a privilégio do Poder Executivo em detrimento dos
outros Poderes, baseando toda a estrutura de poder na Segurança Na­
cional14, ainda que houvesse previsão de alguns direitos, tal como nas
Constituições anteriores15.

1.7 EMENDA CONSTITUCIONAL 1, DE 1969

Em 17.10.1969, a Constituição Brasileira sofreu profundas


alterações em decorrência da Emenda Constitucional 1, outorgada pela
junta militar, que assumiu o Poder no período em que o Presidente
Costa e Silva esteve doente, sendo considerada por especialistas, em
que pese ser formalmente uma emenda, uma nova Constituição.
Como explica o professor José Afonso da Silva, "... não se
tratou de emenda, mas de nova constituição. A emenda só serviu
como mecanismo de outorga, uma vez que verdadeiramente se pro­
mulgou texto integralmente reformado, a começar pela denominação

14 MELLO FILHO, José de Celso. Constituição Federal Anotada. São Paulo: Saraiva, 1984.
p. 52.
15 Art. 150. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a
inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes:
§ 9° São invioláveis a correspondência e o sigilo das comunicações telegráficas e telefônicas.
§ 10 A casa é o asilo inviolável do indivíduo. Ninguém pode penetrar nela, à noite, sem con­
sentimento do morador, a não ser em caso de crime ou desastre, nem durante o dia, fora dos
casos e na forma que a lei estabelecer.
§ 21 Conceder-se-á mandado de segurança, para proteger direito individual liquido e certo não
amparado por habeas co rp u s, seja qual for a autoridade responsável pela ilegalidade ou abuso
de poder.
§ 22 É garantido o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou
utilidade pública ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro, res­
salvado o disposto no art. 157, § 1o. Em caso de perigo público iminente, as autoridades com­
petentes poderão usar da propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulte­
rior.
§ 31 Qualquer cidadão será parte legítima para propor ação popular que vise a anular atos le­
sivos ao patrimônio de entidades públicas.
26 Fábio Aguiar Munhoz Soares

que se lhe deu: Constituição da República Federativa do Brasil, en­


quanto a de 1967 se chamava apenas Constituição do Brasil”16.
As três principais alterações promovidas pela citada emenda
constitucional foram: estabelecimento de eleições indiretas para o
cargo de Governador de Estado, ampliação do mandato presidencial
para cinco anos e extinção das imunidades parlamentares.
Incorporou ainda em suas disposições transitórias os disposi­
tivos do Ato Institucional 5, de 1968, permitindo ao presidente, entre
outras coisas, o fechamento do Congresso, cassação de mandatos e
suspensão de direitos políticos, dando ainda aos governos militares
completa liberdade de legislar em matéria política, eleitoral, econômi­
ca e tributária. Na prática, o Executivo substituiu o Legislativo.
A referida Emenda, ou Constituição, como alguns preferem
denominá-la, não discorreu sobre a licitude, ou não, de provas, assegu­
rando, entretanto, como as demais Constituições, o sigilo das corres­
pondências, comunicações telegráficas e telefônicas17, o que talvez não
signifique muito, dado ser de conhecimento de todos o que se passou
em nosso país durante a vigência da referida emenda.

1.8 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL


DE 1988

Em 27.11.1985, pela Emenda Constitucional 26, foi convo­


cada Assembléia Nacional Constituinte, com a finalidade de elaborar
novo texto constitucional que expressasse a nova realidade social, com
o término do regime ditatorial e o período de reabertura democrática
que se seguia, sendo em 05.10.1988 promulgada a Constituição da
Republica Federativa do Brasil.
Após o período ditatorial, o Poder Constituinte de 1988 tra­
tou de assegurar princípios e objetivos fundamentais com a finalidade
de possibilitar o integral desenvolvimento do ser humano, tendo como

16 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 28. ed. São Paulo: Malheiros,
2007. p. 105.
17 Art. 153. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pais a
inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos
têrmos seguintes:
§ 9 ° É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas e telefônicas.
Prova Ilícita no Processo 27

base o princípio da dignidade da pessoa humana18, havendo por parte


do legislador constituinte preocupação com a elaboração detalhada de
cada direito e garantia do cidadão, o que pode ser facilmente explica­
do pelo passado não tão distante de ataques a direitos e garantias do
cidadão, o que exigia, fossem doravante tais direitos explicitados ou
minudenciados à exaustão a fim de prevenir eventuais retrocessos no
cumprimento dos direitos e garantias do cidadão, passando o Estado a
reconhecer tais direitos e garantias como cláusula pétrea e, portanto,
imutáveis, nos termos do art. 60, § 4o, IV, da CF19.
Anteriormente à Constituição de 1988, como já visto, nada se
falava acerca da inadmissibilidade da prova ilícita no processo, o que,
por conseguinte, fazia com que se acreditasse não fosse ela vedada no
sistema processual, especialmente no direito de família, sendo tal po­
sição justificada pelo pensamento dominante de que certos direitos
ligados ao estado das pessoas teriam de merecer tratamento especial,
que prestigiasse a busca da verdade real20.
Encontramos em nossa Carta Magna, entretanto, no art. 5o, a
regra da inadmissibilidade no processo das provas obtidas por meios
ilícitos21 (escopo do presente trabalho) no que toca a sua possível
flexibilização, dada a existência de situações extremas a indicarem ser
a admissibilidade da prova ilícita o caminho certo a tomar, ainda que o
texto constitucional trate de forma peremptória a inadmissibilidade da
prova ilícita como norte a ser seguido.

18 Art. 1o. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:
I - a soberania:
II - a cidadania;
I I I - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo politico.
19 Art. 60.
§ 4o Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir.
I V - os direitos e garantias individuais.
20 Com efeito, o Min. Raphael de Barras Monteiro demonstra tal raciocínio ao asseverar: “os
Tribunais têm de julgar conforme as provas que lhe são apresentadas e não lhes compete inves­
tigar se elas foram bem ou mal adquiridas pelo respectivo litigante. Essa investigação é estranha
ao processo e o juiz que a fizer exorbitará de suas atribuições processuais". Prova. Gravação de
conversa telefônica. Captação por meio criminoso. Violação de sigilo de correspondência. Meio
Probatório não previsto em lei. Livre apreciação, todavia pelo juiz (R T 194/157).
Art. 5o, LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.
2

BREVE HISTÓRICO ACERCA DA


ADMISSIBILIDADE DA PROVA ILÍCITA
NO PROCESSO EM OUTROS PAÍSES

2.1 ITÁLIA

Em 1988, com a entrada em vigor do Código de Processo


Penal Italiano, o tema referente à admissibilidade da prova ilícita re­
cebeu tratamento similar àquele existente atualmente no Brasil22, não
sendo demais dizer, haver notícias na doutrina processual penal italia­
na no período anterior à vigência do Código de Processo Penal Italia­
no acerca de intenso debate entre os que defendiam a admissibilidade
da prova ilícita no processo e outros que entendiam pela sua inadmis­
sibilidade23.

22 Dispõe o art. 191 daquele Código: “1. Le prove acquisite in violazione dei divieti stabiliti dalla
legge non possono essere utilizate" 2. Vinutilizzabilità è rilevabile anche di ufficio in ogni stato
e grado dei procedimento’’, tendo TONINI, Paolo (A Prova no Processo Penal Italiano. Tra­
dução de Daniela Mróz e Alexandra Martins. São Paulo: RT, 2002. p. 77) anotado que "... a
proibição idônea a gerar a inutilizabilidade é somente aquela prevista por uma norma proces­
sual. Isso pode ser extraído do nomen iuris do art. 191 do CPP, que se refere às provas ilegi­
timamente adquiridas. Se a proibição tivesse como objeto a violação de uma lei penal subs­
tancial, teria sido utilizada a expressão ‘p rova ilicitamente adquirida'. Em contrapartida, o
nomen iuris do art. 191 refere-se às provas 'ilegitimamente adquiridas'. Portando, as provas
obtidas por meio de violação de uma norma da lei penal substancial (denominadas provas ilí­
citas) são, em regra, utilizáveis: tornam-se inutilizáveis se for violada uma norma processual
^ específica que disponha nesse sentido (exemplo: art. 188 do C P P f.
Nesse sentido, AVOLIO, Luiz Francisco Torquato (Provas Ilícitas. Interceptações telefôni­
cas, ambientais e gravações clandestinas. São Paulo: RT, 2003. p. 47) “(.■■) a maior parte
da doutrina rechaçava as posturas em proi da admissibilidade das provas ilícitas. Vescovi prin-
30 Fábio Aguiar Munhoz Soares

Prevalece, entretanto, hodiemamente, na doutrina italiana, a


ideia de que o vício resultante da prova ilícita é de tal força que ne­
nhuma decisão ou juízo dela pode ser extraído24, o que contraria, en­
tretanto, o entendimento jurisprudencial vigente, segundo o qual a
aplicação do dispositivo referente à inutilizzabilità só tem cabimento
em situações em que haja uma violação direta e expressa de uma proi­
bição determinada, afastando-se, portanto, a regra da inutilizzabilità
quando se trata da apreensão do próprio corpo de delito ou outras pro­
vas relevantes à elucidação do crime25, sob pena de negativa de vigên­
cia ao art. 253, do Código de Processo Penal Italiano26'"7.

2.2 ALEMANHA

Tal como no direito processual penal italiano, há também no


direito processual penal alemão norma expressa dispondo acerca da
inadmissibilidade da prova ilícita no processo28, sustentando, outros-

c/piava por negar o conf/ífo entre o interesse privado da defesa de um direito violado com a
obtenção da prova ilícita e o superior interior público a ser atingido através do processo. Situa­
va o conflito, assim, entre dois interesses públicos diversos: o da Justiça, pela busca da verda­
de e o do respeito aos direitos individuais fundamentais. Acentuava que o processo não se re­
sume a uma disputa, na qual triunfa o mais hábil, forte ou poderoso, mas num instrumento que
tende a consagrar uma conduta valiosa, conforme à regra moral e aos princípios da lealdade e
da probidade. No mesmo sentido, Allorio e Nuvolone. Nuvulone criticava a posição de Cordero,
segundo o qual a ilicitude da prova não a torna inadmissível, salvo se esta for em si mesma
inadmissível, ou se ocorre uma violação da norma processual, mas reconhece sua engenhosi-
dade".
24 GALANTINI, Novella. L’inutilizzabilità della prova nel processo penale. Padova' Cedam
1992. p. 65.
25 ÁVILA, Thiago André Pierobom de. Provas ilícitas e proporcionalidade. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2007. p. 195.
26 Art. 253. (Oggeto e formalité del sequestro) - 1. L’autorité giudiziaria dispone con decreto
motivate il sequestro del corpo del reato e deite cose pertinenti ai reato necessarie per
I’accertamento dei fatti.
2. Sono corpo del reato le cose suite quali o mediante ie quali il reato é stato commesso non-
ché le cose che ne costituiscono il prodotto, il profitto o il prezzo.
3. Al sequestro procede personalmente 1’autorítá giudiziaria ovvero un ufficiale di polizia giudi­
ziaria delegato com lo stesso decreto.
4. Copia del decreto di sequestro é consegnata aii'interessato, se presente.
27 Tal entendimento, é o que anota ÁVILA, Thiago André Pierobom de. (Provas... Op. cit, p. 195)
restringe sobremaneira as disposições concernentes ao art. 191 do Código de Processo Penal
Italiano.
28 Nesse sentido, observa AVOLIO, Luiz Francisco Torquato (Provas... Op. cit, p. 49), “O legis­
lador, com surpreendente tempestividade, intervém já em 1950 para introduzir o “novo" § 136,
Prova Ilícita no Processo 31

sim, a doutrina alemã, não poder ser validada a prova produzida com
infração ao direito material.
É a jurisprudência alemã, outrossim, o marco inicial da apli­
cação da teoria da proporcionalidade ( VerhãltnismàBigkeitsgrundsatz)
ou da razoabilidade29/30, pela qual se diminuem de certa forma os rigo­
res do tratamento dispensado à prova ilícita no que toca à sua vedação,
já que a partir de tal teoria nenhuma garantia constitucional passa a ter
valor absoluto, sobrepondo-se à outra de mesmo grau, devendo sem­
pre ser valorados os direitos postos em análise, tolerando-se, pois,
eventual detrimento a algum direito, ainda que de natureza constitu­
cional293031, dês que no sopesamento de valores se verifique a existência
naquele momento de outro valor mais relevante32, o que será objeto de
nossos estudos mais adiante.

a, da Strafprozessoronung, pela qual se excluem expressamente não só os maus-tratos e a


aplicação de sofrimentos físicos, como as substâncias aptas a alterar, reduzir ou oprimir a ca­
pacidade de entendimento e as faculdades mnemónicas do sujeito, como também toda forma
de violência moral ou pressão dolosa realizada com expedientes inadmissíveis ou promessas
de vantagens ilícitas. E a essa proibição se acrescenta, explicitamente, a de utilizar em juízo
as provas obtidas de forma proibida (§136, a, 3o). O Bundesgeritchtshof reporta-se ao valor
supra-ordenado da dignidade humana para estender o âmbito de aplicação do § 136, a, à
proibição de utilização do lie detector1'.
29 NERY JR., Nelson. Proibição da Prova Ilícita - novas tendências do direito. In: Justiça Penal.
São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 4,1996.
30 Como observa NERY JR., Nelson (Proibição... Op. cit, p. 16), “As principais decisões do
Tribunal Constitucional Federal da Alemanha (BVerfGj sobre a construção, naquele país,
do princípio da proporcionalidade, em comparação com as decisões de nosso Supremo
Tribunal Federal sobre a ponderação de direitos igualmente protegidos pela Constituição
Federal, indicam-nos verdadeira similitude entre a teoria e a práxis dos dois tribunais, de
modo a fazer com que seja válida, aqui, a doutrina alemã sobre o mencionado princípio da
proporcionalidade".
31 Anota ÁVILA, Thiago André Pierobom de (Provas... Op. cit, p. 173), que a Alemanha é um
dos países com o sistema mais flexível sobre o tratamento das proibições de prova, não admi­
tindo uma regra geral para exclusão de provas obtidas por meios ilicitos, fornecendo, ao invés,
respostas pontuais, não sendo demais dizer, no que toca às provas ilícitas por derivação, ser
regra a admissibilidade e não a inadmissibilidade, como se vê em grande parte dos julgados
brasileiros.
32 Anota GOMES FILHO, Antonio Magalhães (Direito à Prova no Processo Penal. São Paulo:
RT, 1997. p, 105): “(...) não são diferentes as razões que inspiram, modernamente, a denomi­
nada teoria da proporcionalidade em matéria de proibições de prova, sedimentada sobretu­
do na jurisprudência do BGH alemão, com considerável acolhida também em sede doutrinária:
afirma-se, em linhas gerais, que a efetiva realização da justiça penal constituí um importante
interesse do Estado de Direito, que, em determinadas circunstâncias, pode justificar o sacrifí­
cios dos direitos individuais; á vista disso, entende-se legítima a derrogação de certas regras
de exclusão de prova, ditadas pelo interesse de proteção ao indivíduo, em nome da prevenção
e repressão das formas mais graves de criminalidade".
32 Fábio Aguiar Munhoz Soares

2.3 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

Embora seja frequente e bastante notável a influência dos di­


reitos português, italiano, francês e alemão nos diversos ramos do
direito brasileiro, é no tema da prova ilícita que se nota sobremaneira a
influência do direito estadunidense sobre o direito brasileiro.
Com efeito, grande parte do debate que se vê tanto na dou­
trina quanto na jurisprudência brasileira acerca da admissibilidade,
ou não, da prova ilícita no processo, pode ser comparada às discus­
sões lá existentes, mormente após o atentado de 11 de Setembro de
2001 e a partir do USA Patriot Act of 200133, sem se esquecer que
outras tantas idéias foram de lá trazidas34*, muito embora se perceba,
no mais das vezes, interpretações equivocadas por parte da doutrina

33 A respeito, confira-se: Patriot Act amplia poder das agências para combater terror. Jornal
Folha de S. Paulo. São Paulo, A 1 6 ,12 maio 2006. “Lançado após o 11 de Setembro, o Pa­
triot A ct é um pacote de leis antiterroristas dos EUA, que prevê um conjunto de medidas
excepcionais de ampliação dos poderes de agências de combate ao crime para facilitar a
iuta contra o terrorismo. Por autorizar procedimentos contrários às liberdades civis - como
escutas telefônicas e monitoramento de e-maiis extrajudiciais e espionagem de prontuários
médicos ou de fichas de consultas em bibliotecas tem sido amplamente criticado. Seu
nome real é USA Patriot, acrônimo de Uniting and Strengthening Am erica by Providing
Appropriate Tolls R equired to Intercept and Obstruct Terrorism (unindo e fortalecendo
os EUA pela provisão de apropriadas ferramentas necessárias para interceptar e obstruir o
terrorismo). Em dezembro de 2005, o Congresso americano contrariou o desejo do presi­
dente George Ví. Bush de tornar permanente o pacote de leis, aprovando apenas sua ex­
tensão. Após meses de impasse no Congresso sobre como equilibrar direitos civis e a ne­
cessidade de maior vigilância para evitar ataques, uma versão modificada da lei foi assina­
da por Bush em março de 2006. Mudanças foram feitas para garantir que os cidadãos pos­
sam contestar algumas das ações na Justiça".
34 Anota RAMOS, João Gualberto Garcez (Curso de Processo Penal norte-americano. São
Paulo: RT, 2006. p. 27): “diversas leis penais e processuais penais brasileiras, como a Lei
6.368/76 (entorpecentes), a Lei 7.492/86 (sistema financeiro nacional), a Lei n. 9.099/95 (jui­
zados especiais criminais), a Lei 9.613/98 (lavagem de dinheiro), apenas para ficar com quatro
exemplos mais conhecidos, foram diretamente influenciadas pela experiência dos EUA. (...)
outra influência sobre a legislação brasileira, influência indiscutível mas sumamente contraditó­
ria, tem sido a das prisões “supermáximas" (supermaxprisons), instituições prisionais totais,
em que os presos têm reduzidas quase todas as regalias e são submetidos a um regime disci­
plinar severíssimo e, frequentemente, abusivo. Em 2005, havia aproximadamente 24 desses
estabelecimentos nos EUA. O “regime disciplinar diferenciado”, instituído no Brasil pela Lei
10.792/03, aponta precisamente nessa direção, inclusive quanto aos estabelecimentos prisio­
nais, ao estabelecer que a “União Federal, os Estados, o Distrito Federal e os Territórios pode­
rão construir penitenciárias destinadas, exclusivamente, aos presos provisórios e condenados
em regime fechado, sujeitos ao regime disciplinar diferenciado (Lei 7.210/84, art. 87, parágrafo
único, acrescentado pela Lei 10.792/03)”.
Prova Ilícita no Processo 33

e jurisprudência brasileiras acerca do que realmente queiram dizer


tais teorias35.
Interessante notar que no estudo da admissibilidade da prova
ilícita no processo, iniciou a Suprema Corte dos EUA o debate de tal
questão pelo tema da prova ilicita por derivação e não, pelo tema da
prova ilícita propriamente dita, ao asseverar serem ilícitas as provas
originariamente lícitas quando estas derivem de provas ilícitas, como
sc fossem as provas frutos de uma árvore envenenada (fruits os poisonous
tree), que foi como tal doutrina passou a ser conhecida36.
Importa consignar por fim não proibir a Constituição Ameri­
cana em nenhum de seus dispositivos a utilização das provas ilícitas,
havendo, isto sim, dispositivos naquela Carta que garantem o cidadão
contra condutas arbitrárias eventualmente praticadas pelas autoridades
daquele país37, o que não impede, data maxima vénia, possam então
ser tais provas produzidas e ao final valoradas pelo Poder Judiciário,
ainda que sob a marca da ilicitude, sem embargo de possível respon-

36 Como bem anota RAMOS, João Gualberto Garcez. (Curso... Op. c/f., p. 29), “a influência
estadunidense no campo penal tem sido importante. E, vistas as coisas com serenidade, não
se justifica tanto entusiasmo. Contudo, o que é preocupante é que a maioria dos entusiastas,
inclusive entusiastas de nome, não conhece realmente a estrutura e a dinâmica do processo
penal estadunidense. Um exemplo desse entusiasmo às vezes inexplicável foi a adoção, pelo
Supremo Tribunal Federal, no Habeas Corpus 69.912, da “doutrina dos frutos da árvore en­
venenadai” (fruits os poisonous tree doctrine), na consideração de um caso que a criadora
da doutrina, a Suprema Corte dos EUA, com certeza teria julgado de maneira diversa. Sim,
porque a observação da realidade tem revelado que a exclusão de provas com base nessa
formulação teórica é solução usada com enorme parcimônia pelo Judiciário estadunidense.
Basta conferir as estatísticas a respeito do impacto das “regras de exclusão" (exclusionary
rules) nas taxas de condenação. Segundo pesquisa conduzida por Peter Nardulli em nove ci­
dades de porte médio dos EUA, entre 7.500 acusados por crimes graves (felonies) entre 1979
e 1980, em torno de 50 (0,69% do total) foram absolvidos com fundamento na ilicitude da pro-
va.(...) o impacto social da teoria dos frutos da árvore envenenada nos EUA é muito menor do
que freqüentemente se apregoa".
36 idem, p. 122.
37 Segundo ainda RAMOS, João Gualberto Garcez (Curso... Op. c/f., p. 125): “Tome-se o
exemplo da 4 a emenda. Ela garante o povo contra buscas e apreensões desarrazoadas e
proíbe a expedição de mandados, a não ser baseados em causa provável, suportada por
juramento ou afirmação por parte da autoridade pública respectiva, e particular descrição
do local a ser buscado e das pessoas e coisas a serem apreendidas. Ela não dispõe sobre
3 hipótese de seu desrespeito. Da mesma maneira, a 5a emenda. A Carta de Direitos dei­
xa em aberto, pois, a situação do processo penal em que provas tenham sido produzidas
com a violação das garantias constitucionais. Não responde à pergunta crucial: o que fazer
com as provas? A regra de exclusão é, assim, uma verdadeira e própria criação jurispru-
dencial".
34 Fábio Aguiar Munhoz Soares

sabilização civil dos agentes públicos encarregados da produção de tal


espécie de prova38.
O referido pensamento, vale dizer, tem sofrido pesadas crí­
ticas por parte da doutrina norte-americana39, que entende ser de
pouca eficácia a utilização de ações de natureza cível para combater
eventuais violações constitucionais por parte das autoridades esta­
dunidenses.
Registre-se por fim ter recentemente40 a Suprema Corte dos
EUA abrandado o limite do uso em juízo de provas obtidas ilegal­
mente pela polícia, determinando que os tribunais aceitem provas,
mesmo que venham de buscas policiais ilícitas e desde que em inci­
dentes isolados, assentando que o descarte de provas como era feito
no início deve ser o último recurso a ser tomado.

2.4 ESPANHA

O art. 11.1, da Lei Orgânica do Poder Judiciário Espanhol


dispõe que não surtirão efeito as provas obtidas direta ou indireta­
mente e que tenham violado os direitos ou liberdades fundamentais,
não sendo demais dizer estar inserido o sigilo das comunicações na
Constituição Espanhola na seção que cuida especificamente dos di­
reitos fundamentais e das liberdades públicas.
Neste sentido, anota a doutrina espanhola que o controle de
escutas telefônicas pelo juiz competente é objeto de frequentes irre­
gularidades, o que acarreta, por conseguinte, frequentes declarações
judiciais de nulidades das provas obtidas mediante escuta telefôni­
ca41, já que todas as provas obtidas de forma ilegal, direta ou indire­
tamente, são nulas, e, com base nelas, se desautoriza qualquer con­
denação.

38 Neste sentido: AMAR, Akhil Reed. The Constitution and criminal procedure: first principles.
New Haven - London: Yale University Press, 1997. p. 40-45.
39 KLEIN, Susan. Enduring principles and current crises in constitucional criminal procedure. L.&
Soc. Inq, n. 24, p. 533-573,1999; Erik G. Luna. Two models of criminal process. Buff. Crim-
L. Rev., n. 2, p. 425-441,1999.
40 O caso é Herring v. United States, 07-513, decidido em 14.01.2009.
41 MAILLO, Alfonso Serrano. Valor de las escuchas telefónicas como prueba en el sistema espafiol.
Nulidad de la prueba obtenida ilegalmente. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São
Paulo, a. 4, n. 15, p. 13-21, jul./set. 1996.
Prova Ilícita no Processo 35

A doutrina espanhola, é bom dizer, não admite de qualquer


forma a intromissão no processo de prova ilegalmente obtida4243, sem
qualquer distinção, como o faz, por exemplo, o sistema estadunidense,
razãojror que é correto situar o sistema espanhol entre os mais garan-
tistas , dada a ausência de quaisquer concessões ao sistema policial
local, o que não impede, entretanto, a existência de julgados abran­
dando o rigor do dispositivo pelo conhecido princípio da proporciona­
lidade44.

42 Posicionam-se, dentre outros, contra a admissão da prova ilícita no direito espanhol: Munoz
Conde, Montón Redondo, De Marino, Queralt, Sentis Melendo e Devis Echandia. A este respeito,
confira-se: QUIROGA, Jacobo López Barja de. Las escuchas telefónicas y la prueba ile­
galmente obtenida. Madrid: Akal, 1989. p. 89.
43 Garantismo é uma teoria idealizada por Luigi Ferrajoli, podendo ser vista em suas obras Dere-
cho y razón - Teoria dei garantismo penal. Madrid: Trotta, 1998 e Derecho y garantias -
La ley dei más débil. Madrid: Trotta, 1999. Por ela, se propõe numa acepção normativa de Di­
reito, aplicada ao Direito Penal, modelo de estrita legalidade, próprio do Estado de Direito;
numa acepção epistemológica, um sistema cogniscivo ou de poder mínimo; numa acepção
política, como uma técnica de tutela capaz de minimizar a violência do sistema penal e maxi­
mizar a liberdade; e numa acepção jurídica, como um sistema de limites impostos ao poder
punitivo do Estado em garantia dos direitos do cidadão. Em tal sentido, o garantismo é distin­
guido em graus medidos entre as determinações do modelo constitucional e o funcionamento
prático do sistema - quanto mais observadas as disposições constitucionais pelo sistema in-
fraconstitucional, maior o grau de garantismo. De tal forma, o garantismo propõe um Estado
minimizador de restrições das liberdades dos cidadãos dentro de um Estado Social maximiza-
dor das expectativas sociais, com correlatas deveres, do próprio Estado, de satisfazer tais ne-
cessidades.
ZjU j, Marcos Alexandre Coelho. A Prova Ilícita e o Tribunal Penal Internacional: Regras de
Admissibilidade. Tese apresentada ao curso de Pós-graduação da Faculdade de Direito da
universidade de São Paulo. São Paulo, 2006, p. 134.
3

VERDADE E PROVA

3.1 BREVES ANOTAÇÕES SOBRE 0 CONCEITO DE VERDADE

Conforme anteriormente asseverado, devem as decisões judi­


ciais se aproximar, tanto quanto possível, da verdade dos fatos; tanto é
que para o juiz sentenciar é necessário que as partes provem a verdade
dos fatos alegados45, indagando-se, pois, a partir de tal assertiva, o
significado da expressão “verdade dos fatos”.
Não é objeto do presente trabalho desvendar tão intrincada
questão, já que a verdade, de modo absoluto, objetivamente conside­
rada, não pertence ao homem, mas tão-só, a Deus46, o que não impede,
entretanto, de considerarmos no plano jurídico os conceitos de verda­
de e realidade como algo próximos, possíveis, portanto, de serem
atingidos.
Segundo Marilena Chauí, são identificadas três concepções
teóricas de verdade.
Em grego, verdade se diz aletheia, significando: não-oculto,
não-escondido, não-dissimulado. O verdadeiro é o que se manifesta
aos olhos do corpo e do espírito e a verdade é a manifestação daquilo
que é ou existe tal como é. O verdadeiro se opõe ao falso, que é o en­
coberto, o escondido, o dissimulado, o que parece ser, mas e não é

45 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeira Linhas de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva,
1990. p. 327.
46 TUCCI, Rogério Lauria. Do Corpo de Delito no Direito Processual Penal Brasileiro. São
Paulo: Saraiva, 1978. p. 91.
38 Fábio Aguiar Munhoz Soares

como parece. O verdadeiro é o evidente ou o plenamente visível para a


razão.
Assim, a verdade é uma qualidade das próprias coisas, e o
verdadeiro está nas próprias coisas. Conhecer é ver e dizer a verdade
que está na própria realidade, e, portanto, a verdade depende de que a
realidade se manifeste, enquanto a falsidade depende de que ela se
esconda ou se dissimule em aparências.
Em latim, verdade se diz veritas e se refere à precisão, ao ri­
gor e à exatidão de um relato, no qual se diz com detalhes, pormenores
e fidelidade o que aconteceu. Verdadeiro se refere, portanto, à lingua­
gem enquanto narrativa de fatos acontecidos. Refere-se a enunciados
que dizem fielmente as coisas tais como foram ou aconteceram. Um
relato é veraz ou dotado de veracidade quando a linguagem enuncia os
fatos reais.
A verdade depende, de um lado, da veracidade, da memória e
da acuidade mental de quem fala e, de outro, de que o enunciado cor­
responda aos fatos acontecidos. A verdade não se refere às próprias
coisas e aos próprios fatos (como acontece com a aletheia), mas, ao
relato e ao enunciado, à linguagem. Seu oposto, portanto, é a mentira
ou a falsificação. As coisas e os fatos não são reais ou imaginários; os
relatos e enunciados sobre eles é que são verdadeiros ou falsos.
Em hebraico, verdade se diz emunah e significa confiança.
Agora são as pessoas e é Deus quem são verdadeiros. Um Deus ver­
dadeiro ou um amigo verdadeiro são os que cumprem o que prome­
tem, são fiéis à palavra dada ou a um pacto feito; enfim, não traem a
confiança.
A verdade se relaciona com a presença, com a espera de que
aquilo que foi prometido ou pactuado irá cumprir-se ou acontecer.
Emunah é uma palavra de mesma origem que amém, que significa:
assim seja. A verdade é uma crença fundada na esperança e na confi­
ança, referidas ao futuro, ao que será ou virá. Sua forma mais elevada
é a revelação divina, e sua expressão mais perfeita é a profecia.
Assim, aletheia se refere ao que as coisas são; veritas se re­
fere aos fatos que foram; emunah se refere às ações e as coisas que
~ 47
serão .47

47 CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 5. ed. São Paulo: Ática, 1995. p. 92.
Prova Ilícita no Processo 39

Prossegue Chauí, afirmando ser nossa concepção de verdade


uma síntese dessas três fontes e por isso se refere às coisas presentes
(,aletheia), aos fatos passados (veritas) e às coisas futuras (emiinah).
Também se refere à própria realidade {aletheia), à linguagem (veritas)
e à confiança-esperança (emunah).
Segundo ela, palavras como “averiguar” e “verificar” indi­
cam buscar a verdade; “veredicto” é pronunciar um julgamento verda­
deiro, dizer um juízo veraz; “verossímil” e “verossimilhante” signifi­
cam ser parecido com a verdade, ter traços semelhantes aos de algo
verdadeiro48.

3.2 CONCEITUAÇÃO DE VERDADE (MARILENA CHAUÍ)

Sobre o conceito de verdade, Marilena Chauí responde ser


verdade a conformidade entre nosso pensamento e nosso juízo e as
coisas pensadas ou formuladas, sendo condição para o conhecimento
verdadeiro a evidência, isto é, a visão intelectual da essência de um
scr. Para formular um juízo verdadeiro precisamos, portanto, primeiro
conhecer a essência, e a conhecemos ou por intuição, ou por dedução,
ou por indução.
Prossegue a autora dizendo, exigir a verdade que nos liber­
temos das aparências das coisas, ou seja, que nos libertemos das opi­
niões estabelecidas e das ilusões de nossos órgãos dos sentidos49.
Vide Kelsen, a respeito do tema50.
Nesse sentido, cada campo do conhecimento cria sua própria
linguagem, seus axiomas, seus postulados, suas regras de demonstra­

48 Idem, p. 93.
49 Ibidem, p. 95.
50 KELSEN, Hans (Teoria Geral das Normas. Tradução de J. F. Duarte. Porto Alegre: Sérgio
Antonio Fabris, 1986. p. 275 e 290) cita inclusive importante diferença entre a verdade de um
enunciado e a validade de uma norma. Em suas palavras: “consiste em que a verdade de um
enunciado precisa ser verificável, quer isto dizer, ser verificável como verdadeiro ou falso. A
validade de uma norma não é, porém, verificável. A validade de uma norma não é verificável
porque essa validade é sua específica existência e, portanto, nem pode ser verdadeira nem
falsa como a existência de um fato. Somente a verdade do enunciado sobre a existência de
um fato é verificável, pois verificar, autenticar, significa: provar a verdade. Discutível apenas
pode ser se o enunciado sobre a validade de uma norma é verificável. E esta questão tem de
ser respondida afirmativamente, visto que esse enunciado, como todo enunciado, pode ser
verdadeiro ou falso, e, portanto, precisa ser verificável'.
40 Fábio Aguiar Munhoz Soares

ção e de verificação de seus resultados. É a coerência interna entre os


procedimentos e os resultados com os princípios que fundamentam
um certo campo de conhecimento que define o verdadeiro e o falso.
Verdade e falsidade não estão nas coisas nem nas idéias, mas são valo­
res dos enunciados, segundo o critério da coerência lógica.
Ora, em linguagem processual, não está a parte obrigada a
provar com grau absoluto de certeza os fatos alegados51, bastando que
seja provada a verossimilhança da existência ou inexistência do fato
alegado, o que, em última análise, diz respeito à existência, ou não,
nos autos de uma verdade substancial ou meramente formal, o que a
seguir será visto.

3.3 VERDADE SUBSTANCIAL E VERDADE FORMAL

Se é a verdade, em linhas gerais, a conformidade da noção


ideológica com a realidade52, fácil notar então buscar-se no processo,
com a produção de provas, a reconstrução de um fato pretérito, tal
como ocorrido, para fins de constatação do quanto alegado pelas par­
tes e, assim, se chegar à almejada verdade dos fatos.
Em tal esforço de reconstrução de determinado fato, depara-
se o órgão julgador ou mesmo as partes com algumas limitações, a
ponto de muitos considerarem o atingimento da verdade substancial
algo mítico e que não se sustenta diante da realidade imposta pela
obediência aos métodos de acertamento regrados por um Estado de
Direito53.
Com efeito, a verdade formal, ao final atingida pelos órgãos
julgadores, nada mais é do que a verdade possível de ser atingida,
considerando-se para tanto a existência de restrições do direito à pro­
va, que consistem numa valoração prévia feita pelo legislador, desti­
nada a evitar que elementos provenientes de fontes espúrias ou meios

51 MITTERMAIER, em sua clássica obra Tratado de las Prueba. Madrid, 1983, p. 65, anotava
que “e/ legislador ha querido que en esta certeza razonable estuviese la base de la sentencia.
Pretender más seria querer lo imposible, porque no puede obtenerse la verdad absoluta en
aque/los hechos que salen dei domínio de la verdad histórica".
52 MALATESTA, Nicoia Framarino Dei. A lógica das provas em matéria criminal. Tradução de
J. Alves de Sá. Lisboa: Clássica, 1911. p. 25.
63 ZILLI, Marcos Alexandre Coelho. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal São
Paulo: RT, 2003. p. 114.
Prova Ilícita no Processo 41

de provas reputados inidôneos tenham ingresso no processo e sejam


consideradas pelo juiz na reconstrução dos fatos54.
Tais são, v.g., a obrigatoriedade da prova pericial nos crimes
que deixam vestígios, não podendo supri-la a confissão do acusado
(CPP, art. 158), a necessidade de ser o exame de corpo de delito reali­
zado por perito oficial (CPP, art. 159), a proibição do testemunho de
determinadas pessoas (CPP, art. 207 e CPC, art. 406, II), a proibição
de produção de prova exclusivamente testemunhal nos contratos cujo
valor exceda o décuplo do salário mínimo (CPC, art. 401) etc.
A tal respeito, assevere-se ser concorde a doutrina quanto ao
fato de estar superada, hodiemamente, a visão do processo civil e até
do processo penal como instrumentos voltados à busca da verdade
substancial, real ou material, eis ser a verdade, a ser alcançada ao fi­
nal, a chamada verdade judiciária, que pressupõe a observância do
contraditório, baseado em critérios de admissibilidade de provas, com
exclusão até das que atentem contra a dignidade humana55.
A verdade para o processo, entretanto, sempre foi uma ne­
cessidade, já que somente pela sua busca é que se descobre como se
deram os fatos, razão por que se afirma com exatidão que, a par de tal
relativismo, quanto à verdade alcançada, nada impede seja a meta do
julgador a verdade como fim supremo56, pois, ainda que os instru­
mentos humanos sejam precários na pesquisa da verdade, é melhor
buscar a verdade do que nada buscar57*.
É dizer: a impossibilidade de obter a verdade absoluta não
deve implicar a exclusão da busca da verdade entre os objetos do pro-
cesso .

54 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo: RT,
1997. p. 95.
55 Conforme AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas... Op. cit., p. 161.
56 CONDE, Francisco Munoz (Búsqueda de la verdad em el proceso penal. Buenos Aires:
Hamurabi, 2000. p. 97), leciona: “Esto no quiere decir, sin embargo, que el proceso penal ton­
ga que renunciar, por principio y desde un principio, a la búsqueda de la verdad material en­
tendida en su sentido clásico como adecuatio rei et intellectu, sino solamente que tiene que
atemperar esa meta a las limitaciones que derivan no solo de las propias leyes dei conocimiento,
sino de los derechos fundamentales reconocidos en la Constitucion y las normas, formalidades
e impurezas dei proceso pena!'.
57 MOREIRA, José Carlos Barbosa. A Constituição e as provas ilicitamente adquiridas. Ajuris.
Porto Alegre: Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, a. XXIII, n. 68, p. 13-27, nov. 1996.
58 TARUFFO, Michele. Note per una riforma del diritto delle prove. Rivista di Diritto Processule,
p. 249,1986.
42 Fábio Aguiar Munhoz Soares

3.4 VERDADE FORMAL OU MENTIRA FORMAL NO PROCESSO


-U M A VISÃO CRÍTICA

Teorias postas de lado, sempre se afirmou prevalecer no pro­


cesso civil a verdade formal, enquanto no processo penal, a verdade
real ou material, o que talvez possa ser explicado pelo fato de haver no
processo penal uma preocupação com direitos e garantias fundamen­
tais mais acentuada que no processo civil, sendo mínimo ainda o po­
der dispositivo das partes em relação às provas59.
Tal afirmação, hodiemamente, não se concebe mais possa ser
a tônica de tão importante ramo do direito no que toca à questão pro­
batória, dado também lidar o processo civil com direitos e garantias
fundamentais do ser humano, assim como o faz o processo penal, o
que pode ser percebido, v.g., no estudo da instituição do Ministério
Público, que foi inclusive objeto de preocupação do legislador consti­
tuinte ao ser erigido à categoria de instituição permanente e essencial à
função jurisdicional do Estado na defesa dos interesses sociais exis­
tentes60.
Ora, ainda que se considere a dicotomia verdade real/verdade
formal discussão estéril do ponto de vista da eficácia das provas, já
que a primeira delas é, como visto, inatingível, remanescendo, pois,
tão-somente a verdade formal como única verdade a ser atingida nos
autos, assevere-se, dadas as limitações existentes quanto ao direito à
prova, como supramencionado, não haver como negar pelo órgão jul­
gador o desejo de se alcançar a verdade real, não podendo se contentar
aquele com a verdade processual (verdade formal) se a dúvida quanto
à existência ou à dinâmica dos fatos persiste, parecendo-nos, em tal
ponto, estar um tanto quanto afastada do desejo de acesso a uma
ordem jurídica justa e ainda ser um tanto quanto conformista a ideia
segundo a qual deve o sistema conviver e albergar decisões menos
exatas (não desejáveis, mas toleráveis), quanto à apreciação da prova,
ou seja, quanto à verdade (inexata verdade) apurada61.

59 AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas... Op. cit, p. 39.


60 CF, art. 127. 0 Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do
Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses
sociais e individuais indisponíveis.
61 ARRUDA ALVIM, José Manual de. Manual de Direito Processual Civil. 9. ed., rev. e ampl.
São Paulo: RT, 2005. p. 379.
Prova Ilícita no Processo 43

Com efeito, se o processo é o instrumento pelo qual estabele­


ce o Estado o acesso de todos a uma ordem jurídica justa, não é cor­
reto aceitar com certa passividade possa o sistema jurídico albergar
decisões que não reproduzam a verdade dos fatos, mas sim, meros
simulacros, contentando-se o julgador com as limitações do direito à
prova acima vistas, sem, ao menos, questioná-las ou valorá-las, se­
gundo os ideais constitucionais vigentes62.
Nesse sentido, a idéia da verdade deve ser pressuposta no
processo, sob pena de sua existência como instrumento voltado à sal­
vaguarda de direitos ficar sem sentido, já que a justiça não é nada mais
do que a expressão da verdade buscada e reconhecida no processo63.
Bedaque, em tal tema, é enfático ao dizer que a expressão
verdade formal poderia ser substituída por mentira form al, sem qual­
quer alteração do significado, pois verdade formal é aquela aceita pelo
julgador, sem qualquer preocupação com a correspondência entre o
resultado do processo e a realidade substancial64.
Ora, tanto no processo penal quanto no processo civil, o
melhor conhecimento possível dos fatos constitui pressuposto para
uma boa decisão65, razão pela qual, no enfrentamento de tal questão,

62 Foi o que decidiu o TJDFT em caso envolvendo interesses do réu revel, portanto na esfera do
processo civil: “Direito Processual Civil. Revelia. Efeitos. Produção de provas pelo réu re­
vel. Possibilidade. 1 - Apesar da ocorrência da revelia, não está o juiz vinculado ao julga­
mento antecipado da lide, muito menos a julgar procedente o pedido, devendo, efetivamente,
buscar a verdade real (REsp. 15.1924/PR, Mina. Nancy Andrighi, DJ 08.10.2001), sopesandoa
necessidade de produção de outras provas pelas partes, inclusive, por aquele que foi declara­
do revel, caso se manifeste nos autos anteriormente à fase de saneamento do processo. 2 -
Apelo provido". (Apelação Cível 20030110103693 (227814) - 4a Turma Cível do TJDFT -
Rei. Cruz Macedo - j. em 12.09.2005 - DJU 18.10.2005). Da mesma forma, confira-se julga­
do do TJMG no mesmo sentido: “Ação de prestação de contas. Revelia. Presunção de ve-
racidade. Julgamento antecipado da lide. Art. 915, § 2°, do Código de Processo Civil.
Mantendo-se revel, caberá ao Magistrado proceder ao julgamento antecipado da lide, determi­
nando ao requerido a apresentação das contas no prazo de 48 horas, sob pena de não poder
impugnar as que o autor posteriormente apresentar, conforme determina o art. 915, § 2° do
Código de Processo Civil. A presunção de que trata o art. 319 do CPC é relativa, não absoluta.
Assim, mesmo na hipótese de revelia, o Magistrado deve conduzir o processo com cautela
para tentar alcançar, ao máximo, a verdade real, decidindo a causa segundo seu livre conven­
cimento". (Apelação Cível 1.0024.04.501529-4/001 - 12a Câmara Cível do TJMG - Rei.
Alvimar de Avila - j. em 22.03.2006, unânime, Publ. 13.05.2006).
63 CAMBI, Eduardo. Direito Constitucional à Prova no Processo Civil. São Paulo: RT, 2001 . p. 77.
64 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes Instrutórios do Juiz. 3. ed. São Paulo1 RT
2001. p. 145.
65 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Processo civil e processo penal: mão e contramão? Gênesis
- Revista de Direito Processual Civil, v. 12, p. 252.
44 Fábio Aguiar Munhoz Soares

quanto à incessante busca pela verdade real, ao não se contentar o


julgador com a verdade formal, em matérias de alta indagação, o que
se propõe é que possam ser admitidas no processo, de forma excepcio­
nal, provas obtidas por meios ilícitos, com o intuito de reproduzir ou
permitir a reprodução, com maior fidelidade possível, da verdade dos
fatos postos em apuração.
E de Bedaque a seguinte indagação:

. . . s e n o p ro c e s s o p e n a l v ig e o p r in c íp io d a v e rd a d e r e a l, o q u e ju s t i f i­
c a r ia a fa s ta r a p r o v a ilíc it a p a r a e fe ito d e tu te la c o n d e n a tó ria ? S e rá
q u e s o m e n te o v a lo r lib e r d a d e e s tá a c im a d a g a r a n t ia c o n s titu c io n a l à
in tim id a d e ? E m n e n h u m a s itu a ç ã o p o d e r ia o j u i z c o n c lu ir q u e o in te ­
resse p ú b lic o n a c o n d e n a ç ã o d o a u to r d e c rim e r e a lm e n te h e d io n d o ,
co m o tr á fic o d e d ro g a s , é s u p e r io r a o v a lo r p r o te g id o p e la v e d a ç ã o à
p r o d u ç ã o dessa p r o v a ? S em f a l a r q u e esse tra ta m e n to d ife re n c ia d o
e n tre as p a r te s n o p ro c e s s o p e n a l ta m b é m o fe n d e v a lo r c o n s titu c io ­
n a lm e n te a s s e g u ra d o , q u a l s e ja a is o n o m ia ...6(\

A bem da verdade, a inadmissibilidade das provas ilícitas é


um fator de restrição da busca da verdade real a gerar uma verdade
processual cada vez mais afastada da realidade6667.

3.5 BUSCA DA VERDADE PELA PROVA

Em regra, três teorias procuram explicar o relacionamento


entre prova e verdade. São elas: a) a que considera como fim da pro­
va judicial estabelecer a verdade; b) a que estima que com a prova
busca-se produzir o convencimento do juiz ou levá-lo à certeza ne­
cessária para sua decisão; c) a que permite definir os objetos do pro­
cesso68.
Argumenta-se não ser aceitável a primeira teoria, porque o
resultado da prova pode não corresponder à verdade, apesar de levar o
juiz ao convencimento necessário, sendo de bom tom lembrar que

66 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes... Op. cit., p. 145.


67 ÁVILA, Thiago André Pierobom de. Provas... Op. cit., p. 123.
68 ECHANDIA, Hernando Devis. Teoria General de la Prueba Judicial. 2. ed. Buenos Aires:
Victor P. de Zavalia, 1972. p. 239.
Prova llicita no Processo 45

aderiram à referida tese, dentre outros, Malatesta6970e Bentham, além


de Camelutti, que, em algumas passagens de sua obra A Prova Civil,
deixa transparecer sua adesão à tese, muito embora não com tanta
clareza70 .
Os autores que sustentam a segunda teoria partem da ideia de
que a verdade é uma noção ontológica, objetiva, que corresponde à
essência da coisa, na qual, portanto, exige-se a identidade da coisa
com a ideia ou com o conhecimento que dela se tem, e que pode
acontecer algumas vezes, mas nem sempre, ainda que o juiz entenda
haver prova suficiente para tal constatação. Deduz-se, portanto, que o
objetivo da prova é produzir no juiz a certeza ou o convencimento
sobre o que a ela se refere, ainda que ela não corresponda à realidade,
o que equivale a uma mera crença subjetiva.
Com efeito, o objetivo da prova, segundo tal teoria, é con­
vencer o juiz sobre a existência, ou não, de algo que tenha relevância
no processo, chamando-se, pois, prova todo e qualquer meio que pos­
sa dar certeza acerca da verdade de uma proposição, estando a certeza
no espírito do julgador e a verdade nos objetos de prova, podendo
haver certeza ainda que não haja verdade71.
No Brasil, Lopes da Costa72 e Pontes de Miranda acolhem tal
teoria73.
Em relação à terceira teoria, tal está ligada ao sistema da
prova legal na apreciação das provas74, havendo na doutrina quem a

69 MALATESTA adere a tal posicionamento ao asseverar: A finalidade suprema e substanci­


al da prova é a comprovação da verdade; (...) a prova, em geral, é a relação concreta entre a
verdade e o espírito humano; (...) a prova é, pois, por este aspecto, o meio objetivo através do
qual a verdade logra penetrar no espirito; (...) em crítica criminal, quando se examinam todos
os meios pelos quais a verdade pode chegar ao espírito, todos esses meios recebem o nome
genérico de provas (...)". MALATESTA, Nicola Framarino dei. Lógica de las pruebas en ma­
téria criminal. Bogotá: Temis, 1964. p. 89-94.
70 ECHANDIA, Hernando Devis. Teoria... Op. cit., p. 240.
71 CARRARA, F. Programa de derecho criminal. Bogotá: Temis, 1957. t. II, p. 381.
72 LOPES DA COSTA. Direito Processual Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1959. t. III,
n. 165, p. 167.
73 PONTES DE MIRANDA. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense,
1958. t. III, p. 228.
74 Como observa GUASP, J. (Derecho Procesal Civil. Madrid: Instituto de Estúdios Políticos,
1962. p. 322): “(...) ante ia imposibilidad de asignarie a la prueba e/ fin de llevar la verdad al
proceso, cuando la ley controla de modo convencional las afirmaciones de las partes, se la
considera como un simple mecanismo de fijación formal de los hechos procesales. Con todo,
esto tiene el inconveniente de asignarie un caracter netamente artificiai'.
46 Fábio Aguiar Munhoz Soares

critique75, pois tanto a primeira quanto a segunda teoria também dizem


como se fixam os objetos de prova, não parecendo que tal teoria (a
terceira) traga algo de novo àquelas anteriormente citadas.
Feitas tais considerações, diga-se que não dever haver confu­
são entre o objetivo da prova e o do processo, pois o processo perse­
gue a realização do direito, mediante a reta aplicação da norma jurídi­
ca ao caso concreto, que é um fim de interesse público. A prova, ao
revés, propende a produzir na mente do juiz a certeza ou o convenci­
mento, seja formal ou livremente, sobre os itens que devem servir de
pressuposto à norma jurídica aplicável, havendo inúmeras conceitua-
ções e classificações a seu respeito, o que se verá a seguir.

75 ECHANDIA, Hernando Devis. Teoria... Op. cit., p. 249.


4

PROVA

4.1 BREVES ANOTAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE PROVA

A palavra “prova” tem sua origem do latimprobatio. Seu signi­


ficado corresponde à verificação, ensaio, inspeção, exame, razão, con­
firmação, aprovação, argumento. A derivação vem do verbo probare
(provar) e significa: verificar, examinar, reconhecer por experiência,
aprovar, demonstrar, persuadir.
Dessa forma, provar significa descobrir a verdade sobre de­
terminado fato ocorrido, demonstrar a verdade de uma proposição
afirmada (probatio est demonstrationis veritas), persuadindo o julga­
dor com o intuito de convencê-lo sobre o alegado pela parte76.
No entanto, cada parte deve provar ao juiz a sua suposta ver­
dade, cabendo a ele decidir, por meio das provas apresentadas e o seu
livre convencimento, quem realmente tem direito ao pleiteado em
Juízo.
Embora não seja escopo do presente trabalho o estudo sobre
0 ônus da prova, é bom que se diga haver certa concordância no di­
reito processual civil quanto ao fato de caber ao autor o ônus da prova
fiuanto aos fatos constitutivos de seu alegado direito, e ao réu, em
contrapartida, o ônus da prova em relação aos fatos impeditivos, mo-
T6
ARRUDA ALVIM, José Manual de (Manual... Op. cit., p. 381), conceitua prova como meio,
definido pelo Direito ou contido por compreensão num sistema jurídico, como idôneo a con­
vencer (prova como “resultado”) o juiz da ocorrência de determinados fatos, isto é, da verdade
de determinados fatos, os quais vieram ao processo em decorrência de atividade, principal­
mente dos litigantes (prova como “atividade”).
48 Fábio Aguiar Munhoz Soares

difícativos e extintivos do direito do autor, cabendo ao juiz, ex officio,


a produção de provas, nos termos do art. 130, do CPC, somente nas
hipóteses em que não opere a teoria do ônus da prova e desde que haja
um fato incerto, mas incerteza emergente da prova já produzida, não
devendo o juiz sub-rogar-se no ônus subjetivo da parte inerte ou
omissa77.
Tal regra não é aplicável com inteireza no processo penal,
visto que em tal disciplina é prevista a iniciativa instrutória a cargo do
juiz, com o objetivo de se buscar tanto quanto possível a verdade
real78, o que para muitos seria uma afronta ao sistema acusatório.
Nesse sentido, a prova é de fundamental importância no pro­
cesso, pois, por meio dela, as partes tentam demonstrar em Juízo a
veracidade do acontecimento de determinado fato e o seu direito de
agir conforme determina a lei sobre o caso concreto.
A prova é, assim, encaminhada ao julgador com o intuito de
persuadi-lo, pois, a partir de seu livre convencimento, aplica-se o di­
reito correspondente.
No processo penal, é importante ainda observar que seu ob­
jetivo final corresponde em última análise à aplicação da norma de
direito penal e, no que diz respeito às provas, tal só tem importância
do ponto de vista da certeza do delito, alcançada ou não. Qualquer
juízo não se pode resolver senão numa condenação ou absolvição e é
precisamente a certeza conquistada do delito que legitima a condena­
ção, como é a dúvida, ou de outra forma, a não conquistada certeza do
delito, que obriga a absolvição79.
Ressalta-se que no processo penal em geral todos os fatos
são controvertidos, à exceção das verdades axiomáticas, das presun­
ções legais í olutas, dos fatos inúteis e dos fatos notórios80, não sen-

77 ARRUDA ALVIM, José Manuel de. Manual... Op. c/f., p. 409.


78 CPP, art. 156. “A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz
de oficio: I - ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas
consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionali­
dade da medida; II - determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a reali­
zação de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante".
79 MALATESTA, Nicola Framarino dei. Lógica... Op. cit., p. 88.
80 ZILLI, Marcos Alexandre Coelho (Poderes... Op. cit., p. 121) dispõe que “(...) nunca é por
demais lembrar que os interesses de alta relevância envolvidos no processo penal - liberdade
jurídica e exercício do poder-dever punitivo - tornam necessária a demonstração de todos os
elementos fáticos, inclusive aqueles não negados, os admitidos expressamente ou os reco-
Prova Ilícita no Processo 49

do demais dizer denotar a produção probatória certo caráter social, já


que tal não se destina ao estabelecimento de uma verdade circunscrita
ao processo, até porque este não é um fim em si mesmo, mas, um ins­
trumento de conflitos sociais.

4.2 CLASSIFICAÇÕES SOBRE PROVA

Várias classificações existem sobre prova: prova direta, indi­


reta, plena, não plena, real, pessoal, testemunhal, documental ou mate­
rial etc., interessando ao presente trabalho a classificação que divide
as provas em legais, ilegais, ilícitas, ilegítimas e ilícitas por derivação.

4.2.1 Prova legal

Em nosso Direito, prevalece o entendimento de que não há


limites à aquisição de provas para se comprovar a veracidade de de­
terminado fato, salvo algumas exceções, como são, por exemplo, a
obrigatoriedade da rova pericial nos crimes que deixam vestígios,
não podendo supri-la a confissão do acusado81, a necessidade de ser o
exame de corpo de delito realizado por perito oficial82, a proibição do
testemunho de determinas pessoas83, a proibição de produção de prova
exclusivamente testemunhal nos contratos cujo valor exceda o décuplo
do salário mínimo84 etc.

nhecidos pelo acusado. Mas de uma maneira geral, a doutrina alinha alguns fatos que, mesmo
no processo penal, não precisariam ser provados. São eles: a) as verdades axiomáticas. Ex: o
fogo queima; b) as presunções legais absolutas. Ex: o menor de 18 anos é penalmente iním-
putável. /4s presunções relativas, embora não precisem ser provadas, admitem prova em sentido
contrário', c) os fatos inúteis, ou seja, aquéles que não guardam qualquer relação com o fato que
está sendo julgado: e d) fatos notórios. Vale dizer, aqueles que são de conhecimento geral'.
81 CPP, art. 158. “Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de
delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado".
82 CPP, art. 159. “0 exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial,
portador de diploma de curso superiof.
83 CPP, art. 207. “São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício
ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem
dar o seu testemunho".
CPC, art. 406, II - “a testemunha não é obrigada a depor de fatos a cujo respeito, por estado
ou profissão, deva guardar sigilo”.
84 Art. 401. “A prova exclusivamente testemunhal só se admite nos contratos cujo valor não exceda
o décuplo do maior salário mínimo vigente no país, ao tempo em que foram celebrados”.
50 Fábio Aguiar Munhoz Soares

Portanto, não sendo o meio de prova indigno, imoral, ilícito


ou ilegal e sendo respeitados a ética e o valor da pessoa humana, po­
derá ser admitido e passível de aquisição no processo, mesmo que não
esteja legalmente relacionado, sendo de bom tom lembrar a ressalva
contida no art. 155, parágrafo único, do Código de Processo Penal
quanto à prova em relação ao estado das pessoas85.
Enfim, provas legais são todas aquelas enumeradas nos códi­
gos de processo e as que existirem fora dessa relação, desde que não
conflitem com princípios e garantias fundamentais assegurados ao
cidadão pela nossa Constituição.

4.2.2 Prova Ilegal, Ilícita e Ilegítima

Quanto às provas não permitidas em nosso ordenamento ju­


rídico, deve-se ater quanto à sua natureza: se exclusivamente proces­
sual ou substancial, voltada à finalidade e lógica do processo, ou se
advém a vedação em vista de violação de direitos reconhecidos do
indivíduo, independentemente dos fins processuais. No primeiro caso,
temos as chamadas provas ilegítimas e, no segundo caso, as provas
ilícitas.
Ambas as modalidades se constituem em espécies de provas
ilegais, já que toda prova ilícita ou ilegítima é ilegal por atentar contra
a ordem legal ou constitucional. É dizer: quando a proibição for colo­
cada por uma lei processual, a prova será ilegítima (ou ilegitimamente
produzida); quando, pelo contrário, a proibição for de natureza mate­
rial, a prova será ilicitamente obtida86.
Assim, segundo tal classificação, são consideradas provas
ilícitas as colhidas mediante tortura ou maus-tratos (CF, art. 5o, inc.
III); as colhidas com desrespeito à intimidade (CF, art. 5o, inc. X); as
colhidas com violação do domicílio (CF, art. 5o, inc. XI); as obtidas
com violação do sigilo das comunicações (CF, art. 5o, inc. XII), dentre
outras.

85 CPP, art. 155, parágrafo único. “Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas
as restrições estabelecidas na lei civil’’.
86 Trata-se de terminologia amplamente aceita em nossa doutrina e preconizada por GRINOVER,
Ada Pellegrini {In: Liberdades Públicas e Processo Penai. As interceptações telefônicas. São
Paulo: Saraiva, 1976. p. 126), adotando os ensinamentos de NUVOLONE, P. Le prove vietate net
processo penate nei paesi di diritto latino. Riv. dir. proc. Padova, v. XXI, p. 442475,1966.
Prova Ilícita no Processo 51

A Constituição, é bom lembrar, quando se refere à prova ilí­


cita, refere-se de uma forma geral à prova vedada, que compreende
tanto as provas ilícitas quanto as provas ilegítimas, existindo outras
nomenclaturas, tais como: prova proibida, prova ilegal ou ilegalmente
obtida, ilegitimamente obtida ou proibições probatórias, mas sem qual­
quer rigor técnico87.
Dessa forma, define-se a prova ilícita se o vício se deu na
colheita da prova, por ofensa a uma norma material, como no caso de
uma confissão obtida sob tortura.
Por outro lado, se o vício se deu quando da produção ou in­
serção da prova no processo, por desobediência a uma norma proces­
sual, como o caso da oitiva de testemunha proibida de depor por dever
de sigilo, a prova será ilegítima88.

4.3 PROVA ILÍCITA NO PROCESSO E SUAS CONSEQUÊNCIAS

Para os que defendem a prova ilícita como espécie de ato


inexistente, um não-ato89, a prova obtida por meios ilícitos, quando

87 AVOLIO, Luiz Francisco Torquato (Provas... Op. cit., p. 43), cita: “(...) A importância dessa
corrente doutrinária se verifica, outrossim, pelo fato de que a utilização da expressão “veda­
das” já índica a sua opção pela inadmissibilidade, no processo, das provas obtidas por meios
ilícitos. Coincide, assim, perfeitamente, com o enunciado da garantia inserida pelo constituinte
brasileiro, no art. 5o, LVI: “São inadmissiveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos".
88 NUCCI, Guilherme de Souza. (Código de Processo Penal Comentado. 3. ed. São Paulo: RT,
2004. p. 328), discorda da conceituação adotada, escrevendo: “(...) Permitimo-nos discordar,
invertendo o conceito apresentado, porque, segundo cremos, equivocado. O gênero é a ilicitu-
de - assim em Direito Penal, quanto nas demais disciplinas, inclusive porque foi o termo utili­
zado na Constituição Federal - significando o que é contrário ao ordenamento jurídico, contrá­
rio ao Direito de um modo geral, que envolve tanto o ilegal, quanto o ilegítimo, isto é, tanto a
infringência às normas legalmente produzidas, de direito material e processual, quanto aos
princípios gerais de direito, aos bons costumes e à moral. (...) Em conclusão: conforme cre­
mos, o ilícito envolve o ilegalmente colhido (captação da prova ofendendo o direito material,
v.g., a escuta telefônica não autorizada) e o ilegitimamente produzido (fornecimento indevido
de prova no processo, v.g., a prova da morte da vítima através de simples confissão do réu).
Se houver a inversão dos conceitos, aceitando-se que a ilicitude é espécie de ilegalidade, en­
tão a Constituição estaria vedando somente a prova produzida com infringência à norma de
natureza material e liberando, por força da natural exclusão, as provas ilegítimas, proibidas por
normas processuais, o que se nos afigura incompatível com o espírito desenvolvido em todo o
capitulo dos direitos e garantias individuais".
89 CORDERO, Franco (Prove illecite nel processo penale. Rivista Italiana Diritto e Procedura
Penale. Milano, nuova serie, a. IV, p. 32-55,1961), assinala: “(...) a confissão e o depoimento
arrancados à força são processualmente irrelevantes (...) e não porque representem o resulta­
do de uma conduta ilícita: a verdade é que eles não se adaptam ao respectivo modelo; está
52 Fábio Aguiar Munhoz Soares

encartada nos autos, deve ser de lá desentranhada, dadas a sua im-


prestabilidade e a sua inidoneidade, não se revestindo, por tal razão,
de qualquer aptidão jurídico-material. Neste sentido, prova ilícita,
sendo providência instrutória eivada de inconstitucionalidade, apre-
senta-se destituída de qualquer grau, por mínimo que seja, de eficácia
jurídica90.

em jogo um pseudo-ato processual, cuja afinidade com o interrogatório ou com o testemunho


não vai além de uma enganadora aparência (...) Querendo recorrer a uma nomenclatura lar­
gamente utilizada entre os processualistas, poder-se-ia falarem inexistência do ato".
90 Em acórdão de 2001, assim decidiu o STF: I. Habeas corpus: cabimento: prova ilícita.
1. Admissibilidade, em tese, do habeas corpus para impugnar a inserção de provas ilícitas em
procedimento penal e postular o seu desentranhamento: sempre que, da imputação, possa
advir condenação a pena privativa de liberdade: precedentes do Supremo Tribunal. II. Provas
ilícitas: sua inadmissibilidade no processo (CF, art. 5o, LVI): considerações gerais. 2. Da explí­
cita proscrição da prova ilícita, sem distinções quanto ao crime objeto do processo (CF, art. 5o,
LVI), resulta a prevalência da garantia nela estabelecida sobre o interesse na busca, a qual­
quer custo, da verdade real no processo: consequente impertinência de apelar-se ao princípio
da proporcionalidade - à luz de teorias estrangeiras inadequadas à ordem constitucional bra­
sileira - para sobrepor, à vedação constitucional da admissão da prova ilícita, considerações
sobre a gravidade da infração penal objeto da investigação ou da imputação. III. Gravação
clandestina de “conversa informal" do indiciado com policiais. 3. Ilicitude decorrente - quando
não da evidência de estar o suspeito, na ocasião, ilegalmente preso ou da falta de prova idô­
nea do seu assentimento à gravação ambiental - de constituir, dita “conversa informal", moda­
lidade de “interrogatório" sub-reptício, o qual - além de realizar-se sem as formalidades legais
do interrogatório no inquérito policial (C.Pr.Pen., art. 6o, V) - , se faz sem que o indiciado seja
advertido do seu direito ao silêncio. 4. O privilégio contra a auto-incriminação - nemo tenetur
se detegere - , erigido em garantia fundamental pela Constituição - além da inconstitucionali­
dade superveniente da parte final do art. 186 C.Pr.Pen. - importou compelir o inquiridor, na
polícia ou em juízo, ao dever de advertir o interrogado do seu direito ao silêncio: a falta da ad­
vertência - e da sua documentação fo rm a l-fa z ilícita a provaque, contra si mesmo, forneça o
indiciado ou acusado no interrogatório formal e, com mais razão, em “conversa informal" gra­
vada, clandestinamente ou não. IV. Escuta gravada da comunicação telefônica com terceiro,
que conteria evidência de quadrilha que integrariam: ilicitude, nas circunstâncias, com relação
a ambos os interlocutores. 5. A hipótese não configura a gravação da conversa telefônica pró­
pria por um dos interlocutores - cujo uso como prova o STF, em dadas circunstâncias, tem jul­
gado lícito - mas, sim, escuta e gravação por terceiro de comunicação telefônica alheia, ainda
que com a ciência ou mesmo a cooperação de um dos interlocutores: essa última, dada a in­
tervenção de terceiro, se compreende no âmbito da garantia constitucional do sigilo das comu­
nicações telefônicas e o seu registro só se admitirá como prova, se realizada mediante prévia
e regular autorização judicial. 6. A prova obtida mediante a escuta gravada por terceiro de
conversa telefônica alheia é patentemente ilicita em relação ao interlocutor insciente da intro­
missão indevida, não importando o conteúdo do diálogo assim captado. 7. A ilicitude da escuta
e gravação não autorizadas de conversa alheia não aproveita, em princípio, ao interlocutor
que, ciente, haja aquiescido na operação-, aproveita-lhe, no entanto, se, ilegalmente preso na
ocasião, o seu aparente assentimento na empreitada policial, ainda que existente, não seria
váiido. 8. A extensão ao interlocutor ciente da exclusão processual do registro da escuta tele­
fônica clandestina - ainda quando livre o seu assentimento nela - em princípio, parece inevitá­
vel, se a participação de ambos os interlocutores no fato probando for incindível ou mesmo ne­
cessária à composição do tipo criminal cogitado, qual, na espécie, o de quadrilha. V. Prova
Prova Ilícita no Processo 53

Todavia, há quem defenda deva a prova ilícita permanecer


nos autos, sem prejuízo das sanções cabíveis aos responsáveis por sua
produção91, já que não se afigura correto prescindir de provas formal­
mente corretas pela tão-só existência de fraude em sua obtenção, o que
seria, em última análise, prescindir voluntariamente de elementos de
convicção relevantes para o justo resultado do processo92.
Na enunciação dos fundamentos por aqueles que defendem a
admissibilidade das provas ilícitas, nota-se apego à busca da verdade
real, razão pela qual seus adeptos são chamados de escola da verdade
(truth schoolf3.

4.4 CORRENTES DOUTRINÁRIAS ACERCA DA


ADMISSIBILIDADE DA PROVA ILÍCITA

Sem dúvida que, no estudo do tema referente à admissibili­


dade da prova ilícita no processo, a indagação que se faz é acerca da
possibilidade de afastamento no processo de prova relevante, a qual,
por si só, ou não, poderia levar à descoberta da verdade no processo,
mas colhida com infringência a uma dada norma de direito material.
Em outras palavras: tal prova, ainda que obtida por meios ilícitos,
poderia ser valorada, apenas punindo-se, pelo ilícito penal, civil ou
administrativo cometido, quem a tivesse obtido de forma ilícita?94

ilícita e contaminação de provas derivadas (fruits ofthe poisonous tree). 9. A imprecisão do


pedido genérico de exclusão de provas derivadas daquelas cuja ilicitude se declara e o estágio
do procedimento (ainda em curso o inquérito policial) levam, no ponto, ao indeferimento do pe­
dido (HC 80.949/RJ - Rei. Min. Sepúlveda Pertence - j. em 30,10.2001).
91 GRINOVER, Ada Pellegrini. (Liberdades Públicas e Processo Penal. As interceptações
telefônicas. 2. ed. São Paulo: RT, 1982. p. 120-126), assevera: “(...) Coube à jurisprudência
norte-americana a primazia na consideração da inadmissibilidade da prova obtida ilicitamente.
Com efeito, até o início deste século entendia-se, como na Inglaterra, que a infringência de
qualquer direito para obtenção de provas somente poderia resultarem punição para o violador,
sem que se excluísse da consideração dos julgadores o material probatório resultante de vio­
lação, desde que relevante. Foi apenas em 1914, na decisão do caso Weeks, que a Suprema
Corte considerou ter sido um prejudicial erro a admissão, por uma corte federal, de documen­
tos apreendidos na casa do acusado sem o respectivo mandado, com violação da IV Emenda;
a partir daí, fixou-se nas cortes federais a regra de exclusão segundo a qual são indamíssíveis
as provas obtidas com violação das garantias constitucionais; e essa regra passou a vigorar
também, posteriormente, na maioria dos estados americanos".
92 AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas... Op. cif, p. 44.
93 RAMOS, João Gualberto Garcez. Curso... Op. cit., p. 121.
94 GRINOVER, Ada Pellegrini. Provas Ilícitas. Revista da Procuradoria Geral do Estado de
São Paulo 16/99.
54 Fábio Aguiar Munhoz Soares

É sobre essa questão que doutrina e jurisprudência divergem,


já que no processo penal, v.g., para se exercer o direito de defesa e
assim se obter a declaração judicial de inocência de alguém, pode se
fazer necessária e até imprescindível a utilização de prova ilícita, o
que contrariaria o dispositivo constitucional que proíbe a utilização de
provas ilícitas no processo, mas resguardaria, por outro lado, o princí­
pio da dignidade da pessoa humana, que tem assento constitucional
tanto quanto o dispositivo concernente à inadmissibilidade da prova
ilícita no processo.
Há, hodiemamente, cinco teorias a respeito do tema, não
sendo demais dizer que uma delas defende a admissibilidade da prova
ilícita no processo, três não a admitem de forma alguma, havendo
outra ainda que está em posição intermediária.

4.4.1 Corrente Favorável ou Permissivista

Para essa corrente doutrinária, a prova ilícita deve sempre ser


admitida no processo, já que a ilicitude da prova por si só não tem o
condão de afastar o julgador do descobrimento da verdade, que é, afinal,
o interesse maior do processo.
Podem, entretanto, ser retiradas do processo as provas que
violem norma instrumental, ou as ilegítimas, pois são as únicas que
possuem sanção de natureza processual95.
Assim, ao se violar uma norma material, a sanção prevista é
específica, mas não relacionada ao seu afastamento do processo. Em
outras palavras: se na produção da prova ilícita há ofensa ao direito
material, deve ser aplicada a sanção correspondente, que não diz res­
peito ao seu afastamento, pois serão rejeitadas somente as relativas às
questões processuais.
Em tais termos, no caso de fotografias obtidas com violação
à intimidade, elas continuariam a valer como prova, punindo-se ape­
nas o responsável pelo ato ilícito (violação de intimidade), a conversa
telefônica obtida sem autorização judicial também valeria como prova,
punind- e, mais uma vez, quem a obteve de forma contrária à lei e,

95 CPP, art. 564. “A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:


IV - por omissão de formalidade que constitua elemento essencial do ato".
Prova Ilícita no Processo 55

assim, sucessivamente, porque, em verdade,m não há confusão entre


direito material e processual, dada a autonomia de cada qual.
Ora, para tal corrente, se a prova tem suas origens no proces­
so e não, no direito material, somente poderia ser afastada do processo
as provas que ofendessem o direito instrumental, o que não ocorreria
em tais casos.
Franco Cordero, processualista penal de Turim, utiliza uma
expressão que resume toda a idéia dessa teoria: male captum, bene
retentum, ou seja, o que foi mal colhido no momento material pode ser
bem conservado no momento processual96.
Em tal contexto, portanto, a prova é válida se for processual­
mente legítima, independentemente de sua ilicitude97.

4.4.2 Correntes Contrárias

Como já citado, há três correntes que são contrárias à admis­


sibilidade de provas ilícitas no processo. Baseiam-se tais teorias na
idéia de moralidade dos atos praticados pelo Estado e na ofensa que o
emprego de tal prova pode acarretar aos direitos do cidadão.
Nesse sentido, a prova ilícita quebra a unidade do ordena­
mento jurídico por atentar contra o princípio da moralidade do Estado
ou por afrontar a Constituição Federal, por violar direitos e garantias
fundamentais.
A primeira corrente é totalmente contrária à admissibilidade
das provas ilícitas, argumentando-se por ela que o direito é único, um
universo, não composto por áreas isoladas, que não se correspondem
entre si. Sendo a prova ilícita, tal afronta o direito como um todo, não
sendo admitido em todo o seu universo, mesmo que a norma violadora
seja instrumental. Visa-se com isso evitar que o mesmo fato seja jul­

6 CORDERO, Franco. Procedura Penale. 7. ed. Milano: Giuffrè, 1983.


97 No sentido do texto: “Cremos que el interés de la justicia deve prevalecer sobre el derecho
material que censure la conducta de obténcion y presentación dei documento o dei instru­
mento. El juiz debe admitir este, sin perjuicio de la persecución civil o penal (esta última, de
oficio o a instancia de parte) o de ambas, que se deba dirigir contra el conseguidor y el pre-
sentador dei médio”, (FERRANDIZ, Leonardo Prieto-Castro y. Tratado de Derecho Procesal
Civil. Pamplona: Aranzadi, 1982. p. 759)
56 Fábio Aguiar Munhoz Soares

gado de formas diferentes (condenado e prestigiado) apenas por esta­


rem em ramos autônomos.
Entende-se, portanto, que, sendo um ato ilícito, contamina
todo o direito e não apenas, parte dele.
Nesse sentido, ensina Grinover: “...sendo a ilicitude um con­
ceito geral do direito, e não conceito especial de algum de seus ra­
mos, o princípio de que o que é mão é inválido é também gerat. e as­
sim, para sustentar-se a inadmissibilidade de uma prova em juízo,
basta o fato de que tenha sido ela obtido ilegalmente, violando-se
normas jurídicas de qualquer natureza”9*.
A segunda corrente tem sua base no princípio da moralidade
dos atos praticados pelo Estado. Segundo ela, a verdade não pode ser
descoberta por meio de atos ilícitos, que ataquem o direito à liberdade
ou à intimidade. Determinada ilicitude traria a nulidade, invalidade e,
a consequente ineficácia do ato praticado no plano processual. O Esta­
do deve agir por meio de atos e princípios moralmente inatacáveis.
Assim manifesta-se Aranha: “como o mundo jurídico reco­
nhece em favor do Estado uma presunção de legalidade e moralidade
e de todos os atos praticados, não se pode admitir por parte de seus
agentes o uso de meios condenáveis, ombreando-se aos marginais
combatidos”989910.
Por fim, a terceira corrente fundamenta-se numa visão de ín­
dole constitucional, já que, segundo ela, toda prova ilícita ofende a
Constituição Federal, uma vez que atinge valores fundamentais do
indivíduo.
Nesse contexto, toda vez que a prova for ilícita, atingirá um
direito fundamental, tutelado pela Constituição Federal em seu capí­
tulo de direitos e garantias fundamentais.
Este é o pensamento de Fregadolli: “Se, ao colher-se prova,
ofendidos são os direitos e garantias fundamentais do indivíduo, a
prova obtida fica fulminada pela inconstitucionalidade, não podendo
prevalecer em qualquer campo do direito”'00.

98 GRINOVER, Ada Pellegrini. Liberdades... Op. c/f, p, 142.


99 ARANHA, Adalberto José Queiroz Telles Camargo. A Prova Proibida no Âmbito Penal. Revista
de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, n. 75, p. 49.
100 FREGADOLLI, Luciana. 0 Direito à Intimidade e Prova Ilícita. Belo Horizonte: Del Rey,
1998. p. 190.
Prova Ilícita no Processo 57

Observe-se ainda que a Convenção Americana sobre Direitos


Humanos, que faz parte do ordenamento jurídico brasileiro, com força
de emenda constitucional (CF, art. 5o, § 3o), que consagra o valor da
vida privada e familiar, do domicílio e das correspondências, precei­
tua, nos seus arts. 9o e 11°, que “ninguém poderá ser objeto de inge­
rências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na de sua fam í­
lia, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ile­
gais à sua honra ou reputação”, o que é reforçado ainda mais pela
Declaração Universal dos Direitos Humanos, da qual também é o Brasil
signatário, que em seu art. 12° estabelece que “ninguém sofrerá intro­
missões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domi­
cílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputa-
ção,\ assegurando também que, contra tais intromissões ou ataques,
toda pessoa tem direito à proteção da lei.

4,4.3 Corrente Intermediária

A corrente intermediária concernente à possibilidade de ad­


missão da prova ilícita no processo surgiu da necessidade de se evitar
posições radicais que tornassem o sistema insuscetível a possíveis
exceções, ora admitindo por completo a prova ilícita, ora inadmitindo-a,
sem que fosse feito qualquer juízo de valor sobre o bem jurídico posto
em debate. Baseia-se tal corrente no conhecido princípio da propor­
cionalidade, pelo qual nenhuma garantia constitucional tem valor ab­
soluto ou supremo, de modo a tomar inválida outra, de equivalente
grau de importância, devendo sempre ser sopesados os direitos postos
em debate1
A corrente em questão reconhece a inconstitucionalidade da
prova ilícita, mas a admite em casos excepcionais, quando sua aquisi­
ção puder ser sopesada como a única forma, possível e admissível*

"... não devem ser aceitos os extremos: nem a negativa peremptória de emprestar-se validade
e eficácia à prova obtida sem o conhecimento do protagonista da gravação sub-reptícia, nem a
admissão pura e simples de qualquer gravação fonográfica ou televisiva. A propositura da
doutrina quanto à tese intermediária é a que mais se coaduna com o que se denomina moder-
namente de princípio da proporcionalidade, devendo prevalecer, destarte, sobre as radicais...”
(NERY JR., Nelson. Proibição da Prova Ilícita - novas tendências do Direito (CF, art. 5°, LVI).
In: MORAES, Alexandre (Org.). Os 10 anos da Constituição Federal. São Paulo: Atlas, 1999.
p. 233-247).
58 Fábio Aguiar Munhoz Soares

para o resguardo de outros valores também fundamentais, ora conside­


rados mais importantes.
Em nosso país, tal corrente é muito bem aceita na jurispru­
dência, anotando-se, outrossim, que o princípio da proporcionalida­
de, que embasa a referida corrente doutrinária, com nascedouro na
Alemanha, confunde-se com o também princípio da razoabilidade,
muito utilizado no direito estadunidense™2, havendo, entretanto, na
doutrina quem entenda não se confundirem tais princípios, se é que
podem ser chamados tais institutos de princípios102103
No direito constitucional alemão, outorga-se ao princípio da
proporcionalidade ( Verhältnismässigkeit) ou ao princípio da proibição
de excesso (Ubermassverbot) qualidade de norma constitucional não
escrita, derivada do Estado de Direito, que tem por objetivo aferir a
compatibilidade entre meios e fins, de molde a evitar restrições desne­
cessárias ou abusivas contra os direitos fundamentais104, envolvendo a
proporcionalidade, em verdade, considerações sobre adequação entre
meios e fins e a utilidade de um ato para a proteção de um determina­
do direito105106.
Na dicção de Suzana de Toledo Barros:

O p r in c íp io d a p r o p o r c io n a lid a d e tem p o r c o n te ú d o os s u b p rin c ip io s


d a a d e q u a ç ã o , n e c e s s id a d e e p r o p o r c io n a lid a d e em s e n tid o e s trito .
E n te n d id o co m o p a r â m e tr o a b a liz a r a c o n d u ta d o le g is la d o r q u a n d o
e s te ja m em c a u s a lim ita ç õ e s a d ire ito s fu n d a m e n ta is , a a d e q u a ç ã o
tra d u z a e x ig ê n c ia d e q u e os m e io s a d o ta d o s s e ja m a p r o p r ia d o s à
c o n s e c u ç ã o dos o b je tiv o s p re te n d id o s ; o p re s s u p o s to d a n e c e s s id a d e é
q u e a m e d id a r e s tritiv a s e ja in d is p e n s á v e l à c o n s e rv a ç ã o do p r ó p r io ou
de o u tro d ire ito fu n d a m e n ta l e q u e n ã o p o s s a s e r s u b s titu íd a p o r o u tra
ig u a lm e n te e fic a z, m as m enos g ra v o s a ; p e la p r o p o r c io n a lid a d e em sen­
tid o e s trito , p o n d e ra -s e a c a rg a d e re s triç ã o em fu n ç ã o dos re s u lta d o s ,
d e m a n e ir a a g a r a n tir -s e u m a e q u â n im e d is trib u iç ã o d e ô n u s '06.

102 BARROS, Suzana de Toledo. 0 princípio da proporcionalidade e o controle de constitu-


cionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. Brasilia: Brasilia Jurídica 1996
p. 70.
103 Confira-se a respeito SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável RT n 798
(2002): 23-50.
104 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade: Aspectos Jurídicos e Políticos.
São Paulo: Saraiva, 1990. p. 43.
105 BARROS, Suzana de Toledo. O princípio... Op. cit, p. 71.
106 Idem, p. 210.
Prova Ilícita no Processo 59

No direito brasileiro, a previsão da proporcionalidade não é


expressa, sendo a doutrina uniforme quanto ao fato de encontrar tal
princípio sua sedes materiae no art. 5o, LIV, da Constituição Federal,
porque devem as leis ser razoáveis, equivalentes entre o fato antece­
dente da norma jurídica criada e o fato consequente da prestação ou
sanção, tendo em conta as circunstâncias que motivaram o ato, os fins
perseguidos com ele e o meio que, como prestação ou sanção, estabe­
lece a dito ato]07.
Bom que se diga não incentivar a referida corrente doutriná­
ria, apoiada no princípio da proporcionalidade, a produção ou o uso de
provas admitidas ilicitamente indiscriminadamente, já que seu objeti­
vo maior é a preservação da prova ilícita somente em casos excepcio­
nais, objetivando proteger um direito que naquele momento é mais
relevante.
Aranha define brilhantemente o conceito da teoria da propor­
cionalidade:

P a r a t a l te o r ia in te r m e d iá r ia , p ro p o m o s u m a n o v a d e n o m in a ç ã o : a do
in teresse p re p o n d e ra n te . E m d e te rm in a d a s s itu a ç õ e s , a s o c ie d a d e , r e ­
p re s e n ta d a p e lo E s ta d o , é p o s ta d ia n te d e d o is interesses re le v a n te s
a n ta g ô n ic o s e q u e a e la c a b e tu te la r, a d e fe s a d e um p r in c ip io c o n s ti­
tu c io n a l e a n e c e s s id a d e de p e r s e g u ir e p u n ir o c rim in o s o . A s o lu ç ã o
d eve c o n s u lta r o in te re s s e q u e p r e p o n d e r a r e q u e , c o m o ta l, d e v e s e r
p re s e rv a d o m .

Com efeito, deve-se considerar, segundo a teoria da propor­


cionalidade, que, em eventual conflito (mesmo aparente) entre garan­
tias individuais, impõe-se a prevalência do interesse maior a ser prote­
gido no caso concreto.1078

107 BUECHELE, Paulo Arminio Tavares. 0 Princípio da Proporcionalidade e a Interpretação da


Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 147.
108 ARANHA, Adalberto José Queiroz Telles Camargo. Op. c/f., p. 56.
60 Fábio Aguiar Munhoz Soares

4.5 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E SUA


APLICABILIDADE NA ADMISSÃO DA PROVA ILÍCITA NO
PROCESSO

O princípio da proporcionalidade, como regra de interpreta­


ção e aplicação do direito, em matéria criminal, quanto à admissão da
prova ilícita no processo, dês que em favor do réu (pro reo), é aceito
de forma unânime, tanto pela doutrina como pela jurisprudência, o que
é justificado pelo fato de ser o direito à defesa garantia constitucional
e visto de forma prioritária no processo penal109, não se mostrando,
todavia, aceita a ideia segundo a qual seria também legítima a derro­
gação de certas regras de exclusão de prova, ditadas pelo interesse de
proteção ao indivíduo, em nome da prevenção e repressão das formas
mais graves de criminalidade110.
Nestes termos, pois, mesmo sendo ilícita a prova, admite-se-a
quando se trata de prova da inocência do acusado.

109 GRECO FILHO, Vicente (Tutela Constitucional das Liberdades. São Paulo: Saraiva, 1989.
p. 112-113, assevera): “ (...) Haverá situações em que a importância do bem jurídico envol­
vido no processo e a ser alcançado com a obtenção irregular da prova ievará os tribunais a
aceitá-la. Lembre-se, por exemplo, uma prova obtida por meio ilícito mas que levaria à ab­
solvição de um inocente. Tal prova teria de ser considerada porque a condenação de um
inocente é a mais abominável das violências e não pode ser admitida ainda que se sacrifi­
que algum outro de preceito legai. A norma constitucional de inadmissibilidade de provas
obtidas por meio ilícito vale, portanto, como regra, mas certamente comportará exceções
ditadas peia incidência de outros princípios, também constitucionais, mais relevantes (...)".
No mesmo sentido: GRINOVER, Ada Pelegrlni. A eficácia dos atos processuais à luz da
Constituição Federal. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. São Pau­
lo, n. 37, p. 46:"... À primeira vista, a Constituição brasileira parece impedir essa solução,
quando não abre nenhuma exceção expressa ao princípio da proporcionalidade. Mas não
me parece que o caminho deva inevitavelmente ser esse, até porque existe, sem dúvida
nenhuma, um caso pacificamente reconhecido como de aplicação do princípio da propor­
cionalidade e que induz a admitir, no processo penal, a prova obtida ilicitamente, quando se
trate de prova da inocência do acusado. Diz-se então que, se a prova foi obtida ilicitamente,
mas serviu para comprovar a inocência do acusado, o valor liberdade avulta perante os de­
mais valores e a prova pode ser admitida...”.
110 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Yves Gandra da S. (Comentários à Constituição do
Brasil. São Paulo: Saraiva, 1989. v. 2, p. 276-276), traçam regras de admissibilidade da prova
ilícita: “(...) A primeira delas é a de que a prova a ser feita valer seja indispensável na defesa
de um direito constitucional mais encarecido e valorizado pela Lei Maior do que aquele cuja viola­
ção se deu. Em segundo lugar é necessário que a produção desta prova se faça na defesa do
réu e não a favor do Estado, entendido este como autor da ação penai. E finalmente a prova
deve ser acolhida quando aquele que a exibe não teve nenhuma participação, quer direta ou
indireta, no evento inconstitucional que a ensejou)...)”.
Prova Ilícita no Processo 61

Assim, v.g., uma pessoa que grava conversa de terceiros, sem


autorização judicial, mas para demonstrar sua própria inocência, a
despeito de poder ser considerada ilícita tal espécie de prova por ferir
direito à intimidade de terceiro, como se verá a seguir, pode utilizar tal
espécie de prova no processo, não se admitindo, todavia, a prova pro­
duzida sem o conhecimento das partes e sem autorização judicial e
tendo como escopo a condenação no processo criminal (utilização em
favor da sociedade). Em outras palavras: o princípio da proporcionali­
dade, em matéria criminal, no que toca à admissibilidade da prova
ilícita no processo, não é aceito por grande parte da doutrina em nosso
país em favor da sociedade, mas tão-somente em prol do acusado.
No que diz respeito ao processo civil, já se entendia, mesmo
antes de haver texto expresso a respeito na CF (art. 5o, X, XII e princi­
palmente LVI), que tal meio de obtenção de prova colidia com o es­
pectro traçado no art. 332, extrapolando-o, sendo, pois, prova desves­
tida de legitimidade moral111.
Scarance Fernandes, ao comentar o dispositivo constitucional
concernente à inadmissibilidade da prova ilícita no processo, afirma
que, de fato, teve o legislador constitucional, ao vedar a admissão da
prova ilícita no processo, objetivo de estancar o dissídio doutrinário e
jurisprudencial sobre a admissibilidade das provas ilícitas, asseveran­
do, entretanto, que deveria o princípio da proporcionalidade ser repen­
sado, exemplificando com caso verídico de violação de correspondên­
cia de presos em certo presídio, quando se descobriu plano de fuga em
massa e de sequestro de um juiz de direito, e com outro caso, em que
o réu obtém prova de sua inocência em interceptação telefônica não
autorizada judicialmente, mas era a única forma de provar sua ino­
cência.
No primeiro caso, sobre violação de correspondência, prova
ilícita, seria natural que tal pudesse se sobrepor ao sigilo constitucio­
nal das correspondências, pois a fuga do presídio e o consequente se­
questro da autoridade pública seriam bens jurídicos de maior relevân­
cia a serem observados em relação à quebra de sigilo acima noticiada.
Na segunda hipótese, teríamos caso típico de prova ilícita
pro reo, devendo, pois, a prova ilícita ser admitida e valorada em prol
dos princípios da ampla defesa e da dignidade da pessoa humana.

111 ARRUDA ALVIM, José Manuel de. Manual... Op. cit, p. 382.
62 Fábio Aguiar Munhoz Soares

Percebe-se, portanto, defender o doutrinador paulista não só


a admissibilidade da prova ilícita pro reo, mas também, em casos
excepcionais, a adoção mais ampla do princípio da proporcionalidade,
como no primeiro exemplo, onde haveria a admissibilidade da utiliza­
ção da prova captada ilicitamente pro societate[12.
Argumenta ainda:

a p r o p o r c io n a lid a d e é v e r ific a d a e n tre d u a s n o rm a s c o n s titu c io n a is


de n a tu re z a m a te ria l, a p r o te ç ã o a o s ig ilo d a c o rre s p o n d ê n c ia , s u p e ra ­
d a p e la n e c e s s id a d e de s e r p r e s e r v a d a a s e g u ra n ç a do p r e s íd io e a
v id a do j u i z d e d ir e it o ’, a q u i, a p r o v a o b tid a n ã o s e rá c o n s id e ra d a il í­
c ita e, p o r isso, n ã o h á a fr o n ta à r e g r a d e s u a in a d m is s ib ilid a d e no
p ro c e s s o . E m s u m a , a n o r m a c o n s titu c io n a l q u e v e d a a u tiliz a ç ã o no
p ro c e s s o d e p r o v a o b tid a p o r m e io ilíc ito d e v e s e r a n a lis a d a à lu z do
p r in c íp io d a p r o p o r c io n a lid a d e , d ev e n d o o ju iz , em c a d a c a s o , so p e­
s a r se o u tr a n o rm a , ta m b é m c o n s titu c io n a l, d e o rd e m p r o c e s s u a l ou
m a te r ia l, n ã o s u p e ra em v a lo r a q u e la q u e e s ta r ia sen d o v io la d a 12113.

Barbosa Moreira é outro doutrinador, que, de forma vee­


mente, critica a adoção do princípio da proporcionalidade somente pro
reo, afirmando:

(...) d ific ilm e n te se c o n te s ta rá a p re m is s a d a s u p e rio rid a d e d e a rm a s


d a a c u s a ç ã o . P o d e s u ced er, no e n ta n to , q u e e la d e ix e d e r e fle tir a r e a li­
d a d e em situações de e xpansão e fo rta le c im e n to d a c rim in a lid a d e o r g a ­
n iz a d a , co m o ta n ta s q u e e n fre n ta m as s o c ie d a d e s c o n te m p o râ n e a s (...)
S e ja co m o f o r , o e s s e n c ia l a q u i é p ô r em r e a lc e o c a r á t e r r e la tiv o q u e
p o r f o r ç a se tem d e a t r ib u ir a o p r in c íp io c o n s titu c io n a l a tin e n te à
in a d m is s ib ilid a d e d as p r o v a s ilic ita m e n te a d q u ir id a s 1l4.

A par de tais ensinamentos, verifica-se não haver por parte


da doutrina brasileira, influenciada que é pelos posicionamentos fir­
mes de Grinover e Magalhães, grande, para não dizer nenhum, entu-

112 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 3. ed. São Paulo: RT,
2002. p. 86-87.
113 Idem., p. 88.
114 MOREIRA, José Carlos Barbosa. A Constituição e as provas ilicitamente obtidas. Revista do
Ministério Público. PGJ/RJ, n. 4, p. 105,1996.
Prova Ilícita no Processo 63

siasmo na adoção do princípio da proporcionalidade em favor da so­


ciedade, mas tão-somente em favor do réu, o que talvez possa ser ex­
plicado por uma visão baseada nos direitos e garantias ftmdamentais,
com o objetivo de sempre preservá-los, impondo-se de tal forma limites
naturais ao Estado.

4.6 NOSSA POSIÇÃO

Respeitado o posicionamento acima citado de Grinover e


Magalhães e que representa o entendimento dominante sobre o tema,
entendemos que os direitos fundamentais da pessoa humana não po­
dem ser elevados a uma tal categoria de direitos, que possam servir
como verdadeira espécie de imunidade à prática de atividades ilícitas,
mormente se se considerar que uma garantia constitucional, como é,
v.g., a da inadmissibilidade da prova ilícita, tem dupla função: prote­
ger os cidadãos contra os abusos do poder estatal, mas também, servir
de método interpretativo de apoio para o juiz quando este precisa re­
solver problemas de compatibilidade e de conformidade na tarefa de
densificação ou concretização das normas constitucionais115167.
O direito constitucional, como é sabido, deve ser interpretado
de forma a evitar contradições entre as suas diversas normas e, sobre­
tudo, entre os princípios jurídico-políticos constitucionalmente estru-
turantes, cumprindo ao intérprete sempre considerar as normas cons­
titucionais, não como normas isoladas e dispersas, mas sim, como
preceitos integrados num sistema interno unitário de normas e princí­
pios"6.
Quiroga Lavié, constitucionalista argentino, apontando a re­
latividade dos direitos fundamentais, afirma que os direitos funda­
mentais nascem para reduzir a ação do Estado aos limites impostos
pela Constituição, sem, contudo, desconhecerem a subordinação do
indivíduo ao Estado, como garantia de que eles operem dentro dos
limites impostos pelo Direito"7.

115 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. Hermenêutica Constitucional. Florianópolis: Obra
Jurídica, 1997. p. 104.
116 CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional. 5. ed. Coimbra: Almedína, 1992.
p. 232.
117 LAVIE, Quiroga. Derecho Constitucional. Buenos Aires: Depalma, 1993. p. 123.
64 Fábio Aguiar Munhoz Soares

Assim, não nos parece coerente com a própria existência do


Estado, prever este a existência de direitos e garantias fundamentais
contra abusos que possam por ele ser cometidos e ao mesmo tempo,
por uma interpretação literal, cogitar-se de situações em que possa ele,
Estado, restar desprotegido contra indivíduos, que valendo-se de ga­
rantias fundamentais, ajam contra a estrutura organizacional do Esta­
do, como ocorre, por exemplo, nas hipóteses ligadas a crimes cometi­
dos dentro de práticas terroristas ou voltadas à mantença do crime
organizado118.
Segundo Alexandre de Moraes, no exercício de seus direitos
e no desfrute de suas liberdades, todas as pessoas estão sujeitas às
limitações estabelecidas pela lei com a única finalidade de assegurar o
respeito dos direitos e liberdades dos demais e de satisfazer as justas
exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma socie­
dade democrática119.
Prossegue o mesmo autor, referindo-se aos que praticarem
atos ilícitos, não observando as liberdades públicas de terceiras pessoas
e da própria sociedade. Ora, por óbvio, não poderão tais pessoas invo­
car, posteriormente, a ilicitude de determinadas provas para afastar
suas responsabilidades civil e criminal perante o Estado120.
Exemplificando, aponta a possibilidade de utilização como
prova de gravação realizada pela vítima, sem o conhecimento de um
dos interlocutores, que comprove a prática de crime de extorsão, pois
o próprio agente do ato criminoso, primeiramente, invadiu a esfera de
liberdade pública da vítima, ao ameaçá-la e coagi-la. Esta, por sua vez,

118 “Réu condenado por formação de quadrilha armada não tem como invocar direitos fundamen­
tais próprios do homem livre para trancar ação penal (corrupção ativa) ou destruir gravação
feita peia polícia. 0 inc. LVI do art. 5o da Constituição, que fala que “são inadmissíveis as pro­
vas obtidas por meio ilícito”, não tem conotação absoluta. Há sempre um substrato ético a ori­
entar o exegeta na busca de valores maiores na construção da sociedade. A própria Constitui­
ção Federal Brasileira, que é dirigente e programática, oferece ao juiz através da “atualização
constitucional” (Verfassungsaktualisierung) base para o entendimento de que a cláusula
constitucional invocada é relativa. A jurisprudência norte americana, mencionada em prece­
dente do Supremo Tribunal Federal, não é tranquila. Sempre é invocável o princípio da razoabili-
dade (Reasonableness). 0 princípio da exclusão das provas ilicitamente obtidas (Exclusionary
Rule) também tá pede temperamentos" (RT 755/580 - RHC 7216/SP - 1a Turma - Rei. Min.
Edson Vidigal - j. em 28.04.1998, com remissão ao REsp. 9012/RJ, DJU, de 14.04.1997,
daquele mesmo Sodaiício).
119 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 119.
120 Idem.p. 119.
Prova Ilícita no Processo 65

em legítima defesa de sua liberdade pública, obteve prova necessária e


cabal para fins de responsabilização do agente criminoso.
Em hipótese alguma poderia se argumentar que houve des­
respeito à inviolabilidade, à intimidade e à imagem do agente crimino­
so, já que, em última análise, agiu a vítima acobertada pela excludente
de ilicitude concernente à legítima defesa121.
Arremata o citado autor que na espécie não se trata de aco­
lhimento de provas ilícitas e, consequentemente, de violação do co­
mando do art. 5o, LVI, da Constituição Federal. O que ocorre na hi­
pótese é a ausência de ilicitude dessa prova, porque quem a produziu
agiu em legítima defesa de seus direitos humanos fundamentais, que
estavam sendo ameaçados ou lesionados em face de condutas ilíci­
tas122.
A despeito do quanto aduzido pelo citado autor, ainda que se
considere plausível a ideia segundo a qual em tais casos estaria mesmo
a vítima agindo em legítima defesa de seus direitos humanos funda­
mentais ao produzir prova ilícita, aproveitando-se então a prova pro­
duzida, parece-nos um tanto quanto contraditório dizer que a prova
tenha deixado de ser ilícita apenas e tão-somente porque a vítima teria
agido em legítima defesa, sendo, ao revés, ilícita a prova quando o
Estado a produzisse, devendo, pois, ser excluída do processo, porque
em tais casos o sistema jamais poderia aceitar algo produzido por
quem se pauta pela torpeza em suas condutas123.
Ora, as situações são muito parecidas, para não dizer idênti­
cas, sendo diversas apenas quanto ao agente responsável pela produ­
ção da prova ilícita e, por isso, quer nos parecer, deva ser dado idênti­
co tratamento à questão posta. É dizer: a circunstância de ter sido o

121 /Mofem, p. 120.


122 Ibidem, p. 121.
123 Tal, aliás, é a posição de Arruda Alvim, José Manuel de. Manual... Op. cit, p. 384), que afirma:
“Conquanto seja uma questão extremamente difícil e efetivamente controvertida, não só entre
nós, como no Direito e na própria casuística do direito comparado (v.g., v. Alberto Monton Re­
dondo, Los Nuevos Médios de Prueba y la Posibilidad de su Uso en ei Proceso (con especial
referencia a las grabaciones magnetofónicas a la eficacia de las pruebas ilicitamente conse­
guidas), Salamanca, 1977, passim), já nos inclinávamos, mesmo sob a égide da Constituição
Federal revogada, pela linha de raciocínio adotado pelo STF, hoje reafirmada e acolhida, tam­
bém, pelo STJ, principalmente pelos fundamentos de que a torpeza não deve ser surpreendida
por comportamento igualmente torpe, e pelo direito à intimidade" (CF anterior (revogada), art.
153, § 9o, interpretado lato sensu).
66 Fábio Aguiar Munhoz Soares

Estado o responsável pela produção da prova ilícita não pode por si só


afastar a prova do processo apenas e tão-somente por ter sido ele o
responsável pela produção da prova, pois, em situações idênticas,
quando a vítima produz a mesma espécie de prova, a ideia da legítima
defesa surge124 e o sistema jurídico remanesce íntegro, sem que se
cogite de qualquer violação de algum de seus princípios, em razão da
admissibilidade da prova ilícita no processo.
Mais: a partir do momento em que se defende a ideia segun­
do a qual a gravação de conversa entre duas pessoas, sem o conheci­
mento de ambas, com a finalidade de documentá-la para fins de com­
provação de inocência, nada tem de ilícita, mormente pelo fato de
constituir tal ato exercício de defesa125, abre-se campo para que se
defenda a ideia de que também não seria ilícita a prova produzida pelo
Estado, porque em algumas circunstâncias, mormente naquelas ligadas
a práticas criminosas contra a estrutura estatal, estaria o Estado agindo
em defesa de sua própria estrutura organizacional, o que poderia ser
entendido também como legítima defesa.
O grande problema que se vislumbra na adoção de referida
tese é o fato de termos, a partir de então, o Estado agindo de forma
ilícita no mais das vezes e sempre alegando na defesa de seus atos
ilícitos o instituto da legítima defesa, ou seja: quando da persecução
penal, quando mais se espera deva o Estado se pautar pela legalidade,
estaria este agindo contra a lei e invocando o instituto da legítima de­
fesa a fim de acobertar ilegalidades cometidas contra direitos funda­
mentais e tudo em nome da ordem pública e da paz social.

124 Entendemos em verdade, quando da ocorrência da persecução penal, não haver agressão
injusta por parte do Estado a caracterizar situação de legitima defesa, pois a persecução penal
é ato de soberania do Estado, não se vendo por onde possa ser qualificada como justa ou
injusta.
125 Em caso parecido: com a seguinte ementa: Constitucional. Penal, Gravação de conversa
feita por um dos interlocutores: licitude. Prequestionamento. Súmula 282-STF. Prova:
reexame em recurso extraordinário: impossibilidade. Súmula 279-STF. / - A gravação de
conversa entre dois interlocutores, feita por um deles, sem conhecimento do outro, com a fina­
lidade de documentá-la, futuramente, em caso de negativa, nada tem de ilícita, principalmente
quando constitui exercício de defesa. II - Existência, nos autos, de provas outras não obtidas
mediante gravação de conversa ou quebra de sigilo bancário. III - A questão relativa às provas
ilícitas por derivação “the fruits o f the poisonous free” não foi objeto de debate e decisão,
assim não prequestionada. Incidência da Súmula 282-STF. I V - A apreciação do RE, no caso,
não prescindiria do reexame do conjunto fático-probatório, o que não é possível em recurso
extraordinário. Súmula 279-STF. V - Agravo não provido. (AI-AgR 503617/PR - j em
01.02.2005 - 2a Turma - STF - DJ 04.03.2005, p. 30)
Prova Ilícita no Processo 67

A fim de evitar exageros, pondera-se ser um tanto quanto ra­


zoável possa a prova ilícita produzida pelo Estado ser admitida so­
mente nos processos em que o Estado se veja atacado em sua própria
estrutura e naqueles ainda, em que tenha o legislador constitucional
disposto de fornia especial acerca da proteção de determinados bens
jurídicos, não se admitindo assim a prova ilícita em todo e qualquer
processo, sob pena de generalização indevida da exceção à garantia
constitucional da inadmissibilidade no processo das provas obtidas por
meios ilícitos.
E dizer: nos processos em que o Estado seja atacado em sua
estrutura organizacional ou, ainda, naqueles em que haja previsão
constitucional de proteção especial a determinados bens jurídicos
(meio ambiente, família, idoso, criança e adolescente, crime organiza­
do, crimes hediondos e os a eles equiparados, de terrorismo, a despeito
da inexistência de tipo legal etc.), a prova ilícita poderia ser admiti­
da126, a critério do julgador, em decisão fundamentada, na qual hou­
vesse correta aplicação da técnica de aferição da proporcionalidade
com a ponderação dos bens postos em conflito, devendo, nos demais
casos (criminalidade comum e direitos ordinários), ser coibido o in­
gresso da prova ilícita no processo, sob pena de tomar letra morta o
dispositivo constitucional, que proíbe a admissão de provas ilícitas no
processo.
De tal forma, ou seja, admitindo-se a prova ilícita em situa­
ções extremadas apenas, alcança-se medida equilibrada entre justiça e
legalidade, não figurando a verdade material então como ideal único
do processo e com invocação indiscriminada em qualquer problema
atinente à colheita e produção das provas, evitando-se, outrossim, a
repulsa à prova ilícita, como regra genérica, que em nada beneficia o
ordenamento jurídico, já violado pelo ato ilegal de quem a obteve127.
A melhor solução, segundo Bedaque, é tentar a conciliação
de dois valores opostos, pois, da mesma forma que a orientação pre­
dominante visa à defesa de princípios constitucionais e de direitos

126 ÁVILA, Thiago André Pierobom de (Provas... Op. cit, p. 249), aduz que o ponto de partida
para o conceito de crime grave deve emanar da própria Constituição: crimes hediondos, tráfico
de entorpecentes, tortura, terrorismo, racismo e ação de grupos armados, sem se olvidar da
criminalidade organizada e a que atinge a coletividade, sendo em tal ponto os pressupostos de
admissibilidade da prova ilícita do referido autor muito parecidos com o que vimos sustentando
no presente trabalho.
127 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes... Op. cit., p. 141.
68 Fábio Aguiar Munhoz Soares

fundamentais da pessoa, especialmente o direito à intimidade, a efeti­


vidade do processo também atende a um interesse público relevante.
Não se pode ignorar que, em tais casos, a decisão de rejeição de prova
obtida irregularmente implica a possibilidade de ficar o julgador sem
elementos suficientes para proferir decisão justa, inviabilizando-se,
pois, o almejado acesso à justiça, o qual compreende todos os meios
necessários a que o processo seja efetivo, ou seja: que seja utilizado
como necessário instrumento e apto à solução das controvérsias128.
Com efeito, embora a vedação constitucional às provas ilíci­
tas esteja a serviço da proteção de direitos fundamentais do cidadão
contra arbítrios do Estado, casos haverá em que tal vedação, tomada
de forma absoluta, levará a situações conflitantes e decididamente não
imaginadas pelo legislador constituinte, protegendo-se, v.g., direito
fundamental de alguém que venha a solapar os fundamentos basilares
da sociedade constituída, o que, ressalte-se, não se concebe, sob pena
de afronta a qualquer princípio de lógica do razoável.
Se é de difícil feitura o estabelecimento de graduação entre
os direitos fundamentais, é necessário, outrossim, que tais sejam rela-
tivizados quando se veja a sociedade sob ataque às suas estruturas de
subsistência ou ainda, quando direitos erigidos pelo legislador consti­
tuinte como merecedores de tutela diferenciada estejam em posição de
preterimento.
Um dos argumentos mais utilizados pelos que defendem a
inadmissibilidade da prova ilícita no processo é o de que a idéia da
admissibilidade da prova ilícita serviria como instrumento a esconder
a precariedade do aparato policial estatal, que, dentre outros fatores,
mas primordialmente por falta de investimento, deixa de atuar nos
lindes da legalidade, produzindo assim prova ilícita. Admitir a prova
ilícita no processo é, por via transversa, incentivar as equivocadas
escolhas do Estado em suas políticas públicas de investimentos.
O argumento não deixa de ter sua relevância, porque não se
ignora não haver mesmo no Brasil um mínimo de investimento na
infra-estrutura policial. Contudo, é bom que se diga, também não pode
ser ignorado não ser a criminalidade dos dias atuais a mesma dos anos
70, razão por que entendemos devam os direitos e garantias funda­
mentais, com suas amplitudes e relativizações possíveis de serem es-

128 Idem, p. 142-143.


Prova Ilícita no Processo 69

tabelecidas, serem valorados segundo a realidade social vigente, com


toda a complexidade da vida moderna, e não, segundo aquela de déca­
das ou séculos atrás, quando, por exemplo, sequer se cogitava da pos­
sibilidade de práticas terroristas no país129130, sem nexo de causalidade,
portanto, para nós, a questão da prova ilícita com o investimento em
aparelhamento do Estado.
Para nós, a solução adotada por muitos quanto à inadmissi­
bilidade da prova ilícita no processo, porque a vedação constitucional
às provas ilícitas está a serviço da proteção de direitos fundamentais
do cidadão contra arbítrios do Estado e não, a serviço de qualquer
outro valor, é simplista e, por que não dizer?, interpretativista , já
que, se adotada a referida interpretação, fica vedada ao intérprete
invocação de qualquer outro princípio de índole também constitucio­
nal e igualmente importante, como o são, v.g., a justiça (CF, art. 3o, I),
a cidadania (CF, art. Io, II), o bem comum (CF, art. 3o, IV), a defesa
da paz (CF, art. 4o, VI), o repúdio ao terrorismo e ao racismo (CF, art.
4o, VIII)131.
Em outras palavras: a afirmação segundo a qual está a ad­
missibilidade da prova ilícita no processo a violar o princípio da di­
gnidade da pessoa humana e por isso não pode de nenhuma forma ser

129 Sem dúvida que os doutrinadores de outrora que advogavam a tese da inadmissibilidade da
prova ilícita e que continuam influenciando parte da doutrina e da jurisprudência brasileiras
desconheciam, v.g., o fato de o Brasil ser conhecido no exterior por como pais envolvido em
recolhimento de fundos do grupo terrorista Hamas, bem como do Hizbollah, na região da
Tríplice Fronteira (Brasil, Paraguai e Argentina). Vide a respeito notícia publicada no Jornal
Folha de S. Paulo, A12, 01.05.2007, com o título: Terror aumentou em 2006, dizem os
EUA. Ataques se concentraram no Iraque e no Afeganistão; relatório volta a mencionar Trípli­
ce Fronteira.
130 Chamam-se interpretativistas os que, embora admitam que o aplicador da Constituição - tal
como o aplicador de qualquer norma jurídica - não deva prender-se à literalidade do texto,
mesmo assim consideram incompatível com o princípio democrático qualquer criatividade judi­
cial em sentido forte, isto é, qualquer forma de interpretação dos enunciados normativos que
ultrapasse o âmbito do seu significado linguisticamente possível, porque isso implicaria atribuir
aos juízes uma legitimidade que é privativa dos titulares de mandatos políticos. A esse respei­
to, confira-se: COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação Constitucional. 2. ed. Porto Alegre:
Sérgio Antonio Fabris, 2003. p. 81.
131 É o que fazem os chamados não interpretativistas, para os quais - em nome do sentido mate­
rial da Constituição - é legítima a invocação de outros valores para atribuir à magistratura uma
competência interpretativa em sentido forte, tendo em conta a historicidade e a estrutura do
texto constitucional - essencialmente conformado por princípios jurídicos abertos e indetermi­
nados, devendo em tal sentido conferir-se liberdade ao intérprete para concretizá-los, renun­
ciando-se, caso tal não ocorra, à pretensão de vivenciar a Constituição. A esse respeito, confi­
ra-se: COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação... Op. cít., p. 83.
70 Fábio Aguiar Munhoz Soares

a prova ilícita admitida é por demais genérica132134,já que não há como


em poucas palavras conceituar o referido princípio, tão aberto e inde­
terminado e que, por isso, admite inúmeras conceituações, não se olvi­
dando, outrossim, que o referido princípio - o da dignidade da pessoa
humana - não está isolado no texto constitucional, convivendo, é certo
dizer, com outros tantos princípiosi33/134, num complexo jogo concer­
tado135 de complementações e restrições recíprocas136.
Com efeito, o conteúdo da noção da dignidade da pessoa
humana, na sua condição de conceito jurídico-normativo, a exemplo
de tantos outros conceitos de contornos vagos e abertos, reclama uma
constante concretização e delimitação pela práxis constitucional, tare­
fa cometida a todos os órgãos estatais.
Em tais termos, é certo dizer somente haver condição de
avaliação do peso e a valoração que deve ser dada aos princípios pos­

132 GOMES FILHO, Antonio Magalhães (Direito à Prova no Processo Penal. São Paulo: RT,
1997. p. 106), é um dos principais doutrinadores pátrios que entende não poder a prova ilicita
ser admitida no processo, salvo quando pro reo: “...no confronto entre uma proibição de prova,
ainda que ditada pelo interesse de proteção a um direito fundamental, e o direito à prova da
inocência parece claro que deva este úitimo prevalecer, não só porque a liberdade e a digni­
dade da pessoa humana constituem valores insuperáveis, na ótica da sociedade democrática,
mas também porque ao próprio Estado não pode interessar a punição do inocente, o que po­
deria significar a impunidade do verdadeiro culpado...’’. Prossegue o autor: “...não há incongruên­
cia entre a rejeição do critério da proporcionalidade para a prova ilícita pro societate e essas
últimas afirmações, uma vez que a estatura dos valores confrontados com o direito à prova - o
interesse na punição dos delitos ou a tutela da inocência - é diversa...”.
133 O princípio da dignidade da pessoa humana pode sim, ceder lugar a outros princípios. A esse
respeito, confira-se: ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro
de Estúdios Constitucionales, 1993. p. 105-109.
134 Para nós, a norma do art. 5o, LVI, da CF/88, é, sim, princípio constitucional e não, regra, e por
isso admite ser relevada em certos casos. Neste sentido, confira-se ÁVILA, Thiago André Pie-
robom de. Provas... Op. cif, p. 3.
135 A esse respeito, confira-se COELHO, Inocêncio Mártires (Interpretação ... Op. cit., p. 100) que
cita decisão paragmática do STF sobre o modo como se desenvolve o jogo da aplicação dos
princípios jurídicos. Em tal decisão pelo autor mencionada (ADIn 319/DF - Rei. Min. Moreira
Alves), deixou assentado o STF que, em face da Constituição, para conciliar o fundamento da
livre-iniciativa e o princípio da livre concorrência com os princípios da defesa do consumidor e
da redução das desigualdades sociais, em conformidade com os ditames da justiça social -
valores que se mostrariam inconciliáveis, se tomados em sentido absoluto - pode o Estado,
por via legislativa, regular a política de preços de bens e de serviços, abusivo que é o poder
econômico que visa ao aumento arbitrário dos lucros. Prossegue o autor dizendo que, em tal
decisão, nada mais fez o STF do que ponderar e relativizar o peso dos princípios concorrentes
e, diante das circunstâncias do caso, legitimar a intervenção legislativa do Estado em determi­
nado setor da atividade econômica, sem que se tenha invalidado qualquer dos standards nor­
mativos em conflito.
136 Idem, p. 100.
Prova Ilícita no Processo 71

tos em rota de colisão diante de dado caso concreto, nada impedindo,


pois, a depender das circunstâncias de cada caso, possam ser dadas
soluções diametralmente opostas, atribuindo-se assim, em dado caso,
precedência a um determinado princípio, que em caso anterior tenha
sido preterido137138.
Evita-se com tal afirmação - a de que a prova ilícita pode ser
admitida, sim, mas somente em casos excepcionais - sejam dadas
soluções em tese e, por assim dizer, genéricas, sem que soluções justas
sejam ao menos vislumbradas, o que não se imagina não possa ser
concebido como algo a ser esperado dentro de um sistema jurídico
complexo, como é o brasileiro, o qual deve contemplar, ainda que por
hermenêutica e não por disposição expressa, deliberações excepcio­
nais a situações também excepcionais1 .

137 COELHO, Inocêncio Mártires (Interpretação ... Op. cit., p. 102), citando Alexy, anota que é
precisamente nesta característica que reside o traço fundamental entre princípios jurídicos e
regras de direito: “O ponto decisivo para a distinção entre regras e princípios reside em que os
princípios são normas ordenadoras de que algo se realize na maior medida possível, dentro
das possibilidades jurídicas e reais existentes. Portanto, os princípios são mandatos de otimi­
zação, caracterizados pelo fato de poderem ser cumpridos em diferentes graus, e a medida do
seu cumprimento^ não depende apenas das possibilidades reais, mas também das possibilida­
des jurídicas. O âmbito dessas possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras
opostos. As regras, ao contrário, só podem ser cumpridas ou não. Se uma regra é válida, en­
tão há de se fazer exatamente o que ela exige, nem mais nem menos. Por conseguinte, as re­
gras contêm determinações no âmbito do que é fática e juridicamente possível. Isto significa
que a diferença entre regras e princípios é qualitativa e não de grau. Toda norma ou é uma re­
gra, ou é um princípio". (ALEXY, Robert. Teoria ... Op. cit., p. 163)
138 De forma coerente com o que aqui s_e defende, ÁVILA, Tiago André Pierobom de. (In: Pro­
vas... Op. cit., p. 108), propõe a redação do seguinte enunciado sobre provas ilícitas, inspirada
em exemplo de Alexy: “Está proibida a admissão no processo de provas obtidas por meios ilí­
citos, desde que estas não sejam necessárias para o cumprimento daqueles princípios opos­
tos de nível constitucional (que podem referir-se a direitos fundamentais de terceiros ou a bens
coletivos) e que, devido às circunstâncias do caso, têm precedência frente ao principio da
inadmissibilidade".
5

INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL E
COLISÃO ENTRE PRINCÍPIOS

Conforme dantes visto, é com a chamada regra da proporcio­


nalidade que se busca solucionar as colisões existentes entre princí­
pios; afinal, não é demais dizer terem as normas de direitos funda­
mentais caráter de princípios139, almejando-se assim a chamada uni­
dade da Constituição, o que não se constitui em tarefa das mais fá­
ceis, ressalte-se, dada a própria equivocidade da expressão unidade
da Constituição140.
Em tal tarefa, todavia, sobressai o princípio da harmoniza­
ção ou da concordância prática, que consiste numa recomendação
para que o aplicador das normas constitucionais, em se deparando
com situações de concorrência entre bens constitucionalmente prote­
gidos, adote a solução que otimize a realização de todos eles, mas, ao
mesmo tempo, não acarrete a negação de nenhum, o que significa
dizer que somente no momento da aplicação do texto, e no contexto
dessa aplicação, é que se pode coordenar, ponderar e, afinal, conci­
liar os bens ou valores constitucionais em conflito, dando a cada um
o que for seu141.
É dizer: quando dois princípios entram em colisão, não signi­
fica se deva desprezar ou tornar inválido um deles. O que ocorre é

m BARROS, Suzana de Toledo. 0 princípio... Op. c/t, p. 213.


140 COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação ... Op. cit, p. 108.
141 Ibidem, p. 131.
74 Fábio Aguiar Munhoz Soares

que, sob certas circunstâncias, um princípio precede ao outro, e, sob


outras, a questão da precedência pode ser solucionada de maneira
inversa, mas sempre tendo em vista a possibilidade de realização de
ambos142.
Não constitui escopo do presente trabalho identificar e estu­
dar os chamados princípios de interpretação Constitucional, dentre os
quais poderiam ser citados o da unidade da Constituição, o da concor­
dância prática, o da correção funcional, o da eficácia integradora, o da
força normativa da Constituição, o da máxima efetividade, o da pro­
porcionalidade ou razoabilidade, o da interpretação conforme a Cons­
tituição e, por fim, o da presunção de constitucionalidade das leis, mas
num esforço de argumentação, a fim de ter presente a ideia de que os
direitos fundamentais são passíveis de limitação, não tendo a matéria
nenhum grau de simplicidade, cumpre asseverar ser também dedutível
a proporcionalidade do princípio do Estado de Direito, justificando-se
a aludida dedução do fato de que no Estado de Direito está presente a
ideia de justiça, sendo a proporcionalidade também um meio de con­
cretização da aludida justiça143.
Lembre-se para tanto que na ADIn 319-4, quando estava em
jogo a constitucionalidade de medida legislativa dispondo sobre crité­
rios de reajustes de mensalidades das escolas particulares, o STF, por
um de seus mais eméritos integrantes, Min. Moreira Alves, deixou
assente que o Poder Público pode estabelecer limitações à liberdade de
empresa, princípio constitucional que é, para proteger outros bens
constitucionais, v.g., a educação, numa clara alusão à idéia de justiça e
harmonização de princípios e direitos constitucionais.
Não é difícil vislumbrar, portanto, que casos haverá em que
os princípios da verdade real, do direito à prova e do direito à segu­
rança, para não mencionar outros tantos princípios, sobrepor-se-ão aos
igualmente princípios do direito à intimidade, à integridade, à digni­
dade, ao devido processo legal, à propriedade e ao próprio princípio
constitucional, que veda a utilização das provas ilícitas, o que não é
absurdo pensar, mormente se se considerar que as hipóteses de coli-

142 BARROS, Suzana de Toledo 0 princípio... Op. cit., p. 155.


143 BONAVIDES, Paulo (Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 365),
afirma: “embora inicialmente o TCF alemão tenha por vezes fundamentado o princípio da pro­
porcionalidade na intangibilidade do conteúdo essencial dos direitos fundamentais, atualmente
há uma preferência peio principio do Estado de Direito...”.
Prova Ilícita no Processo 75

dência de direitos são múltiplas e, numa sociedade complexa e dinâ­


mica como a nossa, o que antes era importante pode não o ser mais
algum tempo depois144.

144 Em tal sentido, observe-se que o direito à vida, que poderia ser tido como direito absoluto,
para o legislador constituinte não o é, o que pode ser aferido pela previsão de pena de morte
em caso de guerra declarada (CF, art. 5o, XLVII, “a”), não se vendo ainda no texto constitucio­
nal preocupação acentuada do legislador em relação aos crimes contra a vida, se comparados
tais com os crimes de racismo, de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitu­
cional e o Estado Democrático, imprescritíveis que são (CF, art. 5o, XLII e XLIV) e, portanto,
em tese mais graves, o que não deixa de ser algo estranho, mas revelador de alguma forma
da escala de valores contida no texto constitucional e que pelo intérprete não pode ser des­
considerada quando da ponderação de bens a ser feita na aplicação da regra da proporciona­
lidade.
6

PROVAS ILÍCITAS POR DERIVAÇÃO

Provas ilícitas por derivação ou teoria dos frutos da árvore


envenenada (fruits o f the poisonous tree) é o nome que se dá às provas
material e processualmente válidas, mas oriundas de prova ilicita­
mente obtida, o que traz à baila a indagação de serem, ou não, tais
provas válidas, dado terem se originado de violação de alguns dos
direitos garantidos pela Constituição, devendo, ou não, é o que se in­
daga, ser excluídas do processo a fim de se evitar possível efeito de
prova ilícita na apuração do fato criminoso e de sua autoria.
Cita-se como exemplo a hipótese de se ter num dado proces­
so indicação de testemunha, à qual somente se chegou por meio de
escuta telefônica não autorizada judicialmente, não havendo na dou­
trina e jurisprudência posição pacífica sobre tal tema, se lícita, ou não,
a prova referente à oiti va acima citada145.
Cita a doutrina pátria que somente a partir de importante pre­
cedente estadunidense é que passou a se entender que a prova deriva-
damente obtida a partir de práticas ilegais deveria também ser excluí­
da146, já que a essência da norma que proíbe a aquisição de uma prova

145 0 Ministro Celso de Mello em pronunciamento judicial deixou claro sua posição:"... vedar que
se possa trazer ao processo a própria ‘degravação’ das conversas telefônicas, mas admitir que
as informações neta colhidas possam ser aproveitadas pela autoridade, que agiu ilicitamente,
para chegar a outras provas, que, sem tais informações, não colheria, evidentemente, é esti­
mular e, não reprimir a atividade ilícita da escuta e da gravação clandestina de conversas pri­
vadas...’’ (Ação Penal 307-3/DF - Serviço de Jurisprudência do STF - Ementário 1.804-11
- Rei. Min. Celso de Mello).
146 RAMOS, João Gualberto Garcez. Direito... Op. cit., p. 123.
78 Fábio Aguiar Munhoz Soares

de uma certa maneira não se limita a dizer que ela não pode ser utili­
zada em juízo, mas também reza que ela não pode ter efeito algum147.
Em razão de o precedente inicial estadunidense ser contrário
à admissão das provas ilícitas por derivação, por muito tempo e ainda
hoje são encontrados julgados em que prepondera o entendimento
pelo qual não deve mesmo e de nenhuma forma, tal espécie de prova
ser admitida no processo148.

147 Caso Silverthone Lumber Co. v. United States, 251 US 385 (1920).
148 Processo penal. Apelação. Estelionato. Art. 171, § 3o, CP. Alteração dos fundamentos da
absolvição. Ausência de interesse de recorrer. Não conhecimento. Prova ilícita. Inexis­
tência de outros elementos suficientes para formar juízo de certeza. Absolvição manti­
da. / - Não há interesse de recorrer para que se aitere a fundamentação legal da sentença
absolutória, feita com base no art. 386, VI do CPP, para fazer incidir o inciso III do art. 386 do
mesmo Diploma Legal. II - Sentença absolutória que conclui pela inexistência da tipicidade
penal não impede a ação civil reparatória. Pretensão que só seria viável diante da negativa de
autoria ou declaração de inexistência do fato, nos termos dos artigos 66 e 67, III do CPP e
art. 935 do Código Civil de 2002. III - Documentos arrecadados irregularmente por Comissão
Parlamentar de Inquérito e considerados provas ilícitas pelo STF, devem ser excluídos dos
autos, a fim de não surtir qualquer influência sobre o julgamento do mérito. I V - As provas co­
lhidas em inquérito policial instaurado unicamente em função de prova ilícita e que fundamen­
tam a denúncia, devem ser desconsideradas pelo julgador, pois o nexo de desdobramento en­
tre a prova ilícita e a exordial acusatória caracteriza as mesmas como provas ilícitas por deri­
vação. Há, portanto, vício de origem. V - Recurso do acusado não conhecido e recurso do
MPF conhecido, mas improvido, devendo a sentença absolutória ser mantida na sua totalida­
de. (Apelação Criminal 4387/RJ (1991.51.01.040400-0) - 1a Turma Especial do TRF da
2a Região - Rei. Abel Gomes - j. em 15.08.2007, unânime, DJU 24.09.2007).
Tráfico de entorpecentes. Apreensão de três buchas de maconha na cadeia pública. Vi­
olação ao sigilo de correspondência. Prova ilícita. Contaminação das demais provas.
Princípio denominado “fruits ofthe poisonous tree”. Aplicabilidade. Precedentes do STF.
Recurso ministerial desprovido. (Apelação Criminal 1.0329.06.997619-2/001(1) - 3a Câmara
Criminal do TJMG - Rei. Sérgio Resende - j. em 13.02.2007, unânime, Publ. 28.04.2007).
Crime de moeda falsa. Cédula apreendida em virtude do cumprimento de mandado de
busca e apreensão. Ausência de fundamentação da decisão que a deferiu. Ilicitude da
prova assim obtida. Contaminação das demais provas dela decorrentes. Aplicação da
doutrina dos frutos de árvore venenosa. 1. A decisão que determina a expedição do man­
dado de busca e apreensão deve ser devidamente fundamentada, sob pena de nulidade do
ato judicial e de ilicitude da prova obtida (Carta Magna, arts. 5o, LVT, e 93, IX), porquanto o Có­
digo de Processo Penal é expresso ao prever a necessidade da existência de fundadas razões
a autorizá-la (art. 240, § 1o). Precedentes do STF. 2. Não tendo sido fundamentada a decisão
que determinou a expedição do mandado de busca (que visava a obter prova relativa ao tráfico
ilicito de entorpecentes), é nulo o ato judicial respectivo e ilícita a apreensão de uma cédula
falsa de US$ 100.00 (cem dólares americanos) encontrada, conforme relataram as testemu­
nhas, na carteira pessoal do acusado, durante a busca realizada em sua residência (Carta
Magna, arts. 5o, LVI; e 93, IX). 3. Sendo ilícita a apreensão da cédula falsa de US$ 100.00
(cem dólares americanos), todas as demais provas decorrentes de sua inconstitucional apreen­
são são contaminadas pela ilicitude (a confissão do acusado, o laudo de exame em papel mo­
eda e os depoimentos das testemunhas), uma vez que em nosso sistema jurídico é aplicável a
Prova Ilícita no Processo 79

Tal é a teoria dos frutos da árvore envenenada (fruits o f the


poisonous tree), que é como tal doutrina passou a ser chamada, acre­
ditando-se com isso houvesse maior cautela por parte da polícia judi­
ciária na colheita das provas, já que de qualquer forma a prova ilícita
teria o condão de contaminar as demais provas, ainda que lícitas, mas,
quando daquelas fossem provenientes.
Estudos empíricos demonstraram, entretanto, o contrário149,
passando-se, pois, a acreditar que a prova ilícita não teria o condão de
invalidar todo o processo, sendo necessário então delimitar as suas
consequências no sentido de aferir se todas as outras provas que dela
procederam estão contaminadas ou se apenas a prova obtida com vio­
lação do direito material o foi.

doutrina dos frutos de árvore venenosa (“fruits of the poisonous tree doctrine” - CPP,
art. 573, § 1o), conforme tem reiteradamente decidido o Supremo Tribunal Federai, o que im­
põe sejam eias consideradas como não existentes nos autos, pois são inadmissíveis no pro­
cesso as provas obtidas por meio ilícito (Carta Magna, art. 5o, LVI). 4. Estando todas as provas
existentes nos autos, contaminadas pelo vício inicial da apreensão ilícita da cédula falsa em
questão, e não havendo neles “prova autônoma e não decorrente de prova ilícita“, impõe-se a
absolvição do acusado por ausência de prova suficiente para a condenação (CPP, art. 386,
VI). 5. Apelação provida. (Apelação Criminal 01000371486/MG - 3a Turma Suplementar do
TRF da 1a Região - Rei. Convocado Juiz Fed. Leão Aparecido Alves - j. em 17.06.2004,
unânime, DJU 29.07.2004).
Eleições municipais de 2004. Recurso eleitoral. Ação de impugnação de mandato eleti­
vo. Questões preliminares. Cerceamento de defesa. Contradita de testemunhas. Rejei­
ção. Prova ilicita. Filmagem sub-reptícia. Violação à garantia constitucional da inviolabi­
lidade domiciliar. Ausência de idoneidade para formar o convencimento deste órgão jul­
gador. Provas ilícitas por derivação. Aplicação da teoria dos frutos da árvore venenosa.
Mérito. Abuso do poder econômico. Corrupção eleitoral. Captação ilícita de sufrágio.
Ausência de provas robustas e incontroversas. Ônus probatório dos ímpugnantes. Não
demonstrada a ilicitude. Recurso provido. Sentença reformada. O juiz eleitoral detém o
poder-dever de realizar ampla diiação probatória, devendo, ao final, por força do princípio da
livre apreciação das provas (art. 23 da LC 64/90), aferir todo o conjunto probatório, identifican­
do, inclusive, as circunstâncias de eventual ilicitude dos meios de obtenção da prova. A grava­
ção contida no vídeo de fl. 932 configura prova ilícita, pois obtida sorrateiramente, sem o con­
sentimento do morador e desprovida da necessária autorização judicial. Nenhuma das hipóte­
ses constitucionais que legitimariam a medida restou configurada, o que torna inviável sua
admissão em juízo, pois obtida com violação à garantia constitucional da inviolabilidade domi­
ciliar. Por conseguinte, as imagens dela decorrentes são imprestáveis para a imposição de um
decreto condenatório. As demais provas decorrentes da gravação sub-reptícia também serão
excluídas do acervo probatório, por aplicação da doutrina dos frutos da árvore venenosa, se­
gundo o qual a prova ilícita originária contamina as demais provas dela decorrentes. Recurso
conhecido e provido. Sentença reformada. (Recurso Ação Impugnação Mandato Eletivo
11052 - TRE/CE - Rei. Celso Albuquerque Macedo - j. em 21.06.2006, unânime, DJ
05.07.2006).
49 Vide nota 34, no item 2.3 da presente obra.
80 Fábio Aguiar Munhoz Soares

Tal raciocínio possibilitou a criação de três doutrinas de ate­


nuação da regra de exclusão da prova. São elas: a doutrina da atenua­
ção (attenuation doctrine), doutrina da fonte independente (independent
source doctrine) e doutrina da descoberta inevitável (inevitable disco­
very doctrine)150.
Pela doutrina da atenuação, a ilegalidade original de uma
prova se transmite a uma outra prova derivada, mas a ilegalidade da
prova derivada já está atenuada em relação à anterior, e tal atenua­
ção pode ser tamanha, que já não justifique a exclusão da prova151,
tendo se já visto a aplicação de tal teoria em alguns julgados brasi­
leiros152153.
Pela doutrina da fonte independente, se a acusação puder
determinar que a prova inquinada de ilegal tenha sido obtida por uma
fonte independente daquela cuja ilegalidade foi declarada, não se a
exclui , também já se vendo a aplicação de tal teoria em alguns jul­
gados brasileiros154.

150 RAMOS, João Gualberto Garcez. Direito... Op. cif., p. 124.


151 Ibidem, p. 124.
162 Apelação Criminal. Roubo triplamente qualificado, incêndio doloso qualificado e inutili­
zação de documentos. Art. 157, § 2o, I, II e V (2o fato); art. 250, § 1o, I e II, “b”, (3o fato); art.
337 (4o fato), todos combinados com os arts. 29 e 70, do CP. Recurso manejado pelo
agente ministerial, colimando a reforma da decisão absolutória prolatada. Procedência
recursal, firmando-se a condenação dos apelados - quanto às preliminares arguidas
pelo recorrido A. P., Ausência de consubstanciação de nulidades na ação penal. Inexis­
tência de óbices à colaboração do órgão ministerial nas investigações efetivadas na
primeira fase da persecução penal, bem como no posterior oferecimento de denúncia,
embasada nos elementos coletados. Súmula 243, do STJ. Inaplicabilidade da doutrina dos
"fruits o f the poisoned tree" na hipótese em comento, por figurarem os dados apontados
como originários pelo recorrido como meros indícios complementares e, aliás, posteriores
àqueles que impulsionaram o início das investigações. Não delineada a imprescindível ilicitude
por derivação (Apelação-Crime 0250892-7 (1541) - 4a Câmara Criminal do TJPR - Rei. De­
signado Ronald Juarez Moro - j. em 12.01.2006).
153 RAMOS, João Gualberto Garcez. Direito... Op. cit., p. 124.
154 Processual Penal. Agravo regimental no habeas corpus. Arts 213 e 214 c/c art. 224, “a”,
e art. 147, todos do Código Penal. Gravação clandestina. Degravação. Prova ilícita!
Ordem concedida pelo e. Tribunal a quo para determinar o desentranhamento da referi­
da prova. Pretensão de aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada. Indepen­
dência entre as provas reconhecida pelo e. Tribunal a quo. Necessidade de acurado
exame do material cognitivo. Impossibilidade na via eleita. Não há como acolher a preten­
são do recorrente de aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada (the fruits of the
poisonous tree), haja vista que o vergastado acórdão reconheceu a independência entre a
prova tida como ilícita e as demais, razão pela qual entender de forma contrária demandaria o
exame acurado do material cognitivo, o que, à toda evidência, se mostra inviável no âmbito
Prova Ilícita no Processo 81

Por fim, pela doutrina da descoberta inevitável, se a acusação


demonstrar que a prova ilegal seria, mais cedo ou mais tarde, legal­
mente descoberta e colhida, também não se a exclui155, o que também
já vem sendo visto nas cortes de justiça estaduais156.
Grinover entende que a posição mais sensível às garantias da
pessoa humana e, consequentemente mais intransigente com princípios
e normas constitucionais, é a que professa a transmissão da ilicitude da
obtenção da prova às provas derivadas, que são, assim, igualmente ba­
nidas do processo157, sendo esta, aliás, a posição de Magalhães, que,
fazendo remissões em sua obra à doutrina e jurisprudência alemãs, en­
tende ser impossível negar a priori a contaminação da prova secundária
pela ilicitude inicial, não somente por um critério de causalidade, mas
principalmente, em razão da finalidade com que são estabelecidas as
proibições em análise. Segundo Magalhães, de nada valeriam as restri­
ções à admissibilidade da prova se, por via derivada, informações co­
lhidas a partir de uma violação do ordenamento pudessem servir ao
convencimento do juiz. Em tal matéria, importa ressaltar o elemento
profilático, evitando-se condutas atentatórias aos direitos fundamentais
e à própria administração correta e leal da justiça penal158.
Avolio conclui no mesmo sentido, quanto à contaminação da
prova, tomando-a, pois, ilícita por derivação e, portanto, igualmente
inadmissível no processo159.

restrito e expedito do writ. Recurso desprovido. (Agravo Regimental no Habeas Corpus


40089/MG (2004/0172124-9) - 5a Turma do STJ - Rei. Min. Félix Fischer - j. em
28.06.2005, unânime, DJ 29.08.2005).
155 RAMOS, João Gualberto Garcez. Direito... Op. cit, p. 124.
156 Constitucional e processual penal. Habeas corpus. Pedido de trancamento da ação penal
frente à ilicitude da prova coletada. Escuta telefônica. Alegação de vícios formais na realiza­
ção da prova pela autoridade policial - Ausência de elementos suficientes a demonstrar a irre­
gularidade da diligência probatória. Busca e apreensão. Alegação de falta de autorização ju ­
dicial e de mandado configurando a ilicitude do ato e a invasão de domicilio. Paciente acusa­
da pela prática de delitos permanentes. Estado de flagrância que se mantém enquanto
não cessada a atividade criminosa. Legalidade da ação policial. Aplicação do disposto no
art. 303 do CPP e arf. 5°, XI, da CF. Pretendido reconhecimento da ilicitude das provas por de­
rivação - Teoria dos frutos da árvore envenenada - Inaplicabiiidade quando presentes outros
indícios de prova válidos capazes de justificar a realização das diligências que se pretende
anular - Precedentes do Supremo Tribunal Federal - Ordem denegada. (Habeas Corpus
2003.026808-1 - 2a Câmara Criminal do TJSC, Fraiburgo - Rei. Des. Torres Marques - j.
em 17.02.2004, unânime, DJ 03.03.2004).
157 AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas... Op. cit, p. 71.
158 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito... Op. cit., p. 110.
159 AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas... Op. cit., p. 73.
82 Fábio Aguiar Munhoz Soares

Claro, portanto, o entendimento doutrinário e majoritário160


quanto à inadmissibilidade no processo das provas ilícitas por deriva­
ção, o que, data maxima vertia, parece se distanciar e muito do posi­
cionamento jurisprudencial, que entende, em linhas gerais, não ser
toda e qualquer prova originariamente ilícita, capaz de apagar as evi­
dências dela derivadas, como visto nas teorias acima citadas e que
acabou ganhando força com a introdução no Código de Processo Pe­
nal do art. 157, que será objeto de estudo a seguir.

160 DINAMARCO, Cândido Rangel (In: Instituições de Direito Processual Civil III. São Paulo:
Malheiros, 2003. p. 51, § 783), ao comentar a teoria dos frutos da árvore envenenada, deixou
assente que a extremada radicalização de tal teoria compromete de morte o acesso à justiça e
constitui grave ressalva à promessa constitucional de tutela jurisdicional a quem tiver razão.
7

PROVAS ILÍCITAS EM ESPÉCIE E O


ENTENDIMENTO JURISPRÜDENCIAL

7,1 PROVA EM ÁUDIO (INTERCEPTAÇÃO, ESCUTA E


GRAVAÇÃO TELEFÔNICAS)

Sem dúvida alguma que grande parte dos julgados atinentes à


admissibilidade, ou não, das provas ilícitas no processo refere-se a
escutas telefônicas clandestinas e ao grampeamento telefônico, razão
por que é mister, por proêmio, fazer distinção entre tais provas, con­
ceituando-as e distinguindo-as das demais.
Segundo Capez, as provas de áudio podem ser classificadas
da seguinte forma161:

a) interceptação telefônica é a intromissão, significando, portanto, a


conduta de um terceiro, estranho à conversa, que se intromete e capta
a conversa dos interlocutores sem o conhecimento de qualquer deles.
Exemplo: grampo telefônico-,
b) escuta telefônica é a captação da conversa feita por terceiro com o
consentimento de um dos interlocutores. Exemplo', escuta feita pela
polícia anti-seqüestro de conversa com o sequestrador e com o conhe­
cimento da família do sequestrado;
c) gravação telefônica é a gravação da conversa telefônica feita por
um dos interlocutores sem o conhecimento do outro',

161 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 35.
84 Fábio Aguiar Munhoz Soares

d) interceptação ambiental é a captação de conversa entre dois ou


mais interlocutores por um terceiro, que se encontra no mesmo local
ou ambiente em que se desenvolve a conversa, sem o conhecimento
dos demais',
e) escuta ambiental é a captação de conversa entre dois ou mais in­
terlocutores por um terceiro, que se encontra no mesmo local ou am­
biente em que se desenvolve a conversa, com o consentimento de al­
gum deles',
f) gravação ambiental é a gravação feita por um dos interlocutores,
que se encontra no mesmo local ou ambiente em que se desenvolve a
conversa, sem o conhecimento dos demais.

Registre-se terem sido nossos tribunais de alguma forma fa­


voráveis à admissibilidade das provas ilícitas no processo, em especial
no que dizia respeito à prova civil pertencente ao direito de família162,
tendo o referido posicionamento se modificado a partir da Constitui­
ção de 1988, o que pode ser explicado pelo fato de, a partir de então,
haver dispositivo constitucional expresso quanto à vedação de tal es­
pécie de prova no processo, não se ignorando, outrossim, a existência
de aresto paradigmático quanto à vedação de ingresso no processo de
prova obtida mediante áudio na ausência de lei regulamentadora de
interceptação telefônica163.

162 Prova. Fitas gravadas. Conversa por telefone. Sigilo não quebrado. Aplicação do art. 383
do Código de Processo Civil de 1973. Agravo desprovido, £ eficaz a prova fonogràfica em
desquite, revelando conversa telefônicas da mulher com terceiros, que positivariam a prática
do adultério, reafirmando outras provas produzidas ou a produzimos autos (Al 91 - 3a C. Civ
do TJ - Rio de Janeiro - j. em 07.08.1975. - Agte.: M.H.M.C.R. - Agdo.: F.M.C.R. - Rei. Des.
Goulart Pires - Pres. Paulo Alonso. RT 488/205).
Prova. Transcrição de gravação de fita magnética. Possibilidade. Agravo provido. As re­
produções fotográficas, cinematográficas, fonográficas ou de outra espécie valem com prova
se aquele contra quem foram apresentadas admitir-lhes a conformidade. Se for impugnada a
autenticidade da reprodução mecânica, o juiz ordenará a realização de exame pericial (Al
59.992-1 - 6a C. Civ. do TJSP - j. em 18.04.1985 - Pres. e Rei. Des. Camargo Sampaio -
Agtes: Giusepe Gíerse e sua m ulher-Agda: Cecília Back. RT 599/66).
163 Constitucional. Penal. Prova Ilícita. Degravação de Escutas Telefônicas. CF art. 5°, XII.
Lei 4.117/62, art. 57, II, “e”. Habeas Corpus. Exame da Prova. O sigilo das comunicações
poderá ser quebrado, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para
fins de investigação criminal ou instrução processual (CF, art. 5°, XII). Inexistência da lei que
tornará viável a quebra do sigilo, dado que o inciso X II do art. 5°. não recepcionou o art. 57, II,
“e ”, da Lei 4.117/62, a dizer que não constitui violação de telecomunicação o conhecimento
dado ao juiz competente, mediante requisição ou intimação deste. É que a Constituição, no in­
ciso X II do art. 5°, subordina a ressalva a uma ordem judicial, nas hipóteses e na forma esta­
belecida em lei (HC 69.912-0/RS).
Prova Ilícita no Processo 85

Com o advento da Lei 9.296/96, que regulamentou de uma


vez por todas a interceptação telefônica, estabelecendo as hipóteses
em que é esta admitida, foram considerados dois critérios para sua
admissão, quais sejam: para fíns de investigação criminal ou instrução
processual penal.
E dizer: fora desses dois casos, não é admissível a intercepta­
ção telefônica, ou seja: se não se tratar de investigação criminal ou
instrução processual penal, não pode o juiz autorizá-la, inviabilizando-
se, destarte, qualquer prova a ser obtida mediante interceptação tele­
fônica no processo cível, o que não deixa de ser algo extremante inde­
sejável no ordenamento jurídico, dado não ser raro em processos rela­
cionados ao direito de família, ad exemplum, a existência de discus­
sões relacionadas aos direitos da criança, que, é sabido, receberam do
legislador constituinte atenção diferenciada, com provas de difícil
realização para fins de comprovação do direito posto e alegado, o que
poderia e muito ser facilitado com a admissão da prova obtida mediante
interceptação telefônica.
Deve-se considerar, ainda, a necessidade do uso da intercep­
tação como único meio para a realização da prova, pois, “se a prova
puder ser feita por outros meios disponíveis”, não será permitida a
interceptação ou escuta telefônica (Lei 9.296/96, art. 2o, inc. II). É
dizer: se houver outro caminho, deverá o juiz adotá-lo.
Por fim, para o deferimento da interceptação telefônica, devem
estar presentes “indícios razoáveis de autoria ou participação em in­
fração penal”, além de se verificar em decisão fundamentada164 a gra­
vidade da infração penal que se pretende ver apurada pelo Estado na
persecutio criminisl65.

164 Habeas corpus preventivo. Interceptação telefônica e de dados. Decisão judicial que
defere tal medida sem qualquer motivação, em flagrante violação ao disposto na Lei 9.296/96,
que regula a matéria. Decisão manifestamente nula. Determinação judicial, emanada através
de ofício, dirigida à diretoria jurídica de operadora de telefonia, de forma genérica, indetermi­
nada quanto aos atingidos e por prazo que exorbita o iimite legal. Constrangimento ilegal evi­
dente. interesse processual da paciente em obter a ordem, para evitar eventual e futura res­
ponsabilização por crime de desobediência. Ordem concedida, com extensão aos demais des­
tinatários da mesma decisão de interceptação (TJPR - 2a Câmara - HC 468.681-3 - Rei. Lílian
Romero - j. em 14.02.2008 - DOE 29.02.2008).
165 Considera ilícita ainda a prova quando admitida por juízo incompetente, o que se verifica no
seguinte aresto: Crimes militares. Interceptação telefônica decretada pela Justiça Comum
Estadual. Incompetência. Nulidade da prova colhida. "Somente o juiz natural da causa, a
teor do disposto no art. 1o, Lei 9.296/96, pode, sob segredo de justiça, decretar a interceptação
86 Fábio Aguiar Munhoz Soares

Tem-se, pois, na esfera cível, em regra, como inadmissível a


prova obtida clandestinamente por meio de interceptação, ou escuta
telefônica, ou, ainda, gravação clandestina, pois a lei a tanto não per­
mitiu (CPC, art. 332) .
Segundo a jurisprudência, entretanto, não há que confundir
interceptação telefônica, à qual se faz imprescindível autorização judi­
cial, com gravação não consentida, independentemente da tutela do
magistrado, quando o interlocutor é a própria vítima da atividade cri-
minosai 16167
'", citando-se ainda outros exemplos admitidos pela jurispru-
dência168 ou nao 169

de comunicações telefônicas. Na hipótese, a diligência foi deferida pela Justiça Comum Esta­
dual, durante a realização do inquérito policial militar, que apurava a prática de crime propria­
mente militar (subtração de armas e munições da corporação, conservadas em estabeleci­
mento militar). Deve-se, portanto, em razão da incompetência do juízo, declarar a nulidade da
prova ilicitamente obtida. Ordem concedida". (STJ - HC 49.179/RS - 5a T. - Rela. Mina. Laurita
V a z - j. em 05.09.2006, v.u., publ. 30.10.2006)
166 Em tais termos, numa interpretação literal quanto à inadmissibilidade da prova: Prova. Inter-
ceptação telefônica. Juntada de fita magnética em que gravada pela parte conversa tele­
fônica mantida com a outra parte, porém sem conhecimento desta - Inadmissibilidade -
Prova obtida por meio ilícito. Consentimento da gravação que afastaria a violação ao di­
reito constitucional de sigilo das comunicações telefônicas. Lei 9.296/96. Recurso des­
provido. (Agravo de Instrumento 200.671.4/4 - 5a Câmara de Direito Privado do Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo - Rei. Rodrigues de Carvalho)
167 Interceptação telefônica e gravação de negociações entabuladas entre os sequestradores, de
um lado, e policiais e parentes da vítima, de outro, com o conhecimento dos últimos, recipien-
dários das ligações. Licitude desse meio de prova. Precedentes do STF (HC 74.678 - 1a Tur­
ma, 10.06.1997).
Processo penal. Prova obtida mediante gravação feita em fita magnética. Intimação da
defesa para audiência de oitiva de testemunha a gravação foi feita por um dos interlocu­
tores. Tal circunstância exclui a ilicitude do meio de obtenção da prova. O Supremo Tribunal
Federal, nesta esteira, tem entendido que não há qualquer violação constitucional ao direito de
privacidade quando “a gravação de conversa telefônica for feita por um dos interlocutores ou
com sua autorização e sem o conhecimento do outro, quando há investida criminosa deste úl­
timo" (HC 75.338/RJ - Rei. Min. Nelson Jobim - DJU 25.09.1998).
168 Processual Penal. Recurso ordinário em habeas corpus. Art. 332, do Código Penal.
Poder investigatório do Ministério Público. Gravação de conversa por um dos interlocu­
tores (gravação clandestina). Não configura prova ilícita. / - Na esteira de precedentes
desta Corte, malgrado seja defeso ao Ministério Público presidir o inquérito policial propria­
mente dito, não lhe é vedado, como titular da ação penal, proceder investigações. A ordem ju­
rídica, aliás, confere explicitamente poderes de investigação ao Ministério Público - art. 129,
incs. VI, VIII, da Constituição Federal, art. 8°, incs. li e IV, e § 2°, e art. 26 da Lei 8.625/1993
(precedentes). II - Por outro lado, o inquérito policial, por ser peça meramente informativa, não
é pressuposto necessário à propositura da ação penal, podendo essa ser embasada em outros
elementos hábeis a formar a opinio delicti de seu titular. Se até o particular pode juntar peças,
obter declarações, etc., é evidente que o Parquet também pode. Além do mais, até mesmo
uma investigação administrativa pode, eventualmente, supedanear uma denúncia. III - A gra-
Prova Ilícita no Processo 87

A bem da verdade e parafraseando o Ministro Moreira Alves,


seria uma aberração considerar como violação do direito à privacidade
a gravação de conversa efetuada pela própria vítima, ou por ela autori­
zada, de atos criminosos, como o diálogo com os sequestradores, es-
telionatários e todo tipo de achacadores, pois quem se dispõe a enviar
correspondência ou telefonar para outrem, ameaçando-o ou extorquin­
do-o, não pode pretender abrigar-se em uma obrigação de reserva por
parte do destinatário, o que significa o absurdo de qualificar como
confidencial a missiva ou a conversa169170.
É dizer: o direito à intimidade não pode ser validamente usa­
do como escudo para a prática criminosa, de modo que a gravação de
diálogo em que alguém sugere ou comete prática criminosa a outrem,

vagão de conversa realizada por um dos interlocutores é considerada prova lícita, e difere da
interceptação telefônica, esta sim, medida que imprescinde de autorização judicial (preceden­
tes do STF e do STJ). Recurso desprovido. (Recurso Ordinário em Habeas Corpus
19.136/MG (2006/0037989-1) - 5a Turma do STJ - Rei. Felix Fischer - j. em 20.03.2007,
unânime, DJ 14.05.2007).
A gravação de conversa telefônica própria, feita por um dos interlocutores, sem o co­
nhecimento do outro, não se enquadra no conceito de interceptação, constituindo-se
em prova lícita, mesmo sem autorização judicial, por não ferir o princípio constitucional.
(Apelação 2.363 (18.533) - TJMMG - Rei. Jair Cançado Coutinho - j. em 14.06.2005 -
unânime, Publ. 28.06.2005)
Habeas corpus. Pedido de trancamento de persecução penal. Alegação de que as apu­
rações têm por objeto prova ilícita não comporta acolhimento. Hipótese de gravação de
conversa telefônica por parte de um dos interlocutores. Não caracterização de indevida
interceptação telefônica não autorizada. Ordem denegada (Habeas Corpus 65 (154226) -
TRE/SP, São José dos Campos - Rei. Waldir Sebastião de Nuevo Campos Júnior - j. em
27.10.2005, unânime, DOE 08.11.2005).
169 ÁVILA, Thiago André Pierobom de. Provas... Op. cit., p. 234, cita precedente do STF não
condizente com os princípios que norteiam o processo penal e que revela uma hipertrofia da
garantia da inadmissibilidade. Trata-se de caso, diz o autor, em que o STF não admitiu prova
ilícita produzida por particular, trancando assim inquérito policial, que tinha por sustentação
apenas a interceptação telefônica realizada sem autorização judicial. De fato, se se tratava de
gravação realizada pelo próprio interlocutor, em verdade não havia qualquer ilicitude. Mas se
se tratava de gravação realizada por terceiro e com efeito não teria tal prova o condão de
contaminar todas as demais provas a serem colhidas por força da investigação que se iniciava
para apuração de crime praticado por conselheiro de Tribunal de Contas, que cobrava propina
para realização de contrato público.
170 Habeas Corpus 74.678-1/SP - Rei. Min. Moreira Alves - 1a T., v.u., DJ 15.07.1997.
Prova. Conversa telefônica. Gravação de fita magnética. Recorrente figurando como
interlocutora. Admissibilidade. Meio lícito. Recurso provido. Inexistente a pretendida clan­
destinidade que não vai ocorrer pela simples circunstância de a pessoa que se encontra do
outro lado da linha desconhecer a gravação, e inexistente também escuta obtida ilicitamente,
não há cuidar de prova vedada. (Rei. Fonseca Tavares - Agravo de Instrumento 187.942-
1/SP - 03.02.1993)
88 Fábio Aguiar Munhoz Soares

feita pelo destinatário das assertivas iníquas sem que o outro saiba,
não tem aparência de ilicitude.
Destarte, para fins de aproveitamento de tal espécie de prova
nos processos, não é necessária a aplicação do princípio da proporcio­
nalidade, já que, sendo lícita a prova, não se vislumbra haja contrapo­
sição de tal prova a qualquer outro direito material, mormente no que
toca àqueles de índole constitucional.
A conclusão exposta reforça-se quando estão em jogo ocupan­
tes de cargos públicos no exercício destes, que invocam o direito à
intimidade como escudo para práticas criminosas171, pleiteando ainda
indenização por danos morais, dada a exposição ocorrida na mídia172.
Diferente situação ocorre, entretanto, quando há veiculação
pela mídia de fatos ligados a pessoas públicas sabidamente falsos ou
com grosseiro desconhecimento da verdade pelo órgão de imprensa, já
que em tais situações vislumbra-se haver afronta ao direito à intimida­
de da pessoa atingida, ainda que se alegue direito também constitucio­
nal de informação pelo órgão de mídia173.

171 Com efeito, o TJSP já admitiu eficácia de gravação ambientai como prova de improbidade
em ação de cassação de mandato de vereador, que exigia dinheiro para alteração de de­
terminada lei municipal (Apelação 195.674-5/2 - j. em 18.12.2002 - Des. Paulo Travain. RT
815/242).
172 Lei de Imprensa. Dano moral. Divulgação de gravação em fita de vídeo em programa jorna­
lístico televisivo contendo imputação de prática de ilícito pelo apelante, inocorrência de detur­
pação, adulteração ou sensacionalismo exacerbado a implicar em divulgação de fato inexato,
falso ou em contexto inverídico. Histórico, ainda, de acusações mútuas de corrupção a envol­
ver membros de Câmara Municipal que deixa claro o porquê da divulgação da gravação. Dano
moral passível de reparação não configurado, inclusive por não ser ilícita a gravação efetuada
por iniciativa de um dos interlocutores visando a defender-se de investida, em tese, ilícita (civil
e criminalmente) e que se realizou em local não privado a envolver pessoas ocupantes de car­
gos públicos no exercício destes mesmos cargos. Ação improcedente. Recurso de apelação
provido para afastamento da decadência. Ação, contudo, improcedente (Apelação
226.997.4/1-00 - TJSP - Rei. Randolfo Ferraz de Campos).
173 São as palavras de BARROSO, Luís Roberto (In: Colisão entre liberdade de expressão e
direitos da personalidade. Critérios de Ponderação. Interpretação Constitucional Adequada do
Código Civil e da Lei de Imprensa. Revista de Direito Privado, n. 18, p. 132): "... O conheci­
mento acerca do fato que se pretende divulgar tem de ter sido obtido por meios admitidos pelo
direito. A Constituição, da mesma forma que veda a utilização, em juízo, de provas obtidas por
meios ilícitos, também interdita a divulgação de notícias às quais se teve acesso mediante co­
nhecimento de um crime. Se a fonte da notícia fez, e.g., uma interceptação telefônica clandes­
tina, invadiu domicílio, violou o segredo de justiça de um processo de família ou obteve uma
informação mediante tortura ou grave^ameaça, sua divulgação não será legítima. Note-se ain­
da que a circunstância de a informação estar disponível em arquivos públicos ou poder ser ob­
tida por meios regulares e lícitos torna-a a pública e, portanto, presume-se que a divulgação
Prova Ilícita no Processo

Tais situações devem, entretanto, ser ponderadas caso a caso,


uma vez que a interceptação telefônica não autorizada, embora ilícita,
a priori, pode mui tranquilamente servir de fonte de informação à
imprensa para fins de denúncia de práticas ilícitas cometidas por
agentes públicos, não podendo o Poder Judiciário em tais casos fún-
cionar de forma desmedida como censor prévio do exercício da ativi­
dade de informar, devendo atuar somente no reparo das consequências
de eventuais excessos, dolo ou má-fé na utilização de fontes clandesti­
nas de informação174.

7.2 INTERCEPTAÇÃO AMBIENTAL

No combate ao crime organizado, uma das provas que mais


tem se mostrado eficaz para fins de comprovação da possível autoria é
a da interceptação ambiental, consistente na captação de conversa
entre dois ou mais interlocutores por um terceiro, sem o consenti­
mento dos demais, e tal se dá porque, no mais das vezes, as pessoas
envolvidas na prática do crime organizado têm prévia ciência de pos­
síveis interceptações telefônicas em curso, fazendo assim, com que o
único meio possível de comprovação de suas participações na socie­
dade criminosa organizada seja a interceptação do que conversam,
independentemente do uso de telefone ou afins.
A par de tal meio de prova necessitar de autorização judicial,
nos termos do art. 2o, IV, da Lei 9.034/95, o que serviria para retirar
qualquer nódoa de ilicitude, é bom citar que as conversas intercepta­
das podem, muitas vezes, envolver pessoas ou profissionais protegidos
pelo sigilo da profissão, como o são, v.g., os advogados (Lei 8.906/94,
arts. 2o, § 3o e 7o, II e III), o que seria o bastante para suscitar sérias
dúvidas quanto à legalidade da autorização judicial concedida para
fins de produção de prova.

desse tipo de informação não afeta a intimidade, a vida privada, a honra ou a imagem dos en­
volvidos...".
174 Lei de imprensa. Tutela inibitória ou interditai pleiteada por candidato a deputado federal,
com o propósito de extrair do site de revista eletrônica, trechos de conversas telefônicas
interceptadas pela polícia, com autorização judicial, nas quais seu nome é mencionado
como sendo o preferido dos membros do PCC, conhecida facção criminosa - Inadmissibili­
dade, sob pena de constituir censura ao direito de informação - Interpretação dos arts. 461,
do CPC e 220, caput e § 1o, da CF - Provimento (Al 470.128-4/2 - TJSP - Rei. Des. Enio
Santarelli Zuliani).
90 Fábio Aguiar Munhoz Soares

O problema avulta de importância no processo penal quando


no combate à criminalidade sofisticada175 se tem notícia de que, de
fato, advogados estariam tendo suas conversas com seus clientes pre­
sos interceptadas nos parlatórios, quando de suas visitas em estabele­
cimentos penitenciários, ferindo-se assim em tese o sigilo profissional
do advogado.
A questão acima já foi enfrentada pelo Poder Judiciário do
Estado de São Paulo, ainda que em Ia instância, quando dos ataques
de conhecida organização criminosa na cidade de São Paulo, bem
afastando qualquer mácula possível de ser alegada na prova obtida176.

175 A expressão foi cunhada por STRECK, Lênio Luiz. In: As interceptações telefônicas e os
Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p. 58, quando cogita da
possibilidade de ocorrência de interceptações telefônicas em crimes de responsabilidade, o
que não deixa de ser interessante e digno de nota pela ausência de previsão legal, num esfor­
ço interpretativo do autor quanto ao real desiderato do legislador quando da edição da Lei
9.296/96.
176 Trata-se de decisão proferida pela magistrada Luciana Leal Junqueira Vieira, do DIPO (De­
partamento de Inquéritos Policiais e Corregedoria da Policia Judiciária da Capital de São Pau­
lo), nos Autos de Inquérito 050.06.053.169-0, em que assim deliberou: "... Verifica-se, outros-
sim, em tese, a presença das hipóteses autorizadoras da interceptação ambiental, nos moldes
dos arts. 1o e 2o, caput, da Lei 9.034/95, vez que a presente demanda cautelar encontra-se
vinculada a procedimento investigatório criminal que tem como objetivo apurar os atos ilícitos
em princípio praticados por lideranças de organizações criminosas. O pleito, porém, nos mol­
des em que formulado, envolve também outras questões e garantias fundamentais. Senão
vejamos: a Constituição Federal de 1988, ao tratar dos direitos e garantias fundamentais do
cidadão, em seu art. 5o, inc. X, prevê a inviolabilidade do direito à intimidade e à vida privada
do indivíduo. Em complementação a esta norma, o art. 41, inc. X, da LEP, assegura ao preso o
direito de visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos, em dias determinados.
Necessário, porém, ressaltar, que consoante nos ensina ALEXANDRE DE MORAES: “os di­
reitos humanos fundamentais, dentre eles os direitos e garantias individuais e coletivos consa­
grados no art. 5o da Constituição Federal, não podem ser utilizados como um verdadeiro escu­
do protetivo da prática de atividades ilícitas, nem tampouco como argumento para afastamento
ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consa­
gração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito" (In: Direito Constitucional. 3. ed.
São Paulo: Atlas, 1998. p. 53). De fato, tais direitos não são ilimitados, mas sim relativos, po­
dendo ter sua amplitude reduzida quando em conflito com outros direitos e interesses, tais
como a segurança pública ou a preservação da ordem jurídica (princípio da relatividade ou
conveniência das liberdades públicas). Tanto é assim que o parágrafo único do art. 41 da LEP
prevê a possibilidade de suspensão ou restrição do direito de visitas, pela autoridade adminis­
trativa, dispositivo este reconhecidamente recepcionado pela ordem constitucional vigente. No
caso em exame, na medida em que os averiguados estão custodiados, alguns deles em tocai
onde imposto Regime Disciplinar Diferenciado, e outros em local onde ordenada a interrupção
dos sinais de telefonia móvel, à evidência, toda e qualquer comunicação externa necessaria­
mente será realizada através dos visitantes recebidos. De outro vértice, temos que patente a
imprescindibilidade da medida para a investigação dos fatos e demonstração do iiame subjeti­
vo entre os comparsas, que consoante informações trazidas pela Secretaria da Administração
Penitenciária, efetivamente pertenceriam e participariam da organização criminosa menciona-
Prova Ilícita no Processo 91

da na inicial (fls. 18/26). Logo, temos que presente hipótese em que os direitos individuais dos
averiguados, de intimidade e privacidade, estão a servir de proteção para o exercício de ativi­
dade criminosa e ilícita, devendo, pois, ceder em face dos interesses do Estado, no sentido de
impedir a prática de outros delitos, preservar a segurança dos presídios, impedir a prática de
fugas ou motins, e assegurar o direito à vida e segurança dos demais cidadãos, também cons­
titucionalmente previstos (CF/88, art. 5o, caput). Não é demais lembrar, aliás, que a própria
Constituição Federal, no art. 5o, inc. XLIV declara constituir crime inafiançável a ação de gru­
pos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. Obser­
vo, em seguida, que há ainda nos autos requerimento para escuta das entrevistas dos investi­
gados com seus advogados, consoante agendamento de fls. 07/12. Neste passo, note-se o
Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB prevê como direito do ad­
vogado “comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração,
quando estes se achem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares,
ainda que considerados incomunicáveis" (Lei 8.906/94, art. 7o, inc. III). A Lei de Execuções
Penais, por sua vez, assegura ao preso o direito de entrevista pessoai e reservada com advo­
gado (art. 41, inc. IX). Tais direitos têm fundamento também na norma constitucional que as­
segura aos acusados a ampla defesa, com todos os meios e recursos a ela inerentes (CF/88,
art. 5o, LV). Contudo, da mesma forma em que na situação anterior, temos que tais direitos
não têm natureza absoluta e ilimitada. Com efeito, também aqui estamos diante de situação
em que se impõe a aplicação do denominado “princípio da relatividade ou conveniência das li­
berdades públicas”. Ora. Notadamente, ao mesmo tempo em que indispensável assegurar, ao
sentenciado, o direito de manter contato reservado com seu procurador, para fins de tornar
efetiva a garantia da ampla defesa, quer se tratando de detento que responde a ação penal
em andamento, quer se tratando de caso de mera execução de sentença, independentemente
da existência de procuração nos respectivos autos, de outro vértice, não se pode admitir que
tal direito do preso e prerrogativa do advogado sirva como meio para assegurar e contribuir na
prática de delitos. Ao contrário, havendo indícios de que o profissional faz uso da sua prerro­
gativa funcional para contribuir e participar da atividade criminosa de seu cliente, de rigor a re-
lativização da garantia, em prol da investigação criminal e do acautelamento da ordem pública
e das liberdades públicas alheias. Neste aspecto, impossível deferir o pedido da forma genéri­
ca, tal como formulado na exordial. De fato: nem todos os profissionais que agendaram as vi­
sitas de fls. 07/12 estão relacionados na documentação de fls. 27/57 e 75/100 (consigno desde
logo que as relações xerocopiadas a fls. 58/74 foram sumariamente desconsideradas porque a
falha quando da reprodução dos documentos impede a conferência do número de inscrição
dos advogados junto à OAB). Muito embora no tocante a vários deles haja, realmente, fundada
suspeita de intensa movimentação, com visita aos mais variados detentos, nas mais diversas
penitenciárias, a indicar que a atividade exercida não se restringe à mera defesa dos envolvi­
dos, mas sim a possibilitar contato e articulação da empreitada criminosa, com relação a ou­
tros tantos, a principio, porque sequer citados naquele rol, não há nos autos qualquer ele­
mento a justificar e autorizar a exceção à regra da inviolabilidade. Diante de tais circunstânci­
as, e em razão de todo o exposto, DEFIRO PARCIALMENTE O PEDIDO formulado para: 1)
autorizar a captação e interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos, acústicos
e/ou similares, no pariatório do Centro de Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes,
no tocante ESPECIFICAMENTE às conversas mantidas pelos sentenciados elencados a fls.
02 e seus familiares, nos dias 23, 24, 25, 26 e 30 de maio p. f. 2) autorizar a captação e inter­
ceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos, acústicos e/ou similares, no pariatório
do Centro de Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes, no tocante ESPECIFICA-
MENTE às conversas mantidas pelos sentenciados elencados a fls. 02 e os seguintes causídi­
cos...3) autorizar a captação e interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos,
acústicos e/ou similares, nos parlatórios da Penitenciária II de Presidente Wenceslau, no to­
cante ESPECIFICAMENTE às conversas mantidas pelos sentenciados elencados a fls. 03 e
92 Fábio Aguiar Munhoz Soares

Verifica-se na referida decisão ter a magistrada paulista apli­


cado os princípios da proporcionalidade e o da relatividade ou conve­
niência das liberdades públicas para fins de quebra do sigilo profissio­
nal, admitindo, pois, prova, que, num primeiro momento, poderia ser
considerada ilícita por ferir direito constitucionalmente assegurado
atinente à ampla defesa, como se infere de sua fundamentação, deno-
tando-se, entretanto, ser o meio de prova escolhido pela polícia judi­
ciária e pelo Ministério Público o único possível na difícil tarefa in-
vestigativa dos advogados envolvidos no crime organizado, o que não
pode deixar de ser valorado, mormente se se considerar as limitações
existentes do direito à prova.
Situação diversa se deu em caso amplamente divulgado na
mídia, no qual emissora de televisão, por dolo ou descuido, não se
sabe, captou conversa mantida entre advogado e sua cliente, ré acusa­
da da prática de homicídios de seus pais, exibindo-a em rede nacional
e em horário dos mais assistidos.
Tal comportamento, o da emissora, que captou a conversa e a
exibiu, foi considerado pelo STJ como ilícito, por violar o sigilo das
comunicações entre cliente e advogado (CF, art. 5o, X e XII), capaz
ainda de contaminar toda a entrevista posteriormente concedida pela
ré à emissora, ainda que se tratasse de entrevista voluntariamente gra­
vada*177, o que, à evidência, não é passível de concordância da nossa

seus familiares, nos dias 23, 24, 25, 26 e 30 de maio p. f. 4) autorizar a captação e intercepta-
ção ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos, acústicos e/ou similares, nos parlatórios da
Penitenciária II de Presidente Wenceslau, no tocante ESPECIFICAMENTE às conversas man­
tidas pelos sentenciados elencados a fls. 03 e os seguintes causídicos ...Vedada a escuta e
gravação de conversas outras que não as expressamente consignadas e delimitadas na pre­
sente decisão...".
177 Trata-se do caso Richtofen, julgado em última instância pelo STJ, em que o Rei. Min. Nilson
Naves, a par da evolução da teoria dos frutos da árvore envenenada já dantes mencionada,
aduz, sem fazer qualquer distinção, ter a parte ruim da prova o condão de contaminar, com
sua nocividade, todas as outras partes dos elementos de prova colhidos. Em suas palavras:
“...Um acontecimento nocivo tem aptidão para contaminar os demais acontecimentos.... E no
caso de que estamos cuidando, a entrevista, toda ela, se se trata de prova ou não, está con­
taminada. Há, por conseguinte, de ser retirada dos autos principais...”. Segue ementa do acór­
dão: Advogado. Sigilo profissional/segredo (violação). Conversa privada entre advogado
e cliente (gravação/impossibilidade). Prova (ilicitude/contaminação do todo). Exclusão
dos autos (caso). Expressões injuriosas (emprego). Risca (determinação). 1. São inviolá­
veis a intimidade, a vida privada e o sigilo das comunicações. Há normas constitucionais e
normas infraconstitucionais que regem esses direitos. 2. Conversa pessoal e reservada entre
advogado e cliente tem toda a proteção da lei, porquanto, entre outras reconhecidas garantias
do advogado, está a inviolabilidade de suas comunicações. 3. Como estão proibidas de depor
Prova Ilícita no Processo 93

parte, diante do que já se mencionou acerca da evolução do pensa­


mento jurisprudencial concernente às provas ilícitas por derivação.
Com efeito, para que pudesse ser contaminada referida en­
trevista, com a captação realizada pela emissora, esta sim, considerada
a prova ilícita, necessário seria que ficasse cabalmente demonstrado
que a prova ilícita, naquele caso, tinha o condão de invalidar a entre­
vista voluntariamente concedida, o que não ocorria in casu, já que,
para tanto, bastava ser descartada dos autos a captação ilegal, rema­
nescendo a entrevista concedida, portanto, sem qualquer violação de
direito material.

7.3 BUSCA E APREENSÃO

A busca e apreensão, na seara criminal, é medida de natureza


cautelar, com regramento previsto no art. 240 e seguintes do Código
de Processo Penal, em consonância com o art. 5o, XI, da Carta Magna.
Divide-se basicamente em pessoal ou domiciliar, podendo neste últi­
mo caso ser classificada como simples (em um endereço), múltipla
(em vários endereços conhecidos) ou coletiva (em endereços que não
possam ser individualizados).
Ora, segundo o art. 5o, XI, da CF, “a casa é asilo inviolável
do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do
morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para

as pessoas que, em razão de profissão, devem guardar segredo, é inviolável a comunicação


entre advogado e cliente. 4. Se há antinomia entre valor da liberdade e valor da segurança, a
antinomia é solucionada a favor da liberdade. 5. É, portanto, ilícita a prova oriunda de conversa
entre o advogado e o seu cliente. O processo não admite as provas obtidas por meios ilícitos.
6. Na hipótese, conquanto tenha a paciente concordado em conceder a entrevista ao progra­
ma de televisão, a conversa que haveria de ser reservada entre ela e um de seus advogados
foi captada clandestinamente. Por revelar manifesta infração ética o ato de gravação - em ra­
zão de ser a comunicação entre a pessoa e seu defensor resguardada pelo sigilo funcional - ,
não poderia a fita ser juntada aos autos da ação penal. Afinal, a iiicitude presente em parte
daquele registro alcança todo o conteúdo da fita, ainda que se admita tratar-se de entrevista
voluntariamente gravada - a fruta ruim arruina o cesto. 7. A todos é assegurado, independen­
temente da natureza do crime, processo legítimo e legal, enfim, processo justo. 8. É defeso às
partes e aos seus advogados empregar expressões injuriosas e, de igual forma, ao represen­
tante do Ministério Público. 9. Havendo o emprego de expressões injuriosas, cabe à autorida­
de Judiciária mandar riscá-las. 10. Habeas corpus deferido para que seja desentranhada dos
autos a prova ilícita. 11. Mandado expedido no sentido de que sejam riscadas as expressões
injuriosas. (Habeas Corpus 59967/SP (2006/0115249-9) - 6a Turma do STJ - Rei. Nilson
Naves - j. em 29.06.2006, maioria, DJ 25.09.2006).
94 Fábio Aguiar Munhoz Soares

prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judiciar, razão


por que é certo dizer somente poder ser a busca domiciliar realizada à
noite, com ou sem mandado, se o morador consentir, salvo em situa­
ções de flagrante delito, desastre, ou para prestar socorro.
Durante o dia, à exceção das três ressalvas (flagrante delito,
desastre e socorro), o ingresso no domicílio pode ser feito indepen­
dentemente do consentimento do morador, mas dês que esteja a auto­
ridade policial responsável acompanhada do respectivo mandado, o
qual, ressalte-se, deve obedecer ao respectivo regramento legal (CPP,
art. 240 e ss.).
Não há dúvida, assim, de que a busca domiciliar deve ser
precedida da expedição de mandado, quando a autoridade policial ou
judiciária não a realizar, pessoalmente, consoante a disciplina do art. 241
do Código de Processo Penal.
No entanto, a desobediência a este preceito legal, o que po­
deria caracterizar ilicitude de prova, tem sido entendida pela jurispru­
dência pátria com acerto, como mera irregularidade, que não chega a
invalidar a prova da existência do delito, mormente quando se está
diante de delito permanente, como é, v.g., o delito de tráfico de entor­
pecentes, possível, pois, a prisão em flagrante do proprietário da droga
enquanto não cessada a permanência do delito178/1.1789

178 Neste sentido: Criminal. HC. Tráfico de entorpecentes. Nulidade. Prova ilícita. Invasão de
domicílio. Crime permanente. Flagrante. Exceção constitucional. Ilegalidade não demons­
trada. Ordem denegada. / - Hipótese em que se sustenta a nulidade do acórdão que manteve a
condenação do paciente, ao argumento de que a prova colhida seria ilícita, posto que sua obten­
ção teria ocorrido com invasão de domicílio, e, à noite. I I - A Carta da República, em seu art. 5o,
inc. XI, assegura a inviolabilidade do domicílio, mas excepciona as hipóteses de prisão em fla­
grante, desastre, prestação de socorro ou determinação judicial. III - Caracterizado o delito de
tráfico de entorpecentes, cuja permanência lhe é própria, podem os agentes públicos adentrar o
domicílio do suspeito, independentemente de mandado judicial, para reprimir e fazer cessar a
ação delituosa. Precedentes. IV - Ordem denegada. (Habeas Corpus 39082/RS (2004/0150524-
4) - 5a Turma do STJ - Rei. Min. Gilson Dipp. - j. em 17.02.2005, unânime, DJ 07.03.2005).
Penal. Artigo 12 da Lei 6.368/76 - absolvição por ilicitude da prova. Inviabilidade. Materiali­
dade e autoria demonstradas. Recurso improvido. Unânime. Em se tratando de crime per­
manente, como o é o tráfico ilícito de entorpecentes, o estado de flagrância perdura enquanto não
cessar a permanência, sendo prescindível, nesse ínterim, a apresentação de mandado judicial
para proceder à busca e apreensão. Havendo provas suficientes de que o recorrente mantinha
em depósito, para fins de difusão ilícita, considerável quantidade de substância entorpecente,
descabido é o pleito absolutório (Apelação Criminal 20040110297200 (239939) - 2a Turma
Criminal do TJDFT - Rei. Romão C. Oliveira - j . em 10.11.2005 - DJU 29.03.2006).
179 Em sentido contrário e devido ao novo tratamento dispensado ao usuário de entorpecente pela
Lei 11.343/06: Apelante processado e condenado, acusado da prática do crime definido no art. 33
Prova Ilícita no Processo 95

Situação diversa se dá nas hipóteses de busca e apreensão rea­


lizadas em escritórios de contabilidade e afins, quando não se está
diante de crime de natureza permanente, mas sim, diante de crimes
contra a ordem tributária, v.g.180, o que nos parece correto, mormente

da Lei 11.343/06. Prisão em flagrante quando o apelante se encontrava em casa, fumando um


cigarro de maconha. Crime cuja disciplina legal não permite prisão em flagrante. Inviolabilidade
de domicílio. Art. 5o, inc. XI, da Constituição da República. Exceção prevista na própria norma
constitucional. Ingresso em casa alheia, sem o consentimento do morador e sem ordem judi­
cial, é excepcional e somente se justifica quando houver fundadas razões quanto à urgência e
a necessidade para o seu procedimento. Entrada que não pode decorrer de estado de ânimo
do agente estatal no exercício do poder de policia. Ao revés, conforme detrmina o § 1o do art.
240 do Código de Processo Penal, exige-se fundada suspeita de que um crime esteja sendo
praticado no interior da casa que se pretende ingressar, e que o ingresso seja justamente com
o propósito de evitar que este crime se consume. Limites à atuação estatal, cujos agentes e
autoridades estão sujeitos à observância dos direitos eprerrogativas que assistem aos cida­
dãos em gerai, como fator condicionante da legitimidade de suas condutas. Questão de ordem
administrativa. Exercício do poder de policia. Art. 5o, caput, da Constituição da República que
assegura o direito à segurança tornando-se o Estado devedor desta prestação positiva, pelo
que não deve olvidar esforços em prestá-la, porém na forma da lei e seguindo escrupulosa­
mente os parâmetros constitucionais. Ponderação entre a garantia da inviolabilidade do domi­
cílio e o direito à segurança, este último, como justificador do ingresso não autorizado para,
nos termos do permitido pela Constituição da República, impedir a consumação de crimes nas
hipóteses de flagrante delito. Infração penal que motivou o ingresso não autorizado. Posse de
drogas para uso pessoal. Crime que, ao não prever como punição a pena corporal limitadora
de liberdade e não admitir a prisão em flagrante, passa ao largo da exceção constitucional­
mente prevista à garantia da inviolabilidade de domicílio. Art. 48, § 2o, da Lei 11.343/06. Ofen­
sa ao postulado da proporcionalidade e, por consequência, à norma prescrita no art. 5o, inc. XI,
da Constituição da República. Ausência de relação dialética meio/fim, intersubjetivamente
controlável, que compremete a própria aplicabilidade deste postulado. Em suma, se não há
prisão em flagrante, não se pode entrar na casa, protegida por cláusula constitucional. Conta­
minação das demais provas que dela derivam e que por conta desta foram obtidas. Nulidade
da apreensão. Ausência de outras provas aptas a ensejar a condenação, uma vez excluída a
prova ilícita. Absolvição do apelante (TJRJ - 7aC. -A P 2007.050.05649 - Rei. Geraldo Prado
- j. em 28.02.2008 - DOE 10.03.2008).
180 Criminal. HC. Crime contra a ordem tributária. Provas obtidas por meios ilicitos. Ofensa
à garantia constitucional da inviolabilidade de domicílio. Constrangimento ilegal confi­
gurado. Ordem concedida. Hipótese em que a Receita Federal, em operação conjunta com a
Polícia Federal, teria ingressado em dois escritórios contábeis da empresa de propriedade do
paciente, e apreendido documentos relacionados a clientes da referida sociedade, bem como
livros e memórias de computador, sem autorização judicial, tendo sido instauradas diversas
ações penais com base no material apreendido. Este Superior Tribunal de Justiça já se pro­
nunciou no sentido de que a apreensão de documentos em escritório, em desacordo com o
disposto no art. 5°, inc. XI, da Constituição Federal, isto é, sem autorização judicial e em
afronta à garantia de inviolabilidade de domicílio, o material obtido configura prova ilícita, hábil
a contaminar toda a ação penal. Precedente desta Corte e do STF. Deve ser cassado o acór­
dão recorrido e determinada a anulação da ação penal instaurada contra o paciente pela su­
posta prática de crime contra a ordem tributária. Ordem concedida, nos termos do voto do
Relator. (Habeas Corpus 48,306/RJ (2005/0159642-0) - 5a Turma do STJ - Rei. Gilson
Dipp - j. em 06.06.2006, unânime, DJ 01,08.2006).
96 Fábio Aguiar Munhoz Soares

se se considerar que o tratamento dispensado pelo Brasil aos crimes


tributários, para não fugir do exemplo abaixo citado, é por demais
benevolente'81, o que vai de encontro ao que temos sustentado no pre-

181 Confira-se a respeito ARRUDA, Élcio. In: Crimes tributários: perspectivas na Europa e eficácia
do pagamento. Boletim IBCcrim, n. 171, fev. 2007, São Paulo, no qual cita o autor exemplo
francês de punição de crimes tributários, nos quais o pagamento do imposto, total ou parcial­
mente, não enseja mitigação especial de pena. Em Portugal, as infrações tributárias referem
disciplina apartada (Lei 15, de 05.06.2001). Bifurcam-se em crimes e contra-ordenações:
àqueles, aplica-se pena de prisão de até 8 (oito) anos ou multa de 10 a 600 dias, além de se­
guirem o procedimento traçado no Código de Processo Penal; as derradeiras - infrações colo­
cadas à margem do Direito Penal - se subdividem em simples (coima não excedente a 3.750
euros) e graves (coima superior a 3.750 euros ou expressamente declaradas como tais na lei),
sob o procedimento específico do ilícito de mera ordenação social. A modulação da sanção do
crime atende, sempre que possível, ao gravame causado pelo agente. A pena privativa de li­
berdade de até 3 (três) anos pode ser “dispensada" se, concorrentemente, a gravidade do fato
e a culpabilidade do agente não forem acentuados, houver se operado o adimplemento total
da prestação tributária (com os acréscimos) e não objetarem razões de prevenção. Impossível
a dispensa da pena, a reposição da verdade fiscal e o pagamento integral da exação, até a fi­
nal decisão, impõem sua atenuação especial. Ainda quanto aos crimes, a pena de prisão é
susceptível de suspensão, sob condição de adimplemento total da prestação tributária, no pra­
zo de até cinco anos da condenação, além do eventual pagamento — se assim o pronunciar o
juiz — do limite máximo estabelecido para multa. Ausente o adimplemento no interstício deli­
mitado, ou se exigem garantias, ou se prorroga o período de suspensão até a metade, sem
exceder o máximo tolerado (5 anos), ou se revoga a suspensão da pena privativa de liberdade.
Prevê-se a imposição cumulativa de penas acessórias, de duração não excedente a três anos
e relacionadas às condutas tipificadas: a) interdição temporária ao exercício de atividades e
profissões; b) vedação ao recebimento de subvenções/subsídios públicos, suspensão de qual­
quer benefício/franquia tributário e inibição do direito de obtê-los; c) proibição à participação de
licitações públicas; d) encerramento do estabelecimento, dissolução da pessoa coletiva a que
se relacione o agente; e) cassação de licenças/concessões e suspensão de autorizações; f)
publicação da sentença condenatória, às expensas do condenado. Na Espanha, o Código Pe­
nal de 1995, alterado em 2003, na disciplina dos crimes contra a Fazenda Pública e a Seguri­
dade Social (delitos contra la hacienda pública y contra la seguridad social, Título XIV), atrela a
tipicidade a um montante mínimo de sonegação tributária ou de indevida apropriação: 120.000
(cento vinte mil) euros. Na determinação da quantia, em se tratando de tributos, retenções, in­
gressos à conta de devoluções, períodos ou de declarações periódicas, observa-se cada perí­
odo ímposítivo ou de declaração; se os interregnos forem inferiores a doze meses, o montante
deverá se referir ao ano natural. A pena é tabulada em 1 (um) a 4 (quatro) anos de prisão e a
multa equivale à quantia sonegada/apropriada, a última passível de aumento até o seu sêxtu-
plo. A reprimenda comporta exacerbação, até a metade, quando se evidenciar o escopo de
acobertar o verdadeiro responsável tributário, mediante utilização de interpostas pessoas, e
quando se verificar a especial transcendência e a gravidade da defraudação, à luz do mon­
tante sonegado e da existência de estrutura organizada com poder de afetar uma pluralidade
de obrigados tributários. Ao condenado, automaticamente, sob a rubrica de pena acessória,
aplica-se a vedação à obtenção de subvenções, ajudas públicas e ao direito de gozar de in­
centivos fiscais e de seguridade social, num interstício de 3 (três) a 6 (seis) anos. A sonegação
contra a Fazenda da União Européia, se o objeto material for igual ou superior a 50.000 (cin­
quenta mil) euros, é igualmente passível de censura penal. Há isenção de responsabilidade se
a situação tributária do agente é regularizada antes ide ser notificado peia administração tríbu-
Prova Ilícita no Processo 97

sente trabalho, qual seja: a prova produzida pelo Estado em desres­


peito aos direitos fundamentais deve mesmo ser considerada ilícita,
salvo em situações nas quais ele se veja sob ataque em sua estrutura
organizacional ou ainda, algum direito constitucional merecedor de
tutela diferenciada esteja sob risco, porque em tais circunstâncias esta­
ria o Estado, quando da produção da prova, agindo em prol de sua
própria estrutura organizacional, não se admitindo assim, a prova ilí­
cita em todo e qualquer processo, sob pena de tomar letra morta o
dispositivo constitucional, que proíbe a admissão de provas ilícitas no
processo.

(ária a respeito do início das atuações tendentes à determinação das dívidas tributárias ou,
quando inexistirem autuações, antes de o poder público interpor querela/denúncia ou antes de
o Ministério Fiscal ou o juiz de instrução realizarem atuações permitindo o conhecimento for­
mal da iniciação das diligências: é dizer, a regularização fiscal deve preceder à formal atuação
das agências públicas (Código Penal Espanhol, arts. 305 e 307). Na Alemanha, a primeira lei
de luta contra a criminalidade econômica (1976) incorporou ao Código Penal Alemão os crimes
de fraude de subvenções públicas (§ 264-a), de estafa de crédito (§ 265-b). Também cunhou
figuras abarcando a moderna delinquência financeira (crimes do colarinho branco: white-collar-
crime), sob a fórmula de tipos de perigo, onde a subministração da informação falsa é sufici­
ente à punibilidade, dispensada a ocorrência de dano patrimonial a que o dolo se endereça.
Sua sucessora, a segunda lei contra a criminalidade econômica (1986), buscou ajustar o Di­
reito Penal às variações técnicas e econômicas de operação no tráfico de negócios, em ordem
a combater a criminalidade de informática (§ 263-a), criminalizar o branqueamento de capitais
(§ 261) e agregar mecanismos idôneos a melhor arrostar a criminalidade organizada atuante
no segmento. A retenção e malversação de contribuições arrecadadas dos trabalhadores para
a seguridade social - correspondente à apropriação indébita previdenciária nacional - é ape-
nada com privação de liberdade de até 5 (cinco) anos e multa (§ 266-a). É possível a dispensa
da censura penal, quando o agente, (1) até a data de vencimento ou imediatamente depois,
comunicar, por escrito, à autoridade arrecadadora o montante das cifras retidas e (2) expuser
o porquê da impossibilidade de recolhê-las dentro dos prazos assinaíados, apesar do sério
esforço em fazê-lo. Havendo restituição das contribuições dentro do prazo assinalado pela
autoridade arrecadadora, dês que cumprida a primeira providência (1), a pena não é imposta
(§ 266-a-5). A lei geral tributária alemã de 1977 (Abgabenordung - AO/1977), nos parágrafos
369 a 376, tipifica os crimes tributários. A sonegação de cunho profissional e relativa a bens
roubados (§§ 373 e 374) é passível de configurar crime de lavagem de dinheiro ou ocultação
de bens havidos ilicitamente (CP Alemão, §261). Se o crime se implementar a partir de dados
incompletos ou incorretos, é possível a dispensa na aplicação da pena, contanto que o agente
suplemente ou recupere os dados omitidos, antes de qualquer atuação da autoridade fiscal
(AO, § 371). Prossegue o autor: na maioria dos sistemas, o integral adimplemento da presta­
ção tributária, de ordinário, surge como legítima terceira via do direito repressivo. Às vezes,
antecipam-se-lhe os efeitos, ora se obviando a persecução penal, ora permitindo-lhe o estan-
camento, sempre, porém, a partir de marcos temporais. Nenhuma disciplina perfilha a irrestrita
“benevolência" da legislação brasileira, onde o pagamento do tributo sonegado ou da contri­
buição apropriada, independentemente de quando efetuado, ostenta aptidão à extinção de pu­
nibilidade (Lei 10.684/03, art. 9°, § 2°). Entre nós, hoje, é indisfarçável o escopo meramente ar­
recadador da incriminação. A bem da verdade, quando o caso aporta em juízo, tem-se genuí­
na “ação penai de cobrança”.
98 Fábio Aguiar Munhoz Soares

Nestes termos, pois, as reiteradas violações de sigilo a que


têm sido submetidos alguns investigados ou acusados e pessoas a eles
relacionadas em crimes tributários devem mesmo ser consideradas
como ilicitudes, impossível o aproveitamento dos dados obtidos em
tais incursões como provas hábeis a desencadearem eventual persecu­
ção penal, porque, de forma solene, consagrou o legislador consti­
tuinte a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, honra e ima­
gem das pessoas, garantindo, ainda, o sigilo da correspondência, das
comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas,
não podendo a criminalidade comum, que não mereceu do legislador
qualquer atenção especial, servir como argumento bastante a uma
eventual quebra de sigilo, salvo em caso de prévia autorização judi­
cial.
Para nós, entretanto, tais direitos fundamentais, conforme su-
somencionado, não têm nem podem ter caráter absoluto, podendo,
assim, ser relativizados quando postos em situações de conflito com
princípios constitucionais, que, no caso concreto, se mostrem mais
relevantes ou preponderantes182.

182 A nosso ver, o julgado abaixo é típico exemplo de relativização de direitos fundamentais,
porque colocados em rota de colisão com princípio constitucional, considerada num primeiro
momento lícita a prova obtida, sem prejuízo de posterior análise acerca de sua possível ilicitu-
de, ante os dados colhidos e a necessidade de se fazer exame mais aprofundado da prova a
ser colhida:
Processual penal e penal. Busca e apreensão. Desnecessidade da existência de inquéri­
to policial ou ação penal em curso. Providência autorizada em sede de investigação
preliminar. Inquérito policial. Decisão de natureza eminentemente cautelar. Cabível re­
curso de apelação. A lt 593, II, do CPP. Pedido de ingresso de terceiro na ação penal.
Assistente simples ou litisconsorcial. Art. 3° do CPP. Aplicação analógica. Art. 268 do
CPP prevê hipótese de assistente da acusação que não é o caso. Inexistência de prova
de ser o requerente investigador ou correntista do banco. Medida originária em prova
supostamente ilícita. Gravação de conversa entre duas pessoas sem conhecimento do
seu interlocutor. Registro provavelmente editado. Avaliação da apontada ilicitude pos­
tergada. Decisão sem conteúdo decisório. Distinção entre prova ilícita e prova ilegítima.
Gravação ambiental feita por um dos interlocutores ou por terceiro autorizado. Existên­
cia ou não de justa causa para o ato para aferição da licitude ou não dessa prova. Ine­
xistência de nulidade no fato de todos os mandados de busca e apreensão serem do
mesmo teor. Requerimento circunstanciado. Fatos investigados são da mesma nature­
za. Desnecessidade de discriminação. Mandados apontando satisfatoriamente todas as
condições legais necessárias ao cumprimento das ordens emanadas do juiz. Busca em
andar diverso do constante do mandado. Inexistência de irregularidade. Possibilidade
de dados relacionados ao caso estarem armazenados no disco rígido do servidor do
banco. Busca em local resguardado por sigilo. Banco apelante. Terceiro na relação jurí-
dico-penal em discussão. Dever de guardar sigilo dos dados e operações de seus
clientes. Ressalvadas as hipóteses permissivas previstas em lei. Limites da perícia
Prova llicita no Processo

em relação aos dados apreendidos estabelecidos na denúncia. Possibilidade técnica de


separação dos arquivos a serem periciados. Existência de programas próprios de bus­
ca. “investigação digital” que se dá em três fases. Separação de arquivos sem violação
de sigilo para posterior perícia. Competência do magistrado a quo para proceder à sepa­
ração desses arquivos. Art. 251 do CPP e arts. 125 a 133, 335 e 440 todos do CPC. Pro­
vas eventuais. Necessidade de apuração de fatos noticiados pela imprensa. Brasil e itá-
lia. Tratado sobre cooperação judiciária em matéria penal. Decreto 862/93. I - Recurso de
apelação visando à anulação da decisão de primeiro grau de jurisdição que deferiu medidas de
busca e apreensão. Natureza eminentemente cautelar, mais notória ainda quando a providên­
cia é autorizada em sede de investigação preliminar, em inquérito policial, onde a decisão, e a
sua correspondente execução, acabam por conferir caráter exauriente à medida. Dessa deci­
são, cabe recurso de apelação, nos termos do art. 593, II, do CPP. II - Pedido formulado por
terceiro de ingresso na ação penal na qualidade de assistente simples ou litisconsorcial. Art. 3o
do CPP. A interpretação analógica tem o seu limite na hipótese em que a lei processual penal
apresente caráter inflexível, portanto taxativo. III - O CPP, no capítulo dedicado aos assisten­
tes, prevê em seu art. 268 que, na ação pública, poderá intervir, como assistente do Ministério
Público, o ofendido ou seu representante legal, ou, na falta, qualquer das pessoas menciona­
das no art. 31 (cônjuge, ascendente, descendente ou irmão). Esse dispositivo trata da assis­
tência de acusação, que não é, a hipótese de enquadramento jurídico do pleito formulado.
Entretanto, o requerente sequer carreou aos autos prova de sua condição de investidor ou cor-
rentista do banco apelante, elemento indispensável à análise mais aprofundada da matéria.
IV - Medida de busca e apreensão originária de prova supostamente ilícita, consistente em
uma gravação de conversa entre duas pessoas sem conhecimento de seu interlocutor, cujo
registro, provavelmente editado, fora entregue a autoridades da Polícia Federal. V - O MM.
Juiz a quo postergou a avaliação da apontada ilicitude, diante da impossibilidade de aferição
de cada elemento no contexto probatório de futura ação penal. Essa decisão não apresenta
conteúdo decisório e tampouco foram apresentadas pelos recorrentes elementos suficientes a
evidenciar que, naquele momento, o MM. Juiz a quo reunia todas as condições processuais
necessárias ao deslinde da questão. VI - A doutrina distingue prova ilícita da chamada prova
ilegítima. As provas ilícitas são aquelas obtidas com violação ao direito material, ao passo que
as provas ilegítimas violam o direito processual. VII - A gravação ambiental feita por um dos
interlocutores, ou até mesmo por terceiro se por ele autorizado, não resulta, por si só, na pre­
missa de tratar-se de prova ilícita. Há que se perquerir sobre a existência ou não de justa cau­
sa para o ato, o que efetivamente direcionará a classificação dessa prova como lícita ou ilícita.
VIII - Perfeitamente adequada a r. decisão recorrida, proferida pelo MM. Juiz de primeiro grau
de jurisdição que, entendendo não dispor do conjunto probatório necessário, diferiu essa apre­
ciação para momento posterior. I X - A busca pode ocorrer nas fases pré-processual ou pro­
cessual, não sendo requisito para a medida sequer a existência de inquérito policial ou ação
penal em curso. X - O s três mandados de busca e apreensão, expedidos para os endereços
residenciais dos apelantes, bem como para o endereço comercial de um deles, são do mesmo
teor. Entretanto, esse fato, em si, não acarreta qualquer nulidade, eis que as medidas foram
requeridas pela Polícia Federal de forma circunstanciada, apreciadas pelo Ministério Público
Federal que também apontou suas razões de opinar, e deferidas pelo MM. Juiz de primeiro
grau de jurisdição que, além de apresentar a sua própria fundamentação, acolheu o quanto já
havia sido ponderado pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal. XI - Os fatos su­
postamente ilicitos, e na ocasião investigados em relação aos apelantes eram da mesma natu­
reza, não havendo razão significativa para que os mandados fossem expedidos com particula­
ridades que, se existentes, naquela fase de investigação não eram significativas a ponto de
necessitarem ser discriminadas. XII - Não se vislumbra, dessa forma, qualquer vicio ou nuli­
dade no ato praticado pelo Magistrado de primeiro grau, vendo-se, de seu teor, que não foi
proferido de modo vago e sem respaldo probatório. XIII - Os mandados não foram expedidos
100 Fábio Aguiar Munhoz Soares

de forma genérica, mas apontaram satisfatoriamente todas as condições legais necessárias ao


cumprimento das ordens emanadas do MM. Juiz de primeiro grau de jurisdição. X I V - Quanto
à busca e apreensão de bem de terceiro, onde, supostamente, podem existir dados e informa­
ções sobre um dos apelantes, depreende-se dos autos que durante o cumprimento do respec­
tivo mandado a equipe policial vislumbrou, por informação de funcionária do próprio, mais pre­
cisamente secretária do apelante, a possibilidade de dados relacionados ao caso, estarem ar­
mazenados no disco rígido do servidor do banco. XV - Não há qualquer nulidade no ato de
momentânea apreensão do HD do banco, bem como dos demais itens que estavam localiza­
dos no Centro de Processamento de Dados da referida instituição, pelo fato de o CPD locali­
zar-se no 3o andar, do mesmo prédio. Efetivamente o mandado de busca e apreensão relativo
ao endereço comercial do apelante foi expedido para o seu escritório, localizado no 28° andar
do prédio do banco. Foi requerida autorização judicial para a continuidade das diligências em
outro local (andar) do mesmo prédio, o que foi deferido pelo MM. Juiz de primeiro grau e
transmitido às autoridades policiais, embora não haja na decisão ou no ofício que a noticiou
referência expressa ao 3o andar do mesmo prédio. Atente-se, também, para as testemunhas
que acompanharam as diligências, bem como para a sequência dos fatos. XVI - A questão da
busca em local resguardado por sigilo, há que ser considerado que o banco apelante é um ter­
ceiro na relação jurídico-penal posta em discussão e, mais do que isso, um terceiro que, na
qualidade de instituição financeira, tem o dever de guardar sigilo de todos os dados e opera­
ções de seus clientes, ressalvadas, evidentemente, as hipóteses permissivas previstas em lei.
XVII - Esse apelante é um terceiro na relação jurídico-penal posta e na colheita de provas não
pode haver qualquer espécie de violação de direitos, seja dos investigados, já denunciados,
seja de terceiros. Em qualquer hipótese, os dados a serem obtidos por meio da busca e apre­
ensão realizada devem limitar-se, sempre e para todos os envolvidos, na apuração dos fatos
supostamente ilícitos, objeto da apuração. XVIII - Na ação penal de onde o presente recurso
foi extraído, os limites da perícia em relação aos dados apreendidos já foram estabelecidos
pela própria denúncia. Há, ademais, a real possibilidade técnica de separação dos arquivos a
serem periciados, pois na realidade tecnológica atual há programas próprios de busca, que lo­
calizam, sem devassar ou abrir outros arquivos, aquilo que se coloca como de interesse.
Chama-se de “investigação digital’’ o processo de utilizar a tecnologia de informática para
analisar objetos que contém informações digitais (tais como um disco rígido - HD, um dis­
quete ou um pen drive) em busca de confirmar ou refutar uma hipótese. E existem três fases
nessa investigação: a preservação, a busca, e a reconstrução. XIX - Ressalte-se que não se
está referindo à perícia dos arquivos eventualmente localizados e que guardam pertinência
com os fatos narrados na denúncia. Refere-se, aqui, a uma fase anterior, consubstanciada na
separação desses arquivos, sem violação de sigilo, aí sim, para fins de posterior perícia, na
forma da lei processual penal. X X - A competência para proceder à separação dos arquivos é,
sem dúvida, do MM. Juiz de primeiro grau de jurisdição, conforme dispõem os arts. 251 do
Código de Processo Penal: 125 a 133 do Código de Processo Civil;335 do Código de Proces­
so Civil: e, especialmente o art. 440 do Código de Processo Civil, aplicável ao caso por força
do art. 3o do Código de Processo Penal. XXI - Considerando que o conteúdo armazenado nos
equipamentos de informática apreendidos, ou reproduzido dos mesmos, tanto dos apelantes pes­
soas físicas, quanto do banco, são desconhecidos, podendo conter dados acobertados por sigilo
legal, determina-se que a separação dos arquivos pertinentes seja realizada pelo MM. Juiz a
quo, e os arquivos pertinentes, se existentes, deverão ser encaminhados à perícia, na forma
da iei, onde o dever de sigilo de dados e informações resguardados legalmente, deverá, sob
pena de responsabilização, ser mantido. XXII - Destaca-se, por oportuno, que não se reputa
genericamente ilícita a denominada prova eventual, ou seja, aquela colhida ao acaso no âmbito
de uma outra prova tegalmente deferida. A ilicitude da prova eventual reside exatamente na
hipótese de ser oriunda de uma situação acobertada por sigilo legal. XXIII - Eventual prova de
ato ilícito colhida dentro do sistema de armazenamento de dados do banco e que diga respeito
Prova Ilícita no Processo 101

Tome-se como exemplo a busca e apreensão de documentos


realizada em escritório de contabilidade ou mesmo de advocacia, na qual
o objeto de busca sejam documentos reveladores de prática de crime
organizado por seus envolvidos, nos moldes daqueles vistos em recentes
atentados ocorridos nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, que
muito se identificam com o conceito de terrorismo, qual seja: o de
violência premeditada e politicamente motivada, perpetrada contra alvos
não combatentes através de gmpos subnacionais ou de agentes clandes­
tinos, normalmente utilizados para influenciar uma audiência183.
Ora, não se pode ignorar, que pelo menos em São Paulo, um
dos objetivos da famigerada facção criminosa PCC, em apertada sínte­
se, é o de alertar a população por meio de ataques indiscriminados à
sociedade organizada acerca da opressão carcerária existente no sis­
tema penitenciário, valendo-se para tanto de imposição de terror local
para evitar delações e práticas assistencialistas, substituindo o Estado
em pequenas, mas reiteradas ações, a ponto de o Estado se tomar ente
absolutamente inexistente nas áreas dominadas pelo crime organizado.
A inércia, a incompetência administrativa, a omissão e a ausên­
cia de mecanismos públicos eficazes no combate ao crime organizado
fizeram com que os gmpos que o praticam passassem a exercer domí­
nio sobre territórios das grandes cidades, exigindo, entretanto, à sua
manutenção demonstração constante de força, o que pode ser visto nos
incêndios a ônibus, atentados a prédios públicos (fómns, cadeias pú­
blicas etc.), depredações e outros ocorridos, como nunca antes visto.

á esfera abrangida pela garantia constitucional de sigilo, é ilicita. Da mesma forma, as provas
eventuais extraídas de dados profissionais e sigilosos decorrentes das atividades protegidas
por sigilo dos apelantes pessoas físicas. XXIV - A imprensa vem noticiando fatos gravíssimos
e que podem ter interferência no caso ora em andamento, os quais deverão ser apurados.
X X V - Recurso de apelação recebido. Pedido de admissão de suposto cliente do banco ape­
lante na qualidade de assistente iitisconsorcial e/ou simples rejeitado. Recurso de apelação
parcialmente provido para determinar que a separação dos arquivos de informática e posterior
perícia, sejam realizadas nos termos do expendido. XXVI - Considerando que o Brasil e a Itá­
lia firmaram Tratado sobre Cooperação Judiciária em Matéria Penal, promulgado pelo Decreto
862, de 09.07.1993, de ofício, resta determinado: (I) expedição, de ofício ao Ministério Público
Federal para que tome as providências inseridas em sua competência; (II) o MM. Juiz Federal
de primeiro grau de jurisdição, valendo-se das condições do acordo internacional celebrado
entre a Itália e o Brasil, deverá diligenciar no sentido de obter a íntegra do depoimento presta­
do e referido pela imprensa, bem como outros elementos de interesse ao caso. (Apelação
Criminal 18232/SP (2004.61.81.009685-2) - 2a Turma do TRF - 3a Região - Rela. Cecilia
Mello - j. em 12.12.2006 - DJU 30.03.2007).
183 Conceito obtido no relatório “Patterns of Global Terrorism - 2000”, do Departamento de Estado
dos Estados Unidos da América.
102 Fábio Aguiar Munhoz Soares

Em tal circunstância, entendemos não poder o sigilo de


dados se sobrepor a um dos princípios adotados pelo Brasil, que é o de
repúdio a práticas terroristas (CF, art. 4o, VI e VIII), sendo do Supre­
mo Tribunal Federal, intérprete maior da Constituição Federal, a se­
guinte lição: o terrorismo - que traduz expressão de uma macrodelin-
quência capaz de afetar a segurança, a integridade e a paz dos cida­
dãos e das sociedades organizadas - constitui fenômeno criminoso da
mais alta gravidade, a que a comunidade internacional não pode per­
manecer indiferente, eis que o ato terrorista atenta contra as próprias
bases em que se apoia o Estado Democrático de Direito, além de re­
presentar ameaça inaceitável às instituições políticas e às liberdades
públicas, o que autoriza excluí-lo da benignidade de tratamento que a
Constituição do Brasil (art. 5o, LII) reservou aos atos configuradores
de criminalidade política.
Em tal sentido, o ato terrorista pode ser entendido como todo
aquele que tem como objetivo produzir terror ou intimidação em de­
terminadas personalidades, em grupos de pessoas ou na população de
um Estado, criando perigo comum para a integridade corporal ou vi­
sando atingir a liberdade das pessoas (sequestros), mediante emprego
de meios cuja natureza cause graves perturbações da ordem ou danos
de grande monta184.
Ora, ainda que não se considerem atos de terrorismo os
atentados ocorridos em São Paulo e no Rio de Janeiro, mister é que se
diga constituir crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos
armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado
Democrático (CF, art. 5o, XLIV), o que, sem dúvida, pode ser aplicado
aos crimes em comento, não no que toca à imprescritibilidade ou ina-
fiançabilidade dos crimes, o que exigiria análise mais aprofundada da
tipicidade da conduta, mas sim, em relação ao tratamento mais gravo­
so dispensado pelo legislador constituinte a tal espécie delitiva, o que
não pode ser ignorado quando da aplicação do princípio da proporcio­
nalidade, no sopesamento de valores, para fms de admissão de eventu­
al prova ilícita produzida em processos referentes à ação de grupos
armados, que estão a pôr em xeque a própria existência do Estado
Democrático e Social de Direito em seus constantes e já comuns ata­
ques à sociedade civil organizada.

184 Extradição 855-2 - Rei. Min. Celso de Meilo - Pleno do STF - DJ 01.07.2005.
Prova Ilícita no Processo 103

7.3.1 Busca e Apreensão Coletiva

A presença de buscas e apreensões coletivas no cotidiano


forense sempre foi vista pela doutrina brasileira como indicativo de
violação de direitos e garantias fundamentais, sendo, portanto, ilícita a
prova obtida ao final de tais diligências, o que pode ser explicado pelo
fato de constituírem decisões judiciais que a autorizam desvio de pa­
drão do quanto previsto no regramento atinente às expedições de
mandado de busca e apreensão (CPP, arts. 240 e ss.).
Com efeito, determina o Código de Processo Penal em seu
art. 243, dever o mandado de busca indicar, o mais precisamente pos­
sível, a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo
proprietário ou morador; ou, no caso de busca pessoal, o nome da pes­
soa que terá de sofrê-la ou os sinais que a identifiquem, mencionando
ainda o motivo e os fins da diligência.
Ora, tais determinações acabam não sendo cumpridas quando
da expedição de mandados de busca e apreensão de natureza coletiva,
tanto por não ser possível identificar com precisão os endereços, como
ocorre em favelas e agrupamentos de pessoas em acampamentos de
movimentos populares, mas também e principalmente pelo fato de se
saber de antemão ser objetivo de pessoas envolvidas em práticas ilíci­
tas, quando do cumprimento de diligência em mandado de busca e
apreensão de natureza simples, não coletiva, portanto, se esconderem
em moradias de vizinhos, frustrando, assim, o escopo da diligência.
A fim de evitar tal situação, criou-se a figura do mandado de
busca e apreensão coletivo, que tem por objetivo identificar em densos
conjuntos habitacionais eventuais pessoas procuradas e corpos de de­
lito propriamente ditos, sendo o grande problema de tal diligência o
fato de muitas pessoas inocentes terem suas esferas de intimidade
violadas, ainda que com autorização judicial, mas sem que guardem
qualquer nexo de causalidade com o objetivo da polícia judiciária,
inquinando, assim, a doutrina tal prática como ilícita, por ser violadora
de direitos fundamentais e descumpridora do regramento atinente à
espécie.
A referida questão já foi enfrentada pela Justiça Paulista em
procedimento instaurado logo após os ataques praticados por famige-
104 Fábio Aguiar Munhoz Soares

rada facção criminosa na capital paulista, sendo afastada, desde logo, a


eventual ilicitude de tal prática18"

185 Trata-se de representação formulada pela 2a Delegacia Seccional de Policia da Capital, tendo
este autor no exercício de sua judicatura junto ao DIPO (Departamento de Inquéritos Policiais
e Corregedoria da Policia Judiciária da Capital/SP), assim decidido: “...Segundo menciona a d.
autoridade policiai, grupos criminosos agem na conhecida Favela Água Espraiada, tendo sido
recentemente feito pela polícia judiciária minucioso levantamento dos delitos lá ocorridos,
constatando-se quase a totalidade das infrações penais referir-se ao tráfico de entorpecentes,
sendo ainda os fatos noticiados na mídia, tamanha a ousadia dos marginais, que chegaram a
mudar o itinerário de coletivos em razão das ofensivas policiais e instalar serviço de “drive
thru” para aquisição de entorpecente por usuários mais abonados. Relata a d. autoridade poli­
cial por fim que mencionada favela estende-se pela Avenida Águas Espraiadas, esquinas, be­
cos e vielas, juntando na sua representação levantamento fotográfico da região a ser coberta
pela almejada ordem judicial. É o relatório. Sem dúvida que em última análise os fatos narra­
dos peia d. autoridade policial guardam relação com os últimos acontecimentos ocorridos
nesta capital, eis para tanto significar o alto número de infrações registradas na mencionada
favela a completa ausência do Estado, fazendo com que grupos locais surjam e se sintam à
vontade para exercer poder não exercido pelo Estado, chegando inclusive a enfrentá-lo, como
se estivéssemos a tratar de guerras em que a dominação de um território por um ou por outro
seja a meta a ser alcançada. Ora, em tal contexto, cumpre consignar não ser concebivel possa
o Estado se sujeitar a grupos criminosos, devendo então reassumir seu papel, ainda que te­
nhamos como hipótese a ser cogitada a sobreposição do bem comum a ser alcançado pelo
Estado a direitos e garantias fundamentais do cidadão. Obtempere-se para tanto que o relato
da d. autoridade policial é firme quanto à ocorrência de no mínimo 12 ocorrências de tráfico de
entorpecentes em janeiro deste ano, 13 em fevereiro, 13 em março e 13 em abril, o que não é
pouco para uma mesma localidade e que tem no poder local ligado ao tráfico o quanto neces­
sário a fomentar e a financiar a guerrilha urbana exercida pelo famigerado Primeiro Comando
da Capital (PCC) contra o Estado. Não é exagero concluir então diante de tal quadro estar a
comunidade local refém do narcotráfico, pouco ou nada podendo fazer as pessoas de bem, eis
ser do conhecimento de todos ser a pena de morte a que se destina aos delatores do crime
organizado, a exigir, pois, resposta imediata e severa do Estado. Cita-se aqui, a corroborar o
quanto supra asseverado, trecho da r. decisão do eminente magistrado Marceio Matias Pereira
em caso análogo também neste DiPO: “...A população ordeira não pode se curvar ao suposto
poderio do narcotráfico. Tempos excepcionais exigem medidas também excepcionais, com o
intuito da manutenção do Estado Democrático de Direito e a ordem pública. Segundo o princí­
pio da proporcionalidade deve o julgador sopesar os bens jurídicos em conflito, no momento
de proferir sua decisão. Conforme a melhor doutrina constitucional os direitos individuais não
são absolutos, mas sim relativos, tanto é que existem medidas próprias para que sejam os
mesmos violados, quando em conflito com interesses maiores, vale dizer coletivos. Assim
sendo, o interesse coletivo sempre prepondera sobre o interesse individual, razão pela qual
são constitucionalmente previstas as limitações a estes, vale dizer a possibilidade de violação
do domicílio nas hipóteses previstas no art. 5°, inc. XI, da CF. No caso dos autos, a represen­
tação das d. autoridades policiais dá conta de que a população daquela base territorial está
refém do narcotráfico, o qual impõe a “lei do silêncio", bem como outras normas de conduta,
exigindo o seu cumprimento, sob pena de execução sumária de pena de morte, violando o
domicílio das pessoas trabalhadoras e honestas, que residem nesta comunidade, transbor­
dando suas ações do limite territorial em questão, submergindo o poder paralelo, a ponto de
atingir toda a coletividade, que, nos últimos dias, viu-se atemorizada com a verdadeira onda de
terror, bem como em razão da prática de atos de terrorismo, promovidos por suposta organi­
zação criminosa. O deferimento da presente medida representa, na realidade, o resgate da
Prova Ilícita no Processo 105

A par de entendimentos contrários, a hipótese em tela se


amolda ao que preconiza a doutrina quanto à possibilidade de restrição
de direito fundamental, como é o da inviolabilidade da casa, somente
se demonstrada a sua excepcionalidade*186, imprescindibilidade18718 e
com interpretação restritiva , o que não acontece, v.g., quando se

comunidade, o restabelecimento da ordem pública e do Estado Democrático de Direito, voltan­


do estas pessoas a estarem obrigadas, tão somente, a fazer ou deixar de fazer algo que a lei
imponha e não as ordens de um grupo de criminosos..." Diante do exposto, DEFIRO A BUSCA
E APREENSÃO na FAVELA ÁGUA ESPRAIADA nos endereços citados na presente repre­
sentação, expedindo-se os competentes mandados, para o fim de apreender armas, substân­
cias entorpecentes e demais objetos de origem criminosa ou utilizados na prática de infrações
penais, além da captura de procurados, assinalado o prazo de 10 (dez) dias de validade do
mandado, ante a dimensão da diligência, com observância do quanto disposto nos arts. 5o, XI,
da Constituição Federal e 245 e ss. do Código de Processo Penal, devendo ser encaminhado
a este juízo relatório circunstanciado, acompanhado do respectivo auto de apreensão, no pra­
zo de 15 (quinze) dias, detalhando minuciosamente e de forma pormenorizada as residências
vistoriadas".
186 Processo Penal. Mandado de segurança. Devolução de documentos. Restituição de
aparelhagem de informática já determinada pela autoridade coatora. Busca e apreensão.
Operação policial de grande porte. Ilegalidade não configurada. Tutela jurisdicional
prestada em tempo razoável de acordo com as circunstâncias do caso concreto. Ausên­
cia de direito líquido e certo e de periculum in mora. Devolução de documentos apreen­
didos. Não cabimento. Denegação da ordem. / - Não sendo possível precisar ou indicar
com exatidão todas as características dos objetos buscados, dado o momento inicial em que
se encontra a investigação e pela natureza dos fatos apurados, é possível a expedição de
mandado de busca e apreensão indeterminado quanto à espécie de coisa a ser apreendida,
desde que determinável pelo gênero em cotejo com a natureza da investigação, sobretudo
quando se define o endereço e a pessoa, física e/ou jurídica, objetos da execução da medida.
II - Diante da complexidade do caso concreto, envolvendo investigações na denominada “ope­
ração cevada”, verifica-se que a apreensão impugnada se deu em 15.06.2005 (fls. 16/19), o
pedido de restituição foi protocolado em 30.06.2005 (fl. 20) e a decisão determinando a devo­
lução dos computadores apreendidos data de 12.07.2005, portanto, 12 dias depois de pleitea­
da, o que demonstra diligência acima do habitual, levando em conta a magnitude da operação
policial e quantidade de material apreendido. III - O interesse nos documentos apreendidos
para as investigações deve ser avaliado pela autoridade policial que preside o inquérito policial
e ao MPF, titular da ação penal pública. IV - Não demonstração, de plano, da indispensabili-
dade dos documentos apreendidos para o funcionamento da empresa, visto não enfocada a
relação de causa e efeito ente a apreensão e possíveis prejuízos presentes e futuros, o que se
mostraria fundamental na via estreita do mandamus. V - Segurança denegada. (Mandado de
Segurança 8664/RJ (2005.02.01.008599-8) - 1a Turma Especial do TRF - 2a Região - Rei.
Abel Gomes - j . em 08.02.2006, unânime, DJU 23.02.2006).
187 PITOMBO, Cleunice Bastos (In: Da Busca e Apreensão no Processo Penal. 2. ed. São Paulo:
RT, 2005. p. 92), afirma: “A inviolabilidade da casa, da intimidade e da vida privada, e a inte­
gridade física e moral, podem sofrer restrição; mas é imprescindível que a limitação mostre-se,
no caso concreto, inafastável. Assim, há que estar. (1) prevista em lei; (2) destinar-se a fins le­
gítimos; (3) evidenciar interesse social concreto prevalecendo sobre o individual; (4) ser pro­
porcional ao fim almejado; (5) se ajustar, em sua concretude, à finalidade perseguida".
188 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, domina­
ção. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 296.
106 Fábio Aguiar Munhoz Soares

determina a apreensão e sequestro de todos os bens, valores e direitos


creditícios de pessoa investigada, numa verdadeira devassa em sua
vida189.

7.3.2 Busca Pessoal

Situação que tem causado alguma divergência na jurispru­


dência pátria é a referente à ilicitude, ou não, da prova obtida em bus­
ca pessoal realizada por autoridade incompetente, como ocorre, v.g.,
na busca e apreensão de substância tóxica realizada por guardas civis
metropolitanos.
No mais das vezes, tem-se posicionado a jurisprudência pela
inadmissibilidade da prova, que teria inclusive o condão de contami­
nar as demais provas e que daquel’outra seriam decorrentes, numa
clara alusão à teoria dos frutos da árvore envenenada.
Segundo o referido entendimento, ao agirem de tal forma, os
guardas civis extrapolam as missões que o legislador constituinte de
1988 reservou à guarda civil metropolitana: proteção de bens, serviços
e instalações do município (art. 144, § 8o), usurpando ainda função de
exclusiva atribuição das polícias militar e civil, a que estão afetos o
policiamento ostensivo, armado; a preservação da segurança e ordem
públicas; a incolumidade das pessoas e do patrimônio.
Sob tal prisma, ilícita seria a prova decorrente de atuação de
agente incompetente, que extrapola as funções de seu mister, incindí-
vel, outrossim, a doutrina dos frutos da árvore envenenada, uma vez
que a ilicitude da prova contamina as demais provas dela derivadas,
inexistentes outras provas que não estivessem de alguma forma liga­
das àquela, proibida190.

189 MS 2004.01.00.047315-1/M T - TRF da 1a Reg. - 2a Seção - Rei. Des. Fed. Hilton Queiroz - j.
em 09.03.2005, v.u., com a seguinte ementa: “Constitucional. Mandado de Segurança
contra ato judicial. Sequestro de bens. Busca e apreensão. Quebra de sigilo bancário.
Nomeação de gestor judicial como interventor. Medida concedida genericamente. Im­
possibilidade”.
190 Confira-se: Entorpecente. Uso próprio. Prova ilícita. Guardas municipais que, a mando de
autoridade policial, ingressaram na residência do acusado e procederam à busca e
apreensão de substância tóxica. Inadmissibilidade. Atividades de exclusiva atribuição
da Polícia Militar e Civil. Prova inidônea originária a contaminar as demais dela decor­
rentes. Rejeição da denúncia mantida. Aplicação dos arts. 5o, LVI, 30, V, e 148, § 8°, da
CF e art. 43, III, do CPP. (Recurso em Sentido Estrito 322.030-3/6 - Itu, 3a Câmara Criminal
Prova Ilícita no Processo 107

A nós parece não poder o referido posicionamento ser toma­


do de forma absoluta, sem que se conceba qualquer relativização pos­
sível de ser feita. É dizer: haverá situações em que a prova obtida em
busca e apreensão realizadas por guarda municipal poderá ser valorada
de forma positiva no processo, bastando para tanto que se tenha na
espécie fática direito posto em debate com relevância destacada em
relação ao direito individual protegido, tomando-se como exemplo,
para fugir de casos ligados ao processo criminal, de apreensão de
documento realizada sem autorização judicial e na qual se constate no
referido documento a responsabilidade de empresa que esteja sendo
alvo de investigação em inquérito civil por desmatamento ou proble­
ma ambiental correlato.
Para nós, em tal exemplo, a prova obtida não poderia ser
descartada tão-somente pelo fato de ter sido obtida por agente incom­
petente, ilícita, em tese, portanto, conforme entendimento jurispruden­
tial dantes exposto, já que o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade
de vida (CF, art. 225) é também um dos objetivos fundamentais do
Brasil (CF, art. 3o, IV) e por isso no balanço de valores, quando da
aplicação do princípio da proporcionalidade, prepondera sobre o di­
reito individual atingido, o mesmo se dando, por exemplo, na subtra­
ção de documento comprobatório da paternidade discutida em juízo,
dada a proteção integral da criança e do adolescente assegurada pela
Constituição (CF, art. 227) e ainda nos casos em que não se vislumbre

do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - v.u., negaram provimento - Rei. Des.
Gonçalves Nogueira). No corpo do acórdão, destaca-se entendimento do relator para quem:
“...incogitável de se dar azo ao princípio da proporcionalidade, ou do interesse preponderante”,
como prefere CAMARGO ARANHA (Da Prova no Processo Penal. 4. ed., p. 56). Releva no­
tar que se ocupa in casu tão-só de modalidade branda e relacionada ao mero porte de usuário,
figura típica de escassa reprovabilidade. Sem a mínima pertinência buscar-se um ponto de
equilíbrio no confronto com os elevados interesses da sociedade ou com a preservação da or­
dem pública, porquanto deveras longe o delito em apreço dos casos excepcionais, de mar­
cante violência e extremamente graves. Aliás, até mesmo objeto de debate sobre sua descri-
minação, em pauta o nodal argumento de necessitarem os toxicômanos, ao invés de punição,
de tratamento e assistência para livrá-los do pernicioso vício. Em reforço do posicionamento:
“Da explícita proscrição da prova ilícita, sem distinções quanto ao crime objeto do processo
(CF, ah, 5o, LVI), resulta a prevalência da garantia nela estabelecida sobre o interesse na bus­
ca, a qualquer custo, da verdade real no processo. Consequente impertinência de apelar-se ao
princípio da proporcionalidade - à luz de teorias estrangeiras inadequadas à ordem constitu­
cional brasileira - para sobrepor, à vedação constitucional da admissão da prova ilícita, consi­
derações sobre a gravidade da infração penal objeto da investigação ou da imputação“. (STF -
1a T - HC 80.949-9/RJ - Rei. Min. Sepúlveda Pertence - j. em 30.10.2001).
108 Fábio Aguiar Munhoz Soares

dolo na obtenção da prova, pela chamada exceção de boa-fé191 ou ain­


da quando aquela é fruto de conhecimento fortuito192, já que a inad-
missão das informações em tal caso obtidas consistiria numa sacrali-
zação do rito sem correspondente ganho dissuasório, em detrimento da
verdade e da justiça193.

7.4 TORTURA

Talvez um dos pontos em que menos se vislumbre discor­


dância na doutrina e na jurisprudência acerca da inadmissibilidade da
prova ilícita no processo seja o da prova obtida mediante tortura, que
seria mesmo ilícita, sem maiores discussões.

Ainda que não se trate de exemplo concernente à busca pessoal, como são os exemplos de
que cuida o presente item, pode ser citado o caso de prova obtida em interceptação telefónica,
quando a operadora telefónica cumpre ordem emanada por autoridade judicial destituída de
competência para tanto, julgando estar agindo de acordo com a lei.
192 Na mesma senda, é o caso, p. ex., de prova obtida em interceptação telefônica, que elucida
crime diverso daquele posto em investigação, mas que com ele se relaciona por algum critério
de conexão, ou não, servindo, pois, como prova emprestada. Esta, aliás, é a opinião de
FERNANDES, Antonio Scarance. Processo... Op. cit, p. 110.
193 ÁVILA, Thiago André Pierobom. Provas... Op. cit, p. 222. Em caso diverso (RHC 90.376/RJ),
mas que revela a tendência do STF em pouco se importar com a gravidade delitiva e com a
busca da verdade, a 2a Turma do Supremo Tribunal Federal anulou sentença do Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro, que havia condenado agente por vários crimes de estelionato e fal­
sificação de documento particular, em concurso material. Como consequência, foi restabeleci­
da sentença de 1° grau que havia considerado inepta a denúncia contra o réu, por ter sido ba­
seada em prova ilícita. O relator do caso, ministro Celso de Mello, aduziu que as provas consi­
deradas ilícitas pelo juiz de primeiro grau da 19a Vara da Comarca do Rio de Janeiro foram
colhidas pela polícia quando o agente estava sendo preso por outra condenação e, segundo
informa a sentença de primeiro grau, os agentes policiais resolveram apurar outras’ supostas
praticas delituosas que teriam sido cometidas pelo condenado e forçaram a entrada no apo­
sento que este ocupava num quarto de hotel. Lá eles localizaram e apreenderam provas que
resultaram na abertura de novo processo criminal, que culminou na condenação do agente
pelo TJRJ. A defesa do condenado recorreu ao Superior Tribunal de Justiça, alegando ilicitude
da prova, que teria sido apreendida sem mandado de busca e apreensão, o que caracterizaria
desrespeito do princípio da inviolabilidade de domicílio (Constituição Federal, art. 5°, inc. XI). O
STJ decidiu manter a sentença do TJRJ por apontar "insuficiência fática" para esclarecer os
termos do mandado de prisão cumprido em desfavor do agente. Para o ministro Celso de Mello
o juiz de primeiro grau deixou explícito que agentes policiais invadiram o quarto de hotel contra
a vontade do agente, quando estavam cumprindo mandado de prisão expedido por motivo de
outro processo condenatório. Entretanto, tal mandado de prisão não viabilizaria a busca e
apreensão de objetos que se encontravam no apartamento e que serviram de prova em pro­
cesso criminal. Ao prover o recurso, sua Excelência, o Min. Celso de Mello citou princípio
constitucional, segundo o qual as provas obtidas por meios ilícitos devem ser repudiadas pelos
tribunais por mais relevantes que sejam os fatos por elas apurados (Constituição Federal art
5°, inc. LVI), uma vez que contaminam a ação penal. ’
Prova Ilícita no Processo 109

Com efeito, na medida em que a prática de tortura designa o


sofrimento ou a dor provocada por maus-tratos físicos ou morais, não
se imagina mesmo de que forma declarações provenientes de quem é
submetido à tortura possam ter algum valor, por revelar a tortura ato
atentatório à dignidade humana, princípio fundamental da Constitui­
ção Brasileira (CF, art. Io, III).
Ora, segundo o art. 12, da Convenção contra a Tortura e outros
Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, provinda
da ONU, em 10.12.1984, que foi aprovada pelo Brasil por intermédio
do Decreto legislativo 4, considera-se tortura

qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou men­


tais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa afim de obter dela
ou de uma terceira pessoa informações ou confissões; de castigá-la
por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ou seja sus­
peita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras
pessoas-, ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qual­
quer natureza-, quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um
funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas,
ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência.

Em tais termos, pois, indiscutível que a prova obtida medi­


ante tortura não possa surtir qualquer valor no processo.
Tollitur quaesticP.
Não é o que parece à doutrina norte-americana, que, após os
ataques de 11 de Setembro194, vem se debruçando sobre o tema, inda-

194 Os atentados de 11 de setembro foram uma série de ataques contra alvos civis nos Estados
Unidos em 11 de setembro de 2001. Na manhã daquele dia, quatro aviões comerciais foram
desviados, sendo que dois deles colidiram contra as torres do World Trade Center em
Manhattan, Nova York. Um terceiro avião, American Airlines Flight 77, foi reportado pela auto­
ridades norte-americanas como tendo sido intencionalmente derrubado contra o Pentágono
pelos sequestradores, no Condado de Arlington, Virgínia. Os destroços do quarto avião, United
Airlines Flight 93, foram vistos espalhados num campo próximo de Shanksville, Pensilvâma. A
versão oficial apresentada pelo governo norte-americano reporta que os passageiros enfrenta­
ram os supostos sequestradores e que durante este assalto o avião caiu. Desde a g, esse foi o
primeiro ataque de efeitos psicológicos e altamente corretivos imposto por forças inimigas em
território americano. Mesmo se tratando de vítimas inocentes, para se ter uma ideia quantitati­
va de seu arrasador resultado, só o ataque em si excedeu o saldo de aproximadamente 2400
militares norte-americanos mortos no ataque sem um aviso prévio dos japoneses à base militar
de Pearl Harbor, em 1941. Além disso, tudo indica que os ataques foram caprichosamente
planejados e direcionados contra ícones americanos, agravando-se ainda mais por terem sido
110 Fábio Aguiar Munhoz Soares

gando acerca da legitimidade na prática de torturas contra inimigo tão


poderoso, como é o terrorismo, indo mais além ao defender o uso da
tortura para evitar situações extremas que possam ameaçar a seguran­
ça das democracias liberais195.

transmitidos ao vivo pelas cadeias de TV do mundo inteiro com a própria tecnologia america­
na. Os ataques, sem precedentes em toda a história da humanidade, que feriram profunda­
mente o orgulho americano, superaram e muito o efeito moral imposto às tropas americanas
pela força aérea japonesa. Os mortos nos ataques de 11 de Setembro de 2001 foram milha­
res: 265 nos aviões; pelo menos 2.602 pessoas, incluindo 242 bombeiros, no World Trade
Center e 125 no Pentágono. 3.234 pessoas foram mortas. Além das Torres Gêmeas de 110
andares do World Trade Center, cinco outras construções nas proximidades do World Trade
Center e quatro estações subterrâneas de metrô foram destruídas ou seriamente danificadas.
No total, foram 25 prédios danificados em Manhattan. Em Arlington, uma parte do Pentágono
foi seriamente danificada pelo fogo e outra parte acabou desmoronando. Alguns passageiros e
tripulantes puderam fazer chamadas telefônicas dos vôos condenados, relatando que vários
organizadores dos ataques de 11 de Setembro estavam em cada avião. Um total de 19 se-
qüestradores foram posteriormente identificados, cinco na maioria dos vôos, quatro no vôo 93
da United. Segundo informações, os sequestradores assumiram o controle das aeronaves,
usando facas para matar as atendentes de bordo, pilotos, e/ou ao menos um passageiro. No
vôo 77 da American Airlines, um dos passageiros relatou que os sequestradores usavam pu­
nhais. Foi relatado o uso de algum tipo de spray quimico nocivo, chamado gás de efeito moral
para manter os passageiros longe da primeira classe nos vôos 11 da American Airlines e 175
da United Arlines. Ameaças de bombas foram feitas em três aviões, mas não no 77 da Ameri­
can. As gravações da caixa preta revelaram que os passageiros tentaram assumir o controle
do avião dos sequestradores e como chacoalhar o avião não foi o suficiente para subjugar os
passageiros, os sequestradores derrubaram o avião num descampado entre Shanksville e
Stonycreek Township no Condado de Somerset, Pensilvânia, às 10:03:11 da manhã, horário
local (14:03:11 UTC). Em 29.10.2004, Osama bin Laden assumiu explicitamente a
responsabilidade pelos ataques. Ele afirmou que “nós decidimos destruir as torres na América
... Deus sabe que não nos ocorreu originalmente essa idéia, mas nossa paciência se esgotou
diante da injustiça e inflexibilidade da aliança entre americanos e israelenses contra o nosso
povo na Palestina e no Líbano, e então a idéia surgiu na minha mente.” O grupo militante islâ­
mico al-Qaeda elogiou os ataques e os lideres do grupo haviam previamente dado a entender
que tinham participação nos ataques. De fato, pouco depois dos ataques, o governo dos Esta­
dos Unidos declarou-os, juntamente com o líder deles, Osama bin Laden, como principais sus­
peitos. Em 2004, a comissão do governo norte-americano que investigou os ataques oficial­
mente, concluiu que os ataques foram concebidos e implementados por pessoal da al-Qaeda.
A comissão que investigou os ataques relatou que, embora tenha havido contatos com o
Iraque durante a presidência de Saddam Hussein, não foram encontradas “relações colabora-
tivas” entre o Iraque e a al-Qaeda quanto ao ataque de 11 de setembro em especial. Disponí­
veis em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ataques__de_11_de_setembro>. Acesso em: 16 abr. 2007.
195 Michael Ignatieff, membro do parlamento canadense, deputado líder do partido liberal do Canadá e
deputado lider da oposição na Casa dos Comuns no Canadá, morou nos EUA de 2000 a 2005,
onde foi diretor do Harvard's Carr Center for Human Rights Policy, é um dos autores que vêm dis­
cutindo o tema e dizendo que o debate sobre tortura não é tão simples como pode parecer. Em
suas palavras: “Those of us who oppose torture under any circumstances should admit that ours is
an unpopular policy that may make us more vulnerable to terrorism'1. (IGNATIEFF, Michael. If torture
works... Prospect Magazine. Issue 121, April 2006). Disponíveis em: <htpp://www.prospect-
magazine.co.uk/article_details.php?search_term=michael+ignatieff&id=7374>. Acesso em: 16
Prova Ilícita no Processo 111

Veja-se para tanto que a informação protegida por indivíduo


submetido a interrogatório e ao final não revelada pelo respeito à
dignidade da pessoa humana desse mesmo investigado pode colocar
em risco a vida de uma população inteira, pois conhecer a data e o
local de um atentado é, por conseguinte, saber a data e o local de um
massacre, como o foram, v.g., os atentados em série já menciona­
dos*196, não sendo demais dizer ter havido no ano de 2006 cerca de
15.000 ataques terroristas, 25% a mais do que no ano anterior, com
duas novas características marcantes: utilização de armas químicas e a
mira em multidões197198.
Ora, mais uma vez vem à tona o problema da conceituação
da dignidade da pessoa humana, que pode vir a ser ferida, ou não, com
a prática de torturas ou dos chamados interrogatórios coercivos, ainda
que nem sempre assumidos1987199, dada a sua difícil caracterização200,

abr. 2007. Defende o referido autor, entretanto, o banimento da tortura. São suas palavras:
I end up supporting an absolute and unconditional ban on both torture and those forms of coer­
cive interrogation that invoive stress and duress, and I believe that enforcement of such a ban
should be up to the militaryjustice system plus the federal courts. I also believe that the training
of interrogators can be improved by executive order and that the training must rigorously ex­
clude stress and duress methods, fazendo entretanto a ressalva do lado contrário: “...Those of
us who oppose torture should also be honest enough to admit that we may have to pay a price
for our own convictions...”
196 A doutrina estrangeira mais antiga entende que em casos assim, deva a prova ser utilizada
apenas para salvar as vidas das pessoas, mas não, para processar o criminoso (v. GRINOVER,
Ada Peiegrini. Liberdades... Op. cit, p. 145, citando caso discutido entre BAUR, SMIT e
CAPELLETI, em conferência realizada em 1971, em Florença). Para nós, a hipótese não é tão
cerebrina, como devia ser na década de 70 e por isso deve ser repensada nos dias atuais.
197 Dados obtidos no relatório anual sobre terrorismo divulgado pelo Departamento de Estado dos
EUA e publicados também no Jornal Folha de S. Paulo, A12, 01.05.2007.
198 Em 1978, a Corte Europeia de Direitos Humanos, investigando as técnicas de interrogatório
utilizadas pela Inglaterra na Irlanda do Norte no início da década de 70, concluiu que muitas
delas constituíam práticas desumanas e degradantes, mas não qualificadas como tortura. O
mesmo se deu na Suprema Corte de Israel, que, ao deliberar sobre as técnicas de interrogató­
rio israelenses em 1999, que incluíam a mantença de presos com paus em posições doloridas
e o chacoalho de cabeça e ombro de forma vigorosa, concluiu que tais práticas eram desuma­
nas e degradantes, mas não poderiam ser qualificadas como tortura.
199 “Since no state wants to be seen as torturing suspects but all states want to be able to extract
information to protect their citizens, the key question is whether states can use methods of
“coercive interrogation’’ that do not qualify as torture”. Disponíveis em: <htpp://www.kimsoft.
com/2000/kub_ix.htm>. Acesso em: 16 abr. 2007.
200 Human rights activists want to collapse the distinction between “coercive interrogation" and
“torture”, and to ban any physical or psycological coercion. But there is a significant distinction
between the two. As legal theorist and federal judge Richard Posner has argued, “almost all
official interrogation is coercive, yet not all coercive interrogation would be called ‘torture’ by
112 Fábio Aguiar Munhoz Soares

nada disso implicando, é bom dizer, a legitimidade da tortura, o que


talvez pudesse ser imaginado com a aparente pequenez de alguns atos
praticados nos chamados interrogatórios coercivos, que não podem,
entretanto, ser equiparados a atos de tortura propriamente ditos.
Com efeito, um tapa no rosto não pode ser equiparado a uma
sessão de socos, pontapés, exposição a frio intenso ou a calor etc., mas
é difícil não acreditar que, no mais das vezes, a tortura propriamente
dita não tenha começado com um simples tapa.
Dershowitz, já citado, entende ser o banimento da tortura e
dos interrogatórios coercivos algo absolutamente irreal, dada a exis­
tência de ambos ao longo dos mais remotos tempos, sustentando ainda
devam tais atos ser regulamentados por mandados judiciais, o que
para nós, entretanto, não parece ser nada plausível, já que legitimar
judicialmente os chamados interrogatórios coercivos ou forçados é de
alguma forma incentivar a prática de torturas, o que não se concebe
em qualquer Estado autodenominado social e democrático de direito,
como é, v .g ., o brasileiro201.
Situações difíceis, e para nós brasileiros, talvez ainda um
pouco, mas não muito distantes, podem exigir opções igualmente difí­
ceis, e o cálculo não é meramente utilitário, mas igualmente moral202:
salvar vidas humanas às vezes pode implicar escolha atinente a abuso

any competent user of English language”. Prossegue o magistrado: "Both may be repugnant,
but repugnance does not make them into the same thing. Ver a respeito interessante entrevista
concedida pelo renomado advogado norte-americado Alan Dershowitz à CNN e publicada no
site: <htpp://www.cnn.com/lawcenter>. Disponível em: 23 jan. 2007, em que há intenso debate
entre as idéias de Dershowitz e as de Ken Roth, diretor executivo da Humans Rights Watch.
201 Trata-se ainda das aludidas idéias contidas no debate citado na nota anterior.
202 É para nós a retomada da doutrina utilitarista de Jeremy Bentham (1748/1832), pela qual não
se deve, a partir de princípios abstratos, extrair, ilimitadamente, por meio de inferências lógicas,
como o são os postulados referentes à prova ilícita, certas consequências. Deve-se, isto sim,
interpretar as normas sob o ponto de vista dos efeitos reais por elas produzidos quando apli­
cadas. Seriam, sob a óptica utilitarista, justas as normas que, ao serem aplicadas, produzis­
sem efeitos bons, enquanto seriam injustas as que, em sua aplicação, originassem conse­
quências desfavoráveis. O critério objetivo, segundo Bentham, para qualificar aqueles efeitos,
era a utilidade, segundo a qual bom é o que produz prazer e mau, o que causa dor e, sob o
prisma social, bom ou justo é o que tende a aumentar a felicidade de todos ou de um grande
número de pessoas. Com isso, firmou-se a idéia de que a função da ciência do direito consistia
em determinar, no conjunto dos interesses de uma sociedade, quais os valiosos, isto é, os
quem devem ser levados em consideração, estabelecendo uma hierarquia entre eles e fórmu­
las para conciliar o maior número possível de interesses licitos (DINIZ, Maria Helena Com­
pêndio de Introdução à Ciência do Direito. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 58).
Prova llicita no Processo 113

da dignidade de uma única vida humana, o que faz com que, repita-se,
muitas vezes nos deparemos com escolhas difíceis203.
Em outras palavras: liberdade e segurança, que são direitos
igualmente fundamentais (CF, art. 5o, caput), são, muitas vezes, postos
em rotas de colisão, de tal maneira que a escolha de um deles pode
significar, em muitos casos, a escolha de um mal, o qual pode ser menor
ou pior, dependendo da escolha feita.
É dizer: nenhuma sociedade será reconhecidamente civiliza­
da se torturar barbaramente e por capricho, mas nenhuma sociedade
será capaz de sobreviver se reduzir a complexidade da vida moral a
uma luta simplória entre contrários, como se estivéssemos num roteiro
bem bolado de filme204, o que exige, deva o tema ser melhor discutido
e não ser posto, como se fora uma luta do bem contra o mal, ou seja,
torturar ou não torturar.

203 Nos EUA, o juiz federal Richard Posner e o filósofo político Jean Bethke Elshtain, colocando-se
contra qualquer rigidez moral que possa dificultar a distinção entre tortura e interrogatórios
coercivos, já se manifestaram em favor da necessidade da prática de “interrogatórios coerci­
vos” contra um pequeno número de terroristas que possam ter informações vitais com o fim de
serem salvas vidas de pessoas inocentes. Assim se manifesta o juiz Posner: “...saving the
lives of many counts more, in moral terms, than abusing the body and dignity of a single indi-
viduaf. Por outro lado, assim se manifesta Elshtain: “good consequences cannot justify bad
acts, but bad acts are sometimes tragically necessary. The act remains bad, and the person
must accept the moral opprobrium and not seek to excuse the inexcusable with the justifica­
tions of necessity'. (IGNATIEFF, Michael. If torture works... Prospect Magazine. Issue 121,
April 2006). Disponível em: <http://www.prospect-magazine.co.uk/article_details.php7search__
term=michael+ignatieff&id=7374>. Acesso em: 16 abr. 2007.
204 COUTINHO, João Pereira. Os lobos e os cordeiros. Folha de S. Paulo, E 2 ,05 abr. 2006.
8

PROVA ILÍCITA E O CÓDIGO DE


PROCESSO PENAL: ART. 157

A fim de dar respaldo ao dispositivo constitucional, que veda


a admissibilidade da prova ilícita no processo, tramitou na Câmara dos
Deputados o Projeto de Lei 4.205/01, originário do Poder Executivo,
pelo qual se propôs, dentre outros assuntos, devesse mesmo ter o juiz
liberdade na apreciação da prova, ainda que se tratasse de provas pro­
duzidas durante a fase de inquérito.
A explicação é a de que a fase de inquérito não comporta o
contraditório, exigido pela Constituição Federal, e pela redação pro­
posta, o juiz não poderia basear sua decisão exclusivamente nas pro­
vas do inquérito, mas poderia analisá-las para formar seu convenci­
mento, conforme, aliás, entendimento jurisprudencial205, sendo, por-

205 Apelação. Roubo majorado. Recurso interposto fora do prazo legal. Extemporâneo.
Ocorrência. Preliminar de ofício. Não conhecer do recurso. Acervo probatório frágil.
Ausência de elementos hábeis a ensejar uma condenação. Absolvição decretada. Sendo
o recurso interposto fora do prazo legal, o não conhecimento do mesmo é medida que se im­
põe, face a sua intempestividade. Delações obtidas em fase extrajudicial, não podem, isola­
damente, basear um decreto condenatório porque produzidas no inquérito policial, momento
este em que ausentes os princípios do contraditório e da ampla defesa, ainda mais, quando
àquelas não foram ratificadas em juízo, e tampouco foram corroboradas por outros elementos
de prova. Não havendo outro elemento de convicção, diverso dos colhidos em fase policial,
com força probante a ensejar um decreto condenatório, impõe-se a absolvição dos acusados
na estrita observância do princípio do in dubio pro reo. O inquérito policiai é peça meramente
informativa, não podendo por si só, servir de alicerce a uma sentença condenatória. (Apelação
Criminal 1.0024.98.118778-4/001 - 5a Câmara Criminal do TJMG - Rei. Vieira de Brito - j.
em 09.05.2006, unânime, Publ. 23.06.2006).
Apelação criminal. Provas colhidas em juízo que não autorizam a condenação. Preva­
lência do princípio do in dubio pro reo. Decisão mantida. £ defeso ao Magistrado condenar o
116 Fábio Aguiar Munhoz Soares

tanto, em tal ponto o então projeto de lei reflexo de entendimento ju-


risprudencial já pacificado.
O fato é que, após longo período tramitando no Congresso
Nacional, foi aprovado então o projeto de lei, dando vida ao art. 157,
do Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei 11.690, de
09.06.2008, publicada no Diário Oficial da União, de 10.06.2008, em
vigor 60 dias após a data de sua publicação, sendo consenso no grupo
de trabalho de segurança pública formado na Câmara dos Deputados
que as provas obtidas de modo ilícito não podiam mesmo ter validade
e por isso sequer deveriam ser admitidas no processo, havendo notícia
de que alguns parlamentares, quanto à redação do projeto de lei, dis­
cordavam quanto à proposta de que o juiz que tomasse conhecimento
de uma prova ilícita não pudesse sentenciar o caso, já que alguns con­
gressistas acreditam que isso contaminaria a decisão do juiz, enquanto
outros argumentavam que isso poderia aumentar o tempo de julga­
mento e, em última instância, até inviabilizaria o julgamento. A ques­
tão ficou decidida ao final com o veto presidencial, tendo, pois, o art.
157, do Código de Processo Penal, que cuida da prova ilícita, a se­
guinte redação:

Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo,


as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas
constitucionais ou legais.
§ I aSão também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo
quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras,
ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte indepen­
dente das primeiras.
§ 2° Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo
os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução
criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.

réu com base nas provas obtidas durante o inquérito policial e não confirmadas em Juízo, de­
vido à ausência do contraditório e da ampla defesa na fase investigatóría. (Apelação Criminal
324.824-3/4 - 1a Câmara Criminal do TJSP - Rei. Canellas de Godoy - j. em 02.05.2005,
unânime).
Embora nos autos existissem alguns indícios para denunciar o policial militar, os mes­
mos não ganharam força probatória, após regular instrução, para confirmar a denúncia.
Para validade da condenação com base em dados do inquérito, é necessário que estes este­
jam em sintonia com o apurado em Juízo, em face do princípio de que todas as provas são
relativas e do princípio do livre convencimento do Juiz. (Apelação Criminal 005132/02
(029769/01) - 2a Câmara do TJMSP - Rei. Lourival Costa Ramos - j. em 30.09.2004, unâ­
nime).
Prova Ilícita no Processo 117

§ 3o Prechisa a decisão de desentranhamento da prova declarada


inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às
partes acompanhar o incidente.
§4° (VETADO).

No que concerne à possibilidade de admissão no processo da


prova ilícita, objeto do presente estudo, como se infere do texto cons­
tante do art. 157, do Código de Processo Penal, verifica-se ter havido
adesão por parte do legislador à corrente doutrinária contrária à ad­
missibilidade da prova ilícita no processo, já que determina o referida
norma o desentranhamento do processo das provas ilícitas, assim en­
tendidas as obtidas com violação dos princípios ou normas constitu­
cionais.
Em nossa opinião, não seria necessária a disposição em texto
de lei acerca do quanto intentado pelo legislador, já que, de qualquer
forma, vem desempenhando a jurisprudência importante papel no desen­
volvimento do tema em questão, dada a grande casuística envolvida, a
exigir constante aprimoramento e atividade hermenêutica em cons­
tante evolução por parte dos órgãos julgadores envolvidos.
A bem da verdade, da forma como foi redigido o texto em
comento, não se toma possível sequer o aproveitamento da prova ilí­
cita quando esta milita em favor da defesa nos processos criminais, o
que não deixa de ser algo criticável, já que são unânimes a doutrina e a
jurispmdência quanto ao aproveitamento da prova ilícita quando esta
vem a socorrer os interesses de quem se vê injustamente acusado, so­
mente havendo discordância quanto ao aproveitamento da prova ilícita
quando esta é utilizada contra os interesses do acusado no processo
criminal.
Não bastasse tal, determina ainda o art. 157, do Código de
Processo Penal o desentranhamento de provas ilícitas, consideradas
como tais também aquelas originariamente lícitas, mas que se toma­
ram ilícitas por terem derivado de outras provas também ilícitas,
quando evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, e
quando as derivadas não pudessem ser obtidas senão por meio das
primeiras.
118 Fábio Aguiar Munhoz Soares

Conforme dantes visto206, somente a partir de precedente es­


tadunidense ocorrido na primeira metade do século passado é que pas­
sou a se entender que a prova originariamente lícita, mas derivada-
mente obtida a partir de práticas ilegais deveria também ser excluí­
da207, circunstância que levou a serem encontrados até hoje, oitenta
anos após, precedentes no mesmo sentido, sem que houvesse maior
cuidado e atenção com a evolução jurisprudencial havida no direito
norte-americano208.
Com efeito, a teoria dos frutos da árvore envenenada (fruits
o f the poisonous tree), que é como tal doutrina passou a ser chamada,
sofreu evolução ao longo do tempo, não permanecendo, portanto,
estanque, sendo a lei em comento, ao especificar que somente seriam
consideradas ilícitas as provas originariamente lícitas, mas que passa­
ram a sê-lo por derivarem de outras tantas ilícitas, quando evidente o
nexo de causalidade entre ambas e também quando as derivadas não
puderem ser obtidas senão por meio das primeiras, reflexo do pensa­
mento mais atualizado sobre o tema, qual seja, o de que a prova ilícita
não tem em todo e qualquer caso o condão de invalidar todo o proces­
so, sendo necessário delimitar as suas consequências no sentido de
aferir se todas as outras provas que dela procederam estão contamina­
das ou se apenas a prova obtida com violação ao direito material o
foi209.

206 Wcfeitem7.
207 Caso Silverthone Lumber Co. v. United States, 251 US 385 (1920).
208 Tribunal do júri. Homicídio. Denúncia. Princípios da congruência e do contraditório.
Exclusão de qualificadora. Prova ilícita por derivação. Teoria dos frutos da árvore en­
venenada. Inocorrência. 1 - Não hâ que se falar em violação ao princípio da congruência
quando desde a denúncia até a sentença não se alterou a classificação jurídica dos fatos
imputados ao recorrente e se manteve a correlação entre os dois atos processuais. 2 - Ao
ser modificado o fundamento de admissibilidade da qualificadora do art. 121, § 2°, inc. IV do
CP, preexistente desde a denúncia em razão de hipótese que emergiu durante a instrução,
opera-se a mutatio libelll sem aditamento, não se caracterizando violação ao princípio do
contraditório. 3 - A qualificadora somente pode ser excluída quando de forma incontroversa
mostrar-se absolutamente improcedente e sem amparo nos autos. 4 - Considera-se prova
ilícita quando resta violada regra de direito material em sua obtenção, fazendo de qualquer
outra dela advinda, ilícita por derivação, conforme preconiza a teoria dos frutos da árvore
envenenada. (Recurso em Sentido Estrito 20050110182740 (246224) - 1a Turma Crimi­
nal do TJDFT - Rei. Edson Alfredo Smaniotto - j. em 04.05.2006, unânime, DJU
14.06.2006).
209 São as três teorias outrora citadas quanto à atenuação da regra de exclusão da prova. São
elas: a doutrina da atenuação (attenuation doctrine), doutrina da fonte independente (independent
source doctrine) e doutrina da descoberta inevitável (inevitable discovery doctrine).
Prova Ilícita no Processo 119

Resta claro, apesar da previsão legal, caber à jurisprudência e


não, à lei, a difícil tarefa de identificar em que casos a prova origina-
riamente lícita apresentar-se-á como contaminada por aquel’outra já
contaminada na sua origem, eis não ter mesmo o legislador possibili­
dade de descrever com minúcias em que casos tais se dariam, não
sendo demais dizer representar a lei em tal ponto evolução do pensa­
mento jurisprudencial norte-americano e agora brasileiro, que entende,
em linhas gerais, não ser toda e qualquer prova originariamente ilícita
capaz de apagar as evidências dela derivadas' .

210 Processual Penal. Agravo regimental no habeas corpus. Arts 213 e 214 c.c. art. 224 a
e art 147 todos do Código Penal. Gravação clandestina. Degravaçao. Prova ilícita.
Ordem concedida pelo e. Tribunal a quo para determinar o desentranhamento ^ referi­
da prova. Pretensão de aplicação da teoria dos frutos da arvore envenenada^ ^depen­
dência entre as provas reconhecida pelo e. Tribunal a quo. Necessidade de acura
exame do material cognitivo. Impossibilidade na via eleita. Não ha como fpo/tjer a<preten-
são do recorrente de aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada (the ! ru't s ° fJ f '
Doisonous treeJ haja vista que o vergastado acórdão reconheceu a mdependencia entre
P
; " S iS e as a la is , iJ o pala „sal a n l a a * , * > ;^ Z Í£ Z T u o
exame acurado do material cognitivo, o que, a toda evidencia, se moshm i n m ^ m a m a
restrito e expedito do writ. Recurso desprovido. (Agravo ^ e n t a t ^ Habeast3orp
40089/MG (200410172124-9) - 5a Turma do STJ - Rei. Min. Felix Fischer j.
28.06.2005, unânime, DJ 29.08.2005).
9

PROVA ILÍCITA E O TRIBUNAL PENAL


INTERNACIONAL

Importante questão que é colocada no estudo da admissibili­


dade da prova ilícita é aquela referente ao ingresso de tal espécie de
prova, em se tratando de Tribunal Penal Internacional, eis admitir o
Estatuto de Roma, instrumento pelo qual ficou conhecida a criação do
Tribunal Penal Internacional (TPI), o ingresso de toda e qualquer pro­
va, não admitindo, entretanto, a Constituição Brasileira o ingresso de
provas ilícitas no processo, como já visto .
A guisa de esclarecimento, por proêmio, aduza-se ter sido
criado o Tribunal Penal Internacional (TPI) entre meados de junho e
julho de 1998, em uma conferência realizada em Roma, pela comuni­
dade mundial, em caráter permanente e independente e com jurisdição
sobre os crimes de maior gravidade que afetem a comunidade interna­
cional, integrando referido Estatuto o ordenamento jurídico brasileiro
desde junho de 2002, quando foi aprovado pelo Decreto Legislativo
112 e promulgado pelo Decreto Presidencial 4.388, de 25.09.2002.
Em verdade, o Tribunal Penal Internacional processa os cri­
minosos individuais, independentemente da sua nacionalidade ou do
país onde forem encontrados, desde que o país do suposto criminoso

211 É do Estatuto de Roma:


Artigo 69.4. O Tribunal poderá decidir sobre a relevância ou admissibilidade de qualquer pro­
va, tendo em conta, entre outras coisas, o seu valor probatório e qualquer prejuízo que possa
acarretar para a realização de um julgamento equitativo ou para a avaliação equitativa dos de­
poimentos de uma testemunha, em conformidade com o Regulamento Processual.
122 Fábio Aguiar Munhoz Soares

seja aderente ou o país em que tenha sido praticado o crime seja tam­
bém um daqueles que aderiu à sistemática do Tribunal Penal Interna­
cional, possibilitando-se o processo de criminosos quando o sistema
judicial de um país deixar de existir ou quando for constatada a inércia
da jurisdição nacional causada por desídia política ou por incapaci­
dade da máquina persecutória2122134, como aconteceu em Ruanda e no
Afeganistão.
Em tal contexto, pois, adotado o princípio da complementa­
ridade, quanto à admissibilidade, ou não, da prova ilícita no processo,
o conflito de posições surge da interpretação do Estatuto Internacional
em conjunto com a Constituição Brasileira, que, de forma peremptó­
ria, veda o ingresso da prova ilícita no processo, ao contrário do Tri­
bunal Penal Internacional, que admite o ingresso de toda e qualquer
prova, sem distinções, portanto, quanto a eventual caráter ilícito da
prova.
A solução de tal embate, em princípio, é dada pelo próprio
Estatuto de Roma, que, em seu artigo 69.7, prevê a inadmissibilidade
de provas obtidas com violação do Estatuto ou das normas de direitos
humanos intemacionalmente reconhecidas, quando a violação suscite
sérias dúvidas sobre a fiabilidade2'3 das provas ou a sua admissão
atente contra a integridade do processo ou resulte em grave prejuízo
deste.
Sob tal óptica, portanto, o padrão de legalidade da prova a
ser admitido no processo penal internacional é o da subordinação e
estrita observância dos direitos humanos2'4, reputando-se, pois, como
ilícita a prova obtida com o emprego de meios contrários às disposi­
ções do Estatuto de Roma e das normas de direitos humanos215, o que,

212 Estatuto de Roma, artigo 17. A jurisdição do TPI somente é exercida quando constatada a
inércia da jurisdição nacional causada por desídia política ou por incapacidade da máquina
persecutória.
213 Trata-se de vocábulo mal traduzido do espanhol fiabilidad.
214 Marcos Alexandre Coelho Zilli, doutor em Direito Processual Penal pela USP e professor da
mesma disciplina por aquela mesma faculdade, é um dos estudiosos do tema que entende a
existência do Tribunal Penal Internacional, por ser expressão de um consenso da comunidade
internacional, como submissa a um padrão de respeitabilidade da dignidade humana, razão
por que o caminho em direção à verdade no processo penal internacional deve ser sinalizado
pela necessidade de respeitabilidade dos direitos humanos, não podendo ser trilhado a qual­
quer custo, por mais nobres que sejam os valores lesados e protegidos pela norma material. A
este respeito: ZILLI, Marcos Alexandre Coelho. A prova ... Op. cit., p. 187.
215 ZILLI, Marcos Alexandre Coelho. A prova ... Op. cit., p. 183.
Prova Ilícita no Processo 123

entretanto, para fins de Tribunal Penal Internacional, não significa


muito, já que a declaração de inadmissibilidade da prova ilícita está
condicionada ao surgimento de dúvidas sobre a credibilidade da prova
ou ainda, tal representar risco à integridade do processo, expressão um
tanto quanto equívoca, mas que reflete o desejo por parte do Tribunal
Penal Internacional de se evitar posturas radicais quanto à admissibili­
dade da prova ilícita sem qualquer restrição ou ainda sua inadmissibi­
lidade, também sem qualquer restrição216.
Sem dúvida que o debate é grande e dos mais intensos, já
que, se, por um lado, o Tribunal Penal Internacional conceitua a ilici-
tude da prova, por outro, condiciona o seu não ingresso a hipóteses
nada claras e até bastante dúbias, como é o caso, v.g., daquelas que
oferecem risco à integridade do processo.
Em relação a tal circunstância, nada se pode fazer, pois não
se pode olvidar ser o Brasil parte aderente do presente Estatuto, sem
reservas217, podendo-se concluir, outrossim, revelar o Tribunal Penal
Internacional neste ponto e em tantos outros, ressalte-se, preocupação
das mais sérias com a instrumentalidade do processo penal voltada ao
resguardo da paz e da segurança mundial, o que pode ser visto, ad
exemplum, no preâmbulo de seu ato de criação218, sendo, aliás, o que

216 A este respeito, ZILLI, Marcos Alexandre Coelho (A prova ... Op. cit, p. 191), esclarece que,
"... em um quadro de confronto entre o exercício do poder punitivo internacional, de um lado, e
a observância de um padrão processual ético, de outro, o legislador inclinou-se, à primeira
vista, para o primeiro, decerto sensibilizado pela gravidade das condutas iesivas e pela impor­
tância dos bens jurídicos tutelados... Em síntese, do embate entre o meio proibido e a verdade
por ele revelada, a tendência seria pela prevalência do último, desde que nos limites de uma
certa suporabilidade de sacrifícios dos direitos humanos...".
217 Artigo 120, do Decreto 4.388, de 25.09.2002, que promulga o Estatuto de Roma: “Não são
admitidas reservas a este Estatuto".
218 ESTATUTO DE ROMA DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
Preâmbulo
Os Estados Partes no presente Estatuto.
Conscientes de que todos os povos estão unidos por laços comuns e de que suas culturas fo­
ram construídas sobre uma herança que partilham, e preocupados com o fato deste delicado
mosaico poder vir a quebrar-se a qualquer instante,
Tendo presente que, no decurso deste século, milhões de crianças, homens e mulheres têm
sido vítimas de atrocidades inimagináveis que chocam profundamente a consciência da huma­
nidade,
Reconhecendo que crimes de uma tal gravidade constituem uma ameaça à paz, à segurança
e ao bem-estar da humanidade,
Afirmando que os crimes de maior gravidade, que afetam a comunidade internacional no seu
conjunto, não devem ficar impunes e que a sua repressão deve ser efetivamente assegurada
através da adoção de medidas em nível nacional e do reforço da cooperação internacional,
124 Fábio Aguiar Munhoz Soares

temos defendido ao longo do presente trabalho e justamente por não


compactuarmos com a idéia genérica de que a prova ilícita não pode
ser admitida no processo tão-somente pela sua ilicitude, sem que estu­
do mais sério do bem jurídico posto em debate seja feito219.
Bom que se diga, ainda no tocante à temática da prova ilícita
e sua possível admissão nos processos afetos ao Tribunal Penal Inter­
nacional, vir a Corte Européia de Direitos Humanos sistematicamente
admitindo o ingresso da prova ilícita ao estabelecer não lhe incumbir
dizer em quais casos devam, ou não, tais provas ser rechaçadas, o que
pode vir também a ocorrer no recém criado Tribunal Penal Internacio­
nal em razão da natural expectativa de que as diretrizes pela Corte
Européia tomadas em seu vasto material já produzido nos estudo das
garantias venham a influenciar o trabalho da nova corte criada pela
comunidade mundial220.

Decididos a por fim à impunidade dos autores desses crimes e a contribuir assim para a pre­
venção de tais crimes,
Relembrando que é dever de cada Estado exercer a respectiva jurisdição penai sobre os res­
ponsáveis por crimes internacionais,
Reafirmando os Objetivos e Princípios consignados na Carta das Nações Unidas e, em parti­
cular, que todos os Estados se devem abster de recorrer à ameaça ou ao uso da força, contra
a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado, ou de atuar por qual­
quer outra forma incompatível com os Objetivos das Nações Unidas,
Salientando, a este propósito, que nada no presente Estatuto deverá ser entendido como auto­
rizando qualquer Estado Parte a intervir em um conflito armado ou nos assuntos internos de
qualquer Estado,
Determinados em perseguir este objetivo e no interesse das gerações presentes e vindouras,
a criar um Tribunal Penal Internacional com caráter permanente e independente, no âmbito dò
sistema das Nações Unidas, e com jurisdição sobre os crimes de maior gravidade que afetem
a comunidade internacional no seu conjunto,
Sublinhando que o Tribunal Penal Internacional, criado pelo presente Estatuto, será comple­
mentar às jurisdições penais nacionais,
Decididos a garantir o respeito duradouro pela efetivação da justiça internacional,
Convieram no seguinte:
219
ZILLI, Marcos Alexandre Coelho. (A prova ... Op. cit, p. 236), ao contrário, é taxativo quanto à
inadmissibilidade de ingresso da prova ilícita no processo, pois, por mais que o Estatuto de
Roma tenha outorgado à confiabilidade um importante papel na superação dos questiona­
mentos sobre a admissibilidade da prova, não representa ela o único critério, já que devem ser
observados, ainda, os efeitos danosos à integridade do processo caso a prova a ele nele
incorporada, sendo dificil deixar de reconhecer o dano em face de uma prova obtida mediante
violação de direitos humanos consagrados internacionalmente. A prova arremata o autor não
poderia ser admitida.
220
A este respeito ver o profundo desenvolvido por ZILLI, Marcos Alexandre Coelho. A prova
Op. cit p. 136-138; LENSING, Hans. General Comments. In: BRADLEY, Craig (Ed.). Criminai
procedure: a worldwide study. Durham, North Caroline: Carolina Academic Press, 1999.
Prova Ilícita no Processo 125

Aduza-se por fim não se restringir o conflito entre a Consti­


tuição Brasileira e o Tribunal Penal Internacional à questão da admis­
sibilidade, ou não, da prova ilícita no processo, pois também, v.g., no
que concerne à admissão da prisão perpétua, vislumbra-se aparente
existência de conflito, eis propor o Estatuto Internacional em seu arti­
go 77, “b”, como uma das penas aplicáveis aos denominados crimes
de genocídio, de guerra, crimes contra a humanidade e de agressão, a
prisão perpétua, negando, entretanto, a Constituição Federal e também
de forma peremptória, a sua existência (art. 5o, XLVII, “b”), ao esta­
belecer a referida vedação como garantia fundamental e, portanto,
irredutível (CF, art. 60, § 4o, IV, “d”).
Havendo o confronto entre o direito interno e aquele preco­
nizado pelo Tribunal Penal Internacional, temos para nós prevalecer a
previsão constitucional inserida no artigo 5o, § 2o, quanto à absorção
ou recepção em nosso ordenamento da jurisdição do TPI, devendo,
para fins de convivência entre as situações postas, ser separadas as
possibilidades de prisão perpétua.
É dizer: quando em jogo processo existente no Tribunal
Penal Internacional, admite-se-a, mas quando em jogo eventual emen­
da tendente a criá-la no ordenamento pátrio, tal não se concebe, como
. , . 77|
ja visto .

221 CF, art. 5o, XLVII - não haverá penas:


a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX-,
b) de caráter perpétuo]
c) de trabalhos forçados;
d) de banimento;
ej cruéis.
CONCLUSÃO

É lícito concluir, diante do que se apurou, ter sido o tema da


prova ilícita objeto de preocupação por parte da legislação brasileira
somente a partir da Constituição de 1988, culminando com a edição
em 2008 de lei dando nova redação ao art. 157, do Código de Processo
Penal, para tratar justamente sobre o tema da prova ilícita, o que pode
ser explicado pelo fato de num passado não tão remoto terem sido os
direitos fundamentais alvo de constantes violações por parte do Esta­
do, o que motivou, mais do que nunca, o legislador constituinte a eri­
gir como direito fundamental a inadmissibilidade no processo da pro­
va ilícita obtida por meios ilícitos, a fim de, a partir de então, serem
evitadas ou abolidas definitivamente transgressões por parte do Estado
aos direitos fundamentais da pessoa humana, inviabilizando-se des­
tarte a possível utilização dos elementos de prova colhidos em tais
violações quando da atividade persecutória desenvolvida pelo Estado.
No desenvolvimento do estudo da prova ilícita, no que toca à
sua possível utilização, ainda que o texto constitucional não admita
exceções quanto ao seu ingresso no processo, valeram-se a doutrina e
a jurisprudência brasileiras principalmente do princípio da proporcio­
nalidade e da teoria dos frutos da árvore envenenada encontrados nas
jurisprudências alemã e norte-americana, respectivamente.
Com efeito, a par da vedação constitucional acima vista, hoje
não mais se discute acerca da relatividade dos direitos fundamentais,
base do estudo do princípio da proporcionalidade, os quais tanto devem
servir para reduzir a ação do Estado aos limites impostos pela Consti­
tuição, mas também para subordinar o indivíduo ao Estado, como ga­
rantia de que eles, direitos fundamentais, operem dentro dos limites
impostos pelo Direito.
Em tal contexto, o mandamento constitucional referente à
inadmissibilidade no processo das provas obtidas por meios ilícitos
128 Fábio Aguiar Munhoz Soares

deve ser observado sim, mas com temperamento, havendo momentos


em que a casuística possibilita ao julgador o acolhimento da prova,
ainda que obtida por meio ilícito, mas em prol de algum valor que,
naquele momento, se mostre mais relevante que o do não acolhimento
da prova ilícita.
É o caso, v.g., da admissão da prova ilícita quando esta, te­
nha a possibilidade de comprovar a inocência do réu. Ora, numa inter­
pretação literal, tal espécie de prova jamais seria aceita por atentar
contra princípio constitucional tão claro e tão estreme de dúvidas.
Contudo, a prova ilícita, aquela advinda da violação de direitos reco­
nhecidos do indivíduo, como são as colhidas mediante desrespeito à
intimidade (CF, art. 5o, inc. X), as colhidas com violação do domicílio
(CF, art. 5o, inc. XI), as obtidas com violação do sigilo das comunica­
ções (CF, art. 5o, inc. XII), dentre outras, em tais casos, é admissível,
porque o julgador, é o que preconizam doutrina e jurisprudência majo­
ritárias, deve preferir a proteção do princípio da dignidade da pessoa
humana à inadmissibilidade da prova ilícita, numa clara alusão ao
princípio da proporcionalidade, já que, não fosse pela adoção de refe­
rido princípio, e restaria o réu condenado por crime sabidamente não
cometido por ele, diante do que a prova ilícita possivelmente traria aos
autos em termos de verdade dos fatos.
O princípio da proporcionalidade, para fins de admissão da
prova ilícita no processo, avulta de importância para nós dentro da
tutela penal quando é posto em situação de aplicabilidade em prejuízo
dos interesses do réu. Em tais situações, defende a doutrina majoritária
não ser admissível a prova ilícita, porque o direito fundamental viola­
do quando da obtenção da prova ilícita não pode ser relevado em prol
da verdade dos fatos, ainda que esta, seja a única forma de se compro­
var o quanto se busca afirmar.
Ora, como se viu no presente trabalho, a possibilidade de
admissão da prova ilícita no processo, ainda que em desfavor dos inte­
resses do réu, surge da necessidade de se evitar posições radicais, sem
que seja feito qualquer juízo de valor sobre o bem jurídico posto em
debate, já que nenhuma garantia constitucional tem valor absoluto ou
supremo, de modo a tomar inválida outra, de equivalente grau de im­
portância, devendo sempre ser sopesados os direitos postos em debate.
Reconhece-se, sem dúvida alguma, a inconstitucionalidade
da prova ilícita, já que, não fosse assim, e seria a prova ilícita admitida
Prova ilícita no Processo 129

em todo e qualquer caso, seja contra ou em prol dos interesses do réu,


ferido de morte, portanto, o dispositivo constitucional que veda a
admissão no processo de provas obtidas por meios ilícitos, o que deci­
didamente não é nosso propósito.
Para fins de enunciação de uma regra geral, entretanto, sem
que seja negada vigência ao dispositivo constitucional posto em debate,
admite-se seja a prova ilícita inserida no processo, a critério do julga­
dor e em decisão fundamentada, na qual haja correta aplicação da téc­
nica de aferição da proporcionalidade com a ponderação dos bens
postos em conflito, ainda que em desfavor dos interesses do réu,
quando esta for a única forma, possível e admissível para o resguardo
de outros valores também fundamentais, ora considerados mais im­
portantes, como o são, para nós, em alguns casos, os interesses do
Estado ligados à sua estrutura organizacional ou ainda aqueles em que
haja previsão constitucional de proteção especial a determinados bens
jurídicos (meio ambiente, família, idoso, criança e adolescente, crime
organizado, crimes hediondos e os a eles equiparados, de terrorismo
etc.), devendo nos demais casos (criminalidade comum e direitos sem
previsão de tutela diferenciada), a fim de ser preservada a vedação
constitucional quanto à inadmissibilidade das provas obtidas por meios
ilícitos, ser rechaçado o ingresso da prova ilícita no processo.
Para nós, o princípio da dignidade humana não é superior a
outros princípios de natureza também constitucional, como o são, v.g.,
a justiça (CF, art. 3o, I), a cidadania (CF, art, Io, II), o bem comum
(CF, art. 3o, IV), a defesa da paz (CF, art. 4o, VI), o repúdio ao terro­
rismo e ao racismo (CF, art. 4o, VIII), não estando ainda o referido
princípio isolado no texto constitucional, nada impedindo, portanto,
em determinados casos, ser preterido em relação a estes outros princí­
pios constitucionais.
Procuramos em nosso trabalho dar exemplos práticos no coti­
diano forense de admissibilidade da prova ilícita no processo, de­
monstrando ainda o enfrentamento de tais questões pela jurisprudên­
cia, que ora se pauta pela busca da verdade real, ora se afia à questão
da dignidade da pessoa humana como obstáculo intransponível à ad­
missão da prova ilícita no processo, não sendo demais dizer ter sido
demonstrado à exaustão o descompasso existente entre a jurisprudên­
cia brasileira e a teoria dos frutos da árvore envenenada, criada pela
jurisprudência norte-americana, que vem no decorrer dos tempos dan-
130 Fábio Aguiar Munhoz Soares

do sentido diverso àquele originariamente dado quando da concepção


de referida teoria.
Em nosso sentir, como procuramos demonstrar, não há ne­
cessidade alguma na elaboração de lei, tal qual a que deu nova redação
ao art. 157, do Código de Processo Penal, que venha a regulamentar a
questão da admissibilidade da prova ilícita, ainda que se vislumbre
clara intenção do legislador de acompanhar a evolução jurisprudencial
dada ao tema em questão.
O melhor seria, em verdade, que o Congresso Nacional des­
se, de uma vez por todas, tratamento adequado aos tipos penais ainda
sem qualquer definição, como o são os casos de crime organizado,
terrorismo e ainda, tantos outros tipos inseridos no recém-criado Es­
tatuto do Tribunal Penal Internacional e que, de uma forma direta, se
relacionam ao tema da prova ilícita, já que introduzidos num contexto
internacional de admissibilidade da prova ilícita, como visto, e que
contam com a adesão do Brasil, doravante definitivamente compro­
metido com a ordem penal internacional.
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ANEXO

Estatuto de Roma - Tribunal Penal Internacional

1. Para os efeitos do presente Estatuto, en­


Artigo 5o tende-se por "crime contra a humanidade", qual­
Crimes da Competência do Tribunal quer um dos atos seguintes, quando cometido no
1. A competência do Tribunal restringir-se-á quadro de um ataque, generalizado ou sistemáti­
aos crimes mais graves, que afetam a comunida­ co, contra qualquer população civil, havendo
de internacional no seu conjunto. Nos termos do conhecimento desse ataque:
presente Estatuto, o Tribunal terá competência a| Homicídio;
para julgar os seguintes crimes: b) Extermínio;
a| 0 crime de genocídio; c) Escravidão;
b) Crimes contra a humanidade; d) Deportação ou transferência forçada de
c) Crimes de guerra; uma população;
d) 0 crime de agressão, e) Prisão ou outra forma de privação da liber­
2. 0 Tribunal poderá exercer a sua competên­ dade física grave, em violação das normas funda­
cia em relação ao crime de agressão desde que, mentais de direito internacional;
nos termos dos artigos 121 e 123, seja aprovada f) Tortura;
uma disposição em que se defina o crime e se g) Agressão sexual, escravatura sexual, pros­
enunciem as condições em que o Tribunal terá tituição forçada, gravidez forçada, esterilização
competência relativamente a este crime. Tal forçada ou qualquer outra forma de violência no
disposição deve ser compatível com as disposi­ campo sexual de gravidade comparável;
ções pertinentes da Carta das Nações Unidas. h) Perseguição de um grupo ou coletividade
Artigo 6o que possa ser identificado, por motivos políticos,
Crime de Genocídio raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou
Para os efeitos do presente Estatuto, enten­ de gênero, tal como definido no parágrafo 3o, ou
de-se por "genocídio", qualquer um dos atos que a em função de outros critérios universalmente
seguir se enumeram, praticado com intenção de reconhecidos como inaceitáveis no direito inter­
destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, nacional, relacionados com qualquer ato referido
étnico, racial ou religioso, enquanto tal: neste parágrafo ou com qualquer crime da compe­
tência do Tribunal;
a) Homicídio de membros do grupo;
i) Desaparecimento forçado de pessoas;
b) Ofensas graves à integridade física ou
mental de membros do grupo; j) Crime de apartheid;
c) Sujeição intencional do grupo a condições k| Outros atos desumanos de caráter seme­
de vida com vista a provocar a sua destruição lhante, que causem intencionalmente grande
física, total ou parcial; sofrimento, ou afetem gravemente a integridade
física ou a saúde física ou mental.
d) Imposição de medidas destinadas a impe­
dir nascimentos no seio do grupo; 2. Para efeitos do parágrafo I o:
e) Transferência, à força, de crianças do gru­ a) Por "ataque contra uma população civil"
po para outro grupo. entende-se qualquer conduta que envolva a
prática múltipla de atos referidos no parágrafo 1o
Artigo 7o
contra uma população civil, de acordo com a
Crimes contra a Humanidade política de um Estado ou de uma organização de
138 Fábio Aguiar Munhoz Soares

praticar esses atos ou tendo em vista a prossecu­ 3. Para efeitos do presente Estatuto, entende-
ção dessa política; se que o termo "gênero" abrange os sexos mas­
b) 0 "extermínio" compreende a sujeição culino e feminino, dentro do contexto da socieda­
intencional a condições de vida, tais como a de, não lhe devendo ser atribuído qualquer outro
privação do acesso a alimentos ou medicamentos, significado.
com vista a causar a destruição de uma parte da Artigo 8o
população; Crimes de Guerra
c) Por "escravidão" entende-se o exercício, 1 .0 Tribunal terá competência para julgar os
relativamente a uma pessoa, de um poder ou de crimes de guerra, em particular quando cometidos
um conjunto de poderes que traduzam um direito como parte integrante de um plano ou de uma
de propriedade sobre uma pessoa, incluindo o política ou como parte de uma prática em larga
exercício desse poder no âmbito do tráfico de escala desse tipo de crimes,
pessoas, em particular mulheres e crianças;
2, Para os efeitos do presente Estatuto, en­
d) Por "deportação ou transferência à força tende-se por "crimes de guerra":
de uma população" entende-se o deslocamento
a) As violações graves às Convenções de
forçado de pessoas, através da expulsão ou outro
ato coercivo, da zona em que se encontram Genebra, de 12 de Agosto de 1949, a saber,
qualquer um dos seguintes atos, dirigidos contra
legalmente, sem qualquer motivo reconhecido no
direito internacional; pessoas ou bens protegidos nos termos da Con­
venção de Genebra que for pertinente:
e) Por "tortura" entende-se o ato por meio do i) Homicídio doloso;
qual uma dor ou sofrimentos agudos, físicos ou
mentais, são intencionalmente causados a uma ii) Tortura ou outros tratamentos desumanos,
pessoa que esteja sob a custódia ou o controle do incluindo as experiências biológicas;
acusado; este termo não compreende a dor ou os iii) 0 ato de causar intencionalmente grande
sofrimentos resultantes unicamente de sanções sofrimento ou ofensas graves à integridade física
legais, inerentes a essas sanções ou por elas ou à saúde;
ocasionadas; iv) Destruição ou a apropriação de bens em
f) Por "gravidez à força" entende-se a priva­ larga escala, quando não justificadas por quais­
ção ilegal de liberdade de uma mulher que foi quer necessidades militares e executadas de
engravidada à força, com o propósito de alterar a forma ilegal e arbitrária;
composição étnica de uma população ou de v| 0 ato de compelir um prisioneiro de guerra
cometer outras violações graves do direito inter­ ou outra pessoa sob proteção a servir nas forças
nacional. Esta definição não pode, de modo algum, armadas de uma potência inimiga;
ser interpretada como afetando as disposições de vi) Privação intencional de um prisioneiro de
direito interno relativas à gravidez; guerra ou de outra pessoa sob proteção do seu
g) Por "perseguição" entende-se a privação direito a um julgamento justo e imparcial;
intencional e grave de direitos fundamentais em vii) Deportação ou transferência ilegais, ou a
violação do direito internacional, por motivos privação ilegal de liberdade;
relacionados com a identidade do grupo ou da viii) Tomada de reféns;
coletividade em causa; b) Outras violações graves das leis e costu­
h) Por "crime de apartheid" entende-se qual­ mes aplicáveis em conflitos armados internacio­
quer ato desumano análogo aos referidos no nais no âmbito do direito internacional, a saber,
parágrafo I o, praticado no contexto de um regime qualquer um dos seguintes atos:
institucionalizado de opressão e domínio sistemá­ i) Dirigir intencionalmente ataques à popula­
tico de um grupo racial sobre um ou outros grupos ção civil em geral ou civis que não participem
nacionais e com a intenção de manter esse diretamente nas hostilidades;
regime; ii) Dirigir intencionalmente ataques a bens
i) Por "desaparecimento forçado de pessoas" civis, ou seja bens que não sejam objetivos
entende-se a detenção, a prisão ou o sequestro de militares;
pessoas por um Estado ou uma organização iii) Dirigir intencionalmente ataques ao pes­
política ou com a autorização, o apoio ou a con­ soal, instalações, material, unidades ou veículos
cordância destes, seguidos de recusa a reconhe­ que participem numa missão de manutenção da
cer tal estado de privação de liberdade ou a paz ou de assistência humanitária, de acordo com
prestar qualquer informação sobre a situação ou a Carta das Nações Unidas, sempre que estes
localização dessas pessoas, com o propósito de tenham direito à proteção conferida aos civis ou
lhes negar a proteção da lei por um prolongado aos bens civis pelo direito internacional aplicável
período de tempo. aos conflitos armados;
Prova Ilícita no Processo 139

iv| Lançar intencionalmente um ataque, sa­ xvi) Saquear uma cidade ou uma localidade,
bendo que o mesmo causará perdas acidentais de mesmo quando tomada de assalto;
vidas humanas ou ferimentos na população civil, xvii) Utilizar veneno ou armas envenenadas;
danos em bens de caráter civil ou prejuízos exten­ xviii) Utilizar gases asfixiantes, tóxicos ou ou­
sos, duradouros e graves no meio ambiente que tros gases ou qualquer líquido, material ou dispo­
se revelem claramente excessivos em relação à sitivo análogo;
vantagem militar global concreta e direta que se xix) Utilizar balas que se expandem ou acha­
previa; tam facilmente no interior do corpo humano, tais
v) Atacar ou bombardear, por qualquer meio, como balas de revestimento duro que não cobre
cidades, vilarejos, habitações ou edifícios que não totalmente o interior ou possui incisões;
estejam defendidos e que não sejam objetivos xx) Utilizar armas, projéteis; materiais e mé­
militares; todos de combate que, pela sua própria natureza,
vi) Wlatar ou ferir um combatente que tenha causem ferimentos supérfluos ou sofrimentos
deposto armas ou que, não tendo mais meios para desnecessários ou que surtam efeitos indiscrimi­
se defender, se tenha incondicionalmente rendido; nados, em violação do direito internacional aplicá­
vii) Utilizar indevidamente uma bandeira de vel aos conflitos armados, na medida em que tais
trégua, a bandeira nacional, as insígnias militares armas, projéteis, materiais e métodos de combate
ou o uniforme do inimigo ou das Nações Unidas, sejam objeto de uma proibição geral e estejam
assim como os emblemas distintivos das Conven­ incluídos em um anexo ao presente Estatuto, em
ções de Genebra, causando deste modo a morte virtude de uma alteração aprovada em conformi­
ou ferimentos graves; dade com o disposto nos artigos 121 e 123;
viii) A transferência, direta ou indireta, por xxi) Ultrajar a dignidade da pessoa, em parti­
uma potência ocupante de parte da sua população cular por meio de tratamentos humilhantes e
civil para o território que ocupa ou a deportação degradantes;
ou transferência da totalidade ou de parte da xxii) Cometer atos de violação, escravidão
população do território ocupado, dentro ou para sexual, prostituição forçada, gravidez à força, tal
fora desse território; como definida na alínea f) do parágrafo 2o do
ix) Dirigir intencionalmente ataques a edifí­ artigo 7o, esterilização à força e qualquer outra
cios consagrados ao culto religioso, à educação, forma de violência sexual que constitua também
às artes, às ciências ou à beneficência, monumen­ um desrespeito grave às Convenções de Genebra;
tos históricos, hospitais e lugares onde se agru­ xxiii) Utilizar a presença de civis ou de outras
pem doentes e feridos, sempre que não se trate pessoas protegidas para evitar que determinados
de objetivos militares; pontos, zonas ou forças militares sejam alvo de
x) Submeter pessoas que se encontrem sob o operações militares;
domínio de uma parte beligerante a mutilações xxiv) Dirigir intencionalmente ataques a edifí­
físicas ou a qualquer tipo de experiências médicas cios, material, unidades e veículos sanitários,
ou científicas que não sejam motivadas por um assim como o pessoal que esteja usando os
tratamento médico, dentário ou hospitalar, nem emblemas distintivos das Convenções de Genebra,
sejam efetuadas no interesse dessas pessoas, e em conformidade com o direito internacional;
que causem a morte ou coloquem seriamente em xxv) Provocar deliberadamente a inanição da
perigo a sua saúde; população civil como método de guerra, privando-
xi) Wlatar ou ferir à traição pessoas perten­ a dos bens indispensáveis à sua sobrevivência,
centes à nação ou ao exército inimigo; impedindo, inclusive, o envio de socorros, tal
xii) Declarar que não será dado quartel; como previsto nas Convenções de Genebra;
xiii) Destruir ou apreender bens do inimigo, a xxvi) Recrutar ou alistar menores de 15 anos
menos que tais destruições ou apreensões sejam nas forças armadas nacionais ou utilizá-los para
imperativamente determinadas pelas necessida­ participar ativamente nas hostilidades;
des da guerra; c) Em caso de conflito armado que não seja
xiv) Declarar abolidos, suspensos ou não ad­ de índole internacional, as violações graves do
missíveis em tribunal os direitos e ações dos artigo 3o comum às quatro Convenções de Genebra,
nacionais da parte inimiga; de 12 de Agosto de 1949, a saber, qualquer um
xv) Obrigar os nacionais da parte inimiga a dos atos que a seguir se indicam, cometidos
participar em operações bélicas dirigidas contra o contra pessoas que não participem diretamente
seu próprio país, ainda que eles tenham estado ao nas hostilidades, incluindo os membros das forças
serviço daquela parte beligerante antes do início armadas que tenham deposto armas e os que
da guerra; tenham ficado impedidos de continuar a combater
140 Fábio Aguiar Munhoz Soares

devido a doença, lesões, prisão ou qualquer outro


motivo: v) Saquear um aglomerado populacional ou
um local, mesmo quando tomado de assalto;
i) Atos de violência contra a vida e contra a
vi) Cometer atos de agressão sexual, escravi­
pessoa, em particular o homicídio sob todas as
dão sexual, prostituição forçada, gravidez à força,
suas formas, as mutilações, os tratamentos cruéis
e a tortura; tal como definida na alínea “f" do parágrafo 2o do
artigo 7o; esterilização à força ou qualquer outra
ii) Ultrajes à dignidade da pessoa, em parti­ forma^ de violência sexual que constitua uma
cular por meio de tratamentos humilhantes e violação grave do artigo 3o comum às quatro
degradantes; Convenções de Genebra;
iii) A tomada de reféns; vii) Recrutar ou alistar menores de 15 anos
iv) As condenações proferidas e as execu­ nas forças armadas nacionais ou em grupos, ou
ções efetuadas sem julgamento prévio por um utilizá-los para participar ativamente nas hostilida­
tribunal regularmente constituído e que ofereça des;
todas as garantias judiciais geralmente reconheci­ viii) Ordenar a deslocação da população civil
das como indispensáveis.
por razões relacionadas com o conflito, salvo se
d) A alínea c) do parágrafo 2o do presente assim o exigirem a segurança dos civis em ques­
artigo aplica-se aos conflitos armados que não tão ou razões militares imperiosas;
tenham caráter internacional e, por conseguinte, ix) Matar ou ferir à traição um combatente de
não se aplica a situações de distúrbio e de tensão uma parte beligerante;
internas, tais como motins, atos de violência
x) Declarar que não será dado quartel;
esporádicos ou isolados ou outros de caráter
semelhante; xi) Submeter pessoas que se encontrem sob
o domínio de outra parte beligerante a mutilações
e) As outras violações graves das leis e cos­
físicas ou a qualquer tipo de experiências médicas
tumes aplicáveis aos conflitos armados que não
ou científicas que não sejam motivadas por um
tem caráter internacional, no quadro do direito
tratamento médico, dentário ou hospitalar nem
internacional, a saber qualquer um dos sequintes
atos: sejam efetuadas no interesse dessa pessoa, e que
causem a morte ou ponham seriamente a sua
i) Dirigir intencionalmente ataques à popula­ saude em perigo;
ção civil em geral ou civis que não participem
diretamente nas hostilidades; xii) Destruir ou apreender bens do inimigo, a
menos que as necessidades da guerra assim' o
ii) Dirigir intencionalmente ataques a edifí­ exijam;
cios, material, unidades e veículos sanitários, bem
como ao pessoal que esteja usando os emblemas f) A alínea e) do parágrafo 2o do presente
distintivos das Convenções de Genebra, em artigo aplicar-se-á aos conflitos armados que não
conformidade com o direito internacional; tenham caráter internacional e, por conseguinte,
não se aplicará a situações de distúrbio e de
iii) Dirigir intencionalmente ataques ao pes­ tensão internas, tais como motins, atos de violên­
soal, instalações, material, unidades ou veículos cia esporádicos ou isolados ou outros de caráter
que participem numa missão de manutenção da semelhante; aplicar-se-á, ainda, a conflitos arma­
paz ou de assistência humanitária, de acordo com dos que tenham lugar no território de um Estado,
a Carta das Nações Unidas, sempre que estes quando exista um conflito armado prolongado
tenham direito à proteção conferida pelo direito entre as autoridades governamentais e grupos
internacional dos conflitos armados aos civis e armados organizados ou entre estes grupos.
aos bens civis;
3. 0 disposto nas alíneas c) e e) do parágrafo
iv) Atacar intencionalmente edifícios consa­
grados ao culto religioso, à educação, às artes, às . ' elal naaa afetara a responsabilidade que
incumbe a todo o Governo de manter e de resta­
ciências ou à beneficência, monumentos históri­ belecer a ordem pública no Estado, e de defender
cos, hospitais e lugares onde se agrupem doentes a unidade e a integridade territorial do Estado por
e feridos, sempre que não se trate de objetivos qualquer meio legítimo.
militares;
INDICE ALFABÉTICO

• Admissão da prova ilícita do processo. Nossa posição.....................................63


• Admissão da prova ilícita no processo. Princípio da proporcionalidade e sua
aplicabilidade.................................................................................................... 60
• Admissibilidade da prova ilícita no processo em outros países. Breve histó­
rico..................................................................................................................... 29
• Admissibilidade da prova ilícita no processo no Brasil. Histórico.................... 19
• Admissibilidade da prova ilícita. Correntes doutrinárias...................................53
• Alemanha. Breve histórico acerca da admissibilidade da prova ilícita no
processo em outros países.................................................................................. 30
• Anexo. Estatuto de Roma................................................................................. 137

• Brasil. Histórico da admissibilidade da prova ilícita no processo no Brasil. ... 19


• Breve histórico acerca da admissibilidade da prova ilícita no processo em
outros países.......................................................................................................29
• Breve histórico acerca da admissibilidade da prova ilícita no processo em
outros países. Alemanha.................................................................................... 30
• Breve histórico acerca da admissibilidade da prova ilícita no processo em
outros países. Espanha....................................................................................... 34
• Breve histórico acerca da admissibilidade da prova ilícita no processo em
outros países. Estados Unidos da América........................................................ 32
• Breve histórico acerca da admissibilidade da prova ilícita no processo em
outros países. Itália.............................................................................................29
• Breves anotações sobre o conceito de prova......................................................47
• Breves anotações sobre o conceito de verdade.................................................. 37
• Busca da verdade pela prova..............................................................................44
142 Fábio Aguiar Munhoz Soares

• Busca e apreensão.............................................................................................. 93

c
• Classificações sobre prova................................................................................. 49
• Código de Processo Penal, art. 157. Prova ilícita.............................................115
• Colisão entre princípios. Interpretação constitucional....................................... 73
• Conceito de prova. Breves anotações.................................................................47
• Conceito de verdade. Breves anotações............................................................. 37
• Conceituação de verdade (Marilena Chauí)....................................................... 39
• Conclusão......................................................................................................... 127
• Consequências. Prova ilícita no processo.......................................................... 51
• Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891. Histórico
da admissibilidade da prova ilícita no processo no Brasil.................................21
• Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934. Histórico
da admissibilidade da prova ilícita no processo no Brasil.................................22
•Constituição da República Federativa do Brasil de 1967. Histórico da
admissibilidade da prova ilícita no processo no Brasil..................................... 24
•Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Histórico da
admissibilidade da prova ilícita no processo no Brasil..................................... 26
• Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937. Histórico da admissibi­
lidade da prova ilícita no processo no Brasil.....................................................23
• Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946. Histórico da admissibi­
lidade da prova ilícita no processo no Brasil.....................................................23
• Constituição Política do Império do Brasil de 1824. Histórico da admissibi­
lidade da prova ilícita no processo no Brasil.....................................................19
• Correntes doutrinárias acerca da admissibilidade da prova ilícita.................... 53

• Derivação. Provas ilícitas por derivação........................................................... 77

•Emenda Constitucional 1, de 1969. Histórico da admissibilidade da prova


ilícita no processo no Brasil...............................................................................25
• Entendimento jurisprudencial. Provas ilícitas em espécie................................ 83
• Escuta. Prova em áudio (interceptação, escuta e gravação telefônicas)............83
• Espanha. Breve histórico acerca da admissibilidade da prova ilícita no pro­
cesso em outros países....................................................................................... 34
• Estados Unidos da América. Breve histórico acerca da admissibilidade da
prova ilícita no processo em outros países........................................................ 32
Prova Ilícita no Processo 143

• Estatuto de Roma. Anexo. 137

• Forma e substância. Verdade substancial e verdade fonnal..............................40


• Forma. Verdade fonnal ou mentira formal no processo. Visão crítica............. 42

• Gravação telefônica. Prova em áudio (interceptação, escuta e gravação tele­


fônicas).............................................................................................................. 83

• Histórico acerca da admissibilidade da prova ilícita no processo em outros


países..................................................................................................................29
• Histórico da admissibilidade da prova ilícita no processo no Brasil.................19
• Histórico da admissibilidade da prova ilícita no processo no Brasil. Consti­
tuição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891............................. 21
• Histórico da admissibilidade da prova ilícita no processo no Brasil. Consti­
tuição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934............................. 22
• Histórico da admissibilidade da prova ilícita no processo no Brasil. Consti­
tuição da República Federativa do Brasil de 1967............................................24
• Histórico da admissibilidade da prova ilícita no processo no Brasil. Consti­
tuição da República Federativa do Brasil de 1988........................................... 26
• Histórico da admissibilidade da prova ilícita no processo no Brasil. Consti­
tuição dos Estados Unidos do Brasil de 1937................................................... 23
• Histórico da admissibilidade da prova ilícita no processo no Brasil. Consti­
tuição Política do Império do Brasil de 1824....................................................19
• Histórico da admissibilidade da prova ilícita no processo no Brasil. Emenda
Constitucional 1, de 1969.................................................................................. 25

• Interceptação ambiental.....................................................................................89
• Interceptação. Prova em áudio (interceptação, escuta e gravação telefôni­
cas)..................................................................................................................... 83
• Interpretaçãoconstitucional e colisão entre princípios....................................... 73
• Introdução...........................................................................................................15
• Itália. Breve histórico acerca da admissibilidade da prova ilícita no processo
em outros países................................................................................................. 29
144 Fábio Aguiar Munhoz Soares

• Jurisprudência. Entendimento jurisprudencial. Provas ilícitas em espécie.......83

• Marilena Chauí. Conceituação de verdade.........................................................39


• Mentira formal ou verdade formal processo. Visão crítica.......................... 42

• Posição do autor. Admissão da prova ilícita do processo................................. 63


• Princípio da proporcionalidade e sua aplicabilidade na admissão da prova
ilícita no processo...............................................................................................60
• Princípios. Interpretação constitucional e colisão entre princípios....................73
•Processo em outros países. Breve histórico acerca da admissibilidade da
prova ilícita.........................................................................................................29
• Processo no Brasil. Histórico da admissibilidade da prova ilícita no proces­
so no Brasil......................................................................................................... 19
• Prova e verdade.................................................................................................. 37
• Prova em áudio (interceptação, escuta e gravação telefônicas)......................... 83
• Prova ilícita e o Código de Processo Penal: art. 157........................................115
• Prova ilícita e o Tribunal Penal Internacional.................................................. 121
• Prova ilícita no processo e suas consequências...................................... 51
• Prova ilícita no processo em outros países. Breve histórico acerca da admis­
sibilidade............................................................................................................ 29
• Prova ilícita no processo no Brasil. Admissibilidade. Histórico........................19
• Prova ilícita. Correntes doutrinárias acerca da admissibilidade da prova ilí­
cita............................................................................................................ 53
• Prova ilícita. Princípio da proporcionalidade e sua aplicabilidade na admis­
são da prova ilícita no processo......................................................................... 60
• Prova...................................................................................................................47
• Prova. Busca da verdade pela prova.................................................................. 44
• Prova. Classificações......................................................................................... 49
• Prova. Conceito. Breves anotações.................................................................... 47
• Provas ilícitas em espécie e o entendimento jurisprudencial............................. 83
• Provas ilícitas por derivação.............................................................................. 77

• Referências. 131
Prova Ilícita no Processo 145

s
• Substância e forma. Verdade substancial e verdade formal..............................40

• Tortura.............................................................................................................. 108
• Tribunal Penal Internacional. Estatuto de Roma. Anexo................................. 137
• Tribunal Penal Internacional. Prova ilícita.......................................................121

• Verdade e prova................................................................................................. 37
• Verdade formal ou mentira formal no processo. Visão crítica.......................... 42
• Verdade substancial e verdade formal............................................................... 40
• Verdade. Busca da verdade pela prova..............................................................44
• Verdade. Conceito. Breves anotações................................................................37
• Verdade. Conceituação de verdade (Marilena Chauí)....................................... 39
• Visão crítica. Verdade formal ou mentira formal no processo..........................42

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